quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

FRACASSOS DA HUMANIDADE – LUCIDEZ EM ANGOLA


Martinho Júnior | Luanda

“Criar um futuro partilhado num mundo fracturado” – lema do Fórum Económico Mundial de 2018 em Davos.

“Apesar do avanço tecnológico e da expansão das redes de informação e comunicação, a sensação que temos é a de que os nossos países colaboram cada vez menos uns com os outros na construção dum mundo melhor” – Presidente João Lourenço, extracto do seu discurso em Davos.

“Falta-nos um desígnio colectivo, capaz de criar sinergias e de mobilizar as nossas melhores capacidades” – Idem.


1- No preciso momento em que se realiza em Davos mais um Fórum Económico Mundial a OXFAM, ONG que tem sido vocacionada para combater a pobreza, publicou mais um relatório onde expõe que “1% dos mais ricos detêm 82% da riqueza mundial” e concluindo que “o boom de bilionários não é sinal de uma economia próspera, mas um sintoma do fracasso do sistema económico”!...

É evidente que a economia é por si um indicador que reflecte apenas os fracassos do homem na sua conduta genérica em relação à sua “casa comum”, o planeta Terra e em relação a si próprio: num momento em que a humanidade ultrapassa os sete mil milhões de seres, o capitalismo demonstra estar incapaz de encontrar soluções e com isso prova que é um factor de contínua barbárie e não de civilização!

O estado do mundo não se compadece com qualquer tipo de manobra cosmética e nesse sentido, afigura-se que África está a chegar tarde ao “manjar dos deuses” e, se apanhar algumas migalhas do banquete, tem em Angola um exemplo de mérito na sua utilização, providenciando paz e respondendo aos mais legítimos anseios de desenvolvimento sustentável do seu povo e dos povos do continente!

Todas as cosméticas contemporâneas e seu caudal de alienações, diversionismos e mentiras, com que os poderosos nutrem seus próprios “media”, se inscrevem nesse factor raiz dos fracassos e estão indelevelmente inculcadas nele, pelo que África tem e terá dificuldades acrescidas para fazer passar suas mensagens em busca dum maior equilíbrio e igualdade nos relacionamentos entre os estados, as nações e os povos de todo o mundo!

Nesse sentido o “timing” da visita do Presidente João Lourenço a Davos, foi bem calculado: no momento em que o Presidente Trump chegou à estância turística, já ele tinha regressado a Angola!...

As “honras” de África foram deixadas para um mais-que-suspeito Paul Kagame, presidente do Ruanda e o homem que passou a estar à frente da tão filtrada quão impotente União Africana!


2- Os fenómenos do aquecimento global são outro sinal que a OXFAM pela natureza dos seus objectivos não aborda, mas os dois“fenómenos”, aquecimento global e pobreza, são inerentes aos fracassos da humanidade que tiveram início na alucinada avidez do lucro, estimulado antes pelo âmbito expansivo da revolução industrial a que se veio juntar mais recentemente a nova revolução tecnológica em curso.

Esse movimento capitalista tem sido de tal modo poderoso que levou ao colapso do socialismo, que hoje se reduz ao exemplo da ilha heroica de Cuba, quando ainda mais dele se poderia esperar para salvar humanidade e planeta do abismo pré-anunciado pelo Comandante Fidel, na Iª Conferência Mundial sobre o clima e o ambiente ocorrida no Rio de Janeiro, a 12 de Junho de 1992:

“Una importante especie biológica está en riesgo de desaparecer por la rápida y progresiva liquidación de sus condiciones naturales de vida: el hombre”…

África é dos continentes que melhor expõem, pela natureza do seu próprio estado crítico e ultraperiférico, a estreita conexão entre aquecimento global, a pobreza e as subculturas oprimidas, ou dependentes, que caracterizam os países fornecedores de matérias-primas e à mercê do domínio da hegemonia unipolar: é no Sahel que se verifica a expansão do grande deserto quente do Sahara em direcção a sul e onde a miséria alastra apesar das imensas riquezas monerais, provocando ondas de migração, quer a que é atraída à Europa, quer a que está em movimento para o centro e o sul do continente em busca de espaço vital que só a água interior e as terras férteis podem providenciar (Grandes Lagos, RDC e África Austral).

Essas correntes humanas de “deserdados da Terra”, são um húmus providencial para os fundamentalismos religiosos que tiram partido da radicalização da própria vida para inculcar seu fanatismo, injectando a alienação da conveniência dos poderosos, grande parte deles financiando sintomaticamente a partir das monarquias arábicas, com a cumplicidade de seus aliados de longa data nos Estados Unidos e na Europa, precisamente feudos onde os interesses dos 1% mais se evidenciam!...


3- Em Angola essa conjugação de cataclismos silenciosos e silenciados, repercute de forma contraditória num país que luta contra o subdesenvolvimento e procura sair da cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano: ao mesmo tempo que avalanches de mão-de-obra barata, ilegal ou legal e proveniente sobretudo do Sahel, se vão instalando na miragem das minas de Salomão, (o escândalo geológico dos diamantes aluviais), o deserto do Namibe (concomitantemente também o de Kalahári) provoca tensões no espaço nacional, à medida que no sudoeste, no sul e no sudeste de sua periferia há a tendência ambiental para se reduzirem quer os caudais hidrográficos provenientes do fulcro que é a região central das grandes nascentes, quer as águas subterrâneas que também daí são provenientes, enquanto na atmosfera típica dessas latitudes e longitudes diminuem exponencialmente os índices pluviométricos e de humidade relativa.

A seca em Caimbambo e os problemas de água na província do Cunene, são sinais evidentes desses fenómenos físico-geográfico-ambientais que atingem bacias hidrográficas à superfície, como a do rio Cunene e do Cubango, assim como as subterrâneas, como a do Cuvelai cujas águas desembocam no Lago Etosha, no norte da Namíbia.

O Ministério do Ambiente que indicia estar por razões das estratégias financeiras sob influência do cartel de diamantes e do “lobby”dos minérios, tão facilmente atraído como o foi aos projectos do KAZA-TFCA, ao invés de ter um papel proactivo emitindo alertas e forjando dispositivos apropriados onde se torna inadiável agir, mantém-se apático, distante e silencioso, “mudo e quedo que nem um penedo”, quer em relação à região central das grandes nascentes, onde é imperioso o controlo das nascentes e cursos iniciais dos rios essenciais da rede hidrográfica angolana, quer em relação aos pontos de maior incidência da pressão expansiva do deserto quente do Namibe, conforme Caimbambo e a província do Cunene!

O estado angolano está quando muito apenas motivado à operação de último recurso de auxílio às comunidades que sofrem com esse tipo de conjunturas, que são das mais pobres do país, enquanto vai reagindo a contento apenas aos estímulos externos do âmbito das alienações, diversionismos e cosméticas em relação à própria gestão ambiental do espaço nacional, não acordando em relação às acções geoestratégicas para um desenvolvimento sustentável nos termos que urgentemente se impõem!

Em Caimbambo por exemplo, há notícias que referem que foram perdidos 80% da colheita de milho!...

4- O Presidente da República de Angola foi também a Davos, onde entre outras intervenções exporá as iniciativas da construção das barragens do médio Cuanza, fundamentais para a produção de energia que o país tanto carece para os seus planos de desenvolvimento sustentável, o que será responsável pelo desencadear dos impactos de natureza antropológica que elevarão os níveis de vida em vastas extensões do território nacional.

Criar essas infraestruturas energéticas no âmbito dum plano do Médio Cuanza intrinsecamente nacional, faz parte dos imensos resgates que devem mobilizar todo o povo angolano, na sequência dos esforços históricos do movimento de libertação e do rumo que ele tem vindo a apontar!

O Presidente João Lourenço dissertou sobre o tema “Acelerar o acesso à energia em África” num Fórum que, sendo uma emanação dos poderosos, necessariamente também da aristocracia financeira mundial inscrita nos 1%, indicia ser mais cosmético do que propenso às prementes soluções de fundo que a humanidade tanto carece.

Se é teimosamente justo encontrar recursos económicos e financeiros a fim de continuar a saga de construção das grandes barragens do médio Cuanza indispensáveis às estratégias de luta contra o subdesenvolvimento que Angola está em paz a encetar (sendo essa até uma das mais importantes iniciativas nesse âmbito), além de não se poderem deixar de equacionar as questões de fundo numa época em que as catastróficas crises capitalistas se vão acentuando e sucedendo umas às outras, é justo sacudir da inércia imediatamente o Ministério do Ambiente em relação quer ao que se deve fomentar sob o ponto de vista geoestratégico na e a partir da região central das grandes nascentes, quer em relação aos avanços da influência dos desertos quentes do Kalahari e do Namibe, no sudeste, no sul e no sudoeste angolano!...

A luta contra o subdesenvolvimento e contra a pobreza não se pode limitar à construção de barragens e a inserção do Ministério do Ambiente nessa luta obriga-o a uma imediata revisão.

Os impactos de natureza antropológica no povo angolano, resultantes da disseminação energética por todo o território angolano, merecem, no que diz respeito ao ambiente, que o estado nos seus organismos de vocação e responsabilidade abram espaço à cultura de inteligência nacional numa lógica com sentido de vida, em função da premente necessidade duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável…

Quanto mais silêncio e cosmética se aplicar em relação às questões de fundo que são desafios inadiáveis no âmbito da geoestratégia para um desenvolvimento sustentável que tenho vindo a propor, tanto pior para as heranças que deixaremos para as futuras gerações, tanto pior para uma inadiável mobilização da nossa própria juventude, carente de orientação e empenho, inclusive a nível das imensas investigações que há a realizar cientificando o conhecimento e providenciando uma cultura de inteligência nacional que se abrirá para a vida nos próximos séculos, numa altura em que alguns apontam o colapso da civilização humana e o fim da vida no planeta azul tal qual a conhecemos!...

“Corrigir o que está mal e melhorar o que está bem” é um imperativo para a própria identidade nacional!

Martinho Júnior - Luanda, 23 de Janeiro de 2018

Ilustrações:
- Pirâmide do ecossistema humano: dos produtores sobreviventes aos grandes predadores;
- A água interior, com seu sistema hidrográfico, face à expansão dos desertos no sul de Angola;
- Barragem de Capanda, no médio Cuanza, uma das novas barragens de Angola;
- Barragem de Calueque, indispensável à Namíbia, fica já no curso internacional do rio Cunene.

Algumas intervenções anteriores de Martinho Júnior:
GEOESTRATÉGIA PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html
O DESERTO DO NAMIBE TENDE A ACELERADAMENTE EXPANDIR – http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/01/o-deserto-do-namibe-tende.html

Outras consultas:
DISCURSO PRONUNCIADO EN RÍO DE JANEIRO POR EL COMANDANTE EN JEFE EN LA CONFERENCIA DE NACIONES UNIDAS SOBRE MEDIO AMBIENTE Y DESARROLLO, EL 12 DE JUNIO DE 1992 – https://www.youtube.com/watch?v=JF67BSRjTYc

ANGOLA | Operação Fizz: "Não há anjinhos metidos neste rol"


Prossegue em Lisboa o julgamento de três arguidos portugueses neste caso. O ex-procurador Orlando Figueira, um dos arguidos, nega ter sido subornado por Manuel Vicente e diz não conhecer o ex-vice-Presidente de Angola.

Eles são acusados dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de Justiça e falsificação de documentos. Depois de Orlando Figueira, que terá sido corrompido para arquivar investigações ligadas ao antigo presidente da Sonangol e ex-vice-Presidente angolano, o Tribunal começou a ouvir Paulo Blanco, advogado que prestava serviços a Angola e a Manuel Vicente.

O Tribunal da Comarca de Lisboa levou cerca de cinco dias para ouvir as extensas alegações do ex-procurador Orlando Figueira. Este, de acordo com a acusação, terá recebido pagamentos no valor de 760 mil euros para a obtenção de decisões favoráveis em investigações que envolviam Manuel Vicente. Um dos inquéritos está relacionado com o caso Portmill, referente à aquisição de imóveis de luxo no Estoril, em Cascais, Portugal.

Durante as sessões, Figueira negou ter praticado atos de corrupção e insistiu que não conhece Manuel Vicente, aludindo que "tudo tem a ver com Carlos Silva", presidente do Banco português Atlântico Europa, frequentemente referido no processo.

Emaranhado de situações que altera a espinha dorsal do processo

Para Carlos Gonçalves, jornalista angolano que acompanha o julgamento no Campus da Justiça, em Lisboa, "o que fica claro é que não há anjinhos metidos neste rol. O Orlando Figueira coloca essa relação em Carlos José Silva, ilibando de qualquer relacionamento com o ex-vice-Presidente Manuel Vicente".

E o jornalista cita casos suspeitos: "O tribunal questiona e bem um conjunto de coincidências que apontam para Orlando Figueira, nomeadamente o facto de ter arquivado um processo de Manuel Vicente e no dia a seguir ter recebido um empréstimo de um banco onde Carlos Silva provavelmente tem uma relação com Manuel Vicente. E depois surge o próprio Carlos Silva a dizer que não fez uma proposta efetiva de trabalho ao procurador Orlando Figueira".

Gonçalves diz, a propósito, que há um emaranhado de situações que altera a espinha dorsal do processo, do qual fica separado o arguido Manuel Vicente. O que Orlando Figueira contou em tribunal, acrescenta, levanta um conjunto de questões que, provavelmente, vão dar origem a um novo processo.

Gelo nas relações entre Angola e Portugal

A acusação ao ex-vice-Presidente angolano, no âmbito da Operação Fizz, azedou as relações luso-angolanas, estando congeladas as visitas de alto nível. Em reação a este diferendo, o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, destaca os esforços de ambas as partes, quando se sabe que estão em curso tentativas de desanuviar a crise diplomática.

Em declarações aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa disse que "o que os portugueses e os angolanos querem saber é se sim ou não as relações dos povos, as relações económica-sociais, o que toca na vida das pessoas melhora, continua como tem sido ou piora? E a resposta está dada". Na semana passada, o Presidente angolano, João Lourenço, e o primeiro-ministro português, António Costa, encontraram-se em Davos, na Suíça.

Mário Pinto de Andrade, deputado do MPLA, partido no poder em Angola, não vê nuvens nas relações entre Portugal e Angola, tanto é que, como refere, "todas as semanas os voos da TAAG e da TAP entre Lisboa e Luanda estão sempre cheios". "Tenho dito muitas vezes que Angola e Portugal são dois irmãos que, às vezes, se zangam, mas depois a paz tem de ser feita em nome da família", exemplifica. 

E o professor de Relações Internacionais reforça: "Isso obriga, quer queiramos quer não, que o Estado angolano quer o Estado de Portugal vão ter que ultrapassar alguns desentendimentos que possa haver através dos canais diplomáticos para que esta relação possa continuar a fortalecer."

O deputado considera que as clivagens serão ultrapassadas: "E acredito que não é um caso isolado que põe em causa as relações entre dois Estados. Acredito que há uma nítida separação de poderes em Portugal. Também em Angola há uma nítida separação de poderes e o sistema judicial português encontrará a melhor posição de se resolver este assunto sem haver interferência dos Estados."

Mal estar não é de agora

O jornalista luso-angolano Celso Filipe lembra que as relações entre Portugal e Angola já eram distantes muito antes deste processo judicial. O posicionamento de Luanda em relação ao caso Manuel Vicente tornou mais claro o mal-estar no plano diplomático entre os dois países, previsivelmente com eventuais efeitos negativos, nomeadamente para as exportações portuguesas se Angola avançar com sanções económicas.

Na opinião do autor do livro "O Poder Angolano em Portugal", o risco persiste, apesar das recentes declarações dos governantes portugueses e angolanos em Davos.

"De facto, entre empresas parece tudo normal, as deslocações de cidadãos portugueses para Angola e de angolanos para Portugal também me parece normal. Agora, uma relação como aquela que é mantida entre Portugal e Angola precisa também desse canal diplomático. Se essas relações de Estado bilaterais estão frias tudo o resto se vai, mais cedo ou mais tarde, ressentir disso", prevê Celso Filipe.

Para o jornalista, nenhuma das partes tem a ganhar com o rompimento das relações bilaterais, uma vez que "tanto Angola como Portugal não o fará de forma total e definitiva". Até "porque isso é impossível", acrescenta.

O analista sustenta que se os dois países querem projetar relações com futuro, as bases dessa construção têm que ser renovadas: "É isso que tem faltado nas relação entre os dois países. E esta é a altura para o fazer."

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

SÃO TOMÉ | Crime: Governo permite Instalação de uma Pedreira no meio do Parque Natural Obô


A área da Praia das Conchas envolvendo a Lagoa Azul é coberta de uma vegetação singular da ilha de São Tomé, a Savana. Espécies de plantas e animais que só existem nesta região da ilha de São Tomé, foram consideradas por organizações ambientalistas como estando em vias de extinção. Tudo por causa do abate das árvores endémicas, para a produção do carvão.

No quadro do projecto de mudanças climáticas, várias acções têm sido implementadas com vista a recuperar e proteger a biodiversidade desta região da ilha de São Tomé. Uma área que a lei são-tomense definiu como ecológica, e que está incluída no Plano Nacional de Manejo do Parque Natural Obô para o horizonte 2015 – 2020.

Esta semana o  Movimento Social Democrata – Partido Verde de São Tomé e Príncipe, constatou que a região que se estende da Praia das Conchas até a Lagoa Azul, está a ser devastada não pelos carvoeiros, mas sim por retro-escavadoras com auxílio de outras máquinas e camiões, para ser transformada numa Pedreira. « O que vimos foi chocante. Zona completamente devastada, trabalhadores usando serras elétricas sem nenhuma forma de protecção (capacete, farda, botas e luvas), segundos testemunhos, nem se quer têm um contrato de trabalho», denuncia o Movimento Social Democrata – Partido Verde de São Tomé e Príncipe.

Na denúncia que faz  através do Téla Nón, o movimento ambientalista, realça que a região actualmente em fase de devastação para produzir pedras para construção civil, é por lei da República Democrática de São Tomé e Príncipe,  uma zona protegida. « Área de Praia das Conchas/Lagoa Azul, de Categoria V sensu UICN, correspondendo à Zona Ecológica com o mesmo nome, com os limites descritos na alínea e) do Art.º 4.º da Lei 6/2006”.Em suma trata-se de uma área protegida que merece responsabilidade, tecnicidade e o gosto de preservar, respeitar o bem de todos os são-tomenses e de uma valia considerável para o mundo» reforça o movimento social ambientalista de São Tomé e Príncipe.


Para o movimento ambientalista aos olhos de todos, e com o aval do Governo, se assiste a um crime contra um bem comum do país e do mundo. «É incontestável que se trata de uma zona de riqueza de espécies endémicas e de habitats que constituem um património de toda a humanidade. Esta zona constitui uma das cinco áreas importantes de aves e biodiversidade (IBAs) de São Tomé e Príncipe, reconhecido pela BirdLife Internacional, com várias espécies endémicas num total de 59 espécies», fundamentou.

Um crime de impacto, ambiental, social e turístico, que segundo o movimento suscita várias questões. Questões que até agora não foram respondidas nem esclarecidas pelas autoridades governamentais:

1- Existe um estudo de impacto ambiental e social?
2-Existe algum levantamento ambiental?
3-Existe algum estudo de viabilidade económica?
4-Existe algum estudo geológico ou geotécnico que suporta a exploração de inertes naquelas áreas?
5-Quais são as condições e direitos básicos dos trabalhadores nesta obra?
6- Existe alguma autorização de desbravamento ou de corte emitida pela Direção das Florestas e da Biodiversidade?
7- Existe algum parecer favorável da Câmara Distrital de Lobata?

«Vimos por este meio solicitar explicações da Direção Geral do Ambiente, Direção Geral dos Recursos Naturais e Energia, Direção das Florestas e da Biodiversidade, Direção do Parque Natural Obô de São Tomé, da Inspeção Geral do Trabalho, do Ministério das Infraestruturas, Recursos Naturais e Ambiente, do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, do Ministério do Emprego e Assuntos Sociais, relativamente a este crime ambiental e a violação dos direitos básicos dos trabalhadores são-tomenses com a maior brevidade possível», pontua o movimento social democrático- Partido Verde de São Tomé e Príncipe.

A devastação da área da Praia das Conchas e da Lagoa Azul, que é um dos principais sítios turísticos e região balnear de São Tomé, para ser transformada em uma Pedreira, onde se utiliza explosivos para trituração das pedras, parece ser mais um escândalo ambiental, a ser protagonizado pelo Governo de Patrice Trovoada.

Leia com atenção o Comunicado do MSD / PVSTP para ter mais pormenores sobre o crime ambiental na área de Savana da Praia das Conchas e Lagoa Azul: COMUNICADO pedreira zona Norte-FIM

PAIGC condena nomeação de Artur Silva como primeiro-ministro da Guiné-Bissau


O líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, condenou hoje a nomeação, pelo chefe de Estado, de Artur Silva para primeiro-ministro do país.

Em causa, explicou Domingos Simões Pereira, é o facto de esta nomeação pelo Presidente guineense, José Mário Vaz, estar "fora do quadro constitucional e do Acordo de Conacri", que estabelece um roteiro para a normalização institucional do país.

Simões Pereira enfatizou as qualidades técnicas e profissionais de Artur Silva e ainda o facto de aquele ser militante e dirigente do PAIGC mas demarcou o partido daquela nomeação.

O Acordo de Conacri é um instrumento patrocinado pela comunidade da África Ocidental e rubricado pelos atores políticos guineenses, visando acabar com a crise política que já dura no país lusófono há cerca de três anos.

No âmbito desse acordo seria nomeado um primeiro-ministro de consenso para presidir a um governo integrado por todas as partes desavindas.

No entender do líder do PAIGC, vencedor das últimas eleições legislativas, o Presidente guineense não quis cumprir com a Constituição, propondo ao seu partido a indicação do nome do primeiro-ministro e também não respeitou o Acordo de Conacri.

A intenção de José Mário Vaz, ao propor Artur Silva, diz Domingos Simões Pereira, é criar divisão no seio do PAIGC.

"Sublinhamos que o Presidente da República insiste na sua saga de dividir tudo e todos", acusou Domingos Simões Pereira.

O líder do PAIGC disse só não compreender as razões pelas quais José Mário Vaz não aproveitou a oportunidade para cumprir com a constituição e convidar formalmente o partido para nomear um primeiro-ministro.

Domingos Simões Pereira, que falava aos jornalistas num hotel de Bissau onde se reuniu com os convidados estrangeiros ao congresso do seu partido, confirmou a abertura dos trabalhos do conclave na noite passada, ainda que de forma improvisada.

O dirigente acrescentou que o partido está a tentar arranjar uma alternativa já que a sede continua ocupada pelas forças de segurança, a mando do governo, impedindo o acesso de militantes ao local.

MB // PJA | Lusa

30.ª Cimeira da União Africana reitera apoio à RASD


A declaração final da cimeira da União Africana reafirma o posicionamento claro sobre o direito de autodeterminação do povo saharaui, e apela a boicote a evento promovido por Marrocos.

Isabel Lourenço* | Tornado

A declaração final da 30ª cimeira da União Africana (UA), que teve lugar em Adis Abeba (Etiópia), reafirma o posicionamento claro desta organização sobre o direito de autodeterminação do povo saharaui, reiterando:
"O SEU APOIO à retomada do processo de negociação entre Marrocos e a República Árabe Saharaui Democrática (RASD), com vista a se alcançar uma solução duradoura consistente com a letra e o espírito das decisões relevantes da OUA/UA e das resoluções da ONU. A Conferência REITERA O SEU APELO aos dois Estados-Membros para realizarem, sem pré-condições, negociações directas e sérias facilitadas pela UA e pela ONU para a realização de um referendo livre e justo para o povo do Sahara Ocidental. Enquanto a UA está pronta para operacionalizar, se e quando necessário, o seu Comité de Chefes de Estado e de Governo sobre o Sahara Ocidental, a Conferência APELA às duas partes para que cooperem plenamente com o Alto Representante da UA para o Sahara Ocidental, o ex-presidente de Moçambique, Joaquim A. Chissano, e o Enviado Pessoal do Secretário-Geral das Nações Unidas, Sr. Horst Kohler."
Direito à autodeterminação do povo saharaui

Segundo a imprensa marroquina, os diplomatas do Reino de Marrocos afirmam que há “passagens em contradição com a linguagem da ONU” neste texto. Uma técnica utilizada por Marrocos ao longo dos anos que lança sistematicamente comunicados em que diz que a ONU não defende o direito de autodeterminação do povo saharaui, afirmação que não corresponde à verdade como se pode ver nos inúmeros documentos da ONU publicados desde 1975 (UN Documents for Western Sahara) e a presença da missão da ONU – MINURSO (Missão para o Referendo no Sahara Ocidental) no território do Sahara Ocidental.

No mesmo ponto a UA exige o estabelecimento de uma missão de monitoramento de direitos humanos no território do Sahara Ocidental, um assunto altamente sensível para o Marrocos, que conseguiu derrotar um projecto similar na ONU, em 2013 e que não se poupa a esforços para impedir a presença de observadores internacionais nos territórios ocupados, tendo expulsado centenas de activistas de direitos humanos, organizações não governamentais, jornalistas, professores, sindicalistas e eleitos europeus nos últimos dois anos.

A Conferência SOLICITA a Marrocos, como Estado-Membro da UA, que permita que a Missão de Observação da UA volte a Laayoune, Sahara Ocidental, bem como permita uma monitorização independente dos direitos humanos no Território.

Fontes diplomáticas de Marrocos citadas em vários blogs marroquinos anunciaram já a sua intenção de fazer bloqueio dentro da União Africana.

Boicote do Forum Crans Montana

Outro ponto que desagradou a Marroco foi o facto da União Africana apelar ao boicote da realização do Forum Crans Montana em Dakhla, territórios ocupados do Sahara Ocidental.

A Conferência REITERA os seus apelos, repetidamente formulados, em particular a sua declaração aprovada na sua 24ª Sessão Ordinária, realizada em Adis Abeba, de 30 a 31 de Janeiro de 2015, sobre o Fórum Crans Montana, uma organização com sede na Suíça, para desistir de realizar as suas reuniões na cidade de Dakhla, no Sahara Ocidental, e APELA a todos os Estados-Membros, Organizações da Sociedade Civil Africanas e outros actores relevantes para boicotarem a próxima reunião, prevista para 15 a 20 de Março de 2018.

(ver mais sobre Crans Montana)

Desde a sua adesão à União, em Janeiro 2016, Marrocos têm evitado várias reuniões, e provocou vários incidentes durante os encontros da organização continental, tendo como objectivo o isolamento da RASD (República Árabe Saharaui Democrática), membro fundador e de pleno direito da UA. Todas as tentativas de Marrocos têm sido bloqueadas pelos líderes e maioria dos países membros, no espírito do acto constitutivo da União.

A partir de Março próximo, Marrocos assumirá oficialmente o seu lugar no Conselho de Paz e Segurança (PSC) da UA, e segundo os blogues marroquinas iniciará uma campanha no sentido de bloquear qualquer proposta hostil para o plano de autonomia marroquino para o Sahara Ocidental, não contemplando a hipótese da realização do referendo que tem sido obstaculizado pelo Reino Alauita desde 1992, em desrespeito do acordo de cassar fogo que assinou em 1991.

* Observadora Internacional da ONG "Por un Sahara Libre"

Polisario exigirá 240 milhões anualmente em compensação por exportações para a UE sem o seu consentimento


Também exigirá pagamentos diretos a empresas europeias, incluindo empresas espanholas, que importem areia do Sahara para as Ilhas Canárias.

teinteresa.es.- A Frente Polisario irá reclamar 240 milhões de euros por ano em compensação por “danos e juros” para exportações de produtos do Sahara Ocidental para a União Europeia sem o seu consentimento e também avançou que será acionado processo contra empresas europeias específicas para exigir pagamentos diretos se não regulamentarem sua situação com o representante “legítimo” do povo saharaui.

“Iremos iniciar um processo de responsabilidade pelos danos causados contra a União Europeia. Temos números precisos (…) Há um de volume de negócios de 240 milhões por ano sobre as exportações do Sahara Ocidental “, explicou o advogado do Frente Polisario, Gilles Devers, em entrevista à Europa Press.

“Iremos reivindicar isto”, explicou o advogado, que assegurou que eles estão a ser “muito generosos” ao não reivindicar compensações por exportações de produtos do território saharaui antes de 21 de dezembro de 2016, data em que o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que o acordo agrícola entre a UE e Marrocos não é aplicável ao Sahara Ocidental e que o povo saharaui deve dar o seu consentimento para a exploração dos seus recursos naturais.

O representante da Frente Polisario na Europa, Mohamed Sidati, confirmou durante a entrevista que este montante “pode constituir reparação e dano”, embora o dano causado “seja muito mais”. “São agora quase 40 anos de ocupação”, disse ele, observando que não devemos excluir “danos ecológicos” pela “destruição de vários lugares da biodiversidade” pela exploração dos recursos haliêuticos nas águas saharauis por da frota europeia.

Sidati assegurou que “os saharauis não representam qualquer ameaça aos interesses dos pescadores europeus”, mas devem exigir o consentimento da Frente Polisario para explorar os recursos do Sahara Ocidental.

EM 27 DE FEVEREIRO A JUSTIÇA EUROPEIA SERÁ DECLARADA SOBRE O ACORDO DE PESCA

“Os pescadores espanhóis podem pescar nas águas do Sahara Ocidental com a única condição de que não é através do acordo que autoriza a ocupação”, advertiu, referindo-se ao acordo de pesca entre a UE e Marrocos, sobre cuja validade o Tribunal de Justiça da UE irá decidir a 27 de fevereiro.

“A União Europeia pesca 90% nas águas do Sahara Ocidental. Paga 14 milhões por ano ao Reino de Marrocos. O acordo existe há 12 anos. Faça o cálculo da compensação que poderia ser solicitada pela Frente Polisario em nome da população do Sahara Ocidental “, acrescentou Manuel Devers, outro advogado da equipe da Frente Polisario, que assegurou que há” 70% de chance “de que o Tribunal de Justiça da UE “confirme a conclusão de Wathelet(o conselheiro geral do TJE – Tribunal Europeu de Justiça, Melchior)”.

A este respeito, ele insistiu que existe uma base para reivindicar “responsabilidade penal aos membros da Comissão, do Conselho” por “apropriação indevida de fundos públicos” para “uma conta do tesouro público de Marrocos”.

O advogado geral do TJE decidiu em 10 de janeiro que o acordo de pesca “não era válido” porque se aplicava ao Sahara Ocidental e às águas adjacentes e que o bloco comunitário “não cumpriu a sua obrigação de respeitar o direito do povo do Sahara Ocidental livre determinação, “dado que o povo saharaui” não descartou livremente seus recursos naturais “.

O advogado Gilles Devers explicou que haverá “um tempo mínimo para analisar a sentença” de 27 de fevereiro do Tribunal de Justiça da UE e, se “não houver alteração no consentimento”, a UE e os Estados-Membros devem solicitar autorização à Frente Polisario como o “único” representante legítimo do povo saharaui rapidamente tomará medidas.

AÇÕES CONTRA EMPRESAS, INCLUINDO ESPANHOLAS

“Vamos processar as empresas agrícolas, pescas e de aviação nas jurisdições nacionais”, explicou o advogado, que também adiantou que empreenderão “um procedimento urgente para bloquear o pagamento dos direitos de pesca”.

“Na agricultura, vamos começar nos próximos dias contra IDYL”, disse o advogado, referindo-se à empresa francesa que importa tomates do Sahara.

“Também iniciaremos processos em Espanha contra empresas que exportem areia”, explicou, sem querer dar mais detalhes sobre as empresas, embora Sidati tenha explicado que são empresas espanholas que transportam areia para “a praia das Canarias “.

POR UN SAHARA LIBRE .org - Notícias e artigos sobre o Sahara Ocidental

BRASIL | Lula 'Uma ofensiva conservadora tenta anestesiar o país'


O secretário de Clacso, Pablo Gentili, reconstruiu um dia que será fundamental no Brasil e região: 24 de janeiro, quando a Justiça deixou Lula perto de não poder candidatar-se à presidência. Aqui suas conversas com Lula nos momentos anteriores e depois do fracasso dos juízes de Porto Alegre

Pablo Gentili, Página/12 | em Carta Maior

Lula apoia seu rosto sobre a mão esquerda. Não parece cansado, embora todos ao seu redor estejam exaustos depois de semanas de tensão e nervosismo. Faltam algumas horas para que o Tribunal Regional Federal confirme a sentença do juiz Sérgio Moro. Lula se mostra realista e assume a missão de manter o ânimo entre seus familiares, colaboradores e amigos. Sempre foi assim. Nos momentos mais difíceis de sua gestão como presidente, ele chegava ao Palácio do Planalto e quando via alguém abatido dizia: “que cara é essa? Não me diga que você está lendo os jornais”. Logo, soltava uma imensa gargalhada, contagiosa, balsâmica, reparadora. Era o Lula presidente, o que apoiava, consolava e animava todos. Continua sendo assim.

Como Lula, os que o acompanham neste 24 de janeiro no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista sabem que estão assistindo a crônica de uma sentença anunciada. Se repete a farsa jurídica iniciada pelo juiz Sérgio Moro, com quem o ex-presidente teve diálogos que envergonhariam a Kafka e seriam a inveja dos Irmãos Marx. Um juízo no qual não há nada o que provar. Tudo o que tiver que ser atribuído a Lula já está dado como certo através do artifício jurídico da convicção do juiz, do chamado “domínio do fato”, do desprezo ao devido processo e da indolente pretensão de querer transformar uma vingança num ato de justiça. Se chama lawfare: o uso do Poder Judiciário para acabar com os adversários políticos.

A equipe do ex-presidente acompanha a sessão pela televisão e observa como os juízes de apelação leem suas intermináveis sentenças, que já estavam escritas antes de escutar a própria defesa de Lula – que só teve 15 minutos para expor suas razões. Um observador privilegiado do evento foi o jurista australiano Geoffrey Robertson, presente na sala de audiências de Porto Alegre, e que logo após o resultado disse que “isto não foi uma sessão justa. Os juízes falaram durante cinco horas, lendo um roteiro que haviam escrito antes de escutar qualquer argumento. Numa corte de apelação, os juízes devem primeiro escutar as partes, antes de emitir uma sentença”.

Todos observam as atualizações de notícias nas redes sociais, menos Lula. Um dos tuites que gera mais impacto é o do jornalista Rodrigo Vianna: “No processo mais importante da história deste país, uma mulher negra serve café a três homens brancos que vão condenar um retirante nordestino. Quem não entendeu isso não entendeu nada”.

Lula pensa sabe-se lá no que. Ninguém o molesta nem interrompe o que parece ser um íntimo ritual de introspecção deste imenso líder operário, nascido numa das regiões mais miseráveis do planeta. Abraça seus filhos um por um. Diz a eles algo no ouvido antes de começar a intervenção do último juiz, se retira e vai à casa. 

No sindicato permanecem mais de 500 personas, entre colaboradores, dirigentes, ativistas, militantes sindicais, representantes do Movimento Sem Terra (MST) e dezenas de jornalistas, de 34 países diferentes. No sindicato, que sempre foi também a casa do ex-presidente, permanece a tristeza. Também ali, há apenas alguns meses, foi velada Marisa Leticia, a esposa de Lula, que os juízes citam agora como partícipe de um delito que ninguém cometeu. No sindicato permanece a tristeza. Há exatamente um ano, no dia 24 de janeiro de 2017, Marisa Leticia sofria um derrame cerebral que lhe custou a vida. Foi o dia que a justiça brasileira escolher para golpear novamente o Lula.

Anestesia

Em sua casa, também em São Bernardo do Campo, Lula permanece acompanhado por sua família e alguns poucos amigos. Está tranquilo e tenta descansar para a longa jornada que ainda o espera. Milhares de ativistas, centenas de movimentos sociais, trabalhadores rurais, organizações sindicais, estudantis e profissionais haviam se congregado numa multitudinária jornada de protestos, no dia anterior, em Porto Alegre. As mulheres, convocadas por diversas organizações feministas e contando com a presença da presidenta Dilma Rousseff, tiveram papel de protagonistas nos atos e mobilizações que reuniram mais de 70 mil pessoas na cidade que se tornou ícone do bem sucedido “modo petista de governar”. Uma cidade heróica na memória da esquerda mundial, agora transformada no cenário de um momento trágico para a história democrática do Brasil e da América Latina.

Muitas destas organizações e líderes políticos de todo o mundo se deslocaram depois a São Paulo. Nesse dia, ao finalizar a sessão que ratificaria a condenação a Lula, milhares de pessoas começaram a se aglomerar na Praça da República, onde aconteceria, durante a noite, um ato que desafiou a prepotência oficial, no qual o PT lançaria a candidatura de Lula à Presidência da República.

No discurso, o ex-presidente voltou a mostrar seu semblante mais enérgico. São os atos e a proximidade com o povo que mantêm Lula ativo. Os abraços, os beijos, as fotos que tanto molestam alguns dirigentes, são o combustível que alimenta sua vontade, a força que o rejuvenesce e lhe dá fortaleza para enfrentar qualquer tipo de adversidade. 

Página/12: Quais desafios o PT e as forças progressistas brasileiras deverão enfrentar a partir de agora?

Lula: O desafio de evitar os retrocessos que estão ocorrendo na democracia e nos direitos dos trabalhadores. Especialmente, agora, com a proposta de reforma da Previdência impulsionada pelo governo golpista de Michel Temer. Também de garantir eleições realmente livres e democráticas em outubro deste ano. Uma ofensiva conservadora tenta anestesiar o país. Afirmavam que o problema do Brasil era o PT e o governo da Dilma. Foi assim que eles destituíram uma presidenta eleita por 54 milhões de votos, prometendo que tudo iria melhorar. Depois, disseram que o problema eram os direitos trabalhistas. E acabaram com esses direitos. Agora dizem que o problema são os aposentados e eu. Mas o povo brasileiro está despertando e descobrindo que, em vez de curar da doença como prometeram, estão roubando todos os órgãos vitais do país: nossos recursos naturais, os direitos do povo, o patrimônio público. Tudo o que temos construído com o sacrifício e o trabalho de várias gerações, eles estão vendendo a preço de banana.

A direita fez o golpe, mas passou mais de um ano e não consegue ter outro candidato além de um neofascista, defensor da ditadura militar, sexista e violento, como Jair Bolsonaro. Um deputado que na sessão de destituição de Dilma Rousseff dedicou seu voto ao general que a havia torturado quando ela tinha 19 anos. Por outro lado, a candidatura de Lula cresce visivelmente, e lidera todas as pesquisas eleitorais. Apesar de todos os ataques, o PT continua sendo o partido com o maior número de militantes e maior apoio popular na sociedade brasileira.

Página/12: Por que está ocorrendo isso?

Lula: Porque o povo está percebendo que o golpe não foi contra a Dilma, contra Lula ou contra o PT. O golpe foi contra os trabalhadores, contra a classe média, contra os que fazem um enorme esforço por sobreviver com dignidade. O golpe foi contra as conquistas democráticas que levaram o Brasil a reduzir significativamente a pobreza, a injustiça social, a fome. Inclusive, um amplo setor da classe média que apoiou o golpe está sofrendo as suas consequências. Se não reagirmos a tempo, o Brasil voltará a ser um país onde um terço da população tem direitos enquanto milhares de crianças passam fome nas ruas, como já está ocorrendo. Os índices sociais do país pioraram de forma assombrosa. O Brasil só pode ser um país grande, importante e soberano se a economia cresce de verdade.

Página/12: O que seria crescer de verdade?

Lula: Crescer incluindo os pobres. Quando os pobres podem comprar, quando podem consumir, o comércio vende mais, a indústria produz mais. Brasil crescia e incluía milhões de pessoas no orçamento público que antes não tinham direitos nem as oportunidades mais básicas. Eles estão destruindo tudo isso. O Brasil era um país com futuro. Um país de todos, não de alguns poucos. Estávamos deixando de ser o império do privilégio. Um país não pode ser um mero exportador de commodities, porque elas empregam pouco e fazem com que a economia tenha que conviver com multidões de desempregados, pobres e excluídos.

De costas

Nas primeiras horas da tarde de 24 de janeiro, a farsa jurídica deu um novo passo adiante. Lula sofreu uma nova condenação que complica seriamente suas possibilidades de ser candidato nas eleições presidenciais de outubro deste ano. Enquanto se prepara para ir à concentração, na Praça da República, no centro de São Paulo, ele recebe ligações de apoio e de solidariedade de todo o mundo. É um ícone da democracia latino-americana e mundial, venerado em todos os continentes, não só por líderes e personalidades políticas progressistas como também por liberais e conservadores com apego ao devido processo.

O manifesto “Eleição sem Lula é fraude” reuniu, em poucos dias, mais de 215 mil assinaturas. Destacados intelectuais, políticos, artistas, juristas e dirigentes sociais progressistas de todo o mundo aderiram à declaração que já circula em 10 idiomas. Cristina Kirchner, José Pepe Mujica, José Luís Rodríguez Zapatero, Rafael Correa, Massimo D’Alema e Ernesto Samper são alguns dos ex-mandatários que o apoiam.

Lula: Estou imensamente agradecido pelo respaldo e pela solidariedade internacional, especialmente de países como Argentina, México, Uruguai, Equador, Itália, Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Estados Unidos e Venezuela.

Página/12: O que muda no processo de integração regional após o golpe no Brasil?

Lula: Infelizmente, o Brasil voltou a dar as coisas aos seus vizinhos, a disputar com eles quem atrai melhor a atenção dos Estados Unidos. Querem saber quem ganha o privilégio de jantar com o Donald Trump, como se a solução dos nossos problemas dependesse disso, e não de uma política internacional própria. Respeitando o mundo, mas sem manter essa vergonhosa submissão. O governo de Michel Temer não tem legitimidade, e tampouco uma política exterior. Está dedicado a vender os ativos e o patrimônio do nosso país. Cada nação tem a sua história, seus governos, sua cultura. Em matéria internacional, é fundamental que exista diálogo e respeito mútuo. Tenho muito orgulho do período em que fui presidente do Brasil e pude conviver com presidentes como Néstor e Cristina Kirchner, com Pepe Mujica, Chávez, Bachelet, Evo, todos eles. 

Página/12: O que tinham em comum?

Lula: Entendíamos a importância de uma região sem conflitos. Entendíamos que éramos mais fortes juntos, resolvendo os problemas entre nós, sem a interferência externa, nossas diferenças. Evitávamos crises e promovíamos a cooperação comercial, educativa e social entre os nossos países. Sempre tive a convicção de que o Brasil só poderia se desenvolver de forma soberana se nossos próprios vizinhos se desenvolviam também de forma soberana. Hoje, essas ideias essa energia integradora e solidária, foi congelada ou está em retrocesso. Entretanto, a integração entre os nossos povos é uma vocação inexorável e voltará a avançar.

Página/12: Durante muito tempo, a consigna do PT foi “a esperança vence o medo”. Hoje, muitos jovens se aproximam da política porque creem na vigência daquele lema. 

Lula: Sempre digo uma coisa: abandonar, nunca, perder a esperança, jamais. O neoliberalismo, muitas vezes sustentado pelos monopólios midiáticos, promete um futuro melhor para todos mas concentra a riqueza e restringe as oportunidades em alguns poucos, os de sempre. No Brasil, nós provamos que podíamos governar fazendo exatamente o contrário: que era possível incluir os pobres no orçamento público, que podíamos investir mais em educação, mais em saúde e em moradia, acabar com a fome, construir dignidade, ampliar direitos. Eles querem apagar da memória do povo esse período de conquistas democráticas. Hoje eles me condenam, mas querem condenar também esse projeto de nosso futuro como nação livre, soberana e justa. Querem fazê-lo, mas não conseguirão.

Página/12: Há uma mensagem especial para os jovens?

Lula: Milhões de jovens chegaram pela primeira vez à universidade no Brasil. Nós fomos o último país das Américas que criou uma instituição universitária. Quando a Argentina já estava fazendo a reforma universitária nós nem tínhamos uma. Fomos os últimos em abolir a escravidão. Éramos a vanguarda do atraso. Em 12 anos de governos nossos, conseguimos ter a primeira geração de brasileiros e brasileiras que não tinham crianças passando fome. Tiramos mais de 40 milhões da pobreza sem prejudicar nenhum setor social, sem perseguir ninguém. Isso nunca havia ocorrido na história do nosso país. Foi possível utilizar a política em benefício das maiorias e através do Estado, fazer políticas públicas de inclusão e promover a justiça social. Nós mostramos que o povo sabe governar melhor que as elites. Por isso eles nos odeiam. Mas te digo uma coisa: essa reação retrógrada não vai prosperar. Nós vamos vencer.

*Pablo Gentili é secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Créditos da foto: Reprodução

Indústria do petróleo: Fim da crise e emergência da Rússia

Jacques Sapir

Pela primeira vez em mais de três anos, o preço do petróleo ultrapassou os 65 dólares por barril (no índice de WTI) e 70 dólares no índice de Brent. Estes picos são simbólicos. Expressam o constante aumento do preço do petróleo desde a conclusão dos acordos entre os países da OPEP e países do grupo "não-OPEP" no final de 2016 [1] . Estes acordos, que se anunciavam frágeis demonstraram-se estáveis. Deram origem a uma queda significativa nos stocks de petróleo, o que por sua vez, resultou num aumento do preço. Esta evolução deve levar a uma estabilização nos próximos seis meses. Assim é preciso ser prudente perante os anúncios feitos por alguns fundos de investimento que pensam que o petróleo poderia atingir ou superar os 80 dólares por barril [2] . Devemos, portanto, reflectir no histórico deste fenómeno para compreender a natureza dos problemas. Este histórico revela uma das grandes mudanças nos últimos anos: o incontornável papel de charneira neste mercado de agora em diante ocupado pela Rússia. 

1. Especulação, política e superprodução: a parte escondida da baixa de preços em 2014-2015

Quando olhamos para a evolução dos preços nos últimos anos, fica-se em primeiro lugar admirado pela estabilidade destes preços depois de terem atingido níveis muito altos até o início de 2014. Se tomarmos o índice Brent, os preços são substancialmente superiores a 100 dólares por barril até Julho de 2014. Depois caem rapidamente até aos 50 dólares do fim de Julho de 2014 a Janeiro de 2015, recuperando provisoriamente em torno de 60 dólares de Janeiro a Março de 2015, voltando a alcançar o ponto mais baixo (32,18 dólares por barril) em Janeiro de 2016. Subirão para 40-45 dólares no decorrer do ano e, em seguida, começará uma fase altista em 2017, em resultado dos acordos de redução de produção assinado pelos países da OPEP e os países do grupo "não – OPEP”. Esta fase altista levou o preço de 45 dólares em Junho de 2017 para cerca de 70 dólares actualmente, um aumento de mais de 55%. 


 Preço do petróleo, índice WTI 

Vemos que a evolução é idêntica quer seja medida a partir do índice do Brent ou do WTI. 

Certos comentadores quiseram ver no declínio muito rápido em meados de 2014, a mão dos EUA que desejavam, através de uma queda muito acentuada nos preços, “punir” a Rússia no rescaldo da Ucrânia e da Crimeia. Mas, na realidade, a explicação do declínio dos preços é em grande medida económica.

1. A oferta de petróleo era amplamente superior à procura no final de 2012. O período de preços altos, induzido pelas consequências a longo prazo da crise financeira de 2007-2009 havia levado a um crescimento muito forte da exploração de óleo de xisto. Os preços altos tornavam-na rentável, mesmo para pequenas empresas operando em condições de exploração que podem ser qualificadas como marginais.

2. A ascensão dos EUA na produção global foi acompanhada de uma importante concorrência nos mercados, na medida em que a Arábia Saudita e países do Golfo mantiveram elevados níveis de produção.

3. O desequilíbrio entre a oferta e a procura, que teria de causar uma queda nos preços no início de 2013 foi compensado pelo armazenamento de grandes quantidades de petróleo comprado por empresas financeiras que o utilizavam como garantia de empréstimos. Estas compras inflacionaram artificialmente a procura. Enquanto os preços foram estáveis, ou mesmo em ascensão, estas empresas financeiras tiveram interesse em não revender as quantidades de petróleo que detinham.

O ponto de viragem chegou em 2014 e está essencialmente ligado à venda dos stocks por estas empresas financeiras. Mas o movimento descendente iniciado desencadeou uma especulação para preços mais baixos. Estas empresas financeiras, verificando que a diminuição dos preços se prolongava liquidaram brutalmente as quantidades detidas na esperança de limitar as perdas (em comparação com os empréstimos contraídos). Mas, esta liquidação acelerou o desequilíbrio entre oferta e procura e portanto a baixa de preços.

Os países produtores, a Arábia Saudita em particular, concederam descontos importantes "por baixo da mesa" aos seus principais clientes a fim de limitar a entrada no mercado de produtores dos EUA. O petróleo saudita foi vendido na realidade a preços bem mais baixos do que os preços a que o petróleo estava a ser negociando oficialmente. A combinação de uma especulação puramente financeira e concorrência significativa, onde alguns produtores procuravam a todo custo manter as suas "quotas de mercado" explica tanto a amplitude desta baixa (de 114 dólares em 20 de Junho de 2014, para 32,18 dólares em 22 de Janeiro de 2015) como a sua velocidade, ou até mesmo a sua violência.

2. A estabilização e as bases dos acordos do fim de 2016

Esse processo levou os seus intervenientes muito para lá do que queriam. A crise foi brutal para os produtores de óleo de xisto e o número de poços instalados entrou em colapso no final de 2015. Este sector conheceu então as angústias da consolidação financeira, muitas pequenas empresas tiveram de fechar sem conseguirem pagar os empréstimos contraídos. Um certo número delas foi comprado por "grandes empresas", cujos meios técnicos e financeiros permitem extrair petróleo de xisto a preços entre 40 e 55 dólares, ao passo que para as "pequenas" empresas, se se incluir as despesas bancárias e de investimento, o ponto de equilíbrio está acima dos 70 dólares. Vemos hoje que a natureza deste sector mudou largamente em comparação a 2013/2014.

Produtores convencionais também enfrentaram problemas significativos. A Arábia Saudita sofreu muito com esta queda. Além disso, o esgotamento de algumas das jazidas tradicionais (onde a extracção do petróleo custava entre 1,5 e 5 dólares) forçou o país a investimentos importantes. A Arábia Saudita gradualmente pôs fim à sua política de "descontos" e alinhou os preços reais pelos preços oficiais. Em geral, a indústria do petróleo foi muito duramente atingidas pelo colapso dos preços de 2014-2015 e os investimentos caíram, o que deve também reflectir-se nos próximos anos por uma menor produção devido à colocação em serviço de menos campos "novos" enquanto os campos considerados "maduros" verão sua produção diminuir. É preciso entender o papel que a mecânica dos investimentos desempenha a médio e a longo prazo. A queda acentuada no investimento em 2015 e 2016 terá consequências que serão sentidas na produção, para além de 2020.

Outros factores intervieram entre 2015 e 2016, como a instabilidade política na Líbia ou o Oriente Médio, levando a uma redução de facto no abastecimento. Isto explica a fase de estabilização à volta dos 45 dólares por barril (no índice Brent) que se verificou no segundo semestre de 2015 e no início de 2016. Mas esta fase de estabilização não foi satisfatória para os produtores, dando origem aos acordos alcançados no segundo semestre de 2016.

Esses acordos estavam dependentes de um acordo político entre a Rússia (trazendo consigo o grupo de países dito "não-OPEP") e da Arábia Saudita. Sejam quais forem os atritos que existiam, e que ainda existem, entre estes dois países, o realismo prevaleceu. Também é evidente que a intervenção da Rússia na Síria, mudou a relação de forças. Isso foi observado nas capitais dos países do Golfo, mesmo que isso não tenha sido totalmente compreendido pelos países ocidentais. Assim, podemos estimar que mesmo que a necessidade de um acordo antecedesse a intervenção russa, esta alicerçou a credibilidade de Moscovo.

A determinação do governo russo foi saudada de certa forma pelo reforço dos laços diplomáticos entre os países do Golfo e a Rússia. O papel das autoridades russas na conclusão do acordo e o cálculo das quotas de produção foi importante, o que contrasta com os anteriores acordos em que a Arábia Saudita desempenhou um papel central. Este acordo de redução de produção aparece portanto como uma necessidade para todos e em resultado de um consenso real, mas também como uma vitória especial para Vladimir Putin que colocou a Rússia no centro das negociações do petróleo e faz do seu país um parceiro absolutamente incontornável. As ligações da Rússia com o Irão e a Venezuela permitiram-lhe constituir uma massa de manobra que pesou nas negociações. Em certo sentido, a Rússia emerge como dominante da crise no mercado do petróleo de 2014 a 2016, Enquanto a Arábia Saudita se debate com crescentes problemas internos e se aferra a um afrontamento estéril com o Irão (confronto no qual a Rússia poderia desempenhar o papel de mediador).

3. Estabilidade dos acordos de 2016?

Estes acordos permitiram o aumento dos preços nos últimos meses. Mas este aumento não irá minar estes acordos? É isto que pensam um certo número de observadores [3] .

É de facto evidente que, com preços entre 65 dólares (índice WTI) e 70 dólares (índice Brent) por barril, o sector de xisto betuminoso, mas também o das explorações ditas “não convencionais” (como no Árctico ou a exploração no offshore profundo) têm um interesse renovado. Embora isto permita excluir uma alta de preços que os levasse de forma duradoura acima dos 80 dólares o barril, as condições para uma estabilização gradual nos níveis actuais parecem estar reunidas.

Com efeito, o actual nível ou níveis ainda mais baixos (60-65 dólares) são suficientes para países como a Rússia ou a Arábia Saudita. Para a Rússia em particular, se nos lembrarmos que os custos de extracção são em rublos e os preços de venda em dólares, a receita para os produtores russos é superior àquela de 2014: então com uma combinação de preço/taxa de câmbio, de 100 dólares e 30 rublos por dólar e agora com 65 dólares por barril e 56 rublos por um dólar,

Este nível de preços deve permitir às grandes empresas que investiram no mercado do petróleo de xisto fazerem lucros confortáveis, evitando ao mesmo tempo a proliferação de pequenos produtores. Na verdade, o número de poços de petróleo de xisto betuminoso permanece abaixo de seu pico de 2014.

É possível que, na sua dinâmica actual, o preço do petróleo continue a subir por algumas semanas, é no entanto muito improvável que vá até aos 90 dólares por barril, ou que se estabilize à volta dos 80 dólares. As forças económicas de referência são hoje potencialmente muito fortes. Mas podemos tomar por garantido que o preço deve estar compreendido em média, durante 2018, entre 63 e 68 dólares (índice Brent). Este nível também permitiria que os investimentos neste sector retornassem a um nível mais aceitável do que o dos anos 2015-2016. É claro que agora há um consenso entre Moscovo e Riade para estabilizar os preços.

A indústria do petróleo atravessou uma grande crise nos anos 2014-2016. Esta crise foi o produto de uma combinação de factores técnicos e económicos e da especulação de agentes financeiros. Mas a crise resultou em mudanças significativas nesta indústria. A primeira dessas mudanças é o surgimento dos Estados Unidos como um interveniente importante na produção (com a ascensão do petróleo de xistos e a reestruturação desta indústria) e exportação e não mais apenas como interveniente geoestratégico. Mas, a segunda e provavelmente a mais importante dessas mudanças é a emergência da Rússia como país charneira através da combinação da sua capacidade de produção, da sua rede diplomática e do seu peso geoestratégico. O apagamento parcial da Arábia Saudita, que já não está em condições de ser o país central no seio dos países produtores é a contrapartida da ascensão do poder da Rússia.

O que surpreende é portanto quer o papel assumido a partir de agora pela Rússia quer a mudança no seio da economia russa do peso dos hidrocarbonetos, um ponto sobre o qual remetemos os nossos leitores para a intervenção do Sr. Shirov no seminário franco-russo de Junho de 2017 [4] . 

[1] Ver Sapir J ., "Pétrole et diplomatie russe", billet posté sur RussEurope, le 13 décembre 2016, russeurope.hypotheses.org/5508
[2] www.worldoil.com/...
[3] www.worldoil.com/...
[4] russeurope.hypotheses.org/6120 

26/Janeiro/2018

O original encontra-se em www.les-crises.fr/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Humanizar o capitalismo?


Bruno Carvalho* | opinião

Corrupção, desigualdade e discriminação não são extinguíveis neste modelo de sociedade porque são pilares fundamentais do sistema político, económico, social e cultural em que vivemos.

Comunicação é mais que informação; informação subsidia, atualiza, nivela conhecimento. A comunicação sela pactos e educa». Durante os vários anos que frequentei a Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, convivi com esta citação numa das paredes do bar onde todavia jaz a mesa de matraquilhos. Longe do bulício estudantil, apartado para época de exames, voltei a encontrá-la há dias. Indiferente a quem passa, ali estava, como deve estar há, pelo menos, uma década e meia. Desta vez, o apelido do autor apanhou-me de surpresa.

Há uma década, Odebrecht não dizia nada a nenhum de nós. E agora, a quem lá está, provavelmente, tampouco. Mas devia. Que o responsável por um dos maiores escândalos de corrupção de que há memória na América Latina tenha direito a ser citado na parede de uma das instituições portuguesas que mais profissionais da comunicação forma revela muita coisa. Desde logo que a construção de hegemonia comunicacional é crucial para a manutenção do poder político e económico. E também que o facto de se academizar o discurso de alguém não faz dessa pessoa mais ou menos criminosa dentro do quadro do capitalismo.

A narrativa que se construiu durante anos sobre Odebrecht serviu para ocultar a verdade. É tal o poder que têm os órgãos de comunicação social que podem determinar quem sobe e quem cai do pedestal. Que Pablo Escobar tenha subido as escadarias do parlamento colombiano, em 1982, para tomar posse como deputado não apaga que tenha sido o mais importante narcotraficante do mundo enquanto foi vivo. Não há capitalismo sem corrupção e a prova disso é a quantidade de condecorações atribuídas por Aníbal Cavaco Silva a administradores que acabaram nas teias da lei. Ou dos sucessivos ministros que acabam à frente dos principais grupos económicos a operar na área que antes acompanhavam, ou dos deputados que são advogados em escritórios contratados por empresas e bancos, ou dos canais de televisão que investem durante anos num futuro candidato presidencial.

E há quem queira enfiar a neutralidade à força no vórtice da questão esquecendo-se de duas premissas. A primeira é a de que não existe tal coisa. E a segunda é a de que a neutralidade é a máscara do crime perfeito. É igualmente uma construção para que achemos que jornalistas, juízes, polícias e professores agem de forma independente num campo desigual.

Um dos grandes sofismas anti-políticos do nosso tempo é a tecnocracia enquanto ideia de que a solução é a preparação técnica de gestores públicos para derrotar o império da corrupção e da incompetência. O jornalista, com cada vez menos autonomia, enquadra-se numa linha editorial imposta por quem financia o meio em que trabalha. Os juízes analisam os casos e julgam-nos abordando-os a partir das leis que emanam do mesmo parlamento capturado por interesses privados. Os polícias estão a mando de sucessivos governos que zelam, sobretudo, por quem lhes vai atribuir um cargo em determinada administração. E os professores educam uma sociedade inteira sob programas e técnicas pedagógicas que ocultam ou adulteram a verdade histórica como acontece com a revolução de Abril nos manuais escolares. Pese o esforço e dedicação que muitos destes profissionais depositam nas suas funções – e pese a luta pela dignificação funcional – há um limite intransponível que esbarra em quem dirige.

A manutenção do poder político e económico depende, e muito, da dominação daquilo a que o comunista italiano Antonio Gramsci chamava superestrutura. A luta pela hegemonia ocorre em todos esses espaços mas a ruptura dá-se questionando a propriedade privada dos meios de produção. Em geral, as forças que hoje tentam «modernizar» a emancipação das mulheres, da população negra e dos homossexuais fazem-no excluindo o factor económico da equação.

Há semanas atrás, ficou a saber-se que as produtoras norte-americanas de cinema que despediram realizadores e actores acusados de assédio sexual pagam mais aos homens do que às mulheres. Não houve grandes reacções de indignação. Não que o assédio e o abuso sexual não mereçam o mais severo dos combates mas é justamente curioso que se tente afastar do debate o capitalismo que está na origem dos diferentes tipos de desigualdades e discriminações.

Corrupção, desigualdade e discriminação não são extinguíveis neste modelo de sociedade porque são pilares fundamentais do sistema político, económico, social e cultural em que vivemos. Que Obama tenha sido o primeiro presidentenegro dos Estados Unidos não diminuiu o assassinato e tortura policial sobre a população negra. Que Merkel seja chanceler não desagravou a situação das mulheres alemãs.

*AbrilAbril | Foto: Protesto contra a Cimeira do G20. Londres, 01/04/2009.CréditosJonny White / cc-by-2.0.

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