segunda-feira, 25 de maio de 2020

Portugal | Os novos bancos da vida


Rui Sá* | Jornal de Notícias | opinião

Causou polémica, nas últimas semanas, a injeção de mais 850 milhões de euros no Novo Banco.

A meu ver, pelas razões erradas: o foco da polémica passou a ser a "mentira" de Costa, a "traição" de Centeno, a "acusação" de Marcelo, e não o essencial - mais 850 milhões de euros de dinheiros avalizados pelo Estado para alimentar um banco privado, verba que entra diretamente nas contas do nosso défice.

Naturalmente que, para os responsáveis por este negócio (foram o PSD/CDS que decidiram a resolução do BES) e PS (que vendeu, a preço zero, ao fundo norte-americano Lone Star, 75% do banco), importa que a discussão seja em torno das questões paralelas - já me custa mais ver o BE, na ânsia de cavalgar a espuma mediática, a também valorizar o acessório.

Mas a pergunta de um milhão de dólares é outra: se o Estado português tem de injetar no Novo Banco, todos os anos (sim, ainda não terminou e para o ano há mais!...), centenas de milhões de euros, então porque não assume o controlo do banco? Ou seja, pagamos para os outros gerirem e, ainda por cima, e como se viu, para pagarmos salários pornográficos aos seus gestores!

Mais vale, então, pagarmos, gerirmos e impormos regras de gestão. Pelo que considero muito pertinente e de enorme bom senso o facto de o PCP ter apresentado, mais uma vez, a proposta para que o Novo Banco seja nacionalizado. Embora esteja cético relativamente aos resultados, importa que cada um assuma, mais uma vez, as suas responsabilidades.

Mas a pandemia pôs a nu outros privilegiados para além dos bancos - os proprietários dos alojamentos locais! É o que se depreende do programa Porto com Sentido que Rui Moreira, com o apoio do PS, aprovou para salvar o alojamento local na cidade. Já aqui o abordei, mas o que agora sei do mesmo ainda choca mais.

De facto, a Câmara vai alugar alojamentos locais e, depois, subarrenda-os àquilo a que chama "classe média". Na verdade, os apoios não serão dados às famílias, mas sim aos proprietários de alojamentos locais, independentemente de estes serem pequenos ou grandes proprietários, de terem recuperado fogos devolutos ou terem expulsado os seus antigos arrendatários.

De facto, para estes, são só benesses: um inquilino credível como a Câmara, o pagamento antecipado de rendas (que pode ir até 60 meses), a isenção de IMI e a possível isenção de IRS e IRC durante o período de aluguer. Para as famílias da "classe média" não haverá apoios: um casal, se alugasse um T1 no centro do Porto a 520€ (valor de referência máxima definida pelo município), só teria direito a subsídio de renda se, em termos brutos, o seu rendimento mensal conjunto fosse inferior a 1274€ (ou seja, o salário mínimo para ambos)!... Uma vergonha, como a do apoio aos bancos.

*Engenheiro

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