sábado, 10 de fevereiro de 2018

DIAMANTES: UM MUITO SENSÍVEL INDICADOR SOCIAL PARA ANGOLA – III

Martinho Júnior | Luanda

A RENÚNCIA IMPOSSÍVEL
Negação (continuação)

Quero ascender, subir
elevar-me até atingir o Zero
e desaparecer.
Deixai-me desaparecer!

Mas antes vou gritar
com toda a força dos meus pulmões
para que o mundo oiça:

- Fui eu quem renunciou à Vida!
Podeis a continuar a ocupar o meu lugar
vós os que mo roubastes

(continua)


10- A fragilização imposta a Angola, que levou aos termos do Acordo de Bicesse, abriu caminho aos impactos do capitalismo neoliberal, ao choque que haveria de ser protagonizado por Savimbi, assim como à terapia que se lhe sucederia.

As políticas económicas do Prêmio NobelMilton Friedman e da Escola de Economia de Chicago ganharam importância nos países com modelos de livre mercado não porque eram populares, mas através de impactos sobre a psicologia social, com desastres ou perturbações diante do choque e a confusão dos traumatizados cidadãos para fazer reformas impopulares, de acordo com os padrões de domínio sustentado pela aristocracia financeira mundial.

Essa síntese não inibe o facto de que, em suporte desse “eixo”, a hegemonia unipolar tenha vindo a agregar um leque cada vez mais diversificado de doutrinas, ideologias e práticas, que lhe possibilitam hoje aplicar as mais díspares “ementas” ali, onde determinou os alvos.

Foram essas as políticas que a aristocracia financeira mundial impôs ao mundo e também a Angola enquanto “minas de Salomão”, com o colapso do socialismo.

Saído da prisão e amnistiado a 18 de Março de 1991, procurei a sobrevivência minha e da minha família recorrendo a familiares e amigos de 1992 até 2009, em relação a alguns dos quais tenho dívidas de incalculável valor, impossíveis de alguma vez pagar…

Com a crescente “somalização” de Angola a partir de 1992, procurei apesar disso e em fidelidade para com meus compromissos históricos, dar o meu apoio no sentido de defender a independência e a soberania angolana face ao choque, movendo mundos e fundos para dar apoio ao Estado-Maior Geral das FAA, a partir dos meus locais de trabalho, fazendo deles outra inusitada trincheira de luta, especialmente entre Agosto de 1998 e Março de 2000!

O apoio foi feito num contentor que existiu para o efeito dentro da WAPO, empresa de aluguer de veículos que era propriedade do cidadão francês e antigo diplomata, Jacques Rigaud!

Associaram-se ao projecto dois camaradas: José Herculano Pires, “Revolução” e Alberto José Barros Antunes Baptista, “Kipaka”, com a seguinte distribuição de tarefas:

“Revolução” – pesquisa de dados operativos e ligações “no terreno” no Bié, informação e expedientes de contra inteligência;

“Kipaka” – apoio em novas tecnologias, pesquisa de dados e actividades de inteligência externa;

Eu próprio – pesquisa de dados, informação e análise, actividades de inteligência externa.

Decidi não mais fazer operações militares, nem de segurança, nem sequer de contra inteligência dentro do território nacional, pois não podia permitir alguma vez mais que houvesse gente com interpretações que não correspondessem nem às minhas convicções, nem ao sentido de minhas práticas voltadas para o imenso resgate que há a realizar, com lógica com sentido de vida, em benefício do povo angoanoe dos povos de África!

“No terreno” o camarada “Revolução” organizou um sistema de conexões que possibilitaram um manancial muito sensível de informações, que foram bem geridas e aplicadas enquanto esteve em vida o camarada general Simeone Mucuni.

Essas informações possibilitaram o incremento da defesa da cidade do Kuito, o “municiamento” da Operação Restauro e nas primeiras pistas depois da tomada do Andulo (acontecimentos muito próximos da “Zona Estratégica” de Savimbi, rica em diamantes, situada na bacia do Cuanza, compreendendo as áreas municipais de Nharea, Camacupa e Cuemba).

Em termos de informação e análise houve a possibilidade de avaliar a extensão da “guerra dos diamantes de sangue”, considerada como “guerra mundial africana”, trabalhando-se na pesquisa de dados em suporte do EMG das FAA, sob o comando do camarada general João de Matos.

Efectivamente ganhou-se a noção do encadeado dos problemas que se abateram sobre os Grandes Lagos, o Zaíre e Angola, muito antes de que tivesse sido produzido o Relatório Fowler, a 10 de Março de 2000, um relatório especialmente crítico aos nexos do cartel dos diamantes e isso por que, para se avaliar os dispositivos militares e de inteligência de Savimbi, só havia que se procurar onde ele havia implantado as explorações de diamantes, a partir das quais ele articulava “no terreno” a disseminação defensiva e ofensiva do seu sistema.

 Se não houvesse primeiro a noção da localização físico-geográfico dos interesses de Savimbi nessas explorações, teria sido muito difícil avaliar onde ele tinha os dispositivos de inteligência e militares, seria como “procurar uma agulha no palheiro”…

Quando se procedeu nessa conformidade, sabia-se que ao se procurar retirar a Savimbi o poder sobre essa articulação que criou dentro e fora das fronteiras de Angola (no Zaíre associado aos interesses do clã de Mobutu), estava-se a abrir caminho para que outros interesses, ainda que passassem a ficar identificados com as aspirações de paz, prevalecessem nos seus objectivos privados, colocando-se eles próprios em novos termos ao dispor das geoestratégias do cartel, logo que Savimbi fosse derrotado e foi precisamente isso que aconteceu.

De qualquer modo havia que libertar Angola da teia urdida nos termos do choque neoliberal do após Bicesse, pois Savimbi havia conseguido levar o país à contradição antagónica entre duas barricadas artificiosamente “recriadas”: o governo suportado pelo sector do petróleo e ele próprio intimamente associado ao sector dos diamantes, ainda que o cartel sempre tivesse a preocupação de fazer prevalecer a imagem de que os negócios dos diamantes eram um simbolismo para as vias de paz (inclusive durante a IIª Guerra Mundial, ainda que o cartel tenha negociado diamantes com os nazis, a partir dos seus interesses nas então colónias do Congo e de Angola).

11- Em dois livros em que sou co-autor, vem espelhado uma parte do conhecimento adquirido, reproduzido também em parte em alguns números do extinto semanário “Actual”, quanto mais tarde na Internet, quer no Pagina Um Blogspot, quer no Página Global Blogspot.

Os livros são “Ouro & Diamantes: Poder, sangue e corrupção” e “Séculos de solidão – Angola do colonialismo à democracia – cronologia histórica baseada numa pesquisa analítica” e os co-autores são respectivamente o António José Guerra Gaspar Borges e Leopoldo Martinho Baio.

Em ambos os livros identifico-me com o pseudónimo Martinho Júnior em atenção ao nome escolhido pelo camarada “Revolução”quando iniciei a colaboração no “Actual” em Abril de 1998, mas também com o nome próprio, pois considero que o pseudónimo não me dá direito a “clandestinidade” alguma.

Na introdução do “Ouro & Diamantes: Poder, sangue e corrupção”, revela-se:

“O objectivo do presente trabalho centra-se na actividade das corporações mineiras em geral, origem de polémicas acerca das grandes alterações ambientais que a sua acção provoca, mas também no desprezo a que votam os legítimos interesses das populações locais que, alegadamente, desrespeitam e, particularmente, pela acção das multinacionais que, a partir de finais do século XIX, se vêm dedicando à mineração, especialmente dos diamantes e do ouro.

Falar deles e da influência que, desde o surgimento das primeiras civilizações, sempre exerceram no homem (muito especialmente durante o último século), não faria qualquer sentido omitir o que foi e continua a ser a “dinastia” Oppenheimer, e o papel quase exclusivo que representou para o ciclo de produção dos minérios ditos preciosos a partir do último quarto do século XIX, quando Ernest Oppenheimer partiu para a África do Sul como representante, em Kimberley, da casa alemã de Anton Dunkelsbuhler.

A história dos Oppenheimer constituirá, portanto, ao longo das sucessivas gerações (Ernest, Harry, Nick e Jonathan Oppenheimer) como que a espinha dorsal da saga da exploração e comercialização dos minérios preciosos e, consequentemente, do presente trabalho”…

Na Apresentação de “Séculos de solidão – Angola do colonialismo à democracia – cronologia histórica baseada numa pesquisa analítica” , os autores começam por considerar:

“O Actual publicou, desde o ano 2002, uma série de artigos em que, fruto de investigações, abordavam temas que mantêm-se historicamente actuais e manter-se-ão em aberto, pois de acordo com a nossa óptica de abordarmos a conjuntura global, para muitos pouco ortodoxa mas “actualizada” e verificável, parece-nos justo realçar que os vínculos multifacetados da aristocracia financeira mundial, em direcção à conjuntura da África Austral e Central, estão longe de esgotarem o espaço crítico de opinião que merecem, pelo rasto que eles têm deixado na vida, na morte e na sorte de milhões de seres de toda a vasta Região da África Sub Sahariana e em nós próprios.

O estado angolano, particularmente após o enfraquecimento dos seus instrumentos de poder, a partir de 1985, começando pela desarticulação dos seus serviços de segurança, não pôde escapar à regra e tem sido alvo das mais variadas manipulações e ingerências, agravadas durante praticamente toda a década de 90 do século XX, pela lógica da guerra em que não teve outra alternativa senão envolver-se, de que muito dificilmente encontrou saída, à custa de cedências de que ainda se nos afigura prematuro completamente avaliar”…

Em ambos os casos está evidente quanto em nome duma civilização, a “civilização judaico-cristã ocidental”, foi possível disseminar tanta barbárie face às mais legítimas aspirações do povo angolano e de outros povos africanos à paz, à liberdade, à democracia e ao desenvolvimento sustentável, em pé de igualdade com outras nações e outros povos da Terra.

Esse é um dos mais escondidos e controversos frutos que se tornaram possíveis disseminar da árvore do capitalismo com a Revolução Industrial no continente ultra periférico que é África!

Com pouco mais de 40 anos, Angola independente e soberana foi devassada durante a década de 90 do século XX de tal maneira que o choque neoliberal obrigou a Savimbi organizar as suas fileiras recorrendo à exploração dos diamantes, face ao estado angolano, que se barricou nos interesses sobre a exploração do petróleo, na maior das transversalidades até hoje experimentadas pelo povo angolano.

O colapso do socialismo em Angola foi em si outro processo de solidão, por que a sua substituição pelo universo das possibilidades quase única e exclusivamente abertas à privatização no sector dos diamantes na esteira da terapia própria do capitalismo neoliberal, transfere os processos contraditórios internos para a transversalidade manipulada ao dispor do cartel e do seu elitismo, intimamente integrados nos expedientes que servem ao poder dominante da aristocracia financeira mundial.

É evidente contudo que só se começou a abrir a janela do comportamento do cartel e seus afins em relação à época de terapia neoliberal, quando em função do processo Kimberley se passou a certificar os diamantes desde a sua origem, como garantia de que eles não eram mais fruto da subversiva e sangrenta actividade de algum senhor de guerra…

Foi assim que com isso se pretendeu afastar o fantasma do socialismo, que aparentemente apagado pelos poderosos holofotes da ribalta, só sobrevive algures num recôndito reduto, por que a resistência alguns querem que só exista em função da lógica com sentido de vida, inerente às necessidades cada vez mais sentidas de sobrevivência das espécies e do respeito que o homem deve à Mãe Terra.

Esse expediente coincidiu em tempo com o trágico fim de Savimbi em 2002, na sequência aliás das alterações profundas que ocorreram na RDC e nos Grandes Lagos.

O espaço da barbárie é ainda de tal modo intenso, que em termos de sua própria sustentabilidade, a civilização é para os mais vulneráveis povos que habitam o planeta, apenas um minúsculo ponto que se adivinha num horizonte carregado de transversais precariedades!

Martinho Júnior - Luanda,10 de Fevereiro de 2018


Dos livros cujas capas molduram esta intervenção:

1- Glitter & Greed: The Secret World of the Diamond Cartel Paperback – April 1, 2007 – by Janine Farrell-Robert (Author)
Rare, romantic, and forever: The diamond industry depends on these myths to reap billions of dollars of profit. This sensational investigation explodes such fallacies and reveals how multimillion-dollar advertising campaigns create the impression of rarity and romance. It reveals a very secret and unromantic world, one that is dominated and controlled by a handful of mighty corporations.
With Leonardo DiCaprio's movie The Blood Diamond making more people than ever aware of the seamy side of the diamond trade, Janine Roberts' explosive exposé, taking us through seven decades of intrigue and manipulation, is the right book at the right time.

2- Blood Diamonds, Revised Edition: Tracing the Deadly Path of the World's Most Precious Stones Paperback – April 3, 2012 – by Greg Campbell.
First discovered in 1930, the diamonds of Sierra Leone have funded one of the most savage rebel campaigns in modern history. These blood diamonds” are smuggled out of West Africa and sold to legitimate diamond merchants in London, Antwerp, and New York, often with the complicity of the international diamond industry. Eventually, these very diamonds find their way into the rings and necklaces and brides and spouses the world over.
Blood Diamonds is the gripping tale of how diamond smuggling works, how the rebel war has effectively destroyed Sierra Leone and its people, and how the policies of the diamonds industryinstitutionalized in the 1880s by the De Beers cartelhave allowed it to happen. Award-winning journalist Greg Campbell traces the deadly trail of these diamonds, many of which are brought to the world market by fanatical enemies. These repercussions of diamond smuggling are felt far beyond the borders of the poor and war-ridden country of Sierra Leone, and the consequences of overlooking this African tragedy are both shockingly deadly and unquestionably global.
In this newly revised and expanded edition, investigative journalist Greg Campbell returns to West Africa ten years later to reveal how despite widespread exposure to the corruption and greed of the diamond trade, it continues unabated as the region struggles politically, ecologically, and economically.

3- Les Gemmocraties. L’économie politique du diamant africain – François Misser, Olivier Vallee
Parmi toutes les grilles de lecture possibles des événements africains, le contrôle du trafic du diamant explique nombre d’alliances et de conflits entre acteurs, de revirements et de faits ponctuels. C’est ce que tente cet ouvrage pionnier en la matière, qui analyse les gemmocraties, les régimes fondés sur le contrôle de ces précieuses pierres. Les auteurs y étudient les circuits parcourus par le diamant depuis les gisements en Afrique (tout en mentionnant les autres continents) jusqu’à la mise sur le marché de gros. Des circuits qui ressemblent à un vaste entonnoir : une base très large en Afrique sub-saharienne (Afrique du Sud, Botswana, Zaïre, Angola, Sierra Leone) et un goulot très étroit formé de la Central Selling Organisation (CSO), contrôlée par la multinationale anglo-américaine De Beers. La ville belge d’Anvers joue un rôle unique au monde dans ce commerce, mais les milieux français proches de l’Afrique ont leur part du gâteau. – André Linard

4- Mercenaires S.A – Philippe Chapleau, François Misser.
Les auteurs ont mené une enquête sur un phénomène qui a toujours existé, mais évolue beaucoup : le recours à des mercenaires. Aujourd’hui, il s’agit moins de baroudeurs « à la Bob Denard » que d’entreprises ayant pignon sur rue, notamment grâce à la facette « honorable » de leurs activités : les opérations de gardiennage, protection et sécurité.
Il en résulte un ouvrage très documenté et inquiétant. Pas tellement en raison du recours aux soldats de fortune, qui exercent « l’autre plus vieux métier du monde ». Mais à cause de la faiblesse croissante des Etats et de leurs moyens d’action, inversement proportionnelle à l’organisation, à la sophistication et à la qualification d’Executive Outcomes, Defence Systems Ltd., et autres MPRI. Certes, des Etats continuent d’envoyer des mercenaires intervenir discrètement là où c’est nécessaire. Mais des entreprises, des armées, des organisations humanitaires (non gouvernementales ou du système onusien) font désormais aussi appel à leurs compétences de même que, à l’occasion, des organisations criminelles internationales tels les cartels de Cali et de Medellin. Et les essais de réglementation internationale restent sans effet. D’où l’inquiétude qui sous-tend l’ouvrage : après l’économie, après la culture, la violence légitime, en principe monopole des Etats, n’est-elle pas aussi en passe d’être privatisée et « globalisée », portant ainsi un coup de plus au contrôle démocratique ? – André Linard

5- Angola – Séculos de solidão – Do colonialismo à democratização.
Séculos por que em imensas regiões, África era um continente impenetrável, opaco e quase apenas povoado de rotinas palúdicas nas artes vivenciais dos homens e até nas guerras entre irmãos…
E esse tempo mede-se em solidão, nos termos da antropologia humana, não só nas duas estações tropicais de cada ano, mas também do que emergiu do adobe esventrado, ou da palha ensopada, ou da expressão das recém-chegadas granadas, apenas um pouco para além das histórias típicas da luta pela sobrevivência com os pés gretados e empoeirados, sulcando a cadência de séculos!... É Angola…
 E nós mesmos estivemos e estamos por dentro desse colapso húmido, ou abrasador de lava pungente, como pequenos náufragos clamando pela nossa mãe, porventura saltando só agora do berço da própria…
Podemos assim confessar, ganhando fôlego, que (sobre)vivemos aos dois tempos antagónicos como muito poucos tiveram tão sensível quão palpável oportunidade de (sobre)viver, com a convicção humilde, singular, dolorosa, mas ardente, de que Angola vai perenemente renascer e vencer o opróbrio de “Séculos de solidão”!... – dos co-autores.

A consultar de Martinho Júnior:
Do “apartheid institucional” ao “apartheid social” – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/07/do-apartheid-institucional-ao-apartheid.html

A consultar:

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