Rui
Tavares – Público, opinião
De
cada vez que eu passar pelas bandeiras da CPLP e lá vir a da Guiné Equatorial
hei de suspirar e pensar: mal por mal, preferia o Uruguai.
Passo
pelo centro da cidade e vejo de repente, em plena Praça do Comércio, a bandeira
da Guiné Equatorial. Lá estava ela ao lado das outras oito da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa. Para nos lembrar como os interesses petrolíferos
levaram à CPLP uma ditadura brutal onde há uma suposta moratória à pena de
morte (que ninguém verifica), e onde o ditador rouba os recursos naturais do
país para que o seu filho seja um colecionador de carros de luxo que não podem
andar nas poucas estradas asfaltadas daquela desventurada terra.
Não
que faltem razões históricas para uma relação com o povo da Guiné Equatorial,
por onde os portugueses também andaram e onde há ainda quem fale um dialeto de
base portuguesa na ilha de Ano Bom. Mas se essas fossem razões suficientes para
entrar um país na CPLP, eu preferiria ter visto outro na frente da fila: o
Uruguai.
Antes
que alguém diga: “mas o Uruguai tem como língua oficial o espanhol!” —
interrompo para responder que não tem. O Uruguai não tem idioma oficial. E isso
não acontece por acaso, mas pela razão histórica de que a República Oriental do
Uruguai, como é seu nome constitucional, foi criada como uma espécie de Bélgica
da América do Sul, ou seja, para servir de tampão entre o Brasil e a Argentina,
sucessores do império português e do império espanhol. Por isso foi deixada
propositadamente sem língua oficial, nem português nem espanhol, num esforço de
neutralidade.
Muita
gente já ouviu falar da uruguaia Colónia do Sacramento, que foi a mais
meridional das cidades portuguesas e se situa mesmo em frente a Buenos Aires,
na margem uruguaia do Rio da Prata. Esta cidade foi intermitentemente
portuguesa e espanhola durante século e meio, e serviu de moeda de troca nas
negociações pela posse do território das Missões, no atual estado brasileiro do
Rio Grande do Sul.
Mas
há menos quem saiba que todo o Uruguai foi, no início do século XIX, parte do
Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves, com o nome de Província
Cisplatina. Após 1822, o Uruguai passou a fazer parte do Império Brasileiro. Em
1825, o Uruguai tornou-se independente, não — como muita gente pensa — do
império espanhol, mas sim do império brasileiro.
Este
é um caso único na América de língua espanhola — mas o Uruguai é também, embora
minoritariamente, de língua portuguesa. Há cidades de fronteira com o Brasil,
onde o português é língua materna. O “portunhol riverense”, também chamado de
“fronteiriço”, é um dialeto de base portuguesa reconhecido pelo estado
uruguaio. E a língua portuguesa é de ensino obrigatório nas escolas do país.
Para
mais, o Uruguai é um país democrático e respeitador dos direitos humanos. A
pena de morte foi abolida em 1907. Foi um dos primeiros países na América a
reconhecer o casamento gay e um dos primeiros no mundo a legalizar as drogas
leves. E — esta é a melhor — já pediu e repetiu o pedido para ser observador na
CPLP. Se tivéssemos sido um pouco mais ativos ainda poderíamos ter tido José
“Pepe” Mujica nas cimeiras da lusofonia.
É
por isso que, de cada vez que eu passar pelas bandeiras da CPLP e lá vir a da
Guiné Equatorial hei de suspirar e pensar: mal por mal, preferia o Uruguai.