HOJE JÁ É TARDE DEMAIS
Martinho Júnior, Luanda
EM SAUDAÇÃO AO 25 DE MAIO, DIA DE
ÁFRICA, QUANDO HÁ 56 ANOS, EM GRANDE PARTE EM FUNÇÃO DA LUTA DE LIBERTAÇÃO, SE
CRIOU A ENTÃO “OUA”, ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA (https://www.officeholidays.com/countries/africa/african_unity_day.php)!
No Cunene, de há pouco mais de
100 anos a esta parte, estão-se jogando algumas das sagas mais decisivas do
povo angolano e da África Austral.
Com os acontecimentos de 1961 (https://paginaglobal.blogspot.com/2015/03/o-ano-da-grande-viragem-para-angola-i.html; https://paginaglobal.blogspot.com/2015/03/o-ano-da-grande-viragem-para-angola-ii.html; https://paginaglobal.blogspot.com/2015/03/o-ano-da-grande-viragem-para-angola-iii.html),
o colonialismo português foi colocado contra a parede em grande parte em função
da intransigência do Estado Novo, cuja superestrutura ideológica era uma mescla
de fascismo e colonialismo tardio, no rescaldo da “dilatação da fé e do
império”, a que não deixava de ser relevante a Concordata com o Vaticano.
Se por um lado garantiu a
cobertura dos círculos europeus que deram corpo ao “Le Cercle” (que
animava os laços do quadro da NATO repescando muitas das redes “stay
behind” na Alemanha, na Itália, em França e em Espanha), por outro, “no
terreno” e graças aos laços criados durante a Iª Guerra Mundial (quando os
britânicos, sul africanos, invadiram e ocuparam o Sudoeste Africano derrotando
os prussianos), tornou-se inevitável a aproximação à África do Sul, que a
partir de 1948, ficou à mercê do regime do “apartheid” (http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=50).
Se do lado do colonialismo
português requisitavam-se as teorias e práticas mais hermeticamente
conservadoras do catolicismo para a superestrutura ideológica do Estado Novo
fascista e colonialista (próprias do ruralismo da oligarquia portuguesa de
meados do século XX), do lado sul-africano repescava-se o calvinismo afrikaner
também ruralista (sertanejo e conforme aos costumes boers), mesclado de
resíduos nazis, duas linhas que ao conjugarem-se, deram à sua maneira e cada
uma delas, prova de cinismo, hipocrisia e ambiguidade sem limites, prova cada
vez mais contraditória, à medida que a oligarquia industrial em Portugal e na
África do Sul se assumiram como determinantes para os respectivos poderes de
estado.
Em 1919 findou com um genocídio a
última grande resistência nos Dembos (Cazuangongo, Jimbo Aluquém e Muando),
depois do fim da resistência cuanhama e cuamata em 1915, mas entre 1940 e 1941
os cuvales sofreram uma impiedosa perseguição nas áreas entre o Coporolo, a
norte e o Curoca, a sul com extensões para leste até Quilengues, Humpata,
Chibia e Cahama…
Em 1961 em Angola, ainda havia a
memória das resistências em várias partes do país, por exemplo nos Dembos, no
planalto central, no Namibe e no Cunene, pelo que o domínio colonial vivia
sempre no temor da rebeldia africana e por isso reprimia com leis e forças que
impunham o seu poder…
No princípio, quando as tropas
coloniais portuguesas foram mobilizadas “para Angola e em força”, a
repressão acentuou-se, para depois, já no quadro da “primavera marcelista” se
passar os métodos mais refinados de inteligência, com a continuada aplicação
da “luta contra a subversão”, filtrada por tendências reactivas, como o
spinolismo de “Portugal e o futuro”…
A lei do indigenato acabando
no rescaldo de 1961 (http://jornaldeangola.sapo.ao/cultura/discriminacao_e_politicas_de_assimilacao),
deu início à ideologia da luta contra a subversão (uma teoria e
prática induzida pela influência do “Le Cercle” na África Austral),
pelo que os conceitos geoestratégicos aplicados a Angola desde então,
mesclaram-se com a ideologia ultra conservadora e opressora, moldando a
sociedade na sua estratificação e nos processos de âmbito sociocultural
induzidos às capacidades antropológicas dos angolanos, nos ambientes urbanos e
rurais (http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/artigos/assimilacionismo_e_promocao_social).
Em relação à água interior, cujo
conhecimento se tinha iniciado apenas na segunda metade do século XIX, os
próprios esforços da luta contra subversão impunham o conhecimento de seus
principais veios, tendo em conta a praticabilidade das linhas de penetração dos
que passaram a lutar de armas na mão contra, ou pelo movimento de libertação,
pelo que se tornou inevitável que as autoridades coloniais também utilizassem
suas capacidades de domínio para se assenhorearem desses recursos, fomentando
investimentos nas áreas decisivas do triângulo do litoral, instalando a vocação
de Savimbi junto à nascente do Muangai inserida na região central das grandes
nascentes (e permitindo-lhe acesso ao corredor do Lungué Bungo), ou promovendo
as intervenções nas outras direcções, nos triângulos norte, leste e sul, cada
qual em função de suas características físico-geográficas-ambientais e
humanas!
Assim de forma sincronizada,
procuraram a todo o custo realizar os maiores investimentos na água interior do
triângulo de ocupação do litoral (particularmente no Cuanza e no Cunene),
fortalecendo as premissas do seu domínio sobre todo o espaço angolano e continuando
a visão do Diogo Cão: uma visão de geoestratégia a partir da costa atlântica,
que era aliás imprescindível enquanto base do triângulo ocidental, com vértice
no centro de Angola (próximo da nascente do Muangai).
Essa visão ata Angola até hoje e
garante até agora a impraticabilidade duma geoestratégia para um
desenvolvimento sustentável, que terá como base o imediato controlo e gestão
das fontes dos rios que nascem na região central das grandes nascentes!
O que é hoje a Província do
Cunene além do mais, face à visão que dita os olhos de abordagem a partir do
litoral, é de facto uma periferia…
Hoje já é tarde demais, por que o
possível esforço de luta contemporânea, o esforço angolano de hoje, só pôde ser
realizado depois de vencido o colonialismo, depois de vencido o “apartheid”,
depois de vencidas algumas de suas sequelas e ganhando consciência crítica e de
vanguarda face ao capitalismo neoliberal que tem sido inculcado em África
formatando mentalidades nas elites servis, quando tudo se deveria ter iniciado
em tempo oportuno precisamente há pouco mais de 100 anos!
Também por esta razão tenho
considerado que Angola tem apenas (sobre)vivido (?) em “séculos de
solidão”!
09- Aprender a reinterpretar
Angola é um exercício indispensável, inerente à gestação duma cultura de
inteligência patriótica e uma fórmula saudável de romper com os esforços de
assimilação que ainda hoje se fazem sentir, aproveitando agora os bonançosos
ventos do capitalismo neoliberal em época das novas revoluções tecnológicas e
globalização segundo a trilha do pendor da hegemonia unipolar (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/06/angola-aprender-reinterpretando.html).
Torna-se assim um desafio
reinterpretar o conhecimento sobre as linhas de conduta colonial portuguesa em
todo o espaço físico, geográfico e ambiental angolano, desde o seu esforço de
implantação, até ao de penetração, de ocupação e de intervenção antes do 11 de Novembro
de 1975, data em que foi definitivamente arriada a bandeira portuguesa em
Angola e daí até nossos dias. (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/03/das-palavras-aos-actos.html).
A conquista colonial tardia do
espaço interior em Angola foi essencialmente feita após o colapso do projecto
do Mapa-Cor-de-Rosa (http://ensina.rtp.pt/artigo/ultimato-ingles/), ou seja a
partir dos princípios da década de 80 do século XIX, tendo como pontos de apoio
as antigas feitorias do litoral, Luanda (http://ensina.rtp.pt/artigo/a-fundacao-da-cidade-de-luanda/)
e Benguela (http://www.angolabelazebelo.com/2008/12/um-pouco-de-historia-de-benguela-14/),
com o complemento de Moçâmedes (http://torredahistoriaiberica.blogspot.com/2010/08/fundacao-de-mocamedes-namibe-no-sul-de.html), a sul, tirando partido da sua muito
recente fundação e projecção. (https://pt.slideshare.net/crie_historia/conferncia-de-berlim-e-o-mapa-cor-de-rosa).
A fundação dessas localidades
raras vezes levou em conta a existência de comunidades autóctones residentes
nas respectivas áreas, muito menos os “nomes gentílicos”, pois o que
contava em África para a visão eurocêntrica do colonialismo português era, a
partir do mar, sua própria experiência dominante face aos outros, algo que não
permitia inclusão, pelo contrário, era realizada incidentemente numa base de
exclusão, em nome da “civilização judaico-cristã ocidental”.
No princípio do século, o planalto
de Benguela foi mesmo hipótese de se tornar no “lar judeu”, quer dizer,
próximo do centro do triângulo de ocupação oeste, o triângulo do litoral e
tirando partido do facto de haver pequenas comunidades judaicas em Bengiela… (http://visao.sapo.pt/actualidade/mundo/2017-05-26-Quando-o-estado-de-Israel-esteve-para-ser-fundado-em-Angola?fbclid=IwAR1xAmfMIDWiYgfkGrg7H9P_6-On79yvxZ3y9oR2JfmbhxhxkATmyLnRpx8).
Só em Luanda se reconhece essa
pista autóctone, pois o nome da localidade reflecte a existência dos
axiluandas, o povo que habitava a então ilha que configurava a oeste o espaço
físico-geográfico da bem abrigada baía, algo que terá provavelmente a ver com a
moeda zimbo, utilizada pelos reis do Congo (nesse sentido a ilha era o
cofre-forte dum potentado que o colonialismo português queria evangelizar e
aliar-se)…
Moçâmedes é, por exemplo, um nome
que exclui traços autóctones, tendo sido sintomaticamente “recuperado” pelo
ex-Governador da Província do Namibe, Rui Falcão, em jeito de saudosismo
colonial… (https://www.voaportugues.com/a/namibe-nova-designacao-mocamedes/3398626.html).
A terapia neoliberal para efeitos
de assimilação, tira partido da fragilidade da descolonização mental!... (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/09/a-descolonizacao-mental.html).
Mesmo os sistemas de comércio do
colonialismo português em Angola, ainda que incipientes, eram muitas vezes
feitos de acordo com premissas socioculturais, sociopolíticas e linguísticas de
exclusão!
Essa tendência manifesta-se ainda
hoje em Angola apesar dos mais de 40 anos de independência, o que me permite
considerar que não está efectivamente feita a descolonização mental que, por
seu turno é um caminho aberto para as múltiplas capacidades de assimilação que
sopram do exterior, (https://paginaglobal.blogspot.com/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_18.html)
inscrevendo até, a título de exemplo, algumas campanhas de velada guerra
psicológica que se vão mantendo de pé particularmente a partir de Portugal,
algo “transversal”aos interesses e conveniências de franjas importantes
das elites angolanas. (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/05/angola-bicesse-e-paz-que-estamos-com.html).
Diz o ditado entre marinheiros
que “quem vai para o mar avia-se em terra”, mas em Angola na azáfama
propiciada pela Conferência de Berlim, sucedeu o contraditório: para que um
povo de marinheiros se decidisse a penetrar no interior, todas as iniciativas
de conquista coloniais tiveram que sair do mar, do litoral, para leste.
Esse critério reforçou sempre, o
papel de Luanda enquanto capital fundada a partir do mar e por tabela os papéis
de Benguela e de Moçâmedes, a ponto de não haver qualquer retificação de
conceitos geoestratégicos mesmo após mais de 40 anos de independência, até por
que o triângulo do litoral, o único sem fronteira terrestre e longe das
fronteiras, com a ocupação tornou-se no mais densamente povoado e também o que
melhor foi traduzindo a formação da identidade angolana, neste momento ainda
por melhor definir! (http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/08/angola-demografia-identidade-nacional.html).
O jogo tinha aliás sido
historicamente ensaiado pelo colonialismo português na disputa com o
colonialismo holandês em torno da posse de Luanda: ainda que trasladando forças
para Massangano, os portugueses só reconquistaram Luanda com forças vindas por
mar e provenientes do Brasil. (http://tpa.sapo.ao/noticias/sociedade/luanda-assinala-hoje-440-anos-desde-a-sua-fundacao).
O triângulo do litoral foi assim
prioritariamente definido e para isso até havia duas linhas naturais
compreensíveis a leste desse esforço: as bacias do Cuanza e do Cunene. (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/11/zelar-pelos-nossos-rios-e-zelar-pela.html).
O lado oeste do triângulo era
preenchido pela costa, o lado norte pela bacia do Cuanza e o lado sul pela
bacia do Cunene, com Luanda, Benguela (Lobito) e Moçâmedes a servirem de
portos, aptos para a definição dos corredores de penetração.
O triângulo foi assim orientado
para servir de espaço de ocupação, tendo o Caminho de Ferro de Benguela como um
eixo apontado à região central das grandes nascentes (http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/angola-deve-reequacionar-as-abordagens.html),
até atingir a fronteira com o “copperbelt” e os outros dois, o de
Luanda a norte e o de Moçâmedes a sul, como linhas periféricas a esse eixo,
equidistantes em relação a ele e em periferias que em paralelo serviam a
penetração no espaço de intervenção (triângulos norte, leste e sul).
Durante o colonialismo, o CFB
nunca perdeu o seu cunho tipicamente britânico… (http://www.angolabelazebelo.com/2017/03/caminho-de-ferro-de-benguela-e-o-comboio-mala/).
As bacias dos rios Cuanza (curso
de 960km e bacia de 152.570km2) e Cunene (curso de 1.200km e bacia de
272.000km2) foram tidas como as mais sensíveis no enquadramento
físico-geográfico do esforço de domínio colonial, pelo que já antes de 1961
começaram a ser levados em conta para aproveitamentos hidroelétricos e
agropecuários, encarados como formas de fomento da economia.
Os principais colonatos surgiram
dentro desse triângulo oeste.
Entre a Conferência de Berlim e
1961, o triângulo do litoral recebeu todo o impacto da ocupação e por isso
todas as resistências que nesse espaço houvessem, bem como nas periferias mais
próximas, haviam que ser vencidas…
Foi assim que com genocídio se
pôs fim à resistência nos Dembos, além Cuanza (em 1919), com a batalha de
Môngua à resistência além Cunene (1915) e, por fim se levou a cabo a
perseguição aos cuvales em 1940 e 1941, (guerra kacombola) – https://www.facebook.com/notes/greg%C3%B3rio-semedo/kakombola-queremos-a-cidade-do-namibe-de-volta/10157391579605157/)
no espaço sudoeste do triângulo do litoral.
Além Cuanza e além Cunene as
condutas de intervenção garantiram que a água interior continuasse, em especial
no triângulo sul e apesar das milhares de acções militares, (não afectado pela
exploração de diamantes aluviais, nem pela construção de barragens
hidroelétricas), praticamente virgens, facto comprovado por exemplo pela
recente exploração do Cubango desde a sua nascente à fronteira com a Namíbia,
por um grupo da National Geografic respondendo à atracção aos conceitos e
práticas elitistas projectadas pelo cartel dos diamantes e pelo lobi dos
minerais na África Austral, sobretudo a partir do espaço físico, geográfico e
ambiental do Botswana (incidindo sobre o projecto comum KAZA-TFCA – https://www.kavangozambezi.org/index.php/en/).
No sudoeste do triângulo do
litoral, o triângulo de ocupação no espaço territorial angolano, o colonialismo
manifestou-se uma vez mais exclusivista face à resistência sociocultural
cuvale, precisamente na altura em que o nazismo ganhava ascendência na Europa,
logo no início da IIª Guerra Mundial, ou seja, um exclusivismo reflector desse
tipo de ideologias e de práticas aparentemente retardatárias na África Austral.
(http://poesiangolana.blogspot.com/2010/03/os-mukubais-ovahelelos.html).
A actuação contra os cuvales em
1940 e 1941, reflectiu também o antecedente sobre o genocídio dos hereros no
Sudoeste Africano, levado a cabo pela potência colonial alemã. (http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/05/os-punhais-sangrentos-de-trotta-e.html).
No balanço de René Pélissier
em “História das campanhas de Angola, resistência e revoltas, de 1845 a 1941 – IIº Volume”(https://www.wook.pt/livro/historia-das-campanhas-de-angola-1845-1941-rene-pelissier/15014583),
páginas 274 e 275, sob o tema “A utilização dos restos”, ele detalha:
“Tal como no heróico Far West, a
good cuvale is a dead cuvale; mas esta atitude não foi legitimada oficialmente
e os portugueses, a exemplo dos colonos alemães a seguir à revolta de 1904,
viam o lado prático das coisas.
Numa colónia onde era crónica a
falta de braços, o destino dos prisioneiros seria muito simples.
Mais de 600 homens foram enviados
para as roças de São Tomé com um contrato de dois anos; várias centenas deles
foram encaminhados para a Diamang que os pôs a trabalhar em regime de salário;
várias outras centenas foram deportadas para a colónia penitenciária da Damba
(a leste de Malange); outros foram cedidos às propriedades agrícolas de
Moçâmedes e de Vila Arriaga.
Outros 70 foram igualmente
cedidos à Câmara Municipal de Moçâmedes. Isto quanto aos seres humanos.
Quanto ao gado, também é
impressionante o paralelo com a experiência alemã.
Admitamos que em 1940 os cuvales
tivessem metade do gado dos hereros do Sudoeste Africano em 1902 (46.000).
No início de 1941 os portugueses
confiscaram 19.701 cabeças, isto é, aproximadamente 90% do total.
O destino que teve tão imponente
manada presta-se a discussão.
Segundo Sotto-Maior, teria sido
distribuída pelos indígenas fieis (quilengues, cuanhamas, cuamatos, etc.) e não
vendida a leilão a europeus ávidos de gado barato.
Segundo bons conhecedores do sul
de Angola, esta afirmação é falsa e um português pioneiro da grande pecuária,
teria recebido 5000 cabeças.
Certos sobreviventes ao regressar
do seu exílio temporário, engoliram o orgulho e foram oferecer a sua força
braçal aos estaleiros de ampliação do Caminho de Ferro de Moçâmedes.
Transformados em proletários,
aqueles pastores sem bois mas que tinham uma verdadeira paixão pelo gado iriam
dedicar-se a cultivos intensivos que lhes permitiriam comprar algumas vacas.
Em vinte anos, com zelosos
cuidados, conseguiram reconstituir os efectivos pecuários de 1940 e recuperar
uma parte da sua arrogância de antanho., sem todavia voltar a praticar
correrias.
Sotto-Maior, que varrera os
cuvales, pôde concluir o seu relatório-defesa afirmando que no início de 1943
estava a decorrer a ocupação administrativa e que isso era o fim de uma
situação vexatória para os portugueses, qual era a de, em pleno século XX
termos mantido ainda insubmissos e fora da nossa acção civilizadora, povos
indígenas de uma raça altiva e inteligente.
Dois aviões e um milhar de
militares, outro milhar de auxiliares, cinco meses e meio de batidas (Setembro
de 1940 – 15 de Fevereiro de 1941) para capturar menos de 4000 pessoas e 20.000
cabeças de gado bovino; decerto ninguém regateou os meios a empregar no centro
e sul de Angola em 1940 e 1941 para apagar a última nebulosa simultaneamente
independente e agressiva, que ameaçava a ordem pública na colónia vinte anos
depois do desaparecimento da última resistência africana verdadeiramente grave”.
10- Sendo o colonialismo
português subsidiário (e subserviente), esteve aberto às iniciativas
transnacionais, praticamente ao mesmo tempo que foi feita a penetração, num
contexto que reflecte também as partilhas da Conferência de Berlim e as
tradicionais alianças de Portugal com a Coroa Britânica.
Isso foi inclusive, sob o ponto
de vista de planificação geoestratégica, muito importante para a perspectiva
colonial em Angola: os investimentos transnacionais foram ocorrendo numa boa
parte nos triângulos de intervenção, onde a malha político-administrativa era
mais rarefeita.
A Diamang foi instalada nos
triângulos leste e norte, tornando-se assim uma “companhia majestática”,
dominante em todo o nordeste.
O arquivo documental da Diamang,
de 1917 a
11 de Novembro de 1975, está sintomaticamente na Universidade do Minho, em
Portugal!... (https://www.uminho.pt/PT/siga-a-uminho/Paginas/Detalhe-do-evento.aspx?Codigo=53411).
Tudo começou com a PEMA,
Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola, com capital inicial luso-belga e
subsidiária da Forminière, entre 1907 e 1913, para depois o capital se ir
abrindo a outras ramificações do cartel e no âmbito do lóbi dos minerais, um
dos expedientes da aristocracia financeira mundial que passa pela África
Austral, mas é determinante no suporte aos Democratas nos Estados Unidos. (http://info-angola.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=1155:a-hist-da-endiama&catid=658&Itemid=1748).
Os diamantes foram dos primeiros
a criar uma barragem hidroelétrica em Angola, a de Luachimo, apenas em 1953,
dez anos antes da inauguração de Cambambe… (https://www.prodel.co.ao/index.php/pt/29-portugues/producao/barragens/52-aproveitamento-do-luachimo/).
O Caminho de Ferro de Benguela (https://www.nytimes.com/1989/11/13/business/international-report-railroad-in-angola-to-be-revived.html)
se corria no eixo do triângulo de ocupação oeste, do litoral até à região
central das grandes nascentes, daí para leste percorria o eixo do triângulo de
intervenção leste até chegar ao “copperbelt”, sua verdadeira razão de ser.
Foi o CFB que construiu a
primeira barragem hidroelétrica de Angola, inaugurada em Fevereiro de 1911,
numa das três cabeças que dão origem ao rio Cunene, o Cuando… o Caminho de Ferro
de Benguela era a linha de caminho-de-ferro mandada construir pelos interesses
ligados a Cecil John Rhodes (na origem do cartel dos diamantes e do lóbi dos
minerais), tendo como operativo no terreno o seu “braço-direito”Robert
Williams; o Mapa Vermelho, do Cabo ao Cairo, o Império Britânico foi assim
imposto, por via de Ultimato, ao Mapa-Côr-de-Rosa do colonialismo português (http://m.redeangola.info/roteiros/barragem-e-missao-do-cuando/).
O discreto interesse pelos
aspectos físico-geográfico-ambientais por parte dos construtores do CFB
escondeu nessa pequena barragem, além do mais, a evidência do interesse
elitista sobre a água interior de Angola, precisamente ali onde ela tem a sua
matriz, um interesse que cultiva sem se pronunciar até nossos dias, a fim de
que os angolanos não despertem para algo que é tão essencial para Angola; a
necessidade de leitura duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável,
que siga a trilha de lógica com sentido de vida!
Por fim, se as explorações de
petróleo começaram em áreas “onshore” do triângulo do litoral,
rapidamente avançaram para o “offshore” no triângulo norte (ângulo
noroeste)… (http://www.angonoticias.com/artigos/item/26779/petroleo-angolano-comemora-100-anos).
A primeira exploração de petróleo
ocorreu no “onshore” a sul de Luanda, na bacia do Cuanza, o maior e
mais pródigo rio inteiramente angolano, em 1955, sendo Angola o primeiro país
africano, a sul do Sahara, a começar essa actividade. (http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/ha_63_anos_angola_entrou_na_idade_do_petroleo).
Fora do triângulo de ocupação, no
triângulo de intervenção norte, os portugueses reservaram-se para a cultura
intensiva do café e do palmar, vocacionada para a exportação, afim às suas
aptidões e capacidades, envolvendo sobretudo os mais produtivos espaços das
colinas do Cuanza Norte e do Uíge, instituindo o contrato que perdurou até ao
25 de Abril de 1974…
O atraso do colonialismo
português percebe-se em muitas intervenções que detalham a situação do Pacto
Colonial em Angola até 1961, entre elas, esta:
…“Até aos anos 60, Angola foi,
como dissemos, essencialmente um reservatório de matérias-primas e de produtos
primários e um mercado de produtos semitransformados da economia metropolitana.
As estruturas industriais eram
praticamente inexistentes na colónia, os investimentos desencorajados e a
penetração dos capitais estrangeiros severamente regulamentados”… (http://tudosobreangola.blogspot.com/2011/11/pacto-colonial-e-industrializacao-de.html).
A população progrediu penosamente
após as guerras de penetração e conquista colonial, (desde quando foram
praticados autênticos genocídios): em 1930 a população era de 2.503.794 habitantes e
em 1960 passava a 4.604.362.
Desde o fim das guerras contra as
resistências à penetração colonial e até 1961, em pouco mais de 40 anos, o
colonialismo procurou sempre o domínio sobre a água interior, bem no vector das
políticas de opressão sobre as áreas rurais, se tivermos em conta que a
esmagadora maioria da população angolana vivia ou duma agricultura de
autossubsistência, ou da pastorícia em regime de semi nomadização.
Foi assim que ganharam espaço
para as políticas do indigenato, do contrato e das primeiras implantações de
colonatos com fluxos humanos oriundos do exterior da colónia! (https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/604).
Foi assim também que tudo fizeram
para, nas áreas urbanas, semear a assimilação num ambiente tão cosmopolita
quanto lhes foi possível sobretudo após 1961, aproveitando laços de famílias (e
de máfias) pródigos até aos nossos dias!
Martinho Júnior - Luanda, 12 de Junho de 2019
Imagens:
01- Colonato da Cela; depois das guerras de expansão em todo o território o colonialismo português providenciou as terras mais férteis dentro do triângulo oeste do espaço angolano, implantando os primeiros colonatos e assim ocupando o território rural com uma importada ruralidade europeia;
02- Distribuição da população em
Angola, em 1960 (um total de 4,604.362 habitantes); identifica-se com todas as
evidências o triângulo oeste de ocupação do território, distinguindo-o dos
demais;
03- A distribuição dos grupos
étnicos em território angolano, uma preocupação colonial tendo em conta as
guerras de penetração e conquista do interior;
04- Imagem de satélite do
Cruzeiro, a leste da cidade do Huambo, com o reservatório de água da pequena
Barragem do Cuando, a primeira barragem hidroelétrica que foi construída em
Angola, precisamente num dos braços da cabeça do rio Cunene; a barragem foi
inaugurada em Fevereiro de 2011 e a iniciativa de sua construção pertenceu ao
CFB, a linha de caminho-de-ferro mandada construir pelos interesses ligados a
Cecil John Rhodes, tendo como operativo no terreno, o seu “braço-direito”,
Robert Williams; o Mapa Vermelho, do Cabo ao Cairo, o Império Britânico impôs,
por via de Ultimato, ao Mapa-Côr-de-Rosa do colonialismo português;
05- Imagem da Barragem do Cuando,
numa das três cabeças que desembocam no corpo de 1.200km do rio Cunene.
Sem comentários:
Enviar um comentário