Vítor Matos, jornalista | Expresso (curto)
Há dias em que o melhor é não ter
razão. “Há décadas em que nada acontece e há semanas em que acontecem décadas”,
já dizia Lenine, e neste caso o desejo para o tempo desacelerar pode dar-nos
uma falsa sensação de segurança. Donald Trump toma posse hoje como 47º
Presidente dos Estados Unidos da América e, nos próximos dias, com os 100 decretos que se prepara para assinar, podem
acontecer anos, como nas revoluções. Muitos ainda têm essa ingenuidade
benévola de que não fará o que diz, nem o que ameaça, nem tudo o que tenciona,
mas devíamos levá-lo a sério. É conveniente levar a sério as palavras do
Presidente do país mais poderosos do mundo.
Para muitos americanos, trata-se da “força gravitacional” de um “homem
indigno mas que gere melhor a coisa pública”, como nos conta hoje Ricardo Lourenço, o correspondente do
Expresso nos Estados Unidos.
Seria melhor perder a razão, e o mundo não piorar a partir de hoje, mas nada
indica que venha a ser assim. É alto o risco de os Estados Unidos deixarem
de ser um verdadeiro aliado, ou apenas um aliado confiável, podendo mesmo
passar para a barricada dos Estados iliberais. As ameaças de Donald Trump ao
Canadá, à Gronelândia e à Dinamarca, ao Panamá e ao México não podem ser
encaradas como mero leilão transacional. São palavras. Mas queimam como bombas
retóricas despejadas contra os amigos.
Trump é disruptivo e será um agente perturbador. O mundo está ansioso, como conta aqui a Margarida Mota. Na economia também: o mundo pós-20 de janeiro vai desglobalizar. Uma guerra de
tarifas é indesejável, mas vem aí. A dívida dos EUA pode disparar mais de €7,5 biliões com
o novo Presidente, e isso não são boas notícias.
A partir de hoje, o multilateralismo está ainda mais em risco e a NATO
pode mudar de natureza (Portugal terá de gastar muito mais em Defesa).
Regressa a lei do mais forte e a assustadora doutrina da área vital ou de
influência geográfica. Se os EUA não têm limites, ninguém terá.
Para a cerimónia de hoje, o único convite de Trump endereçado a um líder europeu foi para a primeira-ministra italiana, Georgia Meloni, da direita radical. O seu amigo húngaro Viktor Orbán não foi convidado, mas foi o seu partido europeu, Patriotas pela Europa, que inclui André Ventura na comitiva.
Mesmo sem estar em funções, Trump já toma decisões. Em abril do ano passado, Joe Biden, assinou uma lei que bania o TikTok, mas Trump quer dar mais tempo para a venda parcial da plataforma de vídeos, que acabou por retomar a atividade ontem. No Expresso da Manhã de hoje, Paulo Baldaia conversa com Pedro Miguel Coelho, coordenador das redes sociais do Expresso, sobre a compra do TikTok. E se for Elon Musk a comprar o TikTok? Mais poderoso ainda?
Poderá acompanhar tudo ao longo do dia no direto Expresso Fundamental.
OUTRAS NOTÍCIAS
Paz em Gaza - As armas calaram-se as armas: os palestinianos celebram e
regressam a casa, e os reféns israelitas começam a ser libertados. O cessar-fogo teve início com três horas de atraso, só
depois de o Hamas ter entregado a lista com os nomes dos reféns que serão
libertados em troca de prisioneiros palestinianos. Pode ir acompanhando os
desenvolvimentos aqui.
Guerra no PS - Augusto Santos Silva, ex-presidente da Assembleia da
República, considera que António José Seguro não tem "mínimos" para
ser apoiado pelo PS nas presidenciais. O ex-ministro, no entanto, “nunca” entrará na corrida a Belém contra António Vitorino.
Entretanto, dou outro lado da barricada, o eurodeputado Francisco Assis diz que
há uma "campanha organizada" para impedir Seguro como
candidato presidencial, mas a sua colega Marta Temido defende Santos Silva.
Demissão no SNS - Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco, exige a demissão da ministra da Saúde e vai marcar para 6 de
fevereiro uma interpelação na Assembleia da República sobre Saúde, na sequência
da demissão de Gandra D'Almeida, ex-presidente executivo do SNS, que se demitiu depois de um caso de acumulação indevida de funções noticiada
pela SIC. Luís Marques Mendes disse ontem ter a “convicção de que a ministra terá pressionado logo para que Granda
d’Almeida apresentasse o pedido de demissão”.
Educação e pobreza - Mais de um terço dos alunos do pré-escolar, básico e
secundário são apoiados pela ação social escolar. O número de alunos
abrangidos pelo apoio económico devido aos baixos rendimentos dos pais desceu
ligeiramente no ano letivo de 2022/23. Mas no pré-escolar e no 1.º ciclo, o
número de crianças apoiadas é o mais alto em pelo menos cinco anos.
Autárquicas liberais - Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, quer aumentar eleitos nas autárquicas, mas não define meta.
A pouco mais de duas semanas da Convenção Nacional da IL, que irá eleger a
próxima direção e restantes órgãos do partido, a campanha segue morna.
Crimes no Martim Moniz - Uma dezena de imigrantes indostânicos foram referenciados por crimes com armas brancas na
zona do Martim Moniz e do Intendente. Há outras dezenas de suspeitos
identificados pelo mesmo tipo de crime de outras nacionalidades, incluindo
portugueses. Mas houve agora notícia de outro alegado crime: uma estudante de Erasmus italiana foi alegadamente agredida e
violada na zona do Martim Moniz e apresentou queixa, estando o caso a
ser investigado pela Polícia Judiciária.
Remigração - A “brincadeira” de André Ventura de apelo à remigração imitou uma
ação da extrema-direita alemã que está sob investigação criminal.
Enquanto o líder do Chega desvaloriza a associação ao símbolo do grupo 1143 do
neonazi Mário Machado e ao movimento Reconquista, na Alemanha uma ação idêntica
da AfD está a ser investigada pela polícia. Ventura queixa-se de “perseguição
política”.
Drogas e saúde mental - O ecstasy e os 'cogumelos mágicos' ajudam, mas é preciso saber mais. Alguns psicadélicos têm
apresentado resultados promissores em perturbações psiquiátricas. No entanto, é
necessária mais investigação, nomeadamente sobre os riscos.
Mau tempo - A Depressão "Garoe" vai atingir continente depois de
passar pela Madeira e Açores. A depressão trará, a partir de hoje, chuvas fortes acompanhadas de trovoada e granizo.
FCP despede Vítor Bruno - O FC Porto iniciou negociações para a saída imediata do treinador, após a derrota na visita ao
Gil Vicente (1-3). Foi o segundo desaire consecutivo na I Liga, implicando a
descida ao terceiro lugar, com 40 pontos, quatro abaixo do Sporting e a um do
Benfica. O Francisco Martins descreve o jogo como um “ensaio sobre a cegueira”.
Mundial de andebol - Portugal bateu a poderosa Noruega e terminou a fase de grupos
do Mundial de andebol só com vitórias, depois de ganhar aos Estados
Unidos e ao Brasil. A seleção nacional vai disputar a fase seguinte já com
quatro pontos amealhados (o máximo que é possível transferir para a main round).
Franz Ferdinand - “A minha comida preferida em Portugal? Caraças!
Sardinhas nas brasas, saídas do mar, melhor peixe de sempre”. A Blitz entrevistou a banda escocesa, que acaba de lançar
“The Human Fear”, o seu sexto álbum de estúdio e o primeiro desde “Always
Ascending”, de
FRASES
“Para todos os que não se regozijam com a eleição de Donald Trump, hoje não é
um dia feliz. Nas temáticas mais relevantes para a humanidade – alterações
climáticas e desenvolvimento sustentável, direitos humanos, direito
internacional e respeito pela integridade territorial das nações, crescimento
económico mundial – a presidência de Trump não augura nada de bom e é motivo de
preocupação.”
Paulo Trigo Pereira, economista e professor universitário, “Observador”
“O que estas presidenciais têm vindo a revelar é que, mais uma vez, não há
partido onde os ‘barões’ e ‘baronetes’ se odeiem tanto uns aos outros como no
PS. Em 30 e tal anos a acompanhar a política nacional, nunca vi tamanha
capacidade de pôr em prática a frase atribuída a Churchill: ‘Os nossos inimigos
sentam-se aqui [na bancada do mesmo partido]. Ali são os nossos adversários’”.
Ana Sá Lopes, jornalista, “Público”
“Com Centeno fora, o campo fica aberto para o desastre seguro de Seguro.
Tirando a notoriedade, que se conquista na mais personalizada das campanhas,
Elisa Ferreira tem o que é preciso para ser a candidata da área do PS: mulher,
pouco desgastada, respeitada e sem anticorpos no centro, na esquerda e dentro
do PS. Mas se for Seguro, mesmo com apoio do PS, que venha Sampaio da Nóvoa”.
Daniel Oliveira, colunista do “Expresso”
O QUE ANDO A LER
“The Journalist and the Murderer”, é uma grande reportagem de Janet Malcom para
a revista “The New Yorker” que foi publicada em livro em 1990, sobre a ética no
jornalismo, que descreve o abuso de confiança que os repórteres exercem ou
podem exercer sobre as suas fontes.
Um parágrafo da jornalista causou enorme polémica naquela época: “É o tipo de
homem de confiança, aproveitando-se da vaidade, ignorância ou solidão das
pessoas, ganhando a sua confiança e traindo-as sem remorso. Como a viúva
crédula que um dia acorda para descobrir que o jovem charmoso desapareceu com
todas as suas poupanças, assim o sujeito de uma peça de não ficção aprende -
quando o artigo ou o livro surgem - uma dura lição. Os jornalistas justificam a
sua traição de várias maneiras, de acordo com o seu temperamento. Os mais pomposos
falam de liberdade de expressão e do ‘direito do público a ser informado’; os
menos talentosos falam em arte e outros em ganhar a vida”.
O livro é sobre um jornalista que foi autorizado a viveu por dentro da equipa
de defesa de um acusado de triplo homicídio (a mulher e duas filhas), fazendo-o
crer que ia escrever um livro abonatório depois da sua mais que certa
condenação. Quando o trabalho foi publicado, pelo contrário, o homem já preso
descobriu que o livro afinal corroborava todas as teses da sua culpabilidade. E
processou o jornalista.
A história de Janet Malcom não é apenas sobre aquele caso em concreto, mas
também uma reflexão acerca da relação entre jornalistas e fontes: um jornalista
tem de ser sedutor, ouvir e puxar pela informação, fingir que concorda ou que
compreende o ponto de vista da pessoa com quem está a falar, mesmo que o
produto final não seja exatamente o que estava nas expectativas dos que se
expuseram. É bom para fazer um jornalista pensar.
PODCASTS A OUVIR
A Beleza das Pequenas Coisas - Desta vez, Bernardo Mendonça fala com o
escritor Rui Cardoso Martins que lhe diz que “os novos monstros
dos fascismos souberam puxar o poder louco do dinheiro e dos egocêntricos donos
das redes sociais”. Nesta conversa, recorda os anos no “Público” e revela a
gota de água que o fez desistir do jornalismo e que envolve uma conferência de
imprensa com Marques Mendes. Na segunda parte, conta: “Um médico analisou-me o coração e
achou que sofrera um ataque cardíaco. Mas era a cicatriz de um desgosto.”
De Viva Voz - Miguel Sousa Tavares fala com Paula Santos da
“bofetada de luva branca” de Centeno e a “pedrada no charco” de Rita Júdice, a
ministra da Justiça. Neste episódio do seu podcast, o comentador faz ainda uma
análise do acordo entre Israel e o Hamas para concluir que a palavra final (ou
será "ameaça?) de Trump foi determinante. Sobre os incontroláveis
incêndios nos EUA lembra que "só não vê as alterações climáticas quem não
quer".
O Homem que Comia Tudo - O jornalista Ricardo Dias Felner fala das melhores e
mais variadas comezainas dos últimos 12 meses e elege as melhores do ano: do
típico arroz de tomate com fritos aos tacos mexicanos ou do azeite ao café, o
crítico faz uma retrospetiva do que melhor comeu e bebeu, para que 2025 nos
traga tantas e igualmente boas iguarias.
O Expresso Curto fica hoje por aqui. Desejo-lhe uma boa semana e vá
acompanhando a atualidade através dos sites do Expresso, da Tribuna e da Blitz.
Sem comentários:
Enviar um comentário