Manuel Gouveia | AbrilAbril,
opinião
Esta quarta-feira, o país foi
«informado» que a construção do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) iria custar 10
mil milhões de euros. Uma mentira descarada, realizada e protagonizada pelos
mesmos que inventaram a mentira de que a ANA foi vendida por 3,08 mil milhões
(hoje, com os dados divulgados pela Auditoria do Tribunal de Contas, sabe-se
que o preço de venda real foi 1,1 mil milhões), pelos mesmos que falsificaram o
valor da avaliação da ANA nesse processo de privatização (hoje sabe-se que a
avaliação foi feita sem ter em conta o contrato de concessão concreto que viria
a ser assinado), e já pelos mesmos que mentiram ao país tanto quanto puderam
para lhe esconder a verdade sobre a privatização da TAP e a falsa capitalização
realizada.
A forma como o país foi informado
é também um clássico da forma como os governantes mentem ao país, contando com
a cumplicidade dos ditos órgãos de informação: ninguém referiu um valor com que
amanhã possa ser confrontado, apenas alguém mostrou esse valor a um jornalista
para que fosse divulgado, discutido e implantado na opinião pública; ninguém,
com excepção dos que estão a negociar o processo, conhece o que foi
efectivamente estudado, qual a avaliação concreta, os pressupostos da
avaliação, o que nela está incluído, etc.
Para distrair do facto de não nos
informarem sobre nada, apenas colocarem a correr a desinformação que interessa
à encenação que PSD e Vinci continuam a realizar, a atenção do público foi
desviada para a forma como o estudo foi entregue ao Governo, muito moderna,
através da oferta de um ipad. Como se o facto de o estudo ser entregue num
ipad, numa pen, impresso em papel ou gravado em placas de argila alterasse o
essencial: está escondido do povo, e nem os que divulgam a desinformação
conhecem o seu conteúdo.
E todos, os encenadores, os
actores e os donos do teatro onde decorre a encenação, fingem não ver o
essencial: o que está a ser construído é a ampliação da Portela, contra os
interesses nacionais e contra os interesses da população da Cidade de Lisboa,
enquanto publicamente se finge prosseguir um arrastado processo de decisão
sobre a construção do NAL, com muitas conferências de imprensa e zero
desenvolvimentos reais.
Um dia conheceremos o conteúdo
deste documento – seja porque o Governo foi obrigado a enviá-lo à Assembleia da
República, como já vários partidos exigiram, seja porque ele fará parte de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito ou de uma Auditoria a esta privatização.
Nessa altura, poderemos desmontar, peça por peça, a falsificação. Mas desde já
pode-se dizer muita coisa:
– A Vinci não quer sair da
Portela, porque é o seu aeroporto mais lucrativo, e é à Vinci que se entrega o
processo do novo aeroporto? Os números serão torturados até que digam o que a
Vinci quer: pode continuar a operar na Portela mais 10, 20, 50 anos; em
Alcochete constrói só uma pista, para um aeroporto de apoio, e daqui a muito
tempo, e com extensão da concessão para compensar; a Terceira Travessia do Tejo
é decidida com a renovação da concessão à Lusoponte (49,5% Vinci) de todas as
travessias por mais 30, 40, 50 anos.
– A encenação que foi montada
nestes dias é para que o Governo possa apresentar esta negociata como a melhor
solução para o país. Quando ela só será uma boa solução para a multinacional e
para aqueles que amanhã irão trabalhar de forma remunerada para ela. Afinal, é
um ex-ministro do PSD que preside à Vinci, e é um ex-ministro do PSD que
preside à Lusoponte.
– A construção da primeira fase
do novo aeroporto custa cerca de 2 mil milhões, um investimento insignificante
para quem detém uma concessão por mais 37 anos, que rende 400 milhões de euros
por ano.
– A construção da Terceira
Travessia do Tejo (TTT) entre Chelas e o Barreiro não é necessária por causa do
aeroporto, não é um custo do aeroporto, é uma necessidade para o país e para a
Área Metropolitana de Lisboa. Vai permitir a ligação ferroviária de alta
velocidade a Madrid, descongestionar as duas pontes sobre o Tejo, retirar
20 minutos na ligação ferroviária da Moita e Setúbal a Lisboa e colocar o
Barreiro a 15 minutos do Oriente e Évora a 45, lançar a ligação ferroviária de
alta velocidade ao Sul. E vai servir o aeroporto e colocá-lo com ligações a
todo o país.
– Em 2030 terminam as concessões
da Lusoponte sobre a Travessia do Tejo, e esta anda desesperada à procura de
desculpas para as renovar. Aquela que foi de longe a pior PPP – título
atribuído por uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia da República
– que lesou o povo português em centenas de milhões de euros. E o governo já
abriu publicamente a porta a renovar a negociata, em vez de usar as verbas que
estão a ser desperdiçadas do PRR para avançar com esta infra-estrutura pública.
Que ninguém tenha qualquer
dúvida: o Novo Aeroporto de Lisboa não vai custar dez mil milhões. Mas nós – o
povo português – podemos vir a ser chamados a pagar isso, e muito mais, se
permitirmos que os mesmos que cozinharam a privatização da ANA e da TAP
continuem a comandar o processo em curso. Quando temos à mão uma solução muito mais
simples e muito mais barata: renacionalizar a ANA, avançar com as obras do NAL
e da TTT, e poupar muitos milhares de milhões de euros.
Ler/Ver em AA:
Governo
submete-se aos interesses da ANA no Novo Aeroporto de Lisboa