O académico sul-africano Andre
Thomashausen defendeu hoje que a África do Sul deveria intervir em Cabo Delgado no
âmbito de uma missão militar de paz regional e de reconstrução integrada
daquela província no norte de Moçambique.
“Neste momento, a África do Sul
também está ansiosa em limitar a entrada de grandes empresas mercenárias
estrangeiras, canadianas, americanas, britânicas e francesas, e é por isso que
está muito seriamente a considerar uma assistência militar oficial através das
forças [de Defesa] regulares”, disse em entrevista à Lusa o académico e jurista
sul-africano.
“Estamos a falar de um batalhão
que poderá ser transferido para Cabo Delgado já em dezembro deste ano
e há exercícios em curso para uma missão em Cabo Delgado ”,
avançou em entrevista à Lusa.
Na opinião do analista, a África
do Sul poderia assumir um “papel moderador” no conflito
em Cabo Delgado por forma a afastar “o perigo de forças mercenárias”,
repor a “normalidade” e evitar “os abusos que neste momento estão a ser
praticados pelas FADM [Forças Armadas de Moçambique]”.
A missão militar de paz
sul-africana, referiu Andre Thomashausen, será destacada no âmbito regional da
Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
“Moçambique já solicitou esse
apoio à SADC e é por aí que se poderá processar, e se houver um escalar da
violência é muito provável que o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU)
também se venha a pronunciar e poderia haver uma operação semelhante à operação
de manutenção de Paz na República Democrática do Congo, onde já existe desde há
alguns anos uma presença sul-africana”, salientou.
Manutenção de paz
O académico defendeu que a África
do Sul utilizará a experiência adquirida em missões de paz em Darfur, Sudão do
Sul e no DR Congo para montar “uma intervenção menos musculada e mais virada
para a manutenção da paz”, mas integrada num projeto de reconstrução social
daquela região no norte de Moçambique.
“É claro que uma mobilização de
um batalhão ou até mesmo de dois batalhões para Cabo Delgado é muito oneroso”,
sublinhou o analista, afirmando que “terá de haver uma forma de se financiar
essa intervenção e aí coloca-se a questão: como é possível que um jazigo enorme
de gás natural, fala-se que seja o 10º maior do mundo, se está a processar sem
a participação da África do Sul, que não tem nem um por cento dessas
concessões”, referiu.
“Agora, os bancos da África do
Sul estão a financiar o projeto da Total porque não consegue financiar um
projeto de energia fóssil a partir da Europa”, afirmou Thomashausen,
acrescentando que Pretória “deveria e poderia” participar no grande projeto
de exploração de gás.
“Seria natural que a África do
Sul mantenha também um interesse na proteção desses recursos”, sublinhou em
entrevista à Lusa.
O Estado Islâmico (IS, na sigla
em inglês) advertiu retaliar recentemente Pretória, através de um boletim
informativo em árabe, citado pela imprensa sul-africana, caso se envolva
militarmente no conflito em
Cabo Delgado.
Todavia, na sequência de um
pedido do Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, a ministra da Defesa da
África do Sul Nosiviwe Mapisa-Nqakula remeteu a questão para a SADC no
parlamento.
Resposta da SADC
“A resposta coordenada da SADC à
insurgência em Moçambique é uma questão que envolve o estado membro e o
organismo regional. Os detalhes dessa resposta podem ser melhor articulados
pelo Presidente ou pelo Secretariado da SADC”, disse a governante em resposta
por escrito a uma pergunta da Aliança Democrática (DA, na sigla em inglês), o
principal partido na oposição.
“A África do Sul não deveria
interferir nos assuntos internos de um país vizinho se os nossos próprios
interesses não estiverem em
risco. Em minha opinião, deveria ser uma intervenção da SADC
para estabilizar Cabo Delgado”, disse o deputado do Aliança Democrática, Kobus
Marais.
O maior partido da oposição na
África do Sul sublinhou que o país participa atualmente numa missão
antipirataria da SADC no Canal de Moçambique, missão essa que “estabelece um
precedente para a intervenção de uma força da SADC, semelhante à RD Congo, onde
a África do Sul é um dos três países que contribuem para a Brigada de
Intervenção de Força (FIB).”
Na ótica de Andre Thomashausen, a
“militarização” de Cabo Delgado “é sinistro porque as populações civis dentro
de pouco tempo ficarão numa situação semelhante à Síria ou à Somália em que já
não existem estruturas de pé e só existem refugiados e gente a sobreviver”.
“O ministério da Defesa
sul-africano dispõe de verbas para missões de paz e de assistência ao SADC,
eventualmente terá de haver um ajustamento nesse orçamento, mas também poderá
haver uma situação em
que Moçambique assume as despesas diretas dessa missão, tal
como a Total está a pagar às FADM pela segurança em Cabo Delgado ”,
referiu.
“E poderá haver países doadores,
os Estados Unidos por exemplo a contribuir com material, aviões e
helicópteros”, adiantou.
“Moçambique tem verbas neste
momento, porque a transferência da parte da concessão do gás da empresa
norte-americana Anadarko para a Total, que depois vendeu metade da concessão à
Qatar Petroleum, em cada uma dessas operações há um imposto que rendeu cerca de
800 milhões de dólares (679,5 milhões de euros) ao Governo [moçambicano]
recentemente e, portanto, existem algumas verbas, só que tragicamente estão a ser
muito mal aplicadas”, sublinhou.
Andre Thomashausen considerou que
a reconstrução de Cabo Delgado “é urgente, porque é só através da reconstrução
das suas infraestruturas é que se vai poder pacificar esta situação [de
conflito].
“A África do Sul tem capacidade
para fazer essas obras e sabe fazê-las muito bem, há muitas críticas contra
este país, mas a África do Sul tem uma capacidade de engenharia e construção
civil impressionante”, sublinhou à Lusa.
Plataforma | Lusa
Sem comentários:
Enviar um comentário