Deixar correr é uma escolha - mas demais é demais
O conformismo com as “leis do mercado” não é outra coisa que não uma opção ideológica em favor da estrutura de privilégios que existe. Foi para isso que o PS quis uma maioria absoluta?
José Soeiro* | opinião
Não é preciso ser-se especialista em comportamento para saber que quando se decide não fazer escolhas se está já a escolher. A passividade do governo perante alguns dos principais problemas que vivemos é pois uma escolha, que deixa as desigualdades instalarem-se.
Neste ano de 2022, têm anunciado
os jornais, a remuneração dos acionistas das grandes empresas, em particular na
energia, petróleo e banca, vai subir como nunca. Estima-se que mais de 1,5
biliões de euros sejam distribuídos
Só que ao contrário do que o Governo disse durante meses, a inflação não é transitória, mesmo que venha a abrandar. É anterior à guerra, embora tenha disparado com ela, e resulta, em grande medida, da especulação em curso com matérias primas e do aproveitamento dos grandes grupos da energia e da distribuição alimentar, que terão lucros como nunca tiveram. Ao mesmo tempo, os trabalhadores perderão, este ano, o equivalente a um mês de salário no seu poder real de compra.
O conformismo com as “leis do mercado” não é outra coisa que não uma opção ideológica em favor da estrutura de privilégios que existe. Foi para isso que o PS quis uma maioria absoluta? Já se sabe que o capitalismo tem a sua lógica voraz. Mas é precisamente para contrariá-la que existem políticas públicas, planeamento democrático, subordinação do poder económico ao poder político, valores elementares da esquerda. Sim, é possível impor um teto aos custos da eletricidade, do gás e dos combustíveis. É possível descer o IVA de todos estes bens essenciais, mas também cortar nas rendas das energéticas e ser o Estado a fixar preços através da lei democrática, em vez de ser o mercado a fazê-lo através da lei da especulação. É preciso, e é possível, controlar os preços da alimentação. É possível estancar o aumento das rendas, que pode ser este ano o maior de sempre. Na realidade, a lei já fixa um teto para esse aumento, mas é preciso que, no atual contexto, elas não possam subir em linha com a inflação, quando os salários se mantiveram congelados. E é preciso evitar mais uma catástrofe neste campo, limitando aumentos de renda mas também impedindo a penhora da casa de habitação própria e garantindo finalmente que quem entrega a casa ao banco não continua a pagá-la, como hoje ainda acontece, mesmo que absurdo e imoral.
As respostas dadas até agora pelo Governo e as avançadas pelo PSD, que não se distinguem no essencial - um apoio de 60 euros para as famílias mais pobres, pago de uma só vez, como fez o Governo, ou os vales alimentares de 40 euros, como sugeriu o PSD no seu “programa de emergência social” - não atacam a inflação, deixam intocados os lucros ilegítimos dos grandes grupos económicos e não recuperam os salários, antes permitindo que neles se inscreva duradouramente o efeito do corte no seu valor real. São medidas transitórias e de duração imprevisível, que não terão efeito estrutural no combate à desigualdade que já se agravou neste período, que não beliscam a elite económica que está a ganhar com este assalto. Não garantem nem justiça nem segurança sobre o futuro. Mas há respostas alternativas - e na verdade, são essas as que são capazes de responder à maioria do país.
Artigo publicado em expresso.pt a 30 de agosto de 2022
José Soeiro* | Esquerda.net | Título PG
*Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo
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