#Escrito e publicado em português do Brasil
Eleições novamente adiadas, para
outubro. Golpe que derrubou Evo fracassa em todos os terrenos. Direita
dividi-se e MAS, partido do ex-presidente, lidera todas as pesquisas. Governo
trama novo golpe, mas cresce a resistência indígena
Gerardo Szalkowicz no Rebelión | em Outras Palavras | Tradução: Simone Paz
Nas próximas semanas, o centro de
gravidade da América Latina vai se deslocar para a Bolívia, onde a maior dúvida
é saber se, finalmente, haverá eleições livres e transparentes que ajudem a
recuperar a democracia que rasgada em novembro do ano passado. O Dia D será em
6 de setembro. Por enquanto. Com o partido MAS liderando em todas as pesquisas,
a direita aposta mais uma vez em derrubar as peças do tabuleiro, tentando um
novo adiamento ou a proscrição. É óbvio: ninguém dá um Golpe de Estado para
depois devolver o poder, de forma mansa, àqueles que retirou à força.
Eles têm um bom álibi: o desastre
que a pandemia vem causando. Hospitais em colapso e pessoas morrendo nas ruas
são a face mais cruel de um sistema de saúde desmontado. A curva de contágio
continua a crescer e, como se fosse pouco para a conturbada atualidade
boliviana, a covid-19 atingiu até a presidenta, junto com mais sete ministros,
seis vice-ministros, o chefe das Forças Armadas e uma dúzia de legisladores.
Das múltiplas crises que envolvem
o país, a sanitária é a mais evidente. Nem a mídia, que acompanhou o curso do
golpe, consegue esconder as imagens de pessoas desesperadas por não encontrar
lugar para tratar seus parentes infectados ou para enterrá-los, quando morrem.
Enquanto isso, o titular da pasta de Defesa, Luis Fernando López, assumiu o
Ministério da Saúde — um militar sem experiência sanitária administrando uma
pandemia, do mesmo jeitinho que no Brasil de Bolsonaro. As respostas oficiais
vão desde chamados a orações religiosas até explicações tragicômicas, como a do
ministro Arturo Murillo: “Muitas pessoas estão morrendo por simples
ignorância”. O cenário só não assume uma dimensão de tragédia, porque durante o
governo de Evo Morales o investimento em saúde (agora paralisado) aumentou
360%, os empregos no setor dobraram e foram construídos 1.062 estabelecimentos
de saúde.
Mas não foi a emergência
pandêmica que levou Jeanine Áñez, Jorge “Tuto” Quiroga e Luis Fernando Camacho
a pedirem auxílio à OEA para adiar as eleições (a mesma OEA de Luis Almagro,
aquela que os ajudou a dar o golpe), foi o número das pesquisas: juntando os
três candidatos da ultradireita, não é possível chegar nem a 20%; e, apesar das
perseguições, dos encarceramentos e exílios, o MAS aparece com altas chances de
ganhar no primeiro turno, se conseguir interromper os ataques que vem sofrendo
para conseguir lançar seu candidato Luis Arce. O cenário eleitoral se completa
com o ex-presidente liberal Carlos Mesa, que pretende chegar na votação apoiado
pela classe média de La Paz
(nas fracassadas eleições de outubro passado, ele ficou 10,3 pontos abaixo de
Evo Morales) e que, por enquanto, ainda não aceitou se aliar aos setores mais
extremos da oligarquia de Santa Cruz.
É que a insatisfação com a gestão
de Áñez e seu grupo é cada vez maior. Por causa das inúmeras denúncias de
corrupção — como a compra milionária de suprimentos médicos e respiradores
superfaturados — mas, principalmente, por deixarem a população completamente
desamparada diante do terrível impacto econômico do coronavírus. Em um país com
70% de emprego informal e após uma enxurrada de demissões, o desemprego subiu
para 8,1%, quase o dobro do que Evo Morales deixou quando a Bolívia tinha o
número mais baixo da América Latina.
É por essas e outras que Luis
Arce vem ganhando força. Além de ter um perfil “moderado”, foi Ministro de
Economia durante quase todo o governo de Evo. Quem melhor para dirigir a crise
pós-pandêmica do que aquele que era o mentor de um modelo irrefutável de
recuperação e de estabilidade econômica?
Se existe uma palavra para
definir o futuro desta história, é incerteza. Tudo pode acontecer nos
próximos movimentos. A direita boliviana, desde sempre guiada pelo Norte,
aposta novamente em derrubar o tabuleiro. O MAS denunciou que “foi lançada uma
campanha para pressionar o TSE com o objetivo de cancelar nosso status legal”.
Eles também se declararam “em
estado de emergência, diante dessa nova tentativa de proibir nossos
candidatos”. Os movimentos sociais e sindicais já estão nas ruas para
impedi-la. Após uma grande demonstração de forças em todo o país na última
terça-feira, o secretário executivo da Central Operária Boliviana, Juan Carlos
Huarachi, alertou: “Os trabalhadores vão garantir a realização das eleições no
dia 6 de setembro. Nós vamos defender a democracia ”.
É disso que se trata a próxima
batalha da Bolívia: recuperar a democracia perdida.
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