Artur Queiroz*, Luanda
A editora Edições QB Comunicação rejeitou sempre o difícil comércio das palavras e privilegiou a Arte Literária. Nunca rendeu um centavo ao editor (eu mesmo, Artur Queiroz) mas lançou grandes obras de enormes autores. Todos com uma característica invulgar: São meus amigos ainda que alguns não se conheçam entre eles. Foi assim que publiquei a obra poética À Luz Alfabetizada da Palavra de Domingos Florentino, pseudónimo de Marcolino Moco.
Uma obra histórica. A capa é do escultor José Rodrigues (o meu saudoso amigo Zeca Bailundo) um dos artistas plásticos mais importantes do mundo. Angolano, primo irmão de António Jacinto e irmão da incomensurável Irene Guerra Marques.
O grafismo é de Anabela Queiroz, a minha filha do Bairro Benfica, Huambo, neta da Mamã Rosa, de Cangamba, parteira tradicional nos bairros pobres da então Nova Lisboa. São belíssimos poemas que recomendo vivamente. Foi o primeiro livro de poesia que publiquei. O segundo foi A Grande Fumarada de José Zan Andrade. Uma preciosidade da preciosa Literatura Angolana. A editora estava maia vocacionada para textos doutrinários. Mas há poemas que valem por todas as ideologias, por todas as doutrinas, por todos os ideólogos.
Este excerto do Romance da Guarda Civil, de Lorca, é um monumento da Humanidade: “Os cavalos são negros./ Negras são as ferraduras./ Sob suas capas brilhantes/ há manchas de tinta e cera./Eles não choram/porque suas caveiras são de chumbo./ Com a alma de verniz/ Os guardas galgam a estrada./ Corcundas e sombrios/por onde passam ordenam/silêncios de borracha obscura/e medos de fina areia./ Passam por onde quiserem/escondendo na cabeça/uma vaga astronomia/de pistolas inconcretas”.
António Agostinho Neto, o bardo que escreveu este programa de saber estar no Mundo: “as mãos amparando a germinação do riso/ sobre os campos de esperança”. O poeta que escreveu Do Povo Buscamos a Força como se fosse a Constituição da República Popular da Liberdade Universal. Eis os seus ditames:
Não basta que seja pura e justa/a
nossa causa/É necessário que a pureza e a justiça/
existam dentro de nós.
Dos que vieram/e connosco se
aliaram/muitos traziam sombras no olhar/
intenções estranhas.
Para alguns deles a razão da
luta/era só ódio: um ódio antigo/centrado e surdo/
como uma lança.
Para alguns outros era uma bolsa/bolsa vazia (queriam enchê-la)/queriam enchê-la/ com coisas sujas/ inconfessáveis.
Outros viemos. Lutar pra nós é ver aquilo/que o Povo quer/realizado./É ter a terra onde nascemos./É sermos livres pra trabalhar/É ter pra nós o que criamos./Lutar pra nós é um destino/é uma ponte entre a descrença/e a certeza do mundo novo.
Na mesma barca nos encontramos./Todos concordam - vamos lutar.
Lutar pra quê?/Para dar vazão ao ódio antigo?/Ou pra ganharmos a liberdade/e ter pra nós o que criamos?
Na mesma barca nos encontramos./Quem há-de ser o timoneiro?/Ah as tramas que eles teceram!/Ah as lutas que aí travamos!
Mantivemo-nos firmes:/ no povo buscáramos a força/e a razão.
Inexoravelmente/como uma onda que
ninguém trava/vencemos./
O Povo tomou a direção da barca.
Mas a lição lá está, foi
aprendida:/Não basta que seja pura e justa/a nossa causa/
É necessário que a pureza e a justiça/existam dentro de nós”
O poema acaba sem ponto final. A Constituição da Liberdade é um livro sempre aberto. Neto sabia isso melhor do que ninguém. Os seus poemas valem por toda a Literatura Universal.
Eu, editor, publiquei na QB Comunicação os poemas de Marcolino Moco. Sou o autor do livro Marcolino Moco um Governo à Prova de Guerra, publicado em 1996. Fui muito atacado por ter ousado divulgar a vida e obra de um político angolano, sem pedir licença a ninguém. Passei horas recolhendo o depoimento de Moco.
Um dia, com lágrimas nos olhos, ele contou-me que a UNITA raptou seu irmão. Virou o mundo ao contrário para libertá-lo. Teve um encontro com Miguel Nzau Puna num armazém dos arredores do Huambo onde estacam muitos presos do MPLA ou simplesmente acusados de serem do movimento. O raptado nunca mais apareceu.
Outro dia contou-me que um comando da UNITA tentou assassiná-lo. Andou a saltar de muro em muro pela calada da noite até iludir os perseguidores. Foram os seus camaradas do MPLA que o salvaram da morte. Hoje a UNITA é ainda pior do que naquele tempo.
Agora o meu amigo Moco está nas mãos dos sicários do Galo Negro. Meteu-se voluntariamente na boca dos mabecos. Foi meter-se no covil dos bandidos. E os primeiros a espetar-lhe a faca nas costas, na hors da derrota, vão ser o Adalberto e o Francisco Viana. Chivukuvuku faz desaparecer o corpo e o Paulo Lukamba Gato dá uma conferência de imprensa e diz que foi o MPLA que mandou dar as facadas.
Antes que aconteça a desgraça, vamos dar um a tareia eleitoral à UNITA e seus associados. Uma porrada tão grande, que nunca mais se esquecem. Eleitores de todo o país, salvem com o voto no MPLA, o meu amigo Marcolino Moco! Entre nós não há ódios antigos, cheirando a podridão.
Como escreveu José Gomes Ferreira, outro poeta que vale por toda uma Literatura, “é do destino de quem ama/ouvir um violino até na lama”.
*Jornalista
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