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Ultimato russo à OTAN e documento Xi-Putin indicam: Ocidente está prestes a perder, além da liderança econômica, o papel de guardião da democracia e da própria ordem liberal. Pequim e Moscou desafiam: “Não há nações superiores”
José Luís Fiori* | Outras Palavras
Já não existe mais um único “critério ético”, tampouco existe mais um único juiz com poder para arbitrar todos os conflitos internacionais, com base na sua própria “tábua de valores”. E já não é mais possível expulsar os “novos pecadores” do “paraíso” inventado pelos europeus, como aconteceu com os lendários Adão e Eva. Como essa supremacia acabou, talvez seja possível, ou mesmo necessário, que o Ocidente aprenda a respeitar e conviver de forma pacífica com a “verdade” e com os “valores’ de outras civilizações.
J. L. Fiori. O mito do pecado original, o ceticismo ético e o desafio da paz. In: ______. (Org.). Sobre a Paz. Petrópolis: Editora Vozes, 2021, p. 464.
Dois acontecimentos sacudiram o cenário mundial neste início de 2022: o primeiro foi o ultimatum russo, lançado em meados de dezembro de 2021 e dirigido aos EUA, à OTAN e aos países-membros da União Europeia, exigindo o recuo imediato da OTAN na Ucrânia, e propondo uma revisão completa do “mapa militar” da Europa Central, definido pelos Estados Unidos e seus aliados da Aliança Atlântica após a vitória na Guerra Fria. O segundo foi a “declaração conjunta” da Federação Russa e da República da China, no dia 7 de fevereiro de 2022, propondo uma “refundação” da ordem mundial estabelecida depois da Segunda Guerra Mundial e aprofundada depois da vitória dos EUA e de seus aliados na Guerra do Golfo em 1991 [leia aqui, em inglês]. Os dois documentos propõem uma “revisão” do status quo internacional, mas o primeiro contém objetivos e exigências imediatas e localizadas, enquanto o segundo apresenta uma verdadeira proposta de “refundação” do sistema interestatal “inventado” pelos europeus. Ambos, no entanto, estão apontando neste momento para uma reconfiguração profunda do sistema internacional.
No caso do “ultimato russo”, a
questão imediata que está em jogo é a incorporação da Ucrânia pela OTAN, mas o
verdadeiro problema de fundo é a exigência russa de revisão das “perdas” que
lhe foram impostas depois da dissolução da União Soviética1. Depois de