quinta-feira, 20 de junho de 2019

UMA LUTA SOBRE BRASAS V - Martinho Júnior


HOJE JÁ É TARDE DEMAIS

Martinho Júnior, Luanda 

EM SAUDAÇÃO AO 25 DE MAIO, DIA DE ÁFRICA, QUANDO HÁ 56 ANOS, EM GRANDE PARTE EM FUNÇÃO DA LUTA DE LIBERTAÇÃO, SE CRIOU A ENTÃO “OUA”, ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA (https://www.officeholidays.com/countries/africa/african_unity_day.php)!

No Cunene, de há pouco mais de 100 anos a esta parte, estão-se jogando algumas das sagas mais decisivas do povo angolano e da África Austral.

Com os acontecimentos de 1961 (https://paginaglobal.blogspot.com/2015/03/o-ano-da-grande-viragem-para-angola-i.htmlhttps://paginaglobal.blogspot.com/2015/03/o-ano-da-grande-viragem-para-angola-ii.htmlhttps://paginaglobal.blogspot.com/2015/03/o-ano-da-grande-viragem-para-angola-iii.html), o colonialismo português foi colocado contra a parede em grande parte em função da intransigência do Estado Novo, cuja superestrutura ideológica era uma mescla de fascismo e colonialismo tardio, no rescaldo da “dilatação da fé e do império”, a que não deixava de ser relevante a Concordata com o Vaticano.

Se por um lado garantiu a cobertura dos círculos europeus que deram corpo ao “Le Cercle” (que animava os laços do quadro da NATO repescando muitas das redes “stay behind” na Alemanha, na Itália, em França e em Espanha), por outro, “no terreno” e graças aos laços criados durante a Iª Guerra Mundial (quando os britânicos, sul africanos, invadiram e ocuparam o Sudoeste Africano derrotando os prussianos), tornou-se inevitável a aproximação à África do Sul, que a partir de 1948, ficou à mercê do regime do “apartheid” (http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=50).

Se do lado do colonialismo português requisitavam-se as teorias e práticas mais hermeticamente conservadoras do catolicismo para a superestrutura ideológica do Estado Novo fascista e colonialista (próprias do ruralismo da oligarquia portuguesa de meados do século XX), do lado sul-africano repescava-se o calvinismo afrikaner também ruralista (sertanejo e conforme aos costumes boers), mesclado de resíduos nazis, duas linhas que ao conjugarem-se, deram à sua maneira e cada uma delas, prova de cinismo, hipocrisia e ambiguidade sem limites, prova cada vez mais contraditória, à medida que a oligarquia industrial em Portugal e na África do Sul se assumiram como determinantes para os respectivos poderes de estado.

Em 1919 findou com um genocídio a última grande resistência nos Dembos (Cazuangongo, Jimbo Aluquém e Muando), depois do fim da resistência cuanhama e cuamata em 1915, mas entre 1940 e 1941 os cuvales sofreram uma impiedosa perseguição nas áreas entre o Coporolo, a norte e o Curoca, a sul com extensões para leste até Quilengues, Humpata, Chibia e Cahama…

Em 1961 em Angola, ainda havia a memória das resistências em várias partes do país, por exemplo nos Dembos, no planalto central, no Namibe e no Cunene, pelo que o domínio colonial vivia sempre no temor da rebeldia africana e por isso reprimia com leis e forças que impunham o seu poder…

No princípio, quando as tropas coloniais portuguesas foram mobilizadas “para Angola e em força”, a repressão acentuou-se, para depois, já no quadro da “primavera marcelista” se passar os métodos mais refinados de inteligência, com a continuada aplicação da “luta contra a subversão”, filtrada por tendências reactivas, como o spinolismo de “Portugal e o futuro”…


A lei do indigenato acabando no rescaldo de 1961 (http://jornaldeangola.sapo.ao/cultura/discriminacao_e_politicas_de_assimilacao), deu início à ideologia da luta contra a subversão (uma teoria e prática induzida pela influência do “Le Cercle” na África Austral), pelo que os conceitos geoestratégicos aplicados a Angola desde então, mesclaram-se com a ideologia ultra conservadora e opressora, moldando a sociedade na sua estratificação e nos processos de âmbito sociocultural induzidos às capacidades antropológicas dos angolanos, nos ambientes urbanos e rurais (http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/artigos/assimilacionismo_e_promocao_social).

Em relação à água interior, cujo conhecimento se tinha iniciado apenas na segunda metade do século XIX, os próprios esforços da luta contra subversão impunham o conhecimento de seus principais veios, tendo em conta a praticabilidade das linhas de penetração dos que passaram a lutar de armas na mão contra, ou pelo movimento de libertação, pelo que se tornou inevitável que as autoridades coloniais também utilizassem suas capacidades de domínio para se assenhorearem desses recursos, fomentando investimentos nas áreas decisivas do triângulo do litoral, instalando a vocação de Savimbi junto à nascente do Muangai inserida na região central das grandes nascentes (e permitindo-lhe acesso ao corredor do Lungué Bungo), ou promovendo as intervenções nas outras direcções, nos triângulos norte, leste e sul, cada qual em função de suas características físico-geográficas-ambientais e humanas!    
                 
Assim de forma sincronizada, procuraram a todo o custo realizar os maiores investimentos na água interior do triângulo de ocupação do litoral (particularmente no Cuanza e no Cunene), fortalecendo as premissas do seu domínio sobre todo o espaço angolano e continuando a visão do Diogo Cão: uma visão de geoestratégia a partir da costa atlântica, que era aliás imprescindível enquanto base do triângulo ocidental, com vértice no centro de Angola (próximo da nascente do Muangai).   

Essa visão ata Angola até hoje e garante até agora a impraticabilidade duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável, que terá como base o imediato controlo e gestão das fontes dos rios que nascem na região central das grandes nascentes!
O que é hoje a Província do Cunene além do mais, face à visão que dita os olhos de abordagem a partir do litoral, é de facto uma periferia…

Hoje já é tarde demais, por que o possível esforço de luta contemporânea, o esforço angolano de hoje, só pôde ser realizado depois de vencido o colonialismo, depois de vencido o “apartheid”, depois de vencidas algumas de suas sequelas e ganhando consciência crítica e de vanguarda face ao capitalismo neoliberal que tem sido inculcado em África formatando mentalidades nas elites servis, quando tudo se deveria ter iniciado em tempo oportuno precisamente há pouco mais de 100 anos!

Também por esta razão tenho considerado que Angola tem apenas (sobre)vivido (?) em “séculos de solidão”!

09- Aprender a reinterpretar Angola é um exercício indispensável, inerente à gestação duma cultura de inteligência patriótica e uma fórmula saudável de romper com os esforços de assimilação que ainda hoje se fazem sentir, aproveitando agora os bonançosos ventos do capitalismo neoliberal em época das novas revoluções tecnológicas e globalização segundo a trilha do pendor da hegemonia unipolar (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/06/angola-aprender-reinterpretando.html).

Torna-se assim um desafio reinterpretar o conhecimento sobre as linhas de conduta colonial portuguesa em todo o espaço físico, geográfico e ambiental angolano, desde o seu esforço de implantação, até ao de penetração, de ocupação e de intervenção antes do 11 de Novembro de 1975, data em que foi definitivamente arriada a bandeira portuguesa em Angola e daí até nossos dias. (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/03/das-palavras-aos-actos.html).

A conquista colonial tardia do espaço interior em Angola foi essencialmente feita após o colapso do projecto do Mapa-Cor-de-Rosa (http://ensina.rtp.pt/artigo/ultimato-ingles/), ou seja a partir dos princípios da década de 80 do século XIX, tendo como pontos de apoio as antigas feitorias do litoral, Luanda (http://ensina.rtp.pt/artigo/a-fundacao-da-cidade-de-luanda/) e Benguela (http://www.angolabelazebelo.com/2008/12/um-pouco-de-historia-de-benguela-14/), com o complemento de Moçâmedes (http://torredahistoriaiberica.blogspot.com/2010/08/fundacao-de-mocamedes-namibe-no-sul-de.html), a sul, tirando partido da sua muito recente fundação e projecção. (https://pt.slideshare.net/crie_historia/conferncia-de-berlim-e-o-mapa-cor-de-rosa).

A fundação dessas localidades raras vezes levou em conta a existência de comunidades autóctones residentes nas respectivas áreas, muito menos os “nomes gentílicos”, pois o que contava em África para a visão eurocêntrica do colonialismo português era, a partir do mar, sua própria experiência dominante face aos outros, algo que não permitia inclusão, pelo contrário, era realizada incidentemente numa base de exclusão, em nome da “civilização judaico-cristã ocidental”.

No princípio do século, o planalto de Benguela foi mesmo hipótese de se tornar no “lar judeu”, quer dizer, próximo do centro do triângulo de ocupação oeste, o triângulo do litoral e tirando partido do facto de haver pequenas comunidades judaicas em Bengiela… (http://visao.sapo.pt/actualidade/mundo/2017-05-26-Quando-o-estado-de-Israel-esteve-para-ser-fundado-em-Angola?fbclid=IwAR1xAmfMIDWiYgfkGrg7H9P_6-On79yvxZ3y9oR2JfmbhxhxkATmyLnRpx8).

Só em Luanda se reconhece essa pista autóctone, pois o nome da localidade reflecte a existência dos axiluandas, o povo que habitava a então ilha que configurava a oeste o espaço físico-geográfico da bem abrigada baía, algo que terá provavelmente a ver com a moeda zimbo, utilizada pelos reis do Congo (nesse sentido a ilha era o cofre-forte dum potentado que o colonialismo português queria evangelizar e aliar-se)…

Moçâmedes é, por exemplo, um nome que exclui traços autóctones, tendo sido sintomaticamente “recuperado” pelo ex-Governador da Província do Namibe, Rui Falcão, em jeito de saudosismo colonial… (https://www.voaportugues.com/a/namibe-nova-designacao-mocamedes/3398626.html).

A terapia neoliberal para efeitos de assimilação, tira partido da fragilidade da descolonização mental!... (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/09/a-descolonizacao-mental.html).

Mesmo os sistemas de comércio do colonialismo português em Angola, ainda que incipientes, eram muitas vezes feitos de acordo com premissas socioculturais, sociopolíticas e linguísticas de exclusão!

Essa tendência manifesta-se ainda hoje em Angola apesar dos mais de 40 anos de independência, o que me permite considerar que não está efectivamente feita a descolonização mental que, por seu turno é um caminho aberto para as múltiplas capacidades de assimilação que sopram do exterior, (https://paginaglobal.blogspot.com/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_18.html) inscrevendo até, a título de exemplo, algumas campanhas de velada guerra psicológica que se vão mantendo de pé particularmente a partir de Portugal, algo “transversal”aos interesses e conveniências de franjas importantes das elites angolanas. (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/05/angola-bicesse-e-paz-que-estamos-com.html).

Diz o ditado entre marinheiros que “quem vai para o mar avia-se em terra”, mas em Angola na azáfama propiciada pela Conferência de Berlim, sucedeu o contraditório: para que um povo de marinheiros se decidisse a penetrar no interior, todas as iniciativas de conquista coloniais tiveram que sair do mar, do litoral, para leste.

Esse critério reforçou sempre, o papel de Luanda enquanto capital fundada a partir do mar e por tabela os papéis de Benguela e de Moçâmedes, a ponto de não haver qualquer retificação de conceitos geoestratégicos mesmo após mais de 40 anos de independência, até por que o triângulo do litoral, o único sem fronteira terrestre e longe das fronteiras, com a ocupação tornou-se no mais densamente povoado e também o que melhor foi traduzindo a formação da identidade angolana, neste momento ainda por melhor definir! (http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/08/angola-demografia-identidade-nacional.html).

O jogo tinha aliás sido historicamente ensaiado pelo colonialismo português na disputa com o colonialismo holandês em torno da posse de Luanda: ainda que trasladando forças para Massangano, os portugueses só reconquistaram Luanda com forças vindas por mar e provenientes do Brasil. (http://tpa.sapo.ao/noticias/sociedade/luanda-assinala-hoje-440-anos-desde-a-sua-fundacao).

O triângulo do litoral foi assim prioritariamente definido e para isso até havia duas linhas naturais compreensíveis a leste desse esforço: as bacias do Cuanza e do Cunene. (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/11/zelar-pelos-nossos-rios-e-zelar-pela.html).

O lado oeste do triângulo era preenchido pela costa, o lado norte pela bacia do Cuanza e o lado sul pela bacia do Cunene, com Luanda, Benguela (Lobito) e Moçâmedes a servirem de portos, aptos para a definição dos corredores de penetração.

O triângulo foi assim orientado para servir de espaço de ocupação, tendo o Caminho de Ferro de Benguela como um eixo apontado à região central das grandes nascentes (http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/angola-deve-reequacionar-as-abordagens.html), até atingir a fronteira com o “copperbelt” e os outros dois, o de Luanda a norte e o de Moçâmedes a sul, como linhas periféricas a esse eixo, equidistantes em relação a ele e em periferias que em paralelo serviam a penetração no espaço de intervenção (triângulos norte, leste e sul).

Durante o colonialismo, o CFB nunca perdeu o seu cunho tipicamente britânico… (http://www.angolabelazebelo.com/2017/03/caminho-de-ferro-de-benguela-e-o-comboio-mala/).

As bacias dos rios Cuanza (curso de 960km e bacia de 152.570km2) e Cunene (curso de 1.200km e bacia de 272.000km2) foram tidas como as mais sensíveis no enquadramento físico-geográfico do esforço de domínio colonial, pelo que já antes de 1961 começaram a ser levados em conta para aproveitamentos hidroelétricos e agropecuários, encarados como formas de fomento da economia.

Os principais colonatos surgiram dentro desse triângulo oeste.

Entre a Conferência de Berlim e 1961, o triângulo do litoral recebeu todo o impacto da ocupação e por isso todas as resistências que nesse espaço houvessem, bem como nas periferias mais próximas, haviam que ser vencidas…

Foi assim que com genocídio se pôs fim à resistência nos Dembos, além Cuanza (em 1919), com a batalha de Môngua à resistência além Cunene (1915) e, por fim se levou a cabo a perseguição aos cuvales em 1940 e 1941,  (guerra kacombola) – https://www.facebook.com/notes/greg%C3%B3rio-semedo/kakombola-queremos-a-cidade-do-namibe-de-volta/10157391579605157/) no espaço sudoeste do triângulo do litoral.

Além Cuanza e além Cunene as condutas de intervenção garantiram que a água interior continuasse, em especial no triângulo sul e apesar das milhares de acções militares, (não afectado pela exploração de diamantes aluviais, nem pela construção de barragens hidroelétricas), praticamente virgens, facto comprovado por exemplo pela recente exploração do Cubango desde a sua nascente à fronteira com a Namíbia, por um grupo da National Geografic respondendo à atracção aos conceitos e práticas elitistas projectadas pelo cartel dos diamantes e pelo lobi dos minerais na África Austral, sobretudo a partir do espaço físico, geográfico e ambiental do Botswana (incidindo sobre o projecto comum KAZA-TFCA –  https://www.kavangozambezi.org/index.php/en/).

No sudoeste do triângulo do litoral, o triângulo de ocupação no espaço territorial angolano, o colonialismo manifestou-se uma vez mais exclusivista face à resistência sociocultural cuvale, precisamente na altura em que o nazismo ganhava ascendência na Europa, logo no início da IIª Guerra Mundial, ou seja, um exclusivismo reflector desse tipo de ideologias e de práticas aparentemente retardatárias na África Austral. (http://poesiangolana.blogspot.com/2010/03/os-mukubais-ovahelelos.html).

A actuação contra os cuvales em 1940 e 1941, reflectiu também o antecedente sobre o genocídio dos hereros no Sudoeste Africano, levado a cabo pela potência colonial alemã. (http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/05/os-punhais-sangrentos-de-trotta-e.html).

No balanço de René Pélissier em “História das campanhas de Angola, resistência e revoltas, de 1845 a 1941 – IIº Volume”(https://www.wook.pt/livro/historia-das-campanhas-de-angola-1845-1941-rene-pelissier/15014583), páginas 274 e 275, sob o tema “A utilização dos restos”, ele detalha:

“Tal como no heróico Far West, a good cuvale is a dead cuvale; mas esta atitude não foi legitimada oficialmente e os portugueses, a exemplo dos colonos alemães a seguir à revolta de 1904, viam o lado prático das coisas.

Numa colónia onde era crónica a falta de braços, o destino dos prisioneiros seria muito simples.

Mais de 600 homens foram enviados para as roças de São Tomé com um contrato de dois anos; várias centenas deles foram encaminhados para a Diamang que os pôs a trabalhar em regime de salário; várias outras centenas foram deportadas para a colónia penitenciária da Damba (a leste de Malange); outros foram cedidos às propriedades agrícolas de Moçâmedes e de Vila Arriaga.

Outros 70 foram igualmente cedidos à Câmara Municipal de Moçâmedes. Isto quanto aos seres humanos.

Quanto ao gado, também é impressionante o paralelo com a experiência alemã.

Admitamos que em 1940 os cuvales tivessem metade do gado dos hereros do Sudoeste Africano em 1902 (46.000).

No início de 1941 os portugueses confiscaram 19.701 cabeças, isto é, aproximadamente 90% do total.

O destino que teve tão imponente manada presta-se a discussão.

Segundo Sotto-Maior, teria sido distribuída pelos indígenas fieis (quilengues, cuanhamas, cuamatos, etc.) e não vendida a leilão a europeus ávidos de gado barato.

Segundo bons conhecedores do sul de Angola, esta afirmação é falsa e um português pioneiro da grande pecuária, teria recebido 5000 cabeças.

Certos sobreviventes ao regressar do seu exílio temporário, engoliram o orgulho e foram oferecer a sua força braçal aos estaleiros de ampliação do Caminho de Ferro de Moçâmedes.

Transformados em proletários, aqueles pastores sem bois mas que tinham uma verdadeira paixão pelo gado iriam dedicar-se a cultivos intensivos que lhes permitiriam comprar algumas vacas.

Em vinte anos, com zelosos cuidados, conseguiram reconstituir os efectivos pecuários de 1940 e recuperar uma parte da sua arrogância de antanho., sem todavia voltar a praticar correrias.

Sotto-Maior, que varrera os cuvales, pôde concluir o seu relatório-defesa afirmando que no início de 1943 estava a decorrer a ocupação administrativa e que isso era o fim de uma situação vexatória para os portugueses, qual era a de, em pleno século XX termos mantido ainda insubmissos e fora da nossa acção civilizadora, povos indígenas de uma raça altiva e inteligente.

Dois aviões e um milhar de militares, outro milhar de auxiliares, cinco meses e meio de batidas (Setembro de 1940 – 15 de Fevereiro de 1941) para capturar menos de 4000 pessoas e 20.000 cabeças de gado bovino; decerto ninguém regateou os meios a empregar no centro e sul de Angola em 1940 e 1941 para apagar a última nebulosa simultaneamente independente e agressiva, que ameaçava a ordem pública na colónia vinte anos depois do desaparecimento da última resistência africana verdadeiramente grave”.


10- Sendo o colonialismo português subsidiário (e subserviente), esteve aberto às iniciativas transnacionais, praticamente ao mesmo tempo que foi feita a penetração, num contexto que reflecte também as partilhas da Conferência de Berlim e as tradicionais alianças de Portugal com a Coroa Britânica.

Isso foi inclusive, sob o ponto de vista de planificação geoestratégica, muito importante para a perspectiva colonial em Angola: os investimentos transnacionais foram ocorrendo numa boa parte nos triângulos de intervenção, onde a malha político-administrativa era mais rarefeita.

A Diamang foi instalada nos triângulos leste e norte, tornando-se assim uma “companhia majestática”, dominante em todo o nordeste.

O arquivo documental da Diamang, de 1917 a 11 de Novembro de 1975, está sintomaticamente na Universidade do Minho, em Portugal!... (https://www.uminho.pt/PT/siga-a-uminho/Paginas/Detalhe-do-evento.aspx?Codigo=53411).

Tudo começou com a PEMA, Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola, com capital inicial luso-belga e subsidiária da Forminière, entre 1907 e 1913, para depois o capital se ir abrindo a outras ramificações do cartel e no âmbito do lóbi dos minerais, um dos expedientes da aristocracia financeira mundial que passa pela África Austral, mas é determinante no suporte aos Democratas nos Estados Unidos. (http://info-angola.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=1155:a-hist-da-endiama&catid=658&Itemid=1748).

Os diamantes foram dos primeiros a criar uma barragem hidroelétrica em Angola, a de Luachimo, apenas em 1953, dez anos antes da inauguração de Cambambe… (https://www.prodel.co.ao/index.php/pt/29-portugues/producao/barragens/52-aproveitamento-do-luachimo/).

O Caminho de Ferro de Benguela (https://www.nytimes.com/1989/11/13/business/international-report-railroad-in-angola-to-be-revived.html) se corria no eixo do triângulo de ocupação oeste, do litoral até à região central das grandes nascentes, daí para leste percorria o eixo do triângulo de intervenção leste até chegar ao “copperbelt”, sua verdadeira razão de ser.

Foi o CFB que construiu a primeira barragem hidroelétrica de Angola, inaugurada em Fevereiro de 1911, numa das três cabeças que dão origem ao rio Cunene, o Cuando… o Caminho de Ferro de Benguela era a linha de caminho-de-ferro mandada construir pelos interesses ligados a Cecil John Rhodes (na origem do cartel dos diamantes e do lóbi dos minerais), tendo como operativo no terreno o seu “braço-direito”Robert Williams; o Mapa Vermelho, do Cabo ao Cairo, o Império Britânico foi assim imposto, por via de Ultimato, ao Mapa-Côr-de-Rosa do colonialismo português (http://m.redeangola.info/roteiros/barragem-e-missao-do-cuando/).

O discreto interesse pelos aspectos físico-geográfico-ambientais por parte dos construtores do CFB escondeu nessa pequena barragem, além do mais, a evidência do interesse elitista sobre a água interior de Angola, precisamente ali onde ela tem a sua matriz, um interesse que cultiva sem se pronunciar até nossos dias, a fim de que os angolanos não despertem para algo que é tão essencial para Angola; a necessidade de leitura duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável, que siga a trilha de lógica com sentido de vida!


Por fim, se as explorações de petróleo começaram em áreas “onshore” do triângulo do litoral, rapidamente avançaram para o “offshore” no triângulo norte (ângulo noroeste)… (http://www.angonoticias.com/artigos/item/26779/petroleo-angolano-comemora-100-anos).

A primeira exploração de petróleo ocorreu no “onshore” a sul de Luanda, na bacia do Cuanza, o maior e mais pródigo rio inteiramente angolano, em 1955, sendo Angola o primeiro país africano, a sul do Sahara, a começar essa actividade. (http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/ha_63_anos_angola_entrou_na_idade_do_petroleo).

Fora do triângulo de ocupação, no triângulo de intervenção norte, os portugueses reservaram-se para a cultura intensiva do café e do palmar, vocacionada para a exportação, afim às suas aptidões e capacidades, envolvendo sobretudo os mais produtivos espaços das colinas do Cuanza Norte e do Uíge, instituindo o contrato que perdurou até ao 25 de Abril de 1974…

O atraso do colonialismo português percebe-se em muitas intervenções que detalham a situação do Pacto Colonial em Angola até 1961, entre elas, esta:

…“Até aos anos 60, Angola foi, como dissemos, essencialmente um reservatório de matérias-primas e de produtos primários e um mercado de produtos semitransformados da economia metropolitana.

As estruturas industriais eram praticamente inexistentes na colónia, os investimentos desencorajados e a penetração dos capitais estrangeiros severamente regulamentados”… (http://tudosobreangola.blogspot.com/2011/11/pacto-colonial-e-industrializacao-de.html).

A população progrediu penosamente após as guerras de penetração e conquista colonial, (desde quando foram praticados autênticos genocídios): em 1930 a população era de 2.503.794 habitantes e em 1960 passava a 4.604.362.

Desde o fim das guerras contra as resistências à penetração colonial e até 1961, em pouco mais de 40 anos, o colonialismo procurou sempre o domínio sobre a água interior, bem no vector das políticas de opressão sobre as áreas rurais, se tivermos em conta que a esmagadora maioria da população angolana vivia ou duma agricultura de autossubsistência, ou da pastorícia em regime de semi nomadização.

Foi assim que ganharam espaço para as políticas do indigenato, do contrato e das primeiras implantações de colonatos com fluxos humanos oriundos do exterior da colónia! (https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/604).

Foi assim também que tudo fizeram para, nas áreas urbanas, semear a assimilação num ambiente tão cosmopolita quanto lhes foi possível sobretudo após 1961, aproveitando laços de famílias (e de máfias) pródigos até aos nossos dias!


Martinho Júnior - Luanda, 12 de Junho de 2019

Imagens:
01- Colonato da Cela; depois das guerras de expansão em todo o território o colonialismo português providenciou as terras mais férteis dentro do triângulo oeste do espaço angolano, implantando os primeiros colonatos e assim ocupando o território rural com uma importada ruralidade europeia;
02- Distribuição da população em Angola, em 1960 (um total de 4,604.362 habitantes); identifica-se com todas as evidências o triângulo oeste de ocupação do território, distinguindo-o dos demais;
03- A distribuição dos grupos étnicos em território angolano, uma preocupação colonial tendo em conta as guerras de penetração e conquista do interior;
04- Imagem de satélite do Cruzeiro, a leste da cidade do Huambo, com o reservatório de água da pequena Barragem do Cuando, a primeira barragem hidroelétrica que foi construída em Angola, precisamente num dos braços da cabeça do rio Cunene; a barragem foi inaugurada em Fevereiro de 2011 e a iniciativa de sua construção pertenceu ao CFB, a linha de caminho-de-ferro mandada construir pelos interesses ligados a Cecil John Rhodes, tendo como operativo no terreno, o seu “braço-direito”, Robert Williams; o Mapa Vermelho, do Cabo ao Cairo, o Império Britânico impôs, por via de Ultimato, ao Mapa-Côr-de-Rosa do colonialismo português;
05- Imagem da Barragem do Cuando, numa das três cabeças que desembocam no corpo de 1.200km do rio Cunene.

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