domingo, 4 de junho de 2017

RECOLONIZAR ÁFRICA, EVOCANDO UM PLANO MARSHALL COM ÁFRICA



Martinho Júnior | Luanda

1- As alterações sócio-políticas em curso na África Ocidental e Central, no rescaldo das intervenções injectadas com as “primaveras árabes” e particularmente em função do caos e terrorismo que se semeou na Líbia desde 2011 e se tem vindo a expandir por todo o Sahel, são um motivo para os da “civilização judaico-cristã ocidental” engendrarem todo o tipo de justificações para aumentar as ingerências em África, numa reedição colonial sem precedentes em pleno século XXI.

África a norte do Equador está sob a linha de mira dos reciclados apetites… a sul dessa linha logo se verá, pois a eternamente apodrecida charneira-circulatória da RDC dá boas garantias para ir mais longe…

O Presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump, sobre África não tem qualquer tipo de dúvidas: “I think there is no shortcut to maturity and in my view, Africa should be recolonized for another 100 years because Africans are still under slavery”…

Na Europa o poder da Alemanha, da Grã Bretanha, da França, da Espanha e da Itália têm um ponto de vista comum sobre o “direito a intervir” fundamentado na necessidade de pôr fim à massiva migração africana na sequência das “primaveras árabes”, uma migração que enfrenta os perigos da escravatura e do tráfico humano na Líbia, assim como os riscos da travessia do Mediterrâneo em barcos de ocasião de muito baixo-custo, superlotados e sem condições…

Eles sabem que entre o sul da Europa e a África ultra-periférica, está a África do Norte que sofreu o choque neoliberal por via das “primaveras árabes”, algo a que Marrocos escapou, pois Marrocos já antes estava afectado à terapia neoliberal.

Esse “direito a intervir” que foi parido por Bérnard Kouchner quando constatou a Guerra do Biafra, é um recurso inesgotável por extensão, para a hegemonia unipolar nos termos do capitalismo neoliberal, seja quando se aplica o choque, seja quando se aplica a terapia nos meandros do “soft power”.

Só o facto duma parte dessa migração se afogar no Mediterrâneo, transformado num cemitério, é que tem inibido a chegada à Europa (sobretudo à Itália) de ainda mais desamparados migrantes, quando as correntes migratórias são controladas por todo o tipo de traficantes, que tornam essa numa actividade lucrativa, que é um autêntico crime contra a humanidade.

A evocação do “direito por intervir” por parte dos europeus, fá-los publicitar os contínuos desastres da travessia do Mediterrâneo e quase esconder por completo o papel dos traficantes e é claro que por muitos crimes contra a humanidade que sejam praticados por estes últimos, a Europa trata do seu umbigo e é apenas nesses termos que os africanos existem e ela justifica a sua intervenção!

É evidente que esse tipo de argumentação cínica e hipócrita por parte da Europa, serve de facto e por outro lado para esconder sua continua necessidade de matérias-primas baratas, que tendem a ir buscar através do moderno saque que vai aumentar na África ultra-periférica, com a garantia da inércia continental, um dos resultados da aplicação do choque neoliberal que as correntes wahabitas-sunitas vão tacitamente fomentando e aplicando… alguma vez viram algum ladrão fazer-se previamente anunciar nas suas acções avisando as vítimas dos assaltos?

Se na África do Norte só o Egipto neste momento se pode fazer sentir com capacidades progressistas, uma vez que a Líbia está “entregue” a um continuado caos e terrorismo, a Tunísia da “primavera árabe” está “entregue” aos procedimentos neoliberais e a Argélia tem um Presidente em estado de saúde terminal, o que torna ausente sua expressão político-diplomática regional e internacional, é o Rei de Marrocos que inscreve seu país como uma “correia de transmissão” das políticas coloniais e neocoloniais mais reforçadas para dentro do continente, aproveitando para fazer brilhar a pílula colonial da ocupação do Sahara, bem como a disseminação de processos de inteligência económica típicos do capitalismo neoliberal na direcção sul.

2- A Alemanha, influindo na Europa e até na própria ONU, onde o novo Secretário-Geral, o português Guterres, dá imenso jeito enquanto personalidade com carácter de vassalo tradicional, evoca agora um “Plano Marshall com África”, também ele envolto numa dourada pílula: centrar-se-á na juventude, na educação, na formação, no reforço do Estado de Direito e na instalação de“energia verde”…como veem, voltado todo ele para o futuro!...

Para a Alemanha, “se os jovens da África não conseguirem encontrar trabalho ou futuro nos seus próprios países, não serão centenas de milhares, mas milhões que se dirigem à Europa”… e é lógico, (acho que o sul tem de aprender com o sempiterno cinismo da “civilização judaico-cristã ocidental”), que isso seria muito mau para a Europa…

… e Marrocos é já o “feliz contemplado” para o ensaio, por ser um estado onde o poder se“reciclou” de feição, fazendo-se esquecer por completo os seus atropelos no Sahara ocupado, atropelos que são constantes em termos de direitos humanos e no saque em todos os principais sectores de actividade, desde as pescas aos fosfatos, pois enquanto “correia de transmissão”, Marrocos interliga-se aos interesses dominantes das oligarquias francesa, espanhola e britânica, sob resguardo estado-unidense.

A entrada triunfal do Rei de Mohamed VI, no regresso de Marrocos à União Africana, é uma“coroa de glória” que estimula o neocolonialismo, “aprontando” a África do Oeste e Central, enquanto alvos dilectos por via da “FrançAfrique” e sacrificando a autodeterminação do Sahara como a primeira das vítimas encobertas do “Plano Marshall com África”.

3- A República Árabe Saharaui Democrática está a sentir em cheio o que está já em curso.

No seu discurso proferido a 19 de Novembro de 2016, na 41ª Conferência Europeia de Apoio e Solidariedade com o Povo Saharaui, realizada em Barcelona, Espanha, o Presidente da RASD e da Frente Polisário, Brahim Ghali, enfatizou em nome do seu povo:

“O povo saharaui que tem sido e é vítima de genocídio, exílio, tortura e repressão do expansionismo marroquino, tem sido capaz de, sob a liderança da Frente Polisario, testemunhar um salto qualitativo na obtenção de uma sociedade civilizada, anexado aos nobres valores, aberta para o mundo, comprometida com os princípios da democracia, da igualdade e coexistência pacífica entre culturas e religiões.

Esta experiência única está agora sujeita no entanto a novas ameaças, como o crime organizado e as organizações terroristas, que gozam de generoso apoio e financiamento dos dividendos de drogas do reino de Marrocos, o maior produtor e exportador de cannabis no mundo e principal ameaça para a paz e a estabilidade na nossa região.

As políticas de estado saharaui, sociais, educacionais, culturais e em relação à religião, têm sido um fator de moderação e estabilidade na região.

Em linha com os nossos compromissos internacionais, nomeadamente no âmbito da União Africana e com os países vizinhos, continuamos a contribuir incansavelmente, para o combate ao terrorismo e ao extremismo, ameaças à humanidade.

Seria injusto, que a comunidade internacional não prestasse apoio e proteção, ao povo saharaui e às suas legítimas reivindicações”…

(…)
… “Os territórios ocupados da República, vivem sob estado de sítio, em que Marrocos, aplica as práticas de detenção e tortura e todos os tipos de violações sistemáticas dos direitos humanos, conduz operações de expulsão dos observadores internacionais independentes, alguns dos quais estão connosco hoje.

Infelizmente, esta situação muitas vezes é retribuída com a ignorância, por parte dos governos e instituições internacionais, incluindo a União Europeia.

Aproveitamos esta oportunidade para reiterar nossa exigência do fim do bloqueio imposto aos territórios ocupados do Sahara Ocidental, o desmantelamento do crime contra a humanidade representada pelo muro marroquino, a cessação imediata de violações dos direitos humanos e da pilhagem dos recursos naturais, bem como a exigência de renovar a MINURSO, incluindo um mecanismo eficaz para monitorizar e proteger os direitos humanos”…

4- A mudança da Organização da Unidade Africana para a União Africana está a ser feita sem se fazer um balanço à altura da passagem do determinismo da Libertação do continente do colonialismo (conforme à OUA) e a prioridade para um economicismo, tão ao jeito do capitalismo neoliberal e com pouco espaço virado à emergência multipolar (UA).

Essa “mudança” está a ser feita com base na “maioria”, com predominância quantitativa dos países da África do Oeste, quer dizer: dos componentes da “FrançAfrique”, onde as projecções neocoloniais vinculadas ao neoliberalismo são evidentes.

Esse “salto” torna-se assim um retrocesso e não um progresso, com a miragem na industrialização paulatina do continente com a meta em 2063, quando a nível regional a integração interna não atingiu um estádio satisfatório e quando há problemas candentes a resolver, entre eles as questões dos valores das matérias-primas, as questões das compensações ambientais, ou ainda da necessidade de se pôr fim ao Franco CFA.

A União Africana nestes termos “sociais-democratas” é muito mais mentora de desequilíbrios, do que autora de capacidades no sentido de fazer emergir África do subdesenvolvimento crónico a que tem sido votada, algo que implica uma autêntica revolução cultural…

… E as potências da “civilização judaico-cristã ocidental”, desse modo veem suas vidas facilitadas em função dos seus interesses, tirando partido da precipitação das medidas sob sua instigação, pelo que subsiste a necessidade de definição sobre o que afinal é a União Africana: não será uma organização continental de falsa bandeira?

5- Num artigo recente que foi publicado no Página Global Blogspot, em entrevista, o professor universitário Azancot de Menezes que é também Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor Loro Sae, salientou as semelhanças do caso da colonização de Timor, com a da RASD.

… “O que se está a passar no Sahara Ocidental ocupado ilegalmente por Marrocos é um verdadeiro escândalo, uma inqualificável violação dos direitos humanos muito idêntica à barbárie ocorrida em Timor-Leste.

Segundo informações a que tive acesso, de fonte fidedigna, os partos nos hospitais do território do Sahara Ocidental são atrasados para que os bebés tenham paralisia cerebral, retiram-se os úteros às mulheres e receitam-se medicamentos inadequados.

Também tomei conhecimento de que um dos inúmeros presos políticos que está a ser julgado foi submetido a 33 técnicas de torturas diferentes (!), ou seja, há um conjunto de práticas abomináveis, autenticamente hitlerianas, e paralelamente adia-se o referendo, com o aumento da entrada de marroquinos para o território.

O não cumprimento das Resoluções das Nações Unidas, com o beneplácito dos próprios países que aprovaram as mesmas Resoluções, resulta do poderosíssimo tráfico de influências do Reino de Marrocos a trabalhar nos corredores das Nações Unidas em Nova Iorque junto de determinados países, entre os quais a França, e que em troca exploram as riquezas do povo saharaui.

Esta situação inqualificável, como já referi, faz recordar-me o drama vivido em Timor-Leste.

Efectivamente, anualmente, em passado recente, muitos de nós, timorenses, e representantes de organizações de solidariedade internacional, apresentávamos petições no Conselho Económico e Social das Nações Unidas em Nova Iorque para denunciar a brutal violação dos direitos humanos contra o nosso povo e para denunciar o sistemático incumprimento das Resoluções das Nações Unidas em relação à invasão e anexação de Timor-Leste”.

Por estes dias, o Presidente da RASD e Secretário-Geral da Frente Polisário, Brahim Ghali, deslocou-se a Cuba, um país-irmão com o qual a RASD mantém relações oficiais de amizade de há mais de três décadas e meia a esta parte.

Num momento em que na ONU e na União Africana, a advocacia pela legítima causa da RASD está a ser alvo de constante pressão, ou até mesmo de subversão, uma vez mais Cuba é parte da via da Libertação em África contra o colonialismo e neocolonialismo, avaliando solidária e coerentemente a situação, e tirando partido de sua própria experiência de luta internacionalista.

Milhares de estudantes saharauis se têm vindo a formar e os “cubarauis” têm sido muito importantes para lutar contra as tão adversas condições de sobrevivência das comunidades nacionais, mantendo vivas as aspirações nacionais e carregando consigo o encargo da Libertação do jugo colonial do seu povo e do seu país.

“El apoyo cubano en los territorios del Sahara Occidental tiene una muy larga trayectoria. Se inicia oficialmente en enero de 1980 cuando Cuba reconoce a la RASD como Estado independiente, manteniéndose dicho apoyo constante hasta el día de hoy. Aunque ya desde el año 1977 veintidós jóvenes saharauis fueron becados e iniciaron sus estudios profesionales en la Isla. Como consecuencia de este primer apoyo, en el año 1982 se graduaban en Cuba los primeros ocho médicos saharauis.

Hasta el año 2002, un total de 477 profesionales de la salud había formado parte de misiones internacionalistas cubanas en la RASD. Posteriormente, a lo largo de los años siguientes, las misiones internacionalistas al país magrebí se han ido sumando al invaluable apoyo brindado desde la Isla para la formación de cuadros políticos y recursos humanos saharauis en general. El embajador de la RASD en Cuba, Mustafá Tleimidi, afirmaba en marzo del 2007 que unos 800 jóvenes de su país se estaban formando en esos momentos en Cuba, en diversas profesiones. Ellos se sumarían a los más de dos mil estudiantes que graduaron en la Isla desde fines de 1970 como médicos, profesores, informáticos y otros profesionales.

Tanto por su magnitud y permanencia como por el peso político que conlleva, la cooperación cubana es considerada por los saharauis como una cooperación estratégica. Sus lineamientos de acción más representativos se han estructurado en torno a cinco componentes clave: reconocimiento de la identidad nacional saharaui, apoyo a los sectores estratégicos de desarrollo, coherencia entre los lineamientos de política exterior y la cooperación internacional, establecimiento de empatía con la población y empoderamiento de la sociedad civil”…

Já com largas décadas de luta contra o colonialismo, os saharauis preparam-se para manter acesa a chama da sua dignidade patriótica sobre as trevas coloniais e neocoloniais, mesmo avaliando que outras décadas de luta, enfrentando conjunturas ainda mais adversas que no passado, se afigurem estar pela frente!

“Sean capaces de sentir en lo más hondo cualquier injusticia cometida contra cualquiera en cualquier parte del mundo. Es la cualidad más linda de un revolucionario”

Ernesto Che Guevara (1966)

Imagens e ilustrações: Trump quer mais 100 anos de colonização em África; Enviado especial do actual Secretário-Geral da ONU para o Sahara Ocidental Horst Koehler, ex-presidente da Alemanha, ex-director do FMI, um dos pais de Mastricht e um dos apoiantes deste novo Plano Marshall; Mapa indicador dos muros implantados no Sahara ocupado por Marrocos; Recepção do Comandante Raul de Castro ao Presidente da RASD, Brahim Ghali; O Presidente da RASD rende homenagem ao Comandante Fidel, em Santiago de Cuba.

Fontes próprias:
CUBA E A MEMÓRIA DO “GRANDE SALTO LIBERTÁRIO” EM ÁFRICA – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/02/angola-cuba-e-memoria-do-grande-salto.html
A ÁFRICA DO CAOS É A ÁFRICA PRESA PELO NEOCOLONIALISMO DA HEGEMONIA UNIPOLAR –http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/a-africa-do-caos-e-africa-presa-pelo.html
A ÁFRICA DA PAZ É A ÁFRICA EMERGENTE CAPAZ DE SE INSERIR NAS ROTAS DA SEDA DA GLOBALIZAÇÃO INCLUSIVA – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/africa-da-paz-e-emergente-capaz-de-se.html

Outras fontes:
Mohamed VI – senhor absoluto do regime da carnificina e do terror infligido ao povo saharaui –http://paginaglobal.blogspot.com/2017/03/maome-vi-senhor-absoluto-do-regime-da.html
O filho pródigo Marrocos não pode impor condições à África para voltar para casa – https://abrildenovomagazine.wordpress.com/2016/10/17/o-filho-prodigo-marrocos-nao-pode-impor-condicoes-a-africa-para-voltar-para-casa/
There Is No Shortcut To Maturity, Africa Should Be recolonized – https://www.africametro.com/world-news/us-canada/donald-trump-no-shortcut-maturity-africa-recolonized
Sahara Ocidental, o papel de Espanha face a um Estado que viola os direitos humanos –  http://www.odiario.info/sahara-ocidental-o-papel-de-espanha/
Polisário apela a Guterres para aplicar decisões da ONU –  http://www.esquerda.net/artigo/polisario-apela-guterres-para-aplicar-decisoes-da-onu/47238
Discurso do Presidente da RASD e SG da Polisario na 41ª Conferência Europeia de Apoio e Solidariedade com o Povo Saharaui (EUCOCO) – https://porunsaharalibre.org/pt/2016/11/discurso-del-presidente-la-rasd-sg-del-polisario-ante-la-41-conferencia-europea-apoyo-solidaridad-pueblo-saharaui-eucoco/
Solidaridad con nombre de isla y arena – Las lecciones del internacionalismo cubano en la RASD –http://www.rebelion.org/noticia.php?id=145779

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