domingo, 26 de junho de 2022

60 anos da FRELIMO: "Não fizemos nada errado", defende Mariano Matsinhe

A FRELIMO completou, a 25 de junho, 60 anos desde a sua criação. À DW África, o general e membro fundador da FRELIMO, Mariano de Araújo Matsinhe, recorda que "quem traísse a luta de libertação nacional era fuzilado".

A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido que dirige o estado moçambicano desde a proclamação da independência, há 47 anos, comemora este ano 60 anos desde a sua fundação, na Tanzânia, em 1962. O partido dirigiu a luta pela libertação de Moçambique. 

A FRELIMO teve "os seus pecados", ao longo do percurso, alguns dos quais as mortes de Uria Simango, Joana Simeão, Lázaro Kavandame, Padre Mateus Gwenjere, entre tantos outros notáveis que foram considerados "traidores" pelo próprio partido.

Por outro lado, outro "erro de percurso" da FRELIMO, foi o programa Operação Produção, lançado em 1983, que acabou por transformar- se num "verdadeiro corte" de laços familiares, cujos seus entes queridos foram enviados para o Niassa e alguns nunca mais regressaram.

No âmbito dos 60 anos da FRELIMO, a DW África conversou com o antigo ministro moçambicano da Segurança, nos anos de 1980, Mariano de Araújo Matsinhe, sobre estes e outros temas.

General na reserva e membro fundador da FRELIMO, Mariano de Araújo Matsinhe reafirma, sem hesitar, que "quem traísse a luta de libertação nacional era fuzilado", fazendo referência às mortes de Uria Simango, entre outros.

Sobre a Operação Produção, Matsinhe entende que o projeto tinha o seu mérito. E defende que a FRELIMO não tem de pedir "perdão" pelas violações de direitos humanos causadas por este projeto, como sugerem alguns analistas moçambicanos.

DW África: O que o moveu, na altura, a juntar-se à FRELIMO?

Mariano Matsinhe (MM): Quando vou a Lisboa estudar, através de uma bolsa de estudos que o Estado Português me concedeu, começamos [na companhia de outros estudantes moçambicanos] a sentir que deveríamos fazer alguma coisa na luta pela libertação nacional. E isso começou a materializar-se nas nossas cabeças. E juntei-me à FRELIMO em 1962 em Tanganyika [hoje Tanzânia]. 

DW África: Foi nessa altura que decidem assumir o risco de ir para uma luta, onde não sabiam qual seria o vosso futuro?

MM: A ideia que nós tínhamos nessa altura era 'vale a pena morrer do que viver debaixo do colonialismo'. E era isso que nos motivava.

DW África: Sente que a juventude moçambicana atualmente tem a mesma determinação e atitude que a sua geração tinha?

MM: Não tem, porque a motivação hoje é diferente. Naquela altura, tínhamos o colono como um foco de unidade de todo o povo moçambicano para lutar contra o colonialismo. Hoje as pessoas estão independentes, a motivação tem de ser completamente outra. Mas é necessário a partir do nosso ensino primário, secundário e até mesmo universitário, haver um programa para incutir na juventude o sentido nacionalista, de que existe uma nação. E esta nação é o povo e devemos dar todo o nosso esforço em defesa deste povo. 

DW África: Mas o que terá falhado para que durante o processo histórico do país este sentido de nacionalista se perdesse?

MM: Eu aprendi durante este período, da luta de libertação e da independência, que nós não somos uma ilha. No início tínhamos essa ideia, após a independência, de que esse é o nosso país. Vamos organizarmo-nos como deve ser, mas houve o esforço de multipartidarismo e então alterou-se um bocadinho o nosso programa e as consequência são essas.

DW África: Sessenta anos depois, que FRELIMO temos hoje?

MM: Bom, temos uma FRELIMO de acordo com as circunstâncias. Uma coisa que eu aprendi durante todo esse percurso, é que a FRELIMO é um partido com uma maturidade suficiente para se adaptar às circunstâncias e é o que estamos a fazer. Por isso continuamos no poder.

DW África: Durante muito tempo, e ainda hoje, continuou a merecer uma discussão no país o projeto Operação Produção, lançado pelo Governo da FRELIMO em 1983. Nos dias de hoje, acha que o projeto teria mérito para ser continuado?

MM: A ideia principal era colocar todos os desempregados a fazer qualquer coisa, porque Moçambique é muito grande e temos a terra. Houve muitas falhas porque também não tínhamos experiência na área e tivemos que abandoná-lo. Mas o objetivo era de que todo moçambicano deve engajar-se na produção para o desenvolvimento do país.

DW África: Houve erros, tal como o general Matsinhe reconhece. E há quem defenda que a FRELIMO deveria vir a público assumir os erros deste projeto e pedir desculpas por isso. Concorda?

MM: Não, não. Perdão não. Nós não vamos pedir perdão. A ideia era boa e é boa até hoje.Por que é nós vamos pedir perdão? Houve falhas sim, não conseguir atingir os objetivos, mas gostaríamos de os ter atingido rapidamente.

DW África: Muitas correntes defendem que os campos de reeducação eram uma espécie de campos de tortura...

MM: Não, não, não. Não eram campos de tortura política. Não houve nenhuma tortura. Eram campos sim e havia agricultura. É verdade contra a vontade de muitas pessoas que gostariam de estar nas cidades a vadiar. Mas ali pelo menos faziam qualquer coisa útil para a sociedade.

DW África: Durante o percurso histórico da FRELIMO, o partido passou por alguns momentos de crise. Uma delas com o surgimento de vozes críticas dentro do partido que, mais tarde, a FRELIMO apelidou de traidoras. Quando olha para o passado, e para o fim que estas pessoas tiveram, acha que estas medidas tomadas pelo partido seriam as mesmas hoje em dia?

MM: As medidas que são tomadas dependem das circunstâncias. Fizemos a luta armada e nessa altura os desertores eram punidos, eram fuzilados. Fizeram também isso na Europa. Nem havia julgamento. Por que é que em África haveria julgamento ou direitos humanos? Direitos humanos durante a guerra é algo muito difícil. As circunstâncias naquela altura indicaram que deveríamos tomar aquelas decisões.

DW África: Mas hoje é possível que a FRELIMO faça uma reconciliação com a sua história?

MM: Não fizemos nenhum erro. Quem traísse a luta de libertação nacional era fuzilado e ponto final.

DW África: E quais são os desafios da FRELIMO para os próximos anos, num horizonte de 20 anos, por exemplo?

MM: Em primeiro lugar acabar com o terrorismo em Cabo Delgado. Isso é fundamental. Segundo, investir na economia nacional. E o setor mais importante é a agricultura, para não dependermos mais das importação da África do Sul e de outros países. Nós temos terra, água e todas as condições necessárias para desenvolvermos a nossa agricultura e essa é que deve ser a nossa incidência. É verdade que temos jazigos de gás que nos podem dar muito dinheiro, mas esse dinheiro deve ser investido na agricultura e nas infraestruturas, como estradas e pontes para facilitar o escoamento da produção. E por fim, o desenvolvimento industrial é também fundamental.

Mariano de Araújo Matsinhe , nasceu a 29 de setembro de 1937, na província de Tete, centro de Moçambique. Viveu os momentos iniciais da fundação da FRELIMO, que veio a acontecer em 1962, e aderiu ao movimento vindo da UNAMI (União Nacional Africana de Moçambique Independente), um dos três movimentos que formaram a FRELIMO.

Amós Fernando | Deutsche Welle

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