Em
Portugal a energia situa-se em patamares de preço muito elevados na comparação
europeia e, se avaliarmos as taxas de esforço, o panorama piora drasticamente.
Demétrio
Alves | AbrilAbril | opinião
Tornou-se
público que o Comité do IVA da União Europeia anuiu à redução do IVA da
eletricidade nos termos propostos pelo governo português.
O
primeiro-ministro congratulou-se com a decisão, considerando que «valeu a pena
ser firme» e ter proposto «um incentivo inovador, ambientalmente responsável e
socialmente justo».
O
governo solicitou à Comissão Europeia autorização para alterar os critérios do
IVA da energia com vista a uma variação da taxa em função dos diferentes
escalões de potência.
Recorde-se
que, no início do ano, o parlamento chumbou a descida global do IVA da
eletricidade, resultado viabilizado através de um concerto de posições entre
o PS, o CDS e o PSD. Este último partido retirou, no último momento, a sua
proposta de descida global apresentada inicialmente com grande estardalhaço.
A
descida do IVA da eletricidade para consumo doméstico marcou a discussão do
primeiro orçamento da nova legislatura.
Continua,
contudo, a não se conhecer quando e quanto descerá o imposto, isto é, que
consumidores serão beneficiados.
Existe,
na formulação que o governo contrapôs no parlamento aquando da discussão e
votação do OE 2020, um vício de raciocínio que indicia incompetência, confusão
ou oportunismo: a aplicação de uma redução do IVA apenas aos escalões de
potência eléctrica até aos 3,45 kVA (os três escalões mais baixos) não garante,
por si só, incentivo ao uso racional da eletricidade, nem maior justiça
socioeconómica e responsabilidade ambiental.
A
potência contratada representa um custo fixo para o consumidor que é facturado
diariamente. Mesmo que não haja consumo de eletricidade paga-se pela
disponibilidade de potência (antes falava-se em «aluguer do contador»). O custo
cresce com o escalão, e existem treze escalões para uso doméstico, que vão de
1,15 kVA a 41,4 kVA. Para o escalão 3,45 kVA paga-se cerca de 85 euros por ano
e, no caso do escalão 13,8 kVA, são cerca de 260 euros.
Existe
um total de 6,5 milhões de consumidores de eletricidade em Portugal, sendo que
5,7 milhões são domésticos. No sector residencial (domésticos), os escalões de
potência mais usados são os de 3,45 kVA (2,8 milhões de consumidores; 50%) e
6,9 kVA (1,6 milhões de consumidores; 28%).
Se
o IVA descer apenas para quem tem potência contratada até aos 3,45 kVA ficarão
fora da medida de reposição de justiça fiscal, fundamental para inverter a
situação introduzida aquando da troika/PSD, pelo menos 2,6 milhões de
consumidores (domésticos, pequenas empresas e pequenas unidades agrícolas). Estes consumidores não são esbanjadores de energia insensíveis às questões
ambientais. Para eles a eletricidade é um bem de valor socioeconómico vital.
Poderá
o governo argumentar que também estes poderão beneficiar da descida do imposto,
bastando, para isso, mudarem os seus contratos para o escalão de potência mais
baixo. Por exemplo, uma família formada por um casal, dois filhos e um sénior
residindo em conjunto, tendo um contracto estabelecido para uma potência de 6,9
kVA (em muitos casos poderá ser de 13,8 kVA), bastaria mudarem para 3,45 kVA.
Só
que isto não é assim tão imediato e fácil quanto imagina o ministro da tutela.
Desde
logo há que entender que a escolha de uma determinada potência não é feita
aleatoriamente, nem é função apenas da vontade do consumidor. De facto, essa
opção, validável através de certificação por técnico competente, tem a ver com
o número e potência dos equipamentos existentes na residência.
Tanto
a Entidade Reguladora do Serviço Energético (ERSE) como a distribuidora de
eletricidade (EDP) indicam a quem tenha um frigorífico, uma máquina de lavar a
roupa (até 5 kg ),
um micro-ondas, uma TV LCD pequena e duas ou três lâmpadas de baixo consumo, que
deverá contratar 3,45 kVA (87,5€/ano). E se, para além dos equipamentos
indicados, existir mais um aquecedor a óleo e um forno elétrico já terá que
contratar 4,6 kVA, situação que subirá para 6,9 kVA se houver também uma
máquina de lavar loiça.
Pergunta-se
ao governo se entende a existência dos equipamentos acima referidos como luxo
desnecessário?!
Mas,
há ainda uma outra questão relevante: não basta descer o escalão de potência
para que, garantidamente, se passe a consumir menos (em) eletricidade e, sobretudo,
se pague menos à comercializadora.
Reduzir
a potência contratada, se isso for viável em termos de certificação energética,
apenas baixa a fatura no que diz respeito à potência, sendo necessário ter em
conta que existe na miríade de ofertas comerciais, muitas em que a componente
energia aumenta ao baixar o escalão de potência!
Uma
família, como a que se mencionou, poderá gastar com eletricidade entre 2000 e
3000 €/ano de acordo com as cerca de setenta propostas comerciais disponíveis.
Incluindo-se o gás natural e a mobilidade eléctrica a factura subirá para 2500 a 3500 €/ano.
Em
Portugal a energia situa-se em patamares de preço muito elevados na comparação
europeia e, se avaliarmos as taxas de esforço, o panorama piora drasticamente.
Outro
facto inquestionável indica que as capitações energéticas portuguesas, no
sector doméstico, estão apenas a meio de uma tabela que também é indicador de
desenvolvimento e conforto. Não o se pode confundir com a intensidade
energética do produto económico industrial que, sendo elevado, deveria descer.
Nem se deve esquecer que, em Portugal, se passa muito frio ou demasiado calor
em casa.
Para
se conseguir, de facto, racionalizar o consumo energético das famílias é
necessário: utilizar eletrodomésticos de classe energética superior, alterar
hábitos de consumo de energia, ter sistemas de controlo avançados, estabelecer
contratos diferenciados, ter residências construídas de acordo com princípios
de conservação energética, etc., ou seja, é necessário que as endividadas famílias
portuguesas invistam mais para, depois, poderem poupar.
A
resolução que o governo vier a aplicar, de acordo com termos e condições que
perpassaram nos discursos públicos, será sempre sofrível. Mas, atenção, ainda
poderá ser pior.
*O
autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)
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