ONG angolana OMUNGA e Amnistia
Internacional denunciam o assassinato de adolescentes como consequência da
violência policial durante o estado de emergência. À DW, OMUNGA diz que polícia
angolana precisa de reforma.
A 4 de julho, Clinton Dongala
Carlos, de 16 anos, foi alvejado nas costas pela polícia quando regressava da
casa da tia, no município de Cacuaco, província de Luanda. Depois dos agentes
lhe despejarem água no rosto, o adolescente ferido levou um segundo tiro, desta
vez mortal, na cara.
Segundo testemunhas, Carlos foi
perseguido por um grupo de agentes das forças de segurança, dois das Forças
Armadas Angolanas (FAA) e três da Polícia Nacional de Angola (PNA).
Este é apenas um de sete casos de
adolescentes e jovens mortos pelas forças de segurança angolanas, entre maio e
julho, identificados e registados numa investigação da Amnistia Internacional e
da organização angolana de direitos humanos OMUNGA, através de entrevistas com
amigos e familiares das vítimas, bem como com testemunhas oculares.
Segundo o relatório da
investigação, publicado nesta terça-feira (25.08), as vítimas eram todos
rapazes e homens jovens - o mais novo tinha apenas 14 anos de idade.
Todos os assassinatos ocorreram em bairros mais pobres. As organizações
acreditam que o verdadeiro número de mortos será provavelmente muito mais
elevado.
O
relatório afirma que as equipas de segurança angolanas têm utilizado força
excessiva e ilegal quando lidam com violações dos regulamentos do
estado de emergência impostos para controlar a propagação da Covid-19.
João Malavindele, director
Executivo da OMUNGA, defende que "as autoridades angolanas devem assegurar
que a investigação em curso seja rápida, independente e imparcial. Os agentes
estatais suspeitos de serem responsáveis por violações e abusos dos direitos
humanos devem ser responsabilizados e às famílias deve ser concedida justiça,
verdade e reparação."
À DW África, Malavindele defendeu
que a Polícia angolana precisa de uma reforma.
DW África: Já dirigiram os apelos
às autoridades?
João Malavindele (JM): De
certa forma é o que nós temos estado a divulgar ao longo deste período de
estado de emergência e agora estado de calamidade. Até agora fomos fazendo nota
pública, denunciando essas práticas, mas estamos agora em vias de formalizar
processos. Um dos estágios está no tribunal, o caso do miúdo [de 14 anos] que
foi morto na província de Benguela. Para além da responsabilidade criminal,
estamos a exigir também a responsabilização social. E pretendemos fazer isso
também com o resto dos casos que nós temos documentados. O que nós exigimos
nesse momento é isso, a responsabilização por parte de quem, em nome do Estado,
foi perpetrando esse tipo de crime.
DW África: Face às vossas
denúncias, tem notado alguma tendência de redução de violência por parte da
polícia contra os cidadãos?
JM: Alguns discursos meio
musculados contribuíram muito para que a polícia, na sua atuação,
desrespeitasse os direitos e os deveres dos cidadãos. Ou seja, a dada altura,
as próprias forças de segurança pensaram que o estado de emergência substituía
o estado de direito. E nessa fase registou-se muita violência policial porque
os próprios polícias não percebiam e estavam carentes daquilo que se pretendia
de concreto com a própria pandemia. Faltou alguma informação. Por outro lado,
também é a interpretação do próprio decreto. Hoje, embora continuem nessa
tendência [de violência policial], já não há tanto assim com há dois ou três
meses,
DW África: Durante o consolado de
José Eduardo dos Santos, a polícia era considerada bastante repressiva e
abusiva. Esta prática não está a ser eliminada no Governo de João Lourenço?
JM: Se está a ser eliminada
não está a ser bem eliminada. [Segundo] as estatísticas no começo da pandemia,
a dada altura a polícia fez mais vítimas que a própria pandemia. Agora, acho
que as pessoas também vão amadurecendo, vão entendendo as novas estratégias e
as novas políticas do atual efetivo. Mas, ainda assim, sentimos esse lado de
repressão por parte das forças de segurança. E nessa fase de João Lourenço há
sinais do combate à impunidade. Então, isso também tem estado a persuadir
algumas pessoas que estão nesse lado de manter essa paz e essa ordem social no
sentido de estarem cada vez mais cautelosos quando estiverem no exercício da
sua função. Mas as coisas continuam.
DW África: Então é caso para
dizer que a polícia de Angola precisa, com alguma urgência, de uma verdadeira
reforma?
JM: Claro. Precisamos de uma
reforma. Hoje, ao dialogar com um polícia sobre uma situação qualquer, corre-se
o risco de em menos de 24 horas ir-se parar ao tribunal porque se
desautorizou uma ordem qualquer. E o polícia basta fazer um auto de notícia, que
só ele é que sabe o que está lá escrito, envia para o tribunal e o cidadão é
logo condenado a pagar multa. Ou seja, nesta fase há uma espécie de
carta-branca para as forças de segurança. Porque aqui não se privilegia o
diálogo com o cidadão, que à mínima coisa é logo levado para a esquadra e
passa por um julgamento sumário e pronto.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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