sexta-feira, 23 de março de 2018

A guerra contra a Síria, ou de como se falsifica a história


Na Síria não se trava qualquer guerra civil mas uma agressão externa através de nações vizinhas e grandes potências da NATO que pretendem derrubar o governo e retalhar o país em entidades submissas e dóceis para com os que se vêem como donos daquilo tudo: Israel e Arábia Saudita.

José Goulão*

Explica-nos a versão oficial da História, a única, a indiscutível, a que cabe na informação com chancela de legitimidade, que a «guerra civil» na Síria teria começado em Março de 2011, quando as hordas do «tirano» Assad esmagaram as manifestações populares «pró-democracia» inseridas na saga libertadora das «primaveras árabes».

À partida, todos concordaríamos que seria missão impossível contaminar um parágrafo de 50 escassas palavras com uma dose elevada de falsificações e distorções da realidade. Tratando-se, sobretudo, da história condenada a ficar para a História. Mas tal como são ínvios os caminhos do Senhor, também inesgotáveis são os dotes da propaganda; e assim o impossível se transforma em sentença comum, mesmo que em forma de fábula. Todas as asserções contidas nas primeiras orações deste texto correspondem a factos mistificados. Todas, sem excepção. Porém, todas elas correspondem também à realidade informativa que molda o nosso quotidiano.

A guerra americana contra a Síria e a «guerra civil» síria

Na Síria não se trava qualquer guerra civil. O conflito que continua a flagelar o território onde existia uma das sociedades mais tolerantes, inclusivas, produtivas e culturais do Médio Oriente e do mundo árabe é uma agressão externa em que, através de nações vizinhas, grandes potências da NATO pretendem derrubar o governo e retalhar o país em entidades submissas e dóceis para com os que se vêem como donos daquilo tudo: Israel e Arábia Saudita. Para tal, velhas e novas potências coloniais recorrem a interpostos exércitos, os bandos de mercenários que o mundo foi aprendendo a associar à chancela abrangente de «terrorismo islâmico» e a dois dos seus ramos dominantes, a Al-Qaida e o Daesh, ou Isis, ou Estado Islâmico.

Sobre os anseios de liberdade e democracia manifestados pelos cidadãos sírios e não-sírios que surgiram nas ruas, ali e acolá, nos primeiros meses de 2011, será essencial consultar outras fontes além das que nasceram puras e impolutas, tais como os «capacetes brancos» – apenas mais um heterónimo da Al-Qaida – ou o «Observatório Sírio dos Direitos Humanos», algumas dezenas de amanuenses contratados pelos serviços secretos britânicos e afins emitindo de um escritório em Londres as mensagens «em directo» da Síria que logo se transformam em manchetes de jornais e aberturas de telejornais em todo o mundo e numa babel de idiomas.

Quem procurar informar-se objectivamente sobre as realidades desses dias nas ruas de algumas localidades da Síria à luz das alegadas motivações populares na procura da democracia e dos direitos humanos, poderá sentir-se frustrado. As palavras de ordem, os panos e bandeiras reclamando «um presidente temente a Deus», exigindo «os cristãos para Beirute, os alauitas para a cova» ou «liberdade para a Charia», a lei islâmica ao estilo saudita, desmentem as romanescas versões dos acontecimentos constantes dos despachos chegados até nós.

Por ocasião dos acontecimentos iniciais, o presidente Bachar Assad recebeu os organizadores da maior manifestação, que decorreu em Hama e juntou cerca de cem mil pessoas; quis conhecer as reivindicações e, para início de conversa, foi informado da principal: «que os alauitas fossem impedidos de aceder a Hama». Os alauitas são um ramo da confissão islâmica xiita a que pertence a família Assad. Presume-se que a reunião tenha ficado por aí.

Quanto às interpretações sobre a chegada da «vaga libertadora» das «primaveras árabes» à Síria podem ser muitas e variadas, embora errando quase todas o alvo.

Em vez de falsas primaveras, um duro inverno

O que foram as «primaveras árabes» como réplicas da multiplicação das «revoluções coloridas» organizadas pela CIA, através de falsas «organizações não-governamentais», em países do Leste da Europa, é um tema a merecer tratamento próprio e muito brevemente. Por ora, é importante saber que múltiplas investigações independentes expuseram como objectivo comum dessa operação transnacional a substituição de regimes laicos e com vocação nacionalista por outros mais dóceis perante as ambições neoliberais e neocoloniais.

O principal instrumento manipulado para o efeito foi a confraria islamita da Irmandade Muçulmana, dependente da Arábia Saudita, sobretudo desde que nos anos cinquenta do século passado foi moldada por serviços secretos ocidentais quando planearam a instrumentalização estratégica do islamismo político, no âmbito da guerra fria. À luz desta interpretação é fácil deduzir as razões pelas quais o tão altruísta como libertador movimento primaveril não tenha tocado, sequer ao de leve, regimes reconhecidamente democráticos, transparentes e amigos dos direitos humanos como os da Arábia Saudita, do Qatar, do Koweit, dos Emirados Árabes Unidos e afins; ou tenha sido sumariamente desencorajado por uma sangrenta invasão das tropas sauditas – a coberto do Conselho de Cooperação do Golfo, um braço da NATO – quando se repercutiu no Bahrein.

A mãe de todas as mistificações deste processo, porém, é a da data do início da guerra contra a Síria. Para que fique associada a supostas matanças cometida pelos militares sírios contra os manifestantes movidos pela dinâmica das «primaveras árabes», foi fixada em Março de 2011, quando mercenários transferidos do Afeganistão e do Iraque para a cidade de Deraa se apropriaram de uma legítima manifestação de trabalhadores reivindicando aumentos salariais e saquearam o palácio da justiça. No mesmo dia, atacaram um centro dos serviços secretos nos arredores da mesma cidade, uma instalação que era utilizada para monitorizar a actividade do exército de Israel no território ocupado dos Montes Golã. A operação foi enquadrada por agentes dos principais interessados: os serviços secretos israelitas do Mossad.

Movimentações com as mesmas características provocatórias para as estruturas do poder de Damasco repetiram-se em algumas outras cidades, logo ecoadas pela estação Al-Jazeera do Qatar e repercutidas pelo «Observatório Sírio dos Direitos Humanos» de modo a transformar-se, mediaticamente, numa ideia de levantamento nacional «contra o regime de Assad». Contudo, entre os mais de cem mortos registados nas primeiras semanas de agitação o maior número era de polícias e militares, uma vez que, na generalidade dos casos, continuavam a respeitar as ordens governamentais de não disparar contra manifestantes. E o governo decidiu mesmo levantar o estado de emergência, que vigorava há muito, quando se previa a adopção de medidas mais restritivas.

Como tudo verdadeiramente começou

Porém, a guerra contra a Síria, a verdadeira guerra, há muito que estava anunciada e em andamento – nada tendo a ver com liberdade, a democracia e os direitos humanos.

Foi em 2002, com a proclamação da «guerra contra o terrorismo» na ressaca do 11 de Setembro de 2001, e com a invasão do Afeganistão em curso, que George W. Bush escreveu aos dirigentes sírio e líbio, Bachar Assad e Muammar Khaddafi, intimando-os a aniquilar as armas de destruição massiva que teriam em seu poder; caso contrário, sujeitar-se-iam às consequências. A metodologia era a mesma que estava a ser usada em relação ao Iraque. E os armamentos citados revelaram-se tão reais como os que nunca foram encontrados em território iraquiano.

No ano seguinte, novo desenvolvimento: Bush fez o Congresso aprovar o Syrian Accountability Act, lei que lhe dava mãos livres para lançar a guerra contra a Síria quando e como desejasse.

Em 2005, no discurso sobre o Estado da União proferido no início de Fevereiro, George W. Bush relembrou estrategicamente a existência dessa lei; duas semanas depois, o primeiro-ministro do Líbano, o saudita e libanês Rafic Hariri, foi vítima de um atentado – imediatamente atribuído ao Hezbollah e alegadamente cometido sob orientação do presidente libanês, Emil Lahoud, e do Presidente sírio, Bachar Assad.

O «nó» libanês resistiu à espada

Hoje, mercê das investigações feitas por diplomatas e jornalistas que não digerem facilmente as explicações imediatas dos atentados terroristas, sabe-se que o assassínio de Hariri significou o arranque da operação «Revolução dos Cedros», que deveria culminar com o desembarque de marines norte-americanos na Síria para derrubar o governo. Segundo a estratégia idealizada pelos responsáveis pelo atentado – círculos oficiosos ligando os Estados Unidos, França, Alemanha e Israel, conforme agora se sabe – as «manifestações populares» a organizar no Líbano contra o assassínio do chefe do governo deveriam ser reprimidas pelas tropas sírias estacionadas em território libanês, forçando o Pentágono a repor a ordem removendo militarmente o governo de Damasco.

Em vez disso, porém, o presidente sírio retirou rapidamente as suas tropas do Líbano e assim desmontou a provocação, frustrando a «revolução dos cedros» – que ficou no ovo.

Os conspiradores não desistiram. Montaram então a operação «Jasmim Azul», em 2006. No seguimento de uma legítima acção de resistência do Hezbollah contra soldados israelitas, que mais uma vez se tinham infiltrado no Líbano, Israel voltou a invadir em força este país. Quando se esperava que o grupo xiita, braço armado do terceiro maior partido político libanês, fosse dizimado por um dos mais fortes e bem equipados exércitos mundiais, David tramou Golias de novo. A Israel valeu o cessar-fogo imposto pelo Conselho de Segurança da ONU para aceder a um «empate técnico» no conflito, ainda assim humilhante e desconcertante. De qualquer forma, e ao contrário do que tinham previsto os estrategos da operação, as tropas sírias não foram socorrer o Hezbollah, que se desenvencilhou sozinho, e mais uma vez os planos de retaliação prevendo que os marines assaltassem Damasco e liquidassem o regime ficaram no papel.

O sonho imperial tropeça na resistência Síria

Já em 2010, em vésperas da euforia das «primaveras árabes» e no seguimento do acordo de Lancaster House entre David Cameron e Nicolas Sarkozy – que culminaria com a destruição da Líbia – a União Europeia entrou em cena. Propôs ao presidente sírio um acordo de associação com as seguintes contrapartidas, para pegar ou largar: liberalização total da economia; reconhecimento de que a ocupação israelita dos Montes Golã era um facto consumado; normalização das relações com Israel.

Como seria fácil de prever – e Bruxelas sabia-o muito bem – Assad não aceitou. A União Europeia voltaria a reactivar o engodo do acordo de associação para abrir caminho ao golpe de 2014 na Ucrânia, onde, a pretexto da democratização, organizações saudosistas dos tempos de Hitler chegaram ao poder em Kiev.

Seguiu-se então o início oficial da guerra contra a Síria, segundo o método das «primaveras árabes».

Como a Rússia, porém, informou Washington de que não voltaria a deixar-se enganar pela interpretação abusiva das decisões do Conselho de Segurança que permitiram à NATO desmantelar a Líbia, Obama pareceu levar a sério a advertência. As negociações de Genebra sobre a Síria, nas quais se envolveram apenas as duas grandes potências, terminaram em acordo no final de Junho de 2012, e a guerra poderia ter ficado por aí.

Surgiu então à boca de cena a secretária de Estado de Obama, Hillary Clinton, declarando que tinha sido forçada a assinar o entendimento de Genebra; e logo encontrou apoios nos governos de França, Reino Unido, Turquia, Arábia Saudita e demais petroditaduras do Golfo, a que outras nações se foram juntando. Os Estados Unidos sabotaram por um lado o acordo com Moscovo, que tinham estabelecido por outro. Se a diplomacia é a arte do possível, também pode ser a da trapaça.

Com «amigos» desses não são precisos inimigos

Nasceu assim o «Grupo de Amigos da Síria», que montou um sistema de «oposição» armada supostamente em torno de desertores das tropas governamentais, mas assente, em massa, nos exércitos de mercenários recrutados um pouco por todo o globo. Numa primeira fase, ainda em 2012, mais de 40 mil terroristas foram injectados na Síria a partir da Jordânia, sob enquadramento da NATO, depois de treinados pela CIA. Foi numa reunião desses «Amigos da Síria», realizada posteriormente em Marrocos, que o ministro francês dos Negócios Estrangeiros de Hollande, Laurent Fabius, saudou a Al-Qaida por estar a fazer «um bom trabalho».

A guerra contra a Síria prossegue. Oficialmente entrou no oitavo ano; na realidade decorre há 16 anos no âmbito de um processo amplo que nada tem a ver com a democracia, intuitos humanitários, liberdades ou direitos humanos.

O objectivo que está essencialmente em causa é o desenho de um novo mapa do Médio Oriente que passa pelo desmantelamento de países incómodos para Israel e a eliminação de correntes políticas, ideológicas e militares que possam mobilizar resistências ao pleno domínio colonial da região; uma estratégia para ser assegurada operacionalmente pelo eixo Israel-Arábia Saudita, cada vez mais oleado. A cooperação militar no desmantelamento do Iémen e a partilha de tarefas capazes de garantir o funcionamento das redes de mercenários «islâmicos» na Síria são disso exemplos flagrantes, mas não únicos. Israel enquadra actualmente sete grupos terroristas que actuam no Sul do território sírio tentando fomentar uma dinâmica separatista.

A «guerra contra o terrorismo» e o «novo Médio Oriente» do capital sem pátria

Uma leitura da guerra na Síria ou de qualquer outra na região que não tenha em conta estes dados será incompleta, distorcida e distante da realidade. A «guerra contra o terrorismo» nascida dos atentados contra as torres gémeas em Nova Iorque – cujas explicações oficiais são reconhecidamente uma fraude – é o principal instrumento para criação de um «novo Médio Oriente» constituído essencialmente por pequenos Estados, de preferência confessionais e sectários, incapazes de inquietar Israel.

Os grandes conglomerados mundiais sem pátria ambicionam que o «novo Médio Oriente» seja uma região colonialmente reestruturada que assegure, sem problemas, o controlo dos recursos energéticos e as rotas dos combustíveis fósseis em direcção aos principais centros nevrálgicos do poder financeiro, económico e tecnológico globalizante; e que não permita às poderosas nações do Oriente, sobretudo a China, a restauração do funcionamento pleno da chamada “Rota da Seda”, isto é, a mais estratégica via para o comércio terrestre global.

Na Síria, como em outras coordenadas do Médio Oriente, a concretização desta estratégia de domínio está entregue operacionalmente a organizações de mercenários recrutados entre os pobres e excluídos do mundo, por sinal os mesmos grupos que deveriam estar a ser alvos da «guerra contra o terrorismo» e se regeneram a si mesmos com uma assombrosa flexibilidade. Por aqui se entendem muitas das razões pelas quais o primeiro parágrafo deste texto consegue encaixar em apenas 50 palavras – num atrevido desafio às leis da Física – uma tão elevada dose de mistificações da realidade.

*AbrilAbril | Foto: Janeiro de 2017. Em Aleppo libertada dos Jihadistas, o lento regresso a casa. Créditos Michael Alaeddin/Sputnik

MOÇAMBIQUE | FRELIMO analisa derrota em Nampula e governação


O Comité Central da FRELIMO reúne-se, a partir desta sexta-feira (23.03), durante três dias. A avaliação da atual governação e a preparação dos próximos atos eleitorais são os principais tópicos em cima da mesa.

O Comité Central da FRELIMO está reunido desde hoje (23.03) e até ao próximo domingo na Matola, nos arredores de Maputo. No discurso de abertura do encontro, o Presidente da FRELIMO, Filipe Nyusi, explicou que a agenda está centrada na análise da atual situação do país, com enfoque para o custo de vida, destacando que é uma questão que preocupa muito os moçambicanos. Acrescentou que os preparativos para as eleições autárquicas de outubro próximo, bem como as eleições gerais e provinciais do próximo ano estão também entre os assuntos principais.

Recentemente, a FRELIMO enfrentou uma derrota histórica nas eleições intercalares em Nampula, a terceira maior cidade do país. Nyusi comentou que este resultado coloca à prova a capacidade da FRELIMO de enfrentar e vencer os próximos pleitos eleitorais, mas garante que o partido não tem medo de mudanças.

"É chegado o momento da FRELIMO dedicar mais tempo para se revelar grande e afirmar-se como um partido moderno e não absolutista. O absolutismo não é e nunca foi a característica do nosso partido, porque a FRELIMO nunca teve medo de mudanças”, afirma Nyusi.

Ainda durante o discurso, Filipe Nyusi apontou que as próximas eleições poderão ser realizadas dentro de um quadro constitucional legal marcado pelo novo modelo de descentralização, em apreciação no Parlamento. Depois dos consensos já alcançados entre o Chefe de Estado e o líder da RENAMO, Afonso Dlakhama, o presidente da FRELIMO coloca a responsabilidade no partido da oposição.

"A expetativa de todos os moçambicanos é de que a RENAMO não atrase o processo querendo introduzir novas exigências, cuja substância é contrária à do consenso”, afirmou o líder da FRELIMO.

Nyusi informou também que prossegue a discussão de detalhes no âmbito de assuntos militares com vista ao desarmamento da RENAMO, tendo frisado que "o pacote da descentralização e a questão da desmilitarização e reintegração são duas componentes indissociáveis”.

"No processo democrático, não se tem nenhuma experiência de processos armados de descentralização. São dois processos que, segundo os consensos alcançados, devem caminhar no mesmo ritmo e na mesma direção que é o alcance de uma paz efetiva e definitiva em Moçambique”.

O presidente da FRELIMO aproveitou ainda o momento para condenar os ataques que têm sido levados a cabo por armados desconhecidos na província de Cabo Delgado, desde outubro do ano passado. Para ele, estes ataques são um atentado à segurança e ordem públicas e uma afronta às instituições do Estado legalmente constituído.

Desafios para a FRELIMO

Segundo o analista Gil Laurenciano, o próximo ciclo eleitoral no país poderá criar uma nova configuração política, considerando que a RENAMO vai participar no escrutínio, depois de ter boicotado o último pleito eleitoral autárquico. O analista acrescenta que a FRELIMO deverá rever a sua estratégia eleitoral e política a nível local.

"Parece que a solução de ser o partido que leva alguém e diz é "este que vai concorrer" não está a dar resultados.”

Laurenciano explicou à DW África que o maior desafio atual do governo e da FRELIMO está relacionado com a solução do problema das dívidas ocultas contraídas em 2013 e 2014 com garantias do executivo sem o conhecimento do parlamento e dos parceiros internacionais.

 "Isso influencia todos os esforços que o governo tenta fazer para ver se tenta aliviar um pouco o sofrimento a que as pessoas estão sujeitas. Esse problema das dívidas ocultas, que acaba tendo implicações económicas, também tem implicações políticas e essas implicações políticas podem influenciar o comportamento do eleitorado nas próximas eleições”.

A abertura da sessão do Comité Central da FRELIMO contou também com a apresentação de mensagens das organizações do partido. O Secretário-geral da Juventude, Mety Gondola foi um dos que falou na abertura da sessão, descrevendo a habitação e a empregabilidade como questões prioritárias para a juventude moçambicana. Gondola propôs o acesso a terrenos infraestruturados, a isenção na aquisição de materiais de construção, e a aposta da formação técnico profissional com enfoque para as artes e ofícios.

Leonel Matias (Maputo) | Deutsche Welle

Professores de universidade são-tomense anunciam greve


Docentes do Instituto Universitário de Contabilidade, Administração e Informática (IUCAI) estão com salários em atraso há três anos. Paralisação deve iniciar esta segunda-feira devido à falta de acordos com a reitoria.

Os professores do Instituto Universitário de Contabilidade, Administração e Informática (IUCAI) de São Tomé e Príncipe anunciaram este domingo (18.03) que vão iniciar na segunda-feira uma greve por tempo indeterminado. O motivo é a falta de acordo para o recebimento de salários em atraso.

"Temos salários em atraso desde 2015. Estamos sempre a ser enganados dizendo que se vai pagar. Quando há dinheiro para se pagar não se paga. Estamos num ciclo vicioso e não podemos pactuar mais com essa situação, tivemos que tomar uma medida", disse Abdulay Pires dos Santos, representante dos docentes.

"Decidimos paralisar na segunda-feira todas as atividades docentes, até que a reitoria resolva, na totalidade, o problema salarial dos professores", acrescentou.

Pelo menos 25 professores têm salários em atraso há mais de três anos. Em alguns casos, os valores são superiores a oito mil euros. "No ano passado nós tivemos várias reuniões com a reitoria e numa delas chegamos a um acordo de que 35% de todas receitas que entrassem no IUCAI seriam para pagar salário dos professores, como forma de reduzir paulatinamente os salários em atraso. Esse acordo, no entanto, não está a ser cumprido", explica o o professor.

Negociações

O governo são-tomense patrocina a formação de mais de 30 estudantes na universidade, com verbas postas à disposição pelas empresas petrolíferas que assinaram contratos de partilha de produção dos blocos de petróleo. No âmbito desse compromisso, a Agência Nacional de Petróleos (ANP) pagou a IUCAI 120 mil euros na semana passada.

"Criamos expectativas, pois o próprio reitor, Agostinho Rita, garantiu-nos que logo que esse dinheiro fosse pago os problemas salariais seriam resolvidos, mas nem por isso", lamentou Abdulay Pires dos Santos.

O reitor e fundador da universidade IUCAI, Agostinho Rita, confirma que há, de fato, salários em atraso há três anos, e prometeu pagar nesta segunda-feira as verbas referentes ao período entre outubro de 2017 e fevereiro deste ano.

"Há muitos professores que foram tomando dinheiro na minha mão ao longo desse tempo e é preciso fazermos encontro de contas para se saber quanto eles já receberem e quanto ainda têm por receber", explicou.

Agostinho Rita desmente que haja intenção dos docentes de paralisar as aulas, sublinhando que "há dinheiro para pagar" aos professores. "Mas se querem fazer greve, é um direito deles", disse.

Agência Lusa, kg | Deutsche Welle

Imprensa em Angola ainda longe de ser independente


A imprensa em Angola continua condicionada pelo poder executivo, mas há quem acredite em mudanças. Espera-se que o novo código penal venha descriminalizar a atividade jornalística.

Quase seis meses depois da tomada de posse do Presidente João Lourenço, a imprensa angolana continua "inconstante", segundo o Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA-Angola). O presidente deste organismo, Alexandre Neto Solombe, faz um balanço pouco otimista.

"A caracterização que eu faço em relação à imprensa em geral é que ela continua inconstante, inconsequente e, consequentemente, não é garantia para com os atores, sejam eles políticos ou da sociedade civil", comenta Alexandre Neto Solombe do MISA-Angola.   

O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, concorda que a imprensa está longe de ser independente, mas sublinha que já se regista uma certa abertura.

"Esta abertura vai sendo vista com exemplos de contraditórios que vêm sendo feitos nos media públicos, por um lado. Por outro lado, não podemos efetivamente dizer que os órgãos públicos hoje sejam já independentes porque ainda estão condicionados ao titular do poder executivo que nomeia os gestores de cargos públicos de comunicação social."

O sindicalista acrescenta que a nomeação de gestores dos órgãos de comunicação social mediante um concurso público promovido por uma entidade independente é um dos passos sugeridos pelo sindicato para alcançar uma maior transparência. 

Descriminalizar atividade jornalística

Teixeira Cândido assistiu esta segunda-feira (19.03) ao julgamento dos jornalistas angolanos Rafael Marques e Mariano Brás, que respondem por crimes de injúria e difamação contra o ex-procurador-geral da República, João Maria de Sousa.

O presidente do sindicato espera que o novo código penal, que se prevê que seja aprovado ainda este ano, descriminalize a atividade jornalística, como recomenda a Comissão Africana para os Direitos Humanos. "Nós advogamos que o novo Código Penal devesse transferir esta responsabilidade do âmbito penal para o âmbito civil", diz.

Atualmente, muitos dos jornalistas processados judicialmente são acusados por titulares de cargos públicos. O sindicalista nega a existência de um plano arquitetado pelo poder político para perseguir os profissionais de informação, mas acredita que para muitos titulares de cargos públicos, é conveniente que atividade jornalística ainda seja criminalizada.

Alexandre Neto Solombe do MISA-Angola entende que ainda há um longo caminho a percorrer até à independência dos órgãos de informação e ao livre exercício da atividade jornalística, que se espera de uma sociedade verdadeiramente democrática. "Continuamos a ter uma imprensa que não dá garantias a sociedade de que ela vai funcionar com a normalidade que se exige numa democracia de facto", lamenta.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Crianças guineenses faltam à escola para realizar ritual de circuncisão


Associação da Guiné-Bissau denuncia que "centenas de crianças" estão a faltar às aulas para ir às barracas de circuncisão e pede ao Estado para agir. Responsável por circuncisão diz que ritual "não pode" ser adiado.

Centenas de crianças estão a sair das suas casas para realizar o ritual de circuncisão. Ao invés de ir à escola, seguem o caminho das barracas, locais no mato onde o ritual é realizado.

Segundo a Associação de Amigos da Criança (AMIC) da Guiné-Bissau, há pelo menos dois locais nos arredores de Bissau onde estão a ser realizadas circuncisões, alegadamente sem a autorização do Governo.

Fernando Cá, administrador da AMIC, diz não compreender como, em plena época das aulas, as autoridades ficam em silêncio ao ver passar nas ruas de Bissau crianças que vão para as barracas perto do mar, acompanhadas de familiares e amigos.

"Apesar de estarmos num país em que o Governo é fraco, antes de praticar qualquer coisa dessa natureza, os pretendentes têm de ter autorização prévia da entidade competente. Neste momento, na barraca já há cerca de 400 a 500 crianças, que obviamente abandonaram a escola e foram para o ritual", afirma.

Ritual "não pode" ser adiado

Em entrevista à DW África, um dos responsáveis pela circuncisão garante que informou as autoridades. Lufundam Cá diz que não pode adiar o ritual.

"Tudo isso tem a ver com Irã, a força divina. Quando chega o ano de praticar o fanado [ritual da circuncisão], não podes adiar. Realizamos sempre a circuncisão de fevereiro até maio, antes da época das chuvas. Fui ao Ministério do Interior dar conhecimento às autoridades do país", justifica.

Lufundam Cá frisa que nunca forçou as crianças a sair de casa dos pais: "Nunca peguei ninguém na mão para levar à barraca. Peço-lhes apenas os números dos telefones dos pais, para informar. Não sei se vão à escola ou se são analfabetos como eu. Acho que os pais é que devem controlar seus filhos em casa. Mas quem vier até aqui, não posso fazer nada", adverte.

Cá cita a lei da barraca, que prescreve que, uma vez no local, as crianças têm de fazer o ritual da circuncisão.

A AMIC observa, no entanto, que é preciso que o Governo crie leis sobre o período de realização do ritual, a fim de evitar faltas na escolas. A associação pede ainda o envolvimento das autoridades na problemática da circuncisão, tal como fez em relação à questão da excisão genital feminina, oficialmente criminalizada na Guiné-Bissau desde 2011.

Contactado pela DW África, o Governo não quis comentar o assunto.  

Braima Darame (Bissau), Agência Lusa | Deutsche Welle

Advogados guineenses denunciam corrupção na Justiça


Grupo de advogados acusa alguns magistrados da Guiné-Bissau de estarem a mandar prender cidadãos sem indício de crimes para depois negociarem a sua libertação. Ministério Público promete analisar denúncias.

Quatro advogados guineenses denunciaram esta terça-feira (20.03) a existência de uma alegada rede criminosa no interior do Ministério Público. Alguns magistrados estariam a mandar prender cidadãos sem indícios de crimes para depois negociar a sua libertação a troco de dinheiro, segundo a acusação.

O advogado Fernando Gomes, antigo ministro da Função Pública, referiu em conferência de imprensa que já houve vários casos de cidadãos alegadamente vítimas de abuso de poder.

"Alguns magistrados que tornaram essa prática num modo de vida", afirmou Gomes. "Mandam cidadãos para cadeia e depois negoceiam a libertação, sem nenhum indício de crime. Ou seja, é um tipo de associação criminosa criada por alguns magistrados." 

Frente contra corrupção na Justiça

O grupo de advogados anunciou ainda a criação da Frente Nacional de Luta Contra a Corrupção no Poder Judicial para defender os direitos fundamentais dos cidadãos.
O advogado Fernando Gomes considera inadmissível que membros da Justiça se envolvam em práticas de corrupção.

"Ouvimos discursos em que quase todos reconhecem que, de facto, existem casos de corrupção no aparelho judicial da Guiné-Bissau", disse Gomes. "Muitos advogados queixam-se de casos de corrupção praticados por alguns magistrados do Ministério Público. E o que é que se fez? Nada. Nenhum magistrado é processado, julgado ou levado às barras da Justiça. Então, entendemos que temos que fazer algo, apesar dos riscos que corremos."

Apelo a "limpeza" no Ministério Público

Ao tomar posse, em novembro de 2017, o Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, Bacari Biai, manifestou-se determinado em combater a corrupção no aparelho de Estado, "doa a quem doer".

Mas o advogado Vítor Mbana entende que o procurador devia começar pelo próprio Ministério Público: "Queremos que comece a lavar a própria casa, para que os delegados do Ministério Público possam ficar 'limpos' e avancem para a perseguição dos outros."

Contactado pela DW África, o Ministério Público prometeu que vai analisar as denúncias do grupo de advogados e só depois se pronunciará oficialmente sobre o assunto.

Braima Darame (Bissau) | Deutsche Welle

Afrodescendentes enfrentam discriminação em escolas portuguesas


Um estudo publicado pelo Instituto Universitário de Lisboa reafirma a existência de racismo nas escolas portuguesas. Especialista recomenda programas de apoio específicos para lidar com problema do sistema educacional.

A falta de oportunidades e as desigualdades sociais têm contribuído para o insucesso escolar dos estudantes oriundos das antigas colónias portuguesas em África, alertam académicos em Portugal. Um relatório apresentado recentemente em Lisboa reafirma a existência de racismo institucional em Portugal, mais especificamente nas escolas portuguesas.

Na Escola Básica Nun' Álvares, no concelho do Seixal, estudam alunos de várias nacionalidades, incluindo afrodescendentes. Entre eles está Marta, natural de Angola, a estudar no sétimo ano do ensino básico. "Às vezes funciona como deve ser, às vezes não, porque há muitas lutas. Há muitos problemas nesta escola. Aqui há caso de alunos com muitas dificuldades. Não sabem ler bem nem escrever", descreve.

Este estabelecimento de ensino acolhe alunos com múltiplas dificuldades, não só a português e a matemática. É sede de um agrupamento escolar, na Margem Sul do Tejo, e integra a rede de escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), programa que desenvolve projetos de inclusão que visam o sucesso educativo. Um dos objetivos é combater o abandono escolar e as saídas precoces do sistema educativo.

Educação profissional: uma alternativa

De acordo com o último relatório sobre desigualdades sociais em Portugal, apresentado pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), há casos de estudantes africanos e afrodescendentes que desistem do percurso por falta de apoio e não chegam à universidade. Muitos deles são encaminhados para outras vias de ensino, nomeadamente para o ensino profissional. São vistos como alunos com maiores riscos de insucesso e de abandono escolar. 

O professor André Claro, adjunto da direção da José Afonso, considerada a melhor escola pública do concelho do Seixal  - e uma das bem posicionadas no ranking nacional, que também acolhe alunos africanos e afrodescendentes - diz que a escolha pela formação profissional é uma alternativa de progressão dos estudos e não de exclusão.

Ao invés de abandonar os estudos, muitos alunos seguem para cursos profissionais. "Há alunos que trazem dificuldades, não só africanos como portugueses e de outras nacionalidades, mas há alunos que são muito bons também e que são rentabilizados nos cursos profissionais", explica o professor.

"Temos muitos alunos que concluem o curso profissional e que estão nas faculdades e temos muitos alunos que foram recrutados pelas empresas de estágio para ficarem lá a trabalhar", relata. De acordo com André Claro, cerca de 95% desses alunos concluem os cursos com sucesso. Cerca de 20% prosseguem os estudos na faculdade e outros 15% ficam empregados a trabalhar em diversas empresas.

Emerson Azevedo, estudante luso-angolano a frequentar o 12º ano na Escola Secundária José Afonso, abraçou, por opção, um curso profissional de marketing e vendas, depois de ter feito informática. 

"Hoje em dia não ficamos tão limitados como no [sistema] regular, que só tem três opções: Humanidades, Ciências e Economia, se não me engano. Este curso aqui é bom, são novas opções e temos acesso à faculdade também. Achei que era uma boa opção vir para aqui", explica.

Depois de terminar o curso, Emerson quer entrar para a faculdade ou para o politécnico, em Setúbal ou Lisboa, e fazer uma especialização na mesma área para trabalhar na Europa.

Os académicos apontam várias razões para o insucesso escolar de muitos afrodescendentes. Por exemplo, o desemprego e, consequentemente, a situação financeira das respetivas famílias, que impede o acompanhamento quotidiano dos alunos por parte dos adultos.

Por outro lado, o estudo também revela que as próprias escolas têm tendência a esperar menos dos alunos africanos ou de origem africana, conta Teresa Seabra, professora do ISCTE e coordenadora do capítulo do relatório sobre desigualdades sociais em Portugal e na Europa. "Não se pode atribuir a um fator. Não se pode dizer que é a escola ou a sociedade portuguesa em geral que não se interessa. É um bocadinho disso tudo que depois resulta nas situações em que resulta", resume.

Atenção específica à discriminação

Para a socióloga Cristina Roldão, a segregação racial e a marginalização nas escolas são um facto e é necessário fazer muito mais do que se tem feito para dar resposta às dificuldades e aspirações específicas desses grupos. "Cada vez mais se reconhece que estas questões existem, faltam efetivamente medidas", alerta.

Cristina Roldão explica que as questões relativas à discriminação estão sempre diluídas, não há um programa que tenha o problema como foco. "Se pensarmos em programas como o Programa TEIP, o Programa Escolhas e outros, a questão do racismo, da diversidade étnico-racial da sociedade portuguesa e das nossas escolas não está patente. Não surge como uma questão específica", exemplifica.

De acordo com a académica, seria preciso mudar a abordagem e buscar soluções efetivas e específicas para os problemas verificados na realidade das escolas. "Se olharmos para os dados do acesso ao ensino superior vemos, por exemplo, que os afrodescendentes tem metade da probabilidade de ascender ao ensino superior em 2011, que são os dados que tínhamos dos censos. E isso diz-nos muito do que se passa na escola", sublinha.

A propósito do acesso ao ensino superior, a investigadora Cristina Roldão propõe políticas de quotas, a que chama de "políticas de ação afirmativa", que permitam dotar os jovens afrodescendentes com mais capacidade para defenderem os direitos das suas comunidades, terem mobilidade social e participarem de forma mais igualitária na sociedade portuguesa.

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

PORTUGAL | Quando o jornalismo se deixa capturar por interesses políticos


O caso Feliciano Barreiras Duarte (FBD) é um exemplo de como algum jornalismo se deixou  capturar por interesses alheios à função de informar com rigor e isenção.

FBD foi secretário de Estado do governo de Passos Coelho durante vários anos e nunca ninguém se lembrou de analisar o seu currículo, do qual constavam já os elementos falsos, nem de verificar a informação sobre a sua morada que não era no Bombarral como declarou ao Parlamento.

Como outros já escreverem aqui e aqui,  até FBD ser escolhido por Rui Rio como  secretário-geral do PSD, nenhum órgão de comunicação social se lembrou de investigar o seu currículo académico nem a veracidade das informações prestadas sobre o seu local de residência. Bastou porém que Rui Rio fosse eleito como secretário-geral do PSD para que o semanário Sol e o jornal electrónico Observador,  assumidamente críticos da liderança de Rui Rio, trouxessem a público os dados que agora se conhecem sobre as irregularidades cometidas por FBD.

É evidente que a divulgação das irregularidades praticadas por FBD  faz parte do escrutínio dos agentes políticos que cabe ao jornalismo fazer. É porém legítimo perguntar porque razão  não foram divulgadas antes, quando FBD era membro do governo de Passos Coelho, já que ser secretário-geral de um partido não é mais relevante do que ser membro do governo.

A conclusão é óbvia: FBD foi “protegido”  enquanto foi membro do governo de Passos Coelho e deixou de o ser quando se tornou secretário-geral com Rui Rio na liderança do partido . Continuasse Passos a ser líder do partido e FBD teria escapado ao escrutínio do Sol e do Observador.

Ao contrário do que se escreve aqui, não é irrelevante que um jornalista se questione sobre os objectivos de uma fonte que, sob anonimato, lhe fornece uma informação que foi convenientemente  escondida durante anos, apesar de o visado ser há muito um político conhecido. Independentemente da veracidade da informação que lhe é oferecida, ao aceitar divulgá-la omitindo a fonte o jornalista  está objectivamente a servir os interesses obscuros dessa fonte que no caso de FBD são óbvios, isto é, criar dificuldades ao novo líder do PSD.

Tivessem o Sol e o Observador explicado porque só agora na liderança de Rui Rio divulgaram as irregularidades de FBD e teriam agido com transparência. Não o tendo feito, nem tendo identificado a fonte que os conduziu à “descoberta” das falcatruas de FBD, prestaram-se um “servicinho” aos adversários de Rui Rio.

Aliás, do ponto de vista jornalístico não sei o que seria mais bombástico:  saber que FBD falsificou o currículo ou conhecer quem o quis tramar e a Rui Rio. Agora que a primeira “bomba” produziu efeitos, seria interessante despoletar a segunda: “quem tramou Rui Rio?”

Estrela Serrano | em Vai e Vem

PORTUGAL | Oferecer um chouriço para conseguir ficar com o porco todo

Quando se quiser perspetivar a diferença entre um governo de direita e um de esquerda, o exemplo do Hospital do Senhor do Bonfim, em Vila do Conde, pode ser dado como elucidativo. Inaugurado há três anos trata-se de uma instituição privada pertencente ao empresário Manuel Agonia, que se veio agora queixar do risco de o fechar, por não estarem a ser cumpridas as promessas de financiamento das suas atividades pelo governo anterior.

A lógica desse investidor é a comum à da maioria dos que mostram a sua veia empreendedora segundo a regra de ver os investimentos beneficiados com lucros só para os próprios, porque havendo prejuízos, deverão ser «democraticamente» distribuídos pelos contribuintes através dos subsídios estatais.

Para o patrão de tal Hospital de pouco importa que os clientes pagantes não sejam suficientes para lhe garantirem os almejados proventos. A culpa está em quem deveria canalizar recursos do Serviço Nacional de Saúde para que essas expetativas se cumprissem. Já não é só o célebre raciocínio de um histórico dirigente do CDS para o qual «quem queria saúde teria de a pagar», porque o cabisbaixo queixoso considera que deverá ser o Estado a colmatar-lhe os prejuízos do seu azarado investimento.

Mas, voltando ao início, teremos dúvidas em que, se Passos Coelho tivesse continuado à frente dos destinos do país esse Hospital apresentaria lautos proveitos ao seu proprietário? Não aconteceria assim com outros Agonias, que apostariam em negociatas semelhantes em que parecendo oferecer um chouriço às respetivas comunidades, teriam a certeza de, através de governo amigo, conseguirem ficar com o porco todo?

Publicada por jorge rocha em Ventos Semeados

À margem

“Somos todos irmãos perante Deus, mas tão diferentes. Deus a mim beneficiou-me, mas na óptica de outros castigou-me porque eu sou escravo do trabalho. Começo a trabalhar às 6 da manhã. Nunca ninguém me viu sentado num café na terra onde nasci, Póvoa de Varzim, que gosto muito. Nunca ninguém me viu sentado na mesa dum café a vida inteira.” Manuel Agonia em declarações a uma rádio local.

"O Manuel Fominha", por título | em Crónicas Varzim

BASE DAS LAGES | Relatório americano revela contaminação da água para consumo humano na ilha Terceira


Dioxinas, glifosato, ácido acético, naftaleno, chumbo e outros produtos químicos e metais pesados excedem os limites máximos permitidos pela legislação dos EUA na água para beber. Força Aérea Portuguesa enviou 84 emails aos militares e civis portugueses em oito meses a avisar alternadamente que a água estava boa ou imprópria para consumo

Análises à água para consumo humano captada nos aquíferos na zona da Base das Lajes, no concelho da Praia da Vitória, ilha Terceira (Açores), revelam excesso de dioxinas, amónia, ácido fosfónico, cobre, ácido acético, chumbo, naftaleno (um hidrocarboneto), trialometano, bem como dos herbicidas glifosato, diquat e endotal, e dos pesticidas hidroxicarbofurano e metiocarbe. A revelação é feita numa lista publicada no relatório das autoridades americanas da base intitulado "Drinking Water Quality Report 2015", a que o Expresso teve acesso.

As diferenças em relação aos valores máximos de miligramas por litro permitidos pela legislação dos EUA são mais acentuadas no caso das dioxinas (260 mil vezes mais), diquat (100 vezes mais), glifosato e endotal (50 vezes), trialometano (40 vezes) e metiocarbe (30 vezes). Fontes ligadas à Base das Lajes contam que desde há vários anos os militares americanos e os trabalhadores civis são aconselhados verbalmente a beber apenas água engarrafada. E que os militares e trabalhadores civis da Força Aérea Portuguesa (FAP) receberam 84 emails internos entre 11 de julho de 2017 e 14 de março de 2018 a avisarem alternadamente que a água da torneira estava boa ou imprópria para consumo, sem explicarem as razões para essas mudanças súbitas na sua qualidade.

O primeiro email conhecido, de 11 julho de 2017, dizia o seguinte: "Informa-se que o último relatório das verificações efetuadas à qualidade da água da Unidade, apresenta parâmetros em inconformidade com as normas legais, pelo que se constata que a água se encontra imprópria para consumo humano. No sentido de salvaguardar a saúde pública e até futuro aviso, recomenda-se que antes de consumida a água seja desinfetada ou fervida". E só a 14 de março de 2018, a FAP informou que “a situação da qualidade da água para consumo humano se encontra normalizada em todos os locais da Unidade”.

CINCO PROPOSTAS EM DEBATE NO PARLAMENTO

As revelações deste relatório americano surgem na véspera da discussão, na Assembleia da República (AR), de propostas apresentadas pelo PS, PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda e Os Verdes para resolver o problema da contaminação dos solos do concelho da Praia da Vitória por hidrocarbonetos e metais pesados provenientes da atividade da Base das Lajes. Entretanto, o Governo Regional dos Açores enviou ao Parlamento pareceres sobre estas propostas, que vão ser debatidas em plenário amanhã, sexta-feira.

O Governo Regional, presidido pelo socialista Vasco Cordeiro, defende nos pareceres que "só uma ação global sobre a totalidade dos locais identificados como contaminados ou potencialmente contaminados permitirá resolver, satisfatoriamente, a matéria da descontaminação da ilha Terceira, assente num plano de ações concretas e calendarizáveis a desenvolver pelos EUA, que possam ser comunicadas claramente às populações". Essas ações devem ter por critério "não apenas as questões de segurança e saúde pública, mas também as questões da proteção e qualidade ambiental, independentemente do uso atual ou futuro dos locais em causa".

Esta ressalva é uma crítica às recomendações feitas ao Governo pelo último estudo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), encomendado pelo Ministério da Defesa Nacional e divulgado pelo Expresso na edição de 10 de março, onde o LNEC admite que não seja necessário descontaminar todos os terrenos que hoje não têm utilização. O Governo Regional dos Açores defende ainda que as responsabilidades financeiras das ações de descontaminação "cabem em primeira instância ao poluidor - os EUA - cabendo, em consequência, ao Estado português garantir não apenas a execução das mesmas mas o custeio respetivo".

PS QUER DESCONTAMINAÇÃO TOTAL

Desenvolver “medidas que garantam que todos os locais contaminados na ilha Terceira e todos os que venham a ser identificados com tal sejam objeto de intervenções que assegurem a total descontaminação”, é o que defende o Projeto de Resolução que vai ser apresentado amanhã na AR pelo grupo parlamentar do PS. Assinado pelos três deputados açorianos, Carlos César (líder do grupo parlamentar), Lara Martinho e João Castro, a proposta recomenda que “as medidas encetadas pelo Governo sejam visíveis nos locais comprovadamente contaminados (atuais ou futuros). E ainda que "a informação sobre este processo obedeça aos critérios da transparência e da publicidade”, sendo estipulado "um calendário exigente, mas realizável".

O Governo “não conseguiu mais verba do Governo dos EUA nem conseguiu apresentar um plano para a descontaminação dos solos e aquíferos da Praia da Vitória”, critica o PSD no Projeto de Resolução que vai também apresentar na sexta-feira no Parlamento. Os sociais-democratas recomendam que o Governo "cumpra, este ano, o Plano de Revitalização Económica da Ilha Terceira (PREIT) e se promova uma efetiva descontaminação dos solos e aquíferos do concelho da Praia da Vitória". E defendem que o executivo "disponibilize à Assembleia da República todos os documentos relacionados com a contaminação". O PREIT, lançado em 2015, destina-se a compensar a queda de 10% do PIB da Terceira que aconteceu depois de os EUA terem comunicado a Portugal, em 2012, a intenção de reduzir significativamente a presença militar e civil na Base das Lajes.

O Bloco de Esquerda (BE) recomenda ao Governo, no seu Projeto de Resolução, que se proceda à "identificação da contaminação conhecida e potencial do aquífero basal, com origem nos antigos tanques de combustível do Pico Celeiro, Cabrito, Fontinhas, Área #5, Main Gate, South Tank Farm e condutas abandonadas". E propõe "a remoção dos solos contaminados com chumbo" resultante dos tanques de combustível do Pico Celeiro, no interior da ilha Terceira, bem como "a realização de malhas de sondagem, descontaminação dos solos e inativação da captação de água a jusante e tratamento por nano-filtragem e osmose inversa".

Lara Martinho, deputada açoriana do PS, afirma ao Expresso que "há um alarmismo sobre a contaminação dos solos da Terceira que consideramos injustificado, provocado por afirmações dos partidos da oposição e por um conjunto de notícias que têm saído nos meios de informação", acrescentando que "todos os estudos dizem que não há risco para a saúde da população". Mas o BE defende no seu Projeto de Resolução "o estudo do impacte na saúde pública e o desenvolvimento de estratégias adequadas, com a adoção de medidas de proteção individuais e coletivas das populações", acompanhado pelo Instituto Ricardo Jorge.

Virgílio Azevedo | Expresso

TRUMP É UM GRANDE SACANA, UM PERIGO



O Expresso Curto sem merecer grandes considerações do PG. É do dia, da tempestade Hugo que anda por aí. Humores negativos e porca de vida. Usem a utilidade do Curto no que merece, o resto podem deitar fora ou ignorem. Fica à vossa consideração. Trump não é nenhum maluco, como querem vender a imagem. É, sim, um grande sacana, um perigo para a humanidade (incluindo o povo dos EUA). Estejam atentos. É importante. Bom dia, se conseguirem. PG

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Começou a guerra com a China e deve esperar o pior

João Vieira Pereira | Expresso

Bom dia, aqui ficam as principais notícias que marcam esta sexta-feira.

Trump nunca negou que era este o seu objetivo. Durante a campanha eleitoral fez disso uma das suas promessas: atacar o poder económico da China, a forma como os produtos chineses invadiram a economia americana e aquilo que define como roubo da propriedade intelectual dos EUA.

A administração norte americana diz que “as práticas injustas de comércio” do Governo chinês levaram ao fecho, num curto período de tempo, de 60 mil fábricas, à perda 6 milhões de empregos e ao maior défice comercial de sempre com a China — que em menos de 20 anos mais do que quintuplicou atingindo os 337 mil milhões de dólares.

Razões mais do que suficientes, na visão de Trump, para avançar com a imposição de tarifas sobre 60 mil milhões de dólares em importações da China.

À moda de Trump, ainda há pouca informação. Só dentro de 15 dias haverá a lista das 1300 importações que deverão ser alvo destas tarifas. Mesmo assim a Casa Branca estima que o impacto para as famílias será reduzido, sem explicar como. A economia ensina que, no final do dia, quem paga a conta é sempre o consumidor.

Ao mesmo tempo o Presidente americano anunciou que a União Europeia, Coreia do Sul, Brasil, Canadá e México terão uma exceção sobre as tarifas do aço que entram em vigor este mês. Facto que está a ser interpretado como a colocação da China como único alvo do confronto comercial.

A guerra começou e podemos esperar o pior.

Beijing já respondeu, refutando que tenha roubado qualquer propriedade intelectual ou forçado empresas norte americanas a transferir tecnologia para congéneres chinesas. De seguida prometeu tomar “todas a medidas necessárias” contra a decisão de Washington. Se o ministro chinês do Comércio foi, de certo modo, conciliador, ao afirmar que “a China não quer uma guerra e espera que o EUA recuem”, o embaixador do China nos EUA foi mais ameaçador: “Se alguém impõe uma guerra comercial com a China, nós vamos lutar até ao fim”.

Estão já a ser preparadas tarifas sobre produtos agrícolas e material de transportes, as principais exportações americanas para aquele mercado e que podem atingir 3 mil milhões de dólares em produtos produzidos nos EUA. Por exemplo, as ações da americana Boeing fecharam a cair mais de 5%.

Os principais índices bolsistas também fecharam em forte queda nos EUA com receios do impacto no comércio internacional. E a bolsa nipónica fechou a cair 4,51%.

Uma guerra deste género, entre as duas maiores economias do mundo, irá afetar o comércio de todo o mundo e colocar em causa o crescimento económico mundial. Os analistas ainda estão confiantes que algum bom senso prevaleça, principalmente por parte de Trump. Mas o mal pode já estar feito. Resta saber a extensão dos danos colaterais.

OUTRAS NOTÍCIAS

Por cá. Marcelo puxa, de novo, as orelhas ao Governo. O Presidente da República está preocupado com o Verão e não acredita que as mudanças estruturais na Proteção Civil aconteçam a dois meses de começar a época de incêndios. A notícia faz machete do Público.

Entretanto, o primeiro ministro e vários membros do Governo estarão, amanhã, em ações de campanha pela limpeza da floresta em diversos pontos do país.

Para tentar ocultar as falhas de segurança, dois militares mentiram à Polícia Judiciária Militar e ao Exército sobre o roubo de Tancos.

Relatório das autoridades americanas na Base das Lajes revela que água para consumo humano na ilha Terceira está contaminada.

A EDP arrasa o trabalho do regulador do setor elétrico, a ERSE, numa análise que enviou ao Ministério Público sobre o estudo que o regulador fez sobre as rendas da energia. Diz que o trabalho da ERSE “viola ostensivamente a lei”.

Laboratórios e investigadores desesperam pelas verbas da Fundação para a Ciência e Tecnologia. O Jornal de Notícias conta que muitos estão parados à espera que as verbas públicas sejam desbloqueadas.

O mesmo jornal escreve que, 20 anos depois, a ponte Vasco da Gama tem metade do tráfego previsto.

Vieira da Silva deverá apresentar hoje medidas para reduzir os uso dos contratos a prazo. O Jornal Económico conta que este tipo de contratos passará a ter uma duração máxima de 18 meses.

Segundo o Correio da Manhã, Manuel Pinho estará a ser investigado pelo FBI, na sequência de um pedido de ajuda das autoridades portuguesas.

Os bancos recusam aplicar a medida defendida pelo PS e Bloco de Esquerda de refletir a Euribor negativa nos empréstimos de crédito à habitação.

Um autocarro com 37 passageiros despistou-se na A6, acidente no qual ficaram feridos 21 pessoas.

Se quer aprender a poupar mais um pouco no IRS veja este vídeo de Pedro Andersson.

Lá fora. Trump volta a trocar de Conselheiro de Segurança Nacional, o terceiro em 14 meses. A nomeação de John Bolton é vista como uma perda dos moderados na administração norte americana.

Lula longe da prisão nos próximos 15 dias. O Supremo Tribunal Federal decidiu, por 6 votos contra 5, impedir a prisão do ex-presidente do Brasil até que seja concluído o julgamento sobre habeas corpus, o que deverá acontecer no próximo dia 4 de abril.

Catalunha continua sem Governo, depois do independentista Jordi Turull não ter sido empossado por falta de apoio.

Continua a guerra de palavras entre o Reino Unido e a Rússia no seguimento do envenenamento de Sergei e Yulia Skripal. Em resposta a Boris Johnson, que comparou o campeonato do mundo de futebol aos Jogos Olímpicos nazis, o embaixador russo afirmou que tais acusações eram “inaceitáveis e totalmente irresponsáveis”.

Theresa May pediu solidariedade no confronto com a Rússia e de acordo com o Financial Times, pelo menos cinco países europeus (França, Polónia, Estónia, Letónia e Lituânia) estão a ponderar uma expulsão coordenada de diplomatas russos.

O caso Cambridge Analytica continua a marcar a atualidade. As últimas informações apontam para que o Facebook tenha fornecido os dados de todas as amizades feitas em 2011 em todos os países do mundo. O The Guardian diz que são mais de 57 mil milhões de dados sobre “amizades”. Aqui fica um resumo do que se sabe até agora.

Zuckerberg tentou acalmar os investidores, primeiro num post no Facebook, depois numa entrevista à CNN. Assumiu culpas, pediu desculpas e garantiu que está a fazer de tudo para que a situação não se volte a repetir. Mas, os investidores não parecem ter acreditado, as ações do Facebook, voltaram a cair.

2,6 mil milhões de dólares é o bónus que Elon Musk poderá receber se daqui a 10 anos a Tesla valer 650 mil milhões de dólares.

O lixo que flutua no Oceano Pacífico ocupa uma extensão muito maior do que a inicialmente estimada. Um novo estudoestima que atinja já uma área duas vezes superior à da Franca.

Leobardo Vásquez, um jornalista mexicano foi morto a tiro no Estado de Veracruz, o terceiro assassinado em 2018. Em 2012, 12 jornalistas foram mortos no México por razões profissionais.

Eram 22:05 quando Stephen Paddock pressionou o gatilho da primeira das 23 armas que usou na noite de 1 de Outubro de 2017, descarregando milhares de munições sobre quem assistia a um concerto em Las Vegas. Começava o pior massacre do género na história dos Estados Unidos e que fez 58 vítimas mortais e mais de 700 feridos. O New York Times teve acesso às câmaras de segurança do hotel onde estava hospedado e fez o relato da sua atividade nos dias anteriores.

FRASES

“O Estado e o Governo jamais retiraram meios quando são necessários. Nada do que aconteceu foi por falta de meios, tudo o que aconteceu foi porque não havia forma de conter a dimensão [dos fogos]” — Jorge Gomes, ex-secretário de Estado, sobre o relatório de peritos independentes que acusa o Governo de ter recusado pedidos de meios de combate aos fogos.

“Ninguém melhor do que o ex-secretário Jorge Gomes sabe o que aconteceu e poderá falar sobre essa matéria” — António Costasobre os alegados dados falsos no relatórios sobre o incêndios de outubro.

O QUE EU ANDO A LER

A sugestão deste Expresso Curto começa numa pergunta que fiz ao professor João Duque. Maravilhe-se com a sua resposta.

P: João, acha mesmo que é possível aprender finanças com Shakespeare?

R: “Pois bem, leia o Mercador de Veneza e talvez fique surpreendido…Todos os anos desafio os meus alunos a lerem esta peça e a discutirem as lições que o livro encerra sobre temas de finanças, para além das outras de cariz humanista.

António é um rico mercador antissemita tendo mesmo chegado a cuspir na cara do velho judeu Shylock. Porém, certo dia, não tendo liquidez imediata para acudir a um grande amigo seu (Bassânio), vê-se obrigado a ir pedir um empréstimo ao odiado Shylock. Na Veneza dessa época, a dos finais do século XVI, já os judeus eram segregados tendo de pernoitar no gueto e quando de lá saiam tinham de usar um barrete de cor vermelha que os identificasse como tal… Onde já vimos isto, quatro séculos e meio depois?...

Shylock parece odiento. Impossibilitado por lei de possuir propriedades tinha de viver dos juros que cobrava nos empréstimos concedidos, coisa que a Igreja condenava e António desprezava.

É então que Shylock impõe uma condição para conceder o crédito: se António não amortizasse o empréstimo na data prevista, ao fim de três meses, Shylock teria o direito, embora não a obrigação, de lhe cortar uma libra de carne. Na ausência de outras garantias, cá temos um contrato de opção a aumentar as garantias do credor…

António está seguro de que os investimentos que fez (vários barcos fretados e que estão para regressar do mar) serão mais do que suficientes para liquidar o crédito. Essa segurança advém da diversificação do risco e famosamente demonstrada por Harry Markowitz na explicação da Teoria da Carteira, pois só um azar extremo poderia levar a que nenhum deles regressasse com as previstas riquezas do oriente.

Mas os azares sucedem… Os bancos estimam diariamente o VaR (Value-at-Risk) isto é, a perda máxima prevista num dado período de tempo, com uma elevada probabilidade. Contudo, por vezes, essa perda é superior à estimativa de perda máxima calculada, e a barreira do VaR é quebrada… Nesse caso há outras medidas e que bem deveriam ter sido estimadas pelo António pois o que é pouco provável, embora não impossível, pode mesmo suceder…

Será que Shylock vai ter a oportunidade de se vingar de António? E se a tiver, vai ter a coragem de decepar meio quilo de carne a António? Será Shylock realmente mau e odioso vivendo de algo abjeto e pecaminoso como a usura? Será que não virão outros acudir a António trapaceando o judeu, clamando por direitos e outros contratos de opção que vão usar em abono dos poderosos como António?

Vale a pena ler e reler o mercador de Veneza. E para quem não quer ler sempre pode ver a peça magistralmente representada em filme onde, na versão de 2004 realizada por Michael Radford, onde pode assistir às excelentes representações de Jeremy Irons ou Joseph Fiennes ou à inesquecível performance de Al Pacino.”

Este Expresso Curto termina por aqui. Tenha uma ótima sexta-feira e um fim-de-semana em cheio. E não se esqueça de comprar o Expresso logo bem cedo na manhã de sábado.

De apoio à Primavera Árabe até campanha contra Copa na Rússia: conheça ONG americana Avaaz


A Avaaz, uma organização “ativista cibernética” norte-americana, está realizando uma campanha que incentiva o boicote da Copa do Mundo da FIFA 2018 na Rússia.

A jornalista italiana independente Francesca Totolo disse à Sputnik Internacional que a Avaaz tem apoiado financeiramente a Primavera Árabe em relação à situação na Síria, o que pode ser constatado em seus relatórios financeiros.

O objetivo da Avaaz é influenciar a opinião pública para justificar uma mudança de regime na Síria. Os inimigos da organização são o exército do presidente sírio Bashar Assad e a Rússia, que estão libertando as áreas ocupadas pelos terroristas na Síria.

Francesca afirma que a Avaaz usa robôs para divulgar informações falsas nos países ocidentais, e que basta olhar para sua conta no Twitter, que contém quase 1 milhão de seguidores e menos de 100 retweets.

Na opinião da jornalista, não é coincidência que a campanha da Avaaz de boicote à Copa do Mundo na Rússia foi publicada quatro dias antes das eleições presidenciais na Rússia e coincidiu com o caso de envenenamento de Sergei Skripal.

Francesca Totolo acrescenta que o propósito dessa organização fundada por George Soros é desacreditar a Rússia diante da opinião pública. Isto porque a Rússia é um exemplo de nacionalismo e de patriotismo, valores que o globalismo econômico insiste em eliminar. Porém, atualmente é improvável que as pessoas sejam influenciadas por tais campanhas de propaganda.

As novas ditaduras latino-americanas e ascensão autoritária


Jorge Beinstein [*]

A radicalização reacionaria dos governos de países como o Paraguai, Argentina, Brasil, México ou Honduras começa a gerar polémica quanto à sua caracterização.

Nenhum desses regimes resultou de golpes de estado militares. Nos casos do Brasil, Honduras ou Paraguai a destituição dos presidentes foi realizada (mediante paródia constitucional) pelo poder legislativo em combinação mais ou menos forte com os poderes judicial e mediático. No Brasil a Presidência passou a ser exercida pelo vice-presidente Temer (ungido por um golpe parlamentar) cujo nível de aceitação popular segundo diversos inquéritos rondaria apenas 3% dos cidadãos. No Paraguai ocorreu o mesmo e o presidente destituído foi substituído pelo vice-presidente através de um procedimento parlamentar express e a seguir foram realizadas eleições presidenciais que consagraram Horacio Cartes, um personagem de ultra-direita claramente vinculado ao narcotráfico.

Nas Honduras realizaram-se eleições presidenciais em Novembro/2017 [1] , a “Alianza de Oposición contra la Dictadura” havia ganho claramente mas o governo, fazendo honra ao qualificativo com que o havia marcado a oposição, consumou uma fraude escandalosa afirmando assim a continuidade do ditador Juan Orlando Hernandez.

Um caso extremamente curioso é o da Argentina, onde em 2015 se realizaram eleições presidenciais em meio a uma avalanche mediática, económica e judicial sem precedentes contra o governo e favorável ao candidato direitista Maurizio Macri. O resultado foi a vitória de Macri por escassa margem, o qual logo que assumiu a presidência avançou sobre os outros poderes do estado conseguindo em pouco tempo de facto a soma do poder público. Se a essa concentração de poder acrescentarmos o controle dos meios de comunicação e o poder económico, encontramo-nos perante uma pequena camarilha com uma capacidade de controle própria de uma ditadura. Completa o panorama o comportamento cada vez mais repressivo do governo que, pela primeira vez desde o fim da ditadura militar em 1983, decidiu a intervenção das Forças Armadas em conflitos internos mediante a constituição de uma “força militar de arranque rápido” integrada por efetivos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e a formação de uma força operativa conjunta com a DEA utilizando a desculpa da “luta contra o narcotráfico e o terrorismo”. [2] Desse modo a Argentina incorpora-se numa tendência regional imposta pelos Estados Unidos de reconversão convergente das Forças Armadas convencionais, das polícias e outras estruturas de segurança em polícias-militares capazes de “controlar” as populações desses países. Não seguindo o velho estilo conservador-quartelada inspirado na “doutrina de segurança nacional” e sim estabelecendo espaços sociais caóticos imersos no desastre, atravessados precisamente pelo narcotráfico (promovido e manipulado desde cima) e outras formas de criminalidade dissociadora seguindo a doutrina da Guerra de Quarta Geração.

No México, como sabemos, sucedem-se os governos fraudulentos imersos numa crescente onda de barbárie e na Colômbia a abstenção eleitoral tradicionalmente maioritária chegou recentemente a cerca de dois terço do padrão eleitoral [3] , adornada por um muito publicitado “processo de paz” que conseguiu a rendição das FARC assegurando ao mesmo tempo a preservação da dinâmica de saqueios, assassinato e concentração de rendimentos que caracteriza tradicionalmente esse sistema. Nestes dois casos não nos encontramos perante algo “novo” e sim frente a regimes relativamente velhos que foram evoluindo até chegarem hoje a constituir verdadeiros exemplos de aplicação com êxito das técnicas mais avançadas de desintegração social. A tragédia desses países mostra o futuro que aguarda os recém chegados ao inferno.

O panorama é completado com as tentativas de restauração reaccionária na Bolívia e na Venezuela. No caso venezuelano a intervenção directa dos Estados Unidos procura recuperar (recolonizar) a maior reserva petrolífera do mundo no momento em que o reinado do petro-dólar (fundamento da hegemonia financeira global do império) entra em declínio rápido perante a ascensão da China (o maior comprador internacional de petróleo) que procura impor a sua própria moeda apoiada pelo ouro (o petro-yuan-ouro) em aliança precisamente com a Venezuela e outros gigantes do sector energético, como a Rússia e o Irão.

Na Bolívia, o aparelho de inteligência imperial realiza uma das suas manipulações de manual inspirada na doutrina da Guerra de Quarta Geração. Põe em ação seus apêndices mediáticos locais e globais tentando lançar a histeria (neste caso racista) de faixas importante das classes médias brancas e mestiças contra o presidente índio. Aqui não só se trata de varrer um governo progressista como também de apropriar-se das reservas de lítio, a maiores do mundo (segundo diferentes prospecções, a Bolívia contaria com aproximadamente 50% das reservas de lítio do planeta), elemento chave na futura reconversão energética global.

Principais características

As actuais ditaduras têm todas as características para apresentar uma imagem civil com aparência de respeito pelos preceitos constitucionais, mantendo um calendário eleitoral com pluralidade de partidos e os demais traços de um regime democrático de acordo com as regras ocidentais. Por outro lado, encontramo-nos perante mecanismos explícitos de censura e, ainda que marginais ou em posições muito secundárias, ouvem-se algumas vozes divergentes. Os prisioneiros políticos passam quase sempre pelos tribunais onde os juízes os condenam de maneira arbitrária mas aparentando apoiar-se nas normais legais vigentes. Os assassinatos de opositores são minimizados ou ocultados pelos meios de comunicação e ficam em geral envoltos por mantos de confusão que diluem as culpas estatais, amalgamando de maneira sistemática os crimes políticos com as violências policiais contra pobres e pequenos delinquentes sociais e repressões aos protestos populares.

Essa máscara democrática, prolixamente negligente, acaba por ser o que é: uma máscara, quando constatamos que os meios de comunicação convertidos num instrumento de manipulação total da população estão controlados por monopólios como o grupo Clarín na Argentina, O Globo no Brasil ou Televisa no México, cujos proprietários fazem parte do círculo estreito do Poder. Ou quando chegamos à conclusão de que o sistema judicial está completamente controlado por esse círculos do qual participam os principais interesses económicos (transnacionalizados) manejando à discrição o aparelho policial-militar. E que em consequência os partidos políticos significativos, os meios de comunicação, as grandes estruturas sindicais e outros espaço de expressão potencial da sociedade civil estão estrategicamente controlados (para além de certos descontroles tácticos) mediante uma teia embrulhada de repressões, chantagens, crimes selectivos, abusos judiciais, bombardeios mediáticos esmagadores dissociadores ou disciplinadores e fraude eleitoral mais ou menos descarada conforme o problema concreto resolver.

O novo panorama provocou uma crise notável de percepção onde a realidade se choca com princípios ideológicos, conceptualizações e outros componentes de um “sentido comum” herdado do passado. Não somos vítimas de um rígido enquadramento da população com pretensões totalitárias explícitas que anule toda possibilidade de dissensão, procurando integrar o conjunto da sociedade num simples esquema militar, e sim perante sistemas flexíveis, na realidade confusos, que não tentam disciplinar a todos e sim, antes, desarticular, degradar a sociedade civil convertendo-a numa vítima inofensiva, esmagada pela tragédia.

Não se apresentam projetos nacionais desmesurados, próprios dos militares “salvadores da pátria” de outros tempos, ou imagens sinistras como a de Pinochet, nem sequer discursos hiper-optimistas como os dos globalistas neoliberais dos anos 1990 ou personagens cómicos como Carlos Menem, e sim presidentes sem carisma, torpes, aborrecidos repetidores de frases banais preparadas pelos assessores de imagem que formam uma rede regional globalizada de “formadores de opinião” made in USA.

Em suma, as ditaduras blindadas e triunfalistas do passado parecem ter sido substituídas por ditaduras ou proto-ditaduras cinzentas que oferecem pouco ou nada, montadas sobre embrutecedores cilindros compressores mediáticos. Sempre por trás (na realidade por cima) destes fenómenos encontram-se o aparelho de inteligência dos Estados Unidos e os de alguns dos seus aliados. A CIA, a DEA, o MOSSAD, o MI6 conforme os casos manipulam os ministérios da segurança ou da defesa, os das relações exteriores, as grandes estruturas policiais desses regimes vassalos e concebem estratégias eleitorais fraudulentas e repressões pontuais.

Capitalismo de desintegração

Forjam-se assim articulações complexas, sistemas de dominação onde convergem elites locais (mediáticas, políticas, empresariais, policiais-militares, etc) com aparelhos externos integrantes do sistema de poder dos Estados Unidos.

Estas forças dominam sociedade marcadas pelo que poderia ser qualificado como “capitalismo de desintegração” baseado no saqueio de recursos naturais, na especulação financeira e na crescente marginalização da população, radicalmente diferente dos velhos capitalismo subdesenvolvidos estruturados em torno de atividades produtivas (agrícolas, mineiras, industriais). Não é que nos velhos sistema não existisse o saqueio de recursos nem o banditismo financeiro, que em alguns momentos e países ocupavam o centro da cena, mas no longo prazo e na maior parte dos casos ficavam num segundo plano. A super-exploração da mão-de-obra e açambarcamento dos lucros produtivos surgiam como os principais objetivos económicos diretos daquelas ditaduras.

Tão pouco é certo que agora as elites dominantes se desinteressem dos salários ou da propriedade da terra. Ao contrário, desenvolvem um amplo leque de estratagemas destinados a reduzir os salários reais e apropriar-se de territórios. Se bem que nos velhos capitalismos não existisse só produção e sim também especulação e saqueio, nos atuais a base produtiva, em retração por causa da pilhagem desmesurada, continua a ser uma fonte importantíssima de benefícios. Contudo, a sua preservação, a sua reprodução no longo prazo, não está no centro das preocupações quotidianas das elites, presas psicologicamente pela dinâmica parasitária da especulação financeira e seu entorno de negócios turvos.

Isto acontece porque, entre outras coisas, no atual imaginário burguês o longo prazo desapareceu, suas operações mais importantes são regidas pelo curto prazo lumpen-capitalista. No saqueio de recursos naturais através da mega-mineração a céu aberto, da extração de gás e petróleo de xisto ou da agricultura baseada em transgénicos, utilizam-se tecnologias orientadas pela velocidade do ritmo financeiro ao serviço de gente que não tem tempo nem interesse para se dedicar a temas tais como a saúde da população afectada, o equilíbrio ambiental e outras áreas impactadas pelos “danos colaterais” do êxito empresarial (financiarização da mudança tecnológica, a cultura técnica dominante como auxiliar do saqueio).

Estes capitalismos de desintegração são conduzidos por elites que podem ser caracterizadas como lumpen-burguesias, burguesias principalmente parasitárias, transnacionalizadas, financiarizadas, oscilando entre o legal e o ilegal, cada vez mais afastadas da produção. São instáveis não por acidentes da conjuntura e sim pela sua essência decadente. Por cima delas encontram-se as grandes potências e suas elites embarcadas desde há tempos no caminho da degradação, num planeta onde os produtos financeiros derivados representavam em fins de 2017 umas sete vezes o Produto Global Bruto, onde a dívida global total (pública mais privada) era de quase três vezes do Produto Global Bruto, onde só cinco grandes bancos estado-unidenses dispunham de “activos financeiros derivados” da ordem dos 250 milhões de milhões de dólares (13 vezes o Produto Interno Bruto dos Estados Unidos), onde as oito pessoas mais ricas do mundo dispõem em conjunto de uma riqueza equivalente a 50% da população mundial (os mais pobres).

A formação e escalada dessas elites latino-americanas são o resultado de prolongados processos de decadência estrutural e cultural, de um subdesenvolvimento que incluiu já várias décadas de componentes parasitários que se foram apropriando do sistema, foram carcomendo-o, envenenando, apodrecendo, seguindo a lógica sobredeterminante do capitalismo global, não de maneira mecânica e sim impondo especificidades nacionais próprias de cada degeneração social.

Por baixo dessas elites surgem populações fragmentadas, com trabalhadores integrados do ponto de vista das normas laborais em vigor separados dos trabalhadores informais, precários. Com massas crescentes de marginais urbanos, de pobres e indigentes estigmatizados pelos meios de comunicação, desprezados por boa parte das classes integradas que se vão apequenando na medida em que avançam os processos de concentração económica e pilhagem de riquezas.

Não se trata de espaços sociais estanques, segmentados de modo estável, e sim de sociedade submetidas à reprodução ampliada da rapina elitista transnacionalizada, à sucessão interminável de transferências de rendimentos de baixo para cima e para o exterior, à degradação crescente da qualidade de vida das classes baixas assim como de porções crescentes das camadas médias.

Alguns autores referem-se ao fenómeno qualificando-o de “neoliberalismo tardio” [4] , algo assim como um regresso aos paradigmas neoliberais que tiveram seu auge nos anos 1990 mas num contexto global desfavorável a esse retorno (ascensão do protecionismo comercial, declínio da unipolaridade em torno dos Estados Unidos, etc). Nós nos encontraríamos portanto frente a uma aberração histórica, um contra-senso económico e geopolítico protagonizado por círculos dirigentes obstinados na sua subordinação ao império norte-americano, interrompendo a marcha normal, racional, progressista e despolarizante que predominava na América Latina. As direitas latino-americanas encontrar-se-iam embarcadas em um projeto na contramão da evolução do mundo.

Mas acontece que o mundo não se encaminha rumo a uma nova harmonia, um novo ciclo produtivo, e sim rumo ao aprofundamento de uma crise de longa duração, iniciada há quase meio século. Esta caracteriza-se entre outras coisas pelo declínio tendencial das taxas de crescimento das economias capitalistas centrais tradicionais e pela hipertrofia financeira (financiarização da economia global) impulsionando a ruptura de normas, legitimidades institucionais e equilíbrios sócio-culturais que asseguravam a reprodução da civilização burguesa para além das turbulências políticas ou económicas. A mutação parasitário-depredadora do capitalismo tem como centro um Ocidente articulado em torno do império norte-americano, mas envolve o conjunto da periferia e também afeta potências emergentes como a China ou a Rússia, muito dependentes das suas exportações em que os mercados da Europa, Estados Unidos e Japão cumprem um papel decisivo. Assim, as taxas de crescimento do Produto Interno Bruto da China vêm-se desacelerando e a economia russa oscila entre a recessão, a estagnação e o crescimento anémico.

Um aspecto essencial da nova situação global é o carácter abertamente devastador das dinâmicas agrícolas, mineiras e industriais motorizadas tanto pelas potências tradicionais como pelas emergentes, cujos efeitos deixaram de ser uma nebulosa ameaça futura para se converterem num desastre presente que se vai ampliando ano após ano.

Tudo isto nos deveria levar à conclusão de que os regimes reacionários da América Latina não têm nada de tardio, de desatualizado, de deslocalização histórica e sim que são a expressão do apodrecimento radical das suas elites, da sua mutação parasitária enlaçada com um fenómeno global que as inclui. O que nos permite descobrir não só a fragilidade histórica, a instabilidade dessas burguesias, tão prepotentes e vorazes como doentias, como também as vãs ilusões progressistas negadoras da realidade que, ao qualificar de tardio o lumpen-capitalismo dominante marcam-no como anormal, anómalo, fora da época, alentando a esperança do retorno à “normalidade” de um novo ciclo de prosperidade na região, mais ou menos keynesiano, mais ou menos produtivo, mais ou menos democrático, mais ou menos razoável, nem muito direitista nem muito esquerdista, nem tão elitista nem tão populista. O sujeito burguês desse horizonte burguês fantasiaso está só na sua imaginação, a marcha real do mundo converteu-o num habitante fantasmagórico da memória. Enquanto isso os grandes “empresários”, os círculos concretos de poder, participam de corpo e alma na orgia da devastação, tão desinteressados no longo prazo e no desastre social e ambiental quanto na racionalidade progressista (à qual consideram estorvo, um travão populista ao livre funcionamento do “mercado”).

Reações populares e aprofundamento da crise

A grande incógnita é a que se refere ao futuro comportamento das grandes maiorias populares que foram afetadas tanto do ponto de vista económico como cultural pela decadência do sistema. As elites puderam aproveitar a desestruturação, as irracionalidades sociais geradas por um fenómeno perverso que atravessou tanto as etapas direitistas como as progressistas. Durante os períodos de governos de direita civis ou militares promovendo e garantindo privilégios e abusos de todo tipo, afirmou-se um “sentido comum” egoísta, dissociador, subestimador de identidades culturais solidárias. Mas quando chegaram as experiências progressistas essas elites utilizaram a degradação social existentes, a fragmentação neoliberal herdada (enlaçadas em alguns casos com tradições de marginalização muito enraizadas) impulsionando irrupções racistas, neofascistas das camadas médias estendidas por vezes até espaços médio-baixos onde se misturam o pequeno comerciante com o assalariado integrado (em consequência, acima do marginalizado, do precário).

Assistimos assim no Brasil, Argentina, Bolívia ou Venezuela mobilizações histéricas de classes médias urbanas neofascistas a exigirem as cabeça dos governantes “populistas”, manipuladas pelos meios de comunicação e pelos poderes económicos que o progressismo havia respeitado como parte da sua pertença ao sistema (admitida abertamente, silenciada ou negada de maneira superficial ou insuficiente).

Agora as chamadas restaurações conservadoras ou direitistas não estão a restaurar o passado neoliberal e sim a instaurar esquemas de devastação nunca antes vistos. Puderam triunfar graças às limitações e esvaziamentos de progressismos encurralados pelas crises de sistemas que eles pretendiam melhorar, reformas ou em alguns casos superar de maneira indolor, gradual, “civilizada”.

Mas a crises nacionais não se detêm. Ao contrário, são incentivadas pelos comportamentos saqueadores das direitas governantes que continuam a praticar suas tácticas dissociadoras, de embrutecimento colectivo, buscando gerar ódio social para com os pobres. Os meios de comunicação trabalham em pleno por trás desses objetivos e na medida em que o declínio económico avança pressionado pelas políticas oficiais e pela marcha da crise global, as manipulações mediáticas começam a demonstrar-se impotentes perante a maré ascendente de protestos populares. A virtualidade do marketing neofascista começa a ser ultrapassada pela materialidade das penúrias, não só dos pobres como também de camadas médias que se vão empobrecendo. Males materiais que ao se ampliarem lhes abrem a porta à rebeldia daqueles que foram enganados e dos que foram crédulos. É assim que no Brasil o repúdio popular ao governo de Temer é esmagador e na Argentina a imagem edulcorada de Macri se vai diluindo velozmente enquanto se estendem os protestos populares.

A repressão, a militarização dos governos de direitas surge então como alternativa de governabilidade. As dinâmicas ditatoriais desses regimes vão engendrando dispositivos policiais-militares com a esperança de controlar os de baixo, vão funcionando com cada vez maior intensidade os mecanismos de “cooperação hemisférica”: operações conjuntas com a DES, fornecimento de armamento e capacitação para o controle de protestos sociais, multiplicação de estruturas repressivas nacionais e regionais monitoradas a partir dos Estados Unidos.

Trata-se de um combate com final aberto entre forças sociais que procuram sobreviver e que, ao fazê-lo, podem chegar a engendrar vastos movimentos de regeneração nacional, radicalmente anti-sistémicos e elites degradadas e instáveis, dependentes do amo imperial (que se reserva o direito de intervenção direta, se as circunstâncias o exigirem e permitirem), animadas por um niilismo portador de pulsões tanáticas.

20/Março/2018

[1] Hugo Noé Pino, “Cronología del fraude electoral en Honduras”, Criterio.hn. Diciembre 8 de 2017, criterio.hn/2017/12/08/cronologia-del-fraude-electoral-honduras/
[2] Manuel Gaggero, “Argentina. La historia se repite… como tragedia”, www.resumenlatinoamericano.org/…
[3] Ana Patricia Torres Espinosa, “Abstención electoral en Colombia. Desafección política, violencia política y conflicto armado”, Cuadernos de Investigación, Universidad Complutense de Madrid, Facultad de Ciencias Políticas y Sociología, politicasysociologia.ucm.es/…
Miguel García Sanchez, “Sobre la baja participación electoral en Colombia”, Semana, 2016-10-18, www.semana.com/…
[4] “El neoliberalismo tardío. Teoría y praxis. Documento de Trabajo nº 5”, Daniel García Delgado y Agustina Gradin (compiladores), FLACSO, Argentina 2017.

[*] Economista. Autor de “Macrì: Orígenes e instalación de una dictadura mafiosa”, que pode ser descarregado aqui  

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

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