sábado, 8 de março de 2014

A RÚSSIA NA BATALHA PELO ESPAÇO A NORTE DO MAR NEGRO



Martinho Júnior, Luanda

1 – O Mar Negro está a ser um dos flancos mais problemáticos para a Rússia, tendo em conta a deriva da OTAN em direcção a leste, aproveitando a entrada na União Europeia dos estados saídos do antigo Bloco Socialista, da decomposição da URSS, ou seja, da extinção do Pacto de Varsóvia, bem como da evolução da situação Ásia adentro, até aos meridianos do Afeganistão e Paquistão.

É importante recordar isso, pois uma das primeiras nações a experimentar um ambiente de “revolução colorida” foi mesmo a Rússia, através da ascensão de Boris Yeltsin, que foi acompanhada pela tomada de importantes sectores da economia, entre eles o petrolífero, por via do “cavalo de Tróia” que foi a Yukos e de bancos como o Menatep, que na altura (princípio do século XXI) respondia à “inteligência” formatada pela via da Open Russia Foundation acoplada à Open Society de George Soros!

Situado a sudoeste da imensa massa territorial da Rússia, o Mar Negro está bem no centro duma vasta região euro-asiática produtora de petróleo e de gás, a partir da qual se distendem as linhas dos oleodutos, gasodutos, portos e navios apropriados de transporte, numa intrincada rede de valor geo estratégio que constitui o cerne do jogo de interesses envolvendo um enorme e difuso conjunto de entidades, de sectores de actividade e de cenários.

Essa região, ao ser alvo de disputas de toda a ordem, é palco da ordem de batalha de entidades e interesses concorrentes, uma ordem de batalha que está a superar as tensões e conflitos que proliferaram durante o período considerado de “Guerra Fria”, com a inclusão de “guerras assimétricas” e alterações dramáticas em alguns estados da região, a começar pela extinção do Pacto de Varsóvia, o fim do Bloco Socialista e a implosão da URSS, até à “balcanização” da Jugoslávia, a eclosão das “revoluções coloridas” e das “primaveras árabes”, intercaladas com guerras e tensões nos Balcãs, no Cáucaso, na Líbia (norte de África), no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, na Síria e no Irão.

No centro da tormenta, o Mar Negro, passou a ser um alvo evidente que, em relação às distintas massas de água que circundam a Rússia (o Árctico, o Báltico, o Mar Negro, o Mar Cáspio, o Aral e o Oceano Pacífio), constitui o flanco marítimo mais problemático (e mais apetecível) para as geo estratégias egoistas do império e do seu instrumento militar dilecto, a NATO… apontada à Rússia, tendo em conta a sua implantação territorial trans-continental!

A evolução última da situação na Ucrânia, cujo povo é irmão do russo, corrobora o padrão relativo ao Mar Negro, que tiveram nos ataques terroristas na Chechénia e em outras regiões do Caúcaso, assim como na evolução drástica da situação na Geórgia, os seus antecedentes mais evidentes e dramáticos.

Do lado do “ocidente” foram sempre utilizados desde o início da década de 90 do século passado, padrões fundamentalistas, fascistas ou mesmo nazis, muitas vezes a coberto de nacionalismos exacrbados, de religiões com práticas radicalizadas e rótulos atractivos, como as “revoluções coloridas” ou as “primaveras árabes”, no quadro das políticas e alianças, o que demonstra o carácter daqueles que procuram fazer valer a hegemonia unipolar e excluente, incapaz de procurar relacionamentos consensuais, dialogantes e equilíbriados… e sempre em nome duma “democracia representativa” que serve apenas os interesses e a vocação da aristocracia financeira mundial e dos instrumentos mercenários de que dispõe!

2 – No momento da implosão da URSS, os conflitos eclodiram imediatamente dentro da Rússia (só Putin conseguiu mais tarde e após o fim de Boris Yeltsin, dar início ao “arrumar da casa”) e numa das partes mais sensíveis do imenso “tabuleiro” de disputas euro-asiático: o Cáucaso e os Balcãs.

No Cáucaso, sucessivamente, estalaram conflitos étnicos e religiosos na Rússia (Chechenia), no Azerbeijão (Nagorno Karabakh) e na Geórgia (Abkhasia e Ossétia do Sul).
A própria Geórgia foi também palco da disputa, com a eclosão da “revolução das rosas”, ao ponto desta procurar integrar o país, que se situa na região mais oriental do Mar Negro… na Organização do Tratado do Atlântico Norte!

A evolução da situação no Cáucaso, desde o colapso da era Boris Ieltsin até ao momento, foi favorável à Rússia quando ela passou a ser governada pelo tandém Putin-Medvedev, o que se reflectiu na situação da parte mais a leste do Mar Negro: a Rússia consolidou sem remissão a sua posição, tirando partido do caudal de divisões incrementads por outros e passou a ser reitora dos dispositivos de transporte de petróleo, de gás e dos laços marítimos correspondentes.

As divisões que a hegemonia procurou utilizar para fragmentar a Federação Russa, acabaram por ser utilizadas pelos governos Putin-Medvedev para dilacerar a influência dum império super-musculado, super-egoista e… super-devedor!

A região a leste do Mar Negro e entre este e o Mar Cáspio interior, entrou na esfera de influência da Rússia, com repercuções nos interesses à volta das explorações de petróleo e gás no Cáspio e no oleoduto Baku-Tbilissi-Ceihan (Azerbeijão-Geórgia-Turquia).

Nos Balcãs, para além da “explosão” da Jugoslávia, eclodiu a crise da Moldávia (Transnistria).

Embora de pequena dimensão, esse conflito ocorreu numa região a noroste do Mar Negro, com resultados relativamente favoráveis aos russos e ucranianos (a Ucrânia possui fronteiras directas com a Transnitria).

3 – A evolução da situação na Ucrânia, cujo território se situa a noroeste do Mar Negro, é ainda mais decisiva para a Rússia se comparada com as anteriores: uma enorme fatia dos oleodutos e gasodutos que se distendem até à Europa passa pela Ucrânia, ela mesmo dependente dos fornecimentos da Rússia.

Por outro lado, a implantação russa na Ucrânia é importante no leste e no sul do país, a ponto de hoje os dois povos poderem-se considerar de irmãos, nas suas culturas, nos seus laços humanos, nos seus interesses comuns…

Uma parte substancial da migração ucraniana tem procurado trabalho na Rússia, acima dos 3 milhões, numa altura em que há um declínio populacional acentuado da população devido ao deteriorar das condições de vida na Ucrânia: de mais de 50 para cerca de 45 milhões!

As remessas de dinheiro dessa migração a favor da Ucrânia, funcionam como factores que, com outras remessas provenientes de outras paragens, abonam os níveis de vida no país.

A leste do rio Dniepre a Ucrânia possui a sua maior zona industrial interconectada com as indústrias russas, com um epicentro evidente nas cidades de Donetz e Carcóvia, duas das maiores cidades da Ucrânia (Carcóvia, fundada pelos russos, foi capital da Ucrânia); essa região possui um nível de vida superior à maioria das regiões do ocidente da Ucrânia à excepção de Kiev, mas é o verdadeiro motor do país, sem o qual a situação a ocidente seria ainda muito mais grave!

No sul da Ucrânia, a cidade de Odessa é outro pólo de influência russa, até por que a cidade foi fundada pela Rússia e é um terminal dum importante oleoduto com raiz na Rússia, ligado a um dos seus portos de exportação.

A Crimeia é em relação aos dispositivos da Rússia no Mar Negro um caso aparte: a península tem maioria de população russa e, em função de acordos, abriga em Sebastopol e noutras localidades menores, as bases da Frota Russa do Mar Negro, tal como da Marinha de Guerra da Ucrânia, ainda que a Rússia possua outras bases navais menores em seu próprio território (Novorosirsk).

A Crimeia situa-se bem no centro-norte do Mar Negro e face-a-face à Turquia, membro da NATO, que domina toda a costa sul do Mar e a saída para o Mediterrâneo, no Bósforo (a ocidente do Mar Negro).

O governo turco, recorde-se, está também implicado nas operações da Euromaidan!

É evidente que para a correlação de forças, as bases da Rússia na Crimeia desempenham um importante papel no flanco sudoeste da Rússia e de suas rotas em direcção ao Atlântico Central e ao Índico Norte, algo que está também ligado com o papel da Marinha de Guerra da Ucrânia que só não é mais potente hoje por causa do enfraquecimento económico do país e devido à sua menor dimensão no que diz respeito ao espaço marítimo (limitado ao Mar Negro).

As duas Marinhas de Guerra têm tradições, tecnologias e bases comuns tendo realizado, sob o ponto de vista operativo e geo-estratégico, constantes interconexões e coordenações, em terra como no mar.

Fora de Sebastopol, a Marinha Ucraniana não possui o mesmo nível de instalações.

Não é de estranhar o episódio do comandante da Marinha de Guerra Ucraniana nomeado pelos mentores “pró-ocidentais” da Euromaidan agora no poder… um comandante que jurou fidelidade à Crimeia.

4 – A posição manifestamente solidária da China para com a Federação Russa na actual conjuntura da Ucrânia, corresponde a parâmetros sensíveis em relação à sua diáspora humana (que está chegando também à Europa), mas também em relação ao conjunto de interesses desde o âmbito financeiro até ao que diz respeito aos oleodutos e gasodutos euro-asiáticos, que resultam da exploração de petróleo e de gás na Rússia e se distendem, de leste a oeste e de norte a sul, ao longo do seu imenso espaço nacional e circundante, assim como em relação aos interesses geo-estratégicos comuns com a Rússia, no quadro da multipolarização.

A título de exemplo: empresas chinesas estão a fazer a gestão duma parte importante do porto do Pireu, na Grécia, próximo da saída do Bósforo para o Mediterrâno oriental.

Na Ásia Central trabalha-se para um consenso de geo-estratégias face às pressões “ocidentais” que foram sendo realizadas a partir do Iraque, Afeganistão e Paquistão, concorrência que também procurava dominar nas explorações de petróleo e de gás, bem como nos oleodutos e gasodutos dessa imensa região continental.

A saída militar dos Estados Unidos e dos seus aliados (incluindo a NATO) dessa região, vai fazendo baixar, no mínimo, a tensão imediatamente a sul da Rússia, pelo que o aumento da tensão a sudoeste, no Mar Negro, está a servir como “manobra compensatória”… tal como no Mar da China, ou no Golfo Pérsico (em relação à tensão contra o Irão, agora en fase de relativa distensão)!

A Rússia e a China estão também a entender-se em função dessa leitura comum de seus próprios instrumentos de poder a nível geo-estratégico: o Mar Negro como o Mar da China!... O rublo como o yuan!... face a um dólar pária, devedor e cada vez mais com valor especulativo e a um euro contaminado pela crise interna da União Europeia subjugada ao “diktat” das políticas alemãs que providenciam a “austeridade” e a miséria do sul.

Os laços entre a Rússia e o Irão e a Índia, tal como os laços entre a China e o Paquistão, laços na direcção sul e que se estendem até ao Índico Norte, são ganhos calculados a partir do fim da presença das forças militares dos Estados Unidos e da OTAN, no Afeganistão, no Paquistão e no Iraque!

Os oleodutos e gasodutos constituem um sistema nervoso energético, determinante das geo-estratégicas continentais Rússia-China-Índia, (os três BRICS euro-asiáticos), que estão a superar as geo-estratégias marítimas dos Estados Unidos e da NATO, descontextualizadas, arrogantes, desequilibradoras… e levadas a cabo por uma potência com uma dívida que não pára de aumentar!

As alterações começam a ser sensíveis e no Mar Negro, tal como no Mar da China, ou no Golfo Pérsico, as pressões “ocidentais”, ao aliarem-se a fundamentalismos de todo o tipo e “todo o terreno”, dão sinais de desespero: a ditadura do capital que norteia a aristocracia financeira mundial é um catalizador atraente aos fundamentalismos, a fascismos e até aos nazis!... e isso não acontece por acaso: cai a máscara às “democracias representativas” modeladas às e pelas elites “ocidentais”, as componentes decisórias da “civilização ocidental”, num momento em que a corda da dívida começa a apertar os pescoços anglo-saxónicos no dólar, na libra e no euro!

Mapa: Traçado de oleodutos e gasodutos envolventes ao Mar Negro.

A consultar (Martinho Júnior):
- A PETROLÍFERA YUKOS ENQUANTO UM FALÍVEL CAVALO DE TRÓIA (primeira publicação em 2003) – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/10/a-petrolifera-yukos-enquanto-um-falivel.html
- CONDUTAS DIALÉCTICAS ÚTEIS DE MANIPULAÇÃO DA HEGEMONIA – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/condutas-dialecticas-uteis-de.html
- O caminho das Trevas! A “ditadura democrática” da aristocracia financeira mundial - I – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/o-caminho-das-trevas-ditadura.html
- O CAMINHO DAS TREVAS! – A PRESA COBIÇADA – II – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/o-caminho-das-trevas-presa-cobicada-ii.html
- O CAMINHO DAS TREVAS! – O PRÓXIMO DEGRAU DA ESCALADA – III – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/o-caminho-das-trevas-o-proximo-degrau.html
- Rapidinhas do Martinho – Correlação de forças – 69 – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/03/rapidinhas-do-martinho-69-correlacao-de.html
- Merkel ao serviço da contra revolução liberal – http://paginaglobal.blogspot.com/2014/02/merkel-ao-servico-da-contra-revolucao.html
- Uma Ucrânia vulnerável e frágil –
A consultar (Rui Peralta):
- Legitimidade, legalidade e processo de emancipação – http://paginaglobal.blogspot.pt/2014/02/legitimidade-legalidade-e-processo-de.html
- O embuste – (aguarda publicação).
Consultas básicas:

Ucrânia: Anti-fascistas europeus, despertem! A peste castanha está de volta!




Não há dúvida. Monstruosa e horrível, a ameaça fascista está de volta, sem que a Europa se escandalize. Nazis puro-sangue estão no novo governo ucraniano.

Yorgos Mitralias - Esquerda.Net – Carta Maior

A sua presença nesse governo não choca nada os nossos meios de comunicação, que se apressam em batizá-los de ... “nacionalistas”, nem os nossos queridos dirigentes europeus de todas as espécies (social-democratas incluídos), que se apressam a reconhecê-los como parceiros totalmente frequentáveis.

Em suma, é como se o processo de Nuremberg nunca tivesse existido! E não é tudo. O pior é que os acólitos desses fantasmas de um mundo que acreditávamos – erradamente – desaparecido para sempre se contam hoje por milhares, se passeiam armados até aos dentes nas ruas de Kiev e de Lviv e, sobretudo, estão a ganhar a confiança de um grande número dos seus compatriotaas. Porque, paradoxo ou não, é infelizmente um facto que essa revolta autenticamente popular que acaba de varrer o regime de Yanoucovitch tem entre os seus dirigentes nostálgicos da colaboração banderista de Svoboda e – sobretudo - os neo-nazis, em plena ascensão, de Praviy Sektor.

Então, se os Svoboda e Praviy Sektor fazem parte do governo ucraniano sem que os nossos dirigentes europeus ou norte-americanos – como aliás os nossos media de grande dimensão e outras instituições internacionais – se perturbem, não nos surpreendamos se todo esse belo mundo neoliberal aceitar amanhã sem protesto a presença de um partido como o Aurora Dourada num governo grego. Se Dmytro Yarosh, chefe de Praviy Sektor, se torna o segundo de Andriy Parubi (aliás ele próprio fundador do partido nacional-socialista da Ucrânia) à cabeça do Conselho de Segurança Ucraniano, por que não amanhã o führer do Aurora Dourada, N. Mihaloliakos, à frente dos Ministérios da Defesa ou da Ordem Pública gregos? Eis uma razão mais para considerarmos o que se passa atualmente na Ucrânia como uma verdadeira viragem na história europeia do pós-guerra, um imenso salto qualitativo da ameaça neo-fascista que pesa agora sobre todos nós.

Mas não se trata apenas disso. Independentemente do caminho que tomem os acontecimentos que vêem afrontar-se no solo ucraniano não só a Rússia e a Ucrânia (igualmente reacionárias e enfeudadas aos oligarcas) mas também as grandes potências imperialistas do nosso tempo, tudo indica que os neo-nazis ucranianos, já poderosos, serão os únicos a aproveitar-se da devastação que não deixarão de provocar tanto as políticas de austeridade do FMI como os ventos guerreiros e nacionalistas que varrem a região. As consequências são previsíveis.
 
Os neo-nazis ucranianos em armas serão provavelmente capazes de estender a sua influência para lá do Leste europeu e gangrenar o conjunto do nosso continente. Como? Primeiro, impondo, no interior do campo da extrema-direita europeia em ascensão, relações de força favoráveis ao neo-nazismo militante.
 
Depois, servindo como modelo de exportação ao menos para os países vizinhos (incluindo a Grécia), já martirizados pelas políticas de austeridade e já contaminados por vírus racistas, homofóbicos, anti-semitas e neo-fascistas. E, evidentemente, sem esquecer o grande “argumento” que constituem os milhares e milhares de armas – incluindo pesadas – na sua posse, que não deixarão de exportar. A conclusão salta à vista. É o conjunto da paisagem, equilíbrios e relações de força na Europa que será inevitavelmente transformado, às custas de sindicatos operários, organizações de esquerda e movimentos sociais. Em palavras simples, já há de que ter pesadelos.

Então, que mais é preciso para que a esquerda europeia saia do seu atual torpor, toque o alarme, se mobilize urgentemente e tome o mais rapidamente possível a única iniciativa capaz de contrariar o tsunami fascista e fascistóide que se aproxima: uma iniciativa que não pode senão visar a criação de um movimento anti-fascista europeu, unitário, democrático, radical, de longa duração e de massas, que combine a luta contra as políticas neo-liberais da austeridade draconiana contra a peste castanha, onde quer que esta se manifeste.
 
A hora não é de tergiversações, nem de ilusões de que tudo se passa longe de nós, nem o alibi da rotina anti-fascista que consiste em lutar no seu bairro ou no seu país, sem ligar ao que se passa do outro lado da fronteira. Em primeiro lugar, porque mesmo antes do alarme anti-nazi ucraniano a situação na Europa ocidental era – e continua a ser – mais do que alarmante, justificando plenamente a mobilização geral contra a subida impetuosa da extrema-direita. E depois, porque, por mais necessárias que sejam, as lutas e as campanhas anti-fascistas nacionais ou regionais não bastam, não estão à altura das circunstâncias actuais, completamente excepcionais e históricas.

Por outras palavras: anti-fascistas da Europa despertem, porque já é quase meia-noite e a história tende a repetir-se tão trágica como no passado.

(*) Yorgos Mitralias é membro do comité grego da iniciativa do Manifesto Anti-fascista Europeu 

Créditos da foto: Arquivo

Angola: QUANDO A PROBIDADE AJUDA A ENRIQUECER OS GOVERNANTES…




OU MATAMOS A CORRUPÇÃO OU A CORRUPÇÃO MATA-NOS!

Orlando Castro – Folha 8, 1 março 2014

Lei da Pro­bidade Pú­blica cons­titui, pelo menos em teoria, o que se po­derá considerar um passo importante, eventualmen­te decisivo, para uma boa governação, tendo em conta o reforço dos me­canismos de combate à cultura da corrupção e a institucionalização dos pi­lares de uma democracia e de um Estado de Direito.

Mesmo em países que são de facto, e não apenas de jure, democracias, a cor­rupção é uma enfermidade contagiosa que está na ori­gem do colapso financeiro de muitas sociedades. Na verdade, se os países não matarem a corrupção aca­bam por ser mortos por ela.

Seja como for, Angola não pode viver com o mal dos outros embora, reconheça­-se, possa bem com eles. Não adianta tapar o sol com uma peneira como, por exemplo, faz o Procu­rador-Geral da República, José Maria de Sousa, quan­do reconhece que a cor­rupção em Angola é “preo­cupante”, mas desculpa-se dizendo que esse é um problema que se vive em todo o mundo.

“Com certeza (que é preo­cupante), não só em An­gola. Mesmo naqueles paí­ses que apregoam contra outros, esquecem-se que, internamente, também têm esse problema, que é universal”, referiu em tempos recentes o nosso PGR, acrescentando que “todos os países deve­rão unir-se para dar um combate cerrado a essas práticas, porque nenhum país conseguirá combater sozinho a criminalidade organizada, até porque, se tivermos a atenção devida, determinadas práticas que se tornaram habituais nos nossos países vieram, de algum modo, dos países desenvolvidos”.

“A corrupção não nasceu dos nativos, porque tínha­mos uma forma primitiva de fazer comércio, de fa­zer trocas, que não permi­tia sequer a corrupção. A corrupção vem de fora, e agora vamos ter de encon­trar forma de a combater e combater com aqueles que melhor conhecem o fenómeno”, sustenta José Maria de Sousa.

Esquecendo, ou não se lembrando, que só por si as leis não resolvem os problemas, o PGR pare­ce acreditar que o facto de Angola ter assinado a Convenção das Nações Unidas contra a Corrup­ção é a solução milagrosa para acabar com o proble­ma. Mas não é. Apesar de muitas leis deficientes e inócuas, o que nos faz falta é cumprir rigorosamente as que existem. Se fossem cumpridas, embora não sanassem a questão, certa­mente que seriam um bom instrumento de combate à corrupção e à lavagem de capitais.

“Temos cumprido com muitas cartas rogatórias, nomeadamente vindas de Portugal, e não só. Rece­bemos cartas rogatórias em matéria penal de mui­tos países e cumprimos e temos já instaurado em Angola alguns processos a respeito dessa matéria”, diz José Maria Neves.

“Temos de ser persisten­tes para que África possa estar unida no combate à criminalidade transnacio­nal e internacional”, diz também João Maria de Sousa, saltando a necessi­dade de o exemplo dever partir de dentro para fora, de cima para baixo.

Recorde-se que a Assem­bleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido destaque propagandístico da im­prensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visa, visava ou visaria (de acordo com a versão oficial) moralizar a actua­ção dos agentes públicos do nosso país.

Foi dito na altura (restam dúvidas se hoje a tese é a mesma ou se, por acaso, também foi… corrompida) que o objectivo da lei é conferir à gestão pública uma maior transparência, respeito dos valores da de­mocracia, da moralidade e dos valores éticos, univer­salmente aceites.

Foi em 2010. Quatro anos depois somam-se os ca­sos de desrespeito pelos valores da democracia, da moralidade e dos valores éticos.

O presidente da Repúbli­ca, do MPLA (partido no poder desde 1975) e chefe do Executivo (para além de outros cargos), José Eduardo dos Santos, quan­do na altura deu posse ao Governo reafirmou a sua aposta na “tolerância zero” aos actos ilícitos na admi­nistração pública. Todos os anos o mais alto magis­trado da nação reafirma os princípios, todos os anos eles são sistemática e en­demicamente violados.

Apesar da unanimidade do Parlamento, dos en­cómios dos areópagos internacionais, da propa­ganda interna, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e mais prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime, esperar (sentado) para ver se – com o nosso típico optimismo africano - nos próximos dez anos a “to­lerância zero” sai do pa­pel, sai da lei, sai da teoria, em relação aos donos dos aviários e não, como é ha­bitual, relativamente aos pilha-galinhas que são, re­conheça-se, bodes expia­tórios ideais para mascarar a realidade.

Essa lei “define os deve­res e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua activida­de quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a hones­tidade administrativa”. A lei diz tudo. A prática tam­bém. Por outras palavras, a lei só se aplica às zunguei­ras e similares e não, como era pressuposto, aos donos do poder.

Ao contrário do que dizem e mandam dizer os gene­rais do Presidente, tam­bém nós gostaríamos de acreditar que a lei, que as leis, são iguais para todos. Mas não são. Aliás, José Eduardo dos Santos, um político inteligente, sabe que perante as leis existem pelo menos dois tipos de cidadãos. Os de primeira, os que estão acima das leis, e os de segunda que as têm de cumprir. Aliás, muitos destes até são obrigados a cumprir as “leis” do livre arbítrio dos poderosos.

É claro que a maioria dos angolanos não acredita no cumprimento das leis. Têm, contudo, de estar caladinhos e nem pecar em pensamentos. José Eduardo dos Santos sabe disso mas, tanto quanto parece, basta-lhe acredi­tar que a Lei da Probidade Administrativa fará que Angola suba para aí meio lugar nos últimos lugares do “ranking” que analisa a corrupção.

Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos aqueles que sabem, até mesmo os que dentro do partido batem palmas reverenciais sempre que o chefe fala, que a depen­dência sócio-económica a favores, privilégios e bens, o cabritismo, é o método utilizado pelo núcleo-duro e ultra ortodoxo do MPLA para amordaçar os angola­nos?

Acreditarão na Lei da Pro­bidade Administrativa os que sabem que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangei­ros; que mais de 90% da ri­queza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em me­nos de 0,5% da população?

Acreditarão na Lei da Pro­bidade Administrativa to­dos os que sabem que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital ac­cionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está li­mitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Prevalecendo o tal nosso optimismo, dir-se-á que, se calhar, para haver probida­de seria preciso que o po­der judicial fosse indepen­dente e que o Presidente da República não fosse o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no pri­meiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assem­bleia Nacional, mas sim eleito nominalmente.

Se calhar para haver pro­bidade seria preciso que não fosse o Presidente a nomear o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribu­nal, todos os juízes do Tri­bunal de Contas, o Procu­rador-Geral da República, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos.

Se calhar para haver probi­dade seria preciso que An­gola fosse de facto – não apenas no articulado legal - um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.

O poder económico da China em África – um novo colonialismo consentido e desejado?



Alves da Rocha – Expansão (ao), opinião*

No artigo anterior sobre esta temática, identifiquei as dinâmicas de crescimento das relações comerciais entre a China e África - muito pouco diferentes da natureza de exploração dos tempos coloniais - e procurei identificar as razões de fundo do interesse chinês pelo continente.

Que perspectivas se apresentam para a China para o futuro em termos da sua capacidade de crescimento a dois dígitos? No passado, o crescimento do PIB foi verdadeiramente impressionante (durante mais de 20 anos a uma taxa média de cerca de 12%, o que lhe permitiu uma duplicação a cada seis anos), de tal forma que houve necessidade de romper as suas fronteiras para se garantirem fontes de abastecimento de matérias-primas e produtos de base indispensáveis à sustentabilidade dessa dinâmica.

E para o futuro? As mais recentes previsões do Fundo Monetário Internacional (World Economic Outlook, October 2013, actualizadas em Janeiro passado) mostram uma tendência para a diminuição da taxa de crescimento do PIB, o que pode ser prejudicial a algumas economias africanas que exportam minérios, matérias-primas agrícolas e petróleo.
Nota-se claramente uma diminuição de intensidade nas taxas anuais até 2018. Aliás, o quadro futuro em termos de exportações de petróleo para a China e os Estados Unidos não se apresenta optimista para os países africanos exportadores do crude.

Na verdade, quer a ainda primeira potência económica mundial, quer o gigante asiático podem, numa década, apresentar-se como auto-suficientes nesta matéria-prima energética, com a entrada em exploração das enormes reservas de gás e petróleo de xisto (as da China estão presentemente estimadas no dobro das dos Estados Unidos), ainda que se coloquem problemas graves de poluição ambiental.

Mas é um aviso no sentido de que as trocas comerciais se devem basear em produtos de valor agregado elevado. Os negócios da China em África projectam-se na compra de poços de petróleo, minas de cobre e ferro, bauxite e ouro, fazendas agrícolas, etc., como parte integrante da sua estratégia para garantir as necessidades do seu crescimento económico e do aumento do bem-estar dos seus cidadãos. E como fica África? Há deveras vantagens neste tipo de modelo? As semelhanças com o modelo colonial europeu são evidentes.

O que pode haver de diferente é o montante dos investimentos e das linhas de crédito. Também novos e diferentes são os sectores-objecto destes investimentos e financiamentos. Recorde-se que, em mais de 60 anos de cooperação euro-africana, a área das infra- -estruturas foi sempre a esquecida, ao contrário da China, cuja primeira grande obra em África foi a construção da grande linha de caminho-de-ferro Tanzan, que liga a Zâmbia à Tanzânia, nos idos anos 60 do século passado, com um investimento avaliado em 455 milhões USD e uma extensão de 1.860 km.

Esta via ferroviária está actualmente a ser reparada, também por empresas chinesas. Os investimentos e os empréstimos chineses em África ascendem actualmente a 113,5 mil milhões USD, continuando envolta em alguma bruma a realidade das linhas de crédito1. Qual é a percepção que os africanos têm da cooperação com a China? O artigo no Le Monde de François Bougon e Sébastien Hervieu - já citado -, parece querer demonstrar que uma era de boas relações entre a China e África pode estar a ser beliscada por sucessivos atritos entre as comunidades chinesas espalhadas pelos diferentes países e os africanos.

Fala-se de uma comunidade chinesa de mais de 2,5 milhões de cidadãos (só em Angola, parece que, entre legais e ilegais, se encontram mais de 300 mil), competindo no mercado de trabalho em condições desvalorizadoras da força de trabalho africana. São citados casos de tensões violentas e a aceitação dos chineses em alguns países africanos passou da tolerância expectante para uma quase rejeição.

As vagas de emigrantes chineses e de empresas chinesas suscitam efectivamente fricções com as populações locais: no Zimbabué, em Moçambique, no Botsuana, no Níger, no Quénia, em Angola, na Etiópia, na Namíbia e em outros países africanos são relatados, pelos jornais locais, episódios de confrontações, desconfianças e mal-estar entre as comunidades nacionais e chinesas.

Estas tensões têm sido alimentadas pela importação maciça de mão-de-obra chinesa para as obras de construção e de produtos acabados chineses. Mas há outros reversos da matriz de relações económicas e financeiras China-África. É o problema da corrupção, disfarçada de fuga de capitais para o Ocidente e os paraísos fiscais conhecidos (ver Le Monde, 24 de Janeiro de 2014, artigo Le Pétrole, moteur de la corruption chinoise).

Na China não há nenhuma personalidade de primeiro plano do PCC que não tenha tirado partido das suas funções para permitir que o cônjuge ou os filhos fizessem fortuna de forma desonesta. Isto apesar da aparente probidade desses responsáveis e dos seus apelos diários à honestidade e rectidão. É do conhecimento geral que o Global Financial Integrity revelou que, durante 2011, os novos-ricos chineses fizeram sair do país a fantástica soma de 600 mil milhões USD, através dos canais de branqueamento de capitais.

Os investigadores do branqueamento de capitais, que têm estudado este fenómeno no mais populoso país do planeta, estimam que entre 2000 e 2011 a fuga de capitais tenha atingido 3,79 biliões USD (triliões na linguagem numérica anglo-saxónica), quase 400 mil milhões USD por ano. Para alguns países africanos, talvez isto deva constituir um bom exemplo de criação de uma classe média nacional forte e abastada.

1 - BOUGON, François, HERVIEU, Sébastien, Le Monde, Géo & Politique, 24-25 de Março de 2013. 2 - Chine-Afrique: La Fin de la Lune de Miel. 3 - François Bougon et Sébastien Hervieu - Le Monde, Géo & Politique, 24/25 Mars 2013: lincident plus grave a eu lieu em Zambie au mois daoût 2012, quando un chinois, gérant d´une mine de charbon a étè tué par des ouvriers en grève qui réclamaint une hausse de salaire. 4 - Courrier Internacional, Dezembro de 2012.


CPLP: Ainda há dúvidas sobre fim da pena de morte na Guiné Equatorial




O fim da pena de morte na Guiné Equatorial causa descrédito em Portugal. A oposição lusa critica a decisão de Lisboa em apoiar a adesão da Guiné Equatorial à CPLP por interesses económicos envolvendo bancos portugueses.

Ana Lúcia Sá, investigadora portuguesa ligada ao Centro de Estudos Africanos do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), não acredita que a Guiné Equatorial irá deixar de violar os direitos humanos, depois do Governo de Malabo ter tornado público que assinou a 13 de fevereiro último o decreto número 426/2014, pelo qual se concede a amnistia temporária contra a pena de morte.

Ana Lúcia Sá vinca as diferenças: "A pena de morte poderá estar suspensa, não é o mesmo que estar abolida. Mas isso não impede que a impunidade continue a existir na Guiné Equatorial e que mortes estranhas continuem a acontecer como nos últimos anos."

Há cerca de duas semanas, a investigadora denunciou num diário português nove recentes casos de pessoas executadas sumariamente naquele país, sem direito a uma apelação.

Malabo ainda tem de fazer o trabalho de casa

Ana Lúcia Sá questiona agora a declaração proferida esta quarta-feira (05.03) por Alfonso Nsue Mokuy, terceiro vice-primeiro-ministro encarregado dos direitos humanos na Guiné Equatorial, ao confirmar perante o Conselho das Nações Unidas em Genebra, na Suíça, a assinatura pelo Governo do Presidente Teododo Obiang Nguema de um decreto contra a pena de morte.

Para a investigadora, esta decisão está longe da exigência de uma moratória, antes defendida por Portugal, como uma das condições para o país de língua hispânica, com estatuto de observador, vir a ser admitido como membro de pleno direito da Comunidade de Língua Portuguesa, CPLP.

Ana Lúcia Sá lembra que o avanço de Malabo ainda não corresponde ao desejado. "Supõe-se que a pena de morte devia ser abolida definitivamente na Guiné Equatorial para uma entrada na CPLP, mas de facto esta resolução 426 do Presidente Teodoro Obiang não vai ao encontro das exigências da CPLP. Não creio que as situações, tanto a nível dos direitos humanos, como do Português melhorem", declarou.
Lisboa vê com bons olhos avanço de Malabo 

Também em Genebra, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, afirmou que "a abolição da pena de morte é um passo muitíssimo importante", admitindo que a entrada da Guiné Equatorial na CPLP pode aproximar o país de parâmetros de um Estado de direito.

A decisão final sobre a admissão será tomada em Díli, Timor-Leste, na cimeira dos chefes de Estados e de Governo da CPLP, prevista para julho deste ano.

Semana depois do Conselho de Ministros da Comunidade, realizada no mês passado em Maputo, Moçambique, a deputada do Bloco de Esquerda (BE) Helena Pinto pediu no Parlamento o veto de Portugal à adesão da Guiné Equatorial ao bloco lusófono: "Espero bem que seja possível discuti este tema e ser possível reverter esta situação, porque Portugal tem direito de veto e não deve abdicar de o exercer."

Numa carta aberta, recentemente endereçada ao primeiro-ministro português, o ativista político guineo-equatoriano Samuel Mombe criticou com indignação a hipocrisia do Governo de Lisboa ao ter dado aval à pretensão do Executivo de Obiang Nguema em fazer parte da CPLP.

Por outro lado, tal como a oposição socialista, o Bloco de Esquerda alinha igualmente à pressão contra a eventual entrada de empresas estatais da Guiné-Equatorial no capital do Banco Internacional do Funchal (BANIF), mas também no Milleniumm BCP, banco português controlado pela petrolifera estatal angolana, Sonangol.

Negócios acima do bem e do mal?

Ana Lúcia Sá questiona, de igual modo, a abertura da CPLP a estes investimentos e a países extra-comunitários. "Porque não a China também? Macau é uma província da China", observa. "Agora se isso reverter para que os cidadãos da CPLP compreendam também o que é a CPLP, pelo menos que haja um debate público e que os nossos governantes não façam da CPLP o seu nicho de bons negócios", sublinha ainda.

A investigadora, que esteve em 2010 na Guiné Equatorial no âmbito de uma ação de cooperação organizada pelos centros culturais espanhóis de Bata e Malabo sobre literaturas africanas, disse à DW África que não se apercebeu alí do real interesse para a implementação do ensino do português.

"Creio que estas duas questões [a violação dos direitos humanos e o ausência do ensino do português] são fundamentais, também para as pessoas que na Guiné Equatorial se opõem à entrada na CPLP, porque acham que é apenas mais um capricho do Presidente Teodoro Obiang que não vai reverter em nada na melhoria das condições de vida da população».

O relatório de 2013 do Departamento de Estado norte-americano sobre direitos humanos, divulgado em finais de fevereiro último, foi claro ao referir que a Guiné-Equatorial vive sem liberdade e sob ameaça de mortes arbitrárias, tortura e uso de força praticados pelas autoridades.

Deutsche Welle - Autoria João Carlos (Lisboa)

CPLP deve confiar que pena de morte foi suspensa - secretário-executivo




Lisboa, 08 mar (Lusa) -- O secretário-executivo da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP) desvalorizou hoje as críticas à proposta de adesão da Guiné Equatorial, destacando que a organização lusófona deve confiar na garantia do país sobre a suspensão da pena de morte.

Em declarações à Lusa, o responsável da CPLP considerou que a possível entrada do país liderado por Teodoro Obiang, que deverá ser aprovada em julho pelos chefes de Estado dos oito países, não irá prejudicar o prestígio internacional o bloco lusófono.

O secretário-executivo salientou que a Guiné Equatorial é membro das Nações Unidas, da União Africana e de outras instituições internacionais como a UNESCO ou a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), instituições "regidas pelos princípios e valores que regem a CPLP".

A recomendação da adesão da Guiné Equatorial, aprovada em fevereiro pelos ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados-membros da CPLP, suscitou críticas de organizações dos direitos humanos e alguns analistas alertaram mesmo que a adesão poderia prejudicar o prestígio internacional da comunidade e dos seus membros.

Murargy recordou que a existência da pena de morte naquele país era "o grande obstáculo" à sua entrada na CPLP, que pediu uma moratória.

A Guiné Equatorial decidiu a suspensão da pena de morte três dias antes da realização da reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros que discutiu o pedido de adesão, a 20 de fevereiro.

"Não vejo nada de anormal nesse processo. É o culminar de um processo que começou em 2010, durou quatro anos", disse o responsável da CPLP, aludindo à data do pedido de entrada da Guiné Equatorial, que era observador da comunidade desde 2006.
Os Estados-membros da CPLP têm de "confiar" na palavra do Governo equato-guineense, defendeu.

"Temos de confiar, são um país responsável. Não vamos exigir provas como se fosse um país qualquer. Eles são soberanos. Se disseram [que suspenderam a pena de morte], temos de acreditar", sustentou Murade Murargy.

Questionado sobre as críticas, desvalorizou: "As críticas hão de vir sempre. Também havia críticas de outros países africanos, que se interrogavam por que é que a Guiné Equatorial não entrou até hoje. Nenhuma situação é pacífica", considerou, acrescentando que "muitas críticas são feitas por desconhecimento", porque as pessoas "não se deslocam ao território para ver o que se passa lá e criticam com base em informações deturpadas".

Sobre o facto de a língua principal daquele país ser o castelhano, e não o português, o secretário-executivo lembrou que os portugueses colonizaram a Guiné Equatorial durante 300 anos, enquanto os espanhóis o fizeram por 200 anos.

"Eles têm muita aproximação connosco, têm muita cooperação com os países africanos de língua portuguesa e já têm o português como língua oficial na Constituição. O Camões [Instituto da Língua e da Cooperação] está a ajudar a introduzir o português nas escolas", mencionou.

Murade Murargy salientou ainda que a Guiné Equatorial tem "um grande interesse" em entrar para a CPLP.

Um dos maiores produtores de petróleo de África, a Guiné Equatorial é liderada por Teodoro Obiang desde 1979 e considerada um dos regimes mais fechados do mundo por organizações de direitos humanos.

JH // PJA - Lusa

Portugal: É CARNAVAL, O DESPEDIMENTO É ILEGAL E NINGUÉM LEVA A MAL



PEDRO SOUSA CARVALHO – Público, opinião

O Governo quer baixar as indemnizações por despedimento ilegal. Até os patrões coram de vergonha.

É caso para dizer que o Governo quer mascarar o despedimento ilegal de despedimento por justa causa. Ao que consta, na próxima avaliação da troika, o Governo de Passos Coelho vai propor em sede de Concertação Social uma diminuição do valor das indemnizações pagas pelos patrões nos casos dos despedimentos que os tribunais consideram ilegais.

Hoje em dia, quando um trabalhador é despedido de uma forma ilícita, se o tribunal lhe der razão, e se esse trabalhador não quiser ser reintegrado na empresa, tem então direito a receber uma indemnização que pode variar entre 15 a 45 dias de salário por cada ano de trabalho, com o valor mínimo equivalente a três salários. No caso das microempresas, o valor pode variar entre 30 a 60 dias, com um mínimo de seis meses.

O Governo e o FMI argumentam que com a redução das compensações dos despedimentos com justa causa até um mínimo de 12 dias (seja por despedimento colectivo, extinção de postos de trabalho ou outras causas objectivas) abriu-se um gap face àquilo que se paga no caso dos despedimentos ilegais.

E é para desincentivar que os trabalhadores que se sintam lesados recorram à Justiça que o Governo quer embaratecer os despedimentos, mesmo que esses sejam feitos à margem da lei. E é preciso ter em atenção que as empresas consideradas culpadas também são obrigadas a pagar os chamados "salários intercalares", ou seja, o valor da remuneração que é devida ao trabalhador desde o momento em que é despedido até ao momento em que o tribunal toma uma decisão final.

Qual é lógica do Governo? É a lógica do vale tudo. Em nome de flexibilização do mercado laboral, o Governo suaviza o castigo a aplicar às empresas prevaricadoras, de forma a que os trabalhadores que se sintam injustiçados não tenham nenhum incentivo para recorrer aos tribunais. É como se agora a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, para não entupir os tribunais, decidisse aliviar as penas previstas no Código Penal, de forma a dissuadir os queixosos de apresentar queixas. Se me assaltam a casa, e se sei à partida que o larápio só se arrisca a levar meia dúzia de dias de cadeia, então não tenho grande incentivo para apresentar uma queixa.

Em relação ao Código do Trabalho, Passos Coelho nunca escondeu ao que vinha. Ainda antes de ser Governo, o PSD tinha um projecto de revisão da Constituição que previa alterar o Artigo 53.º e trocar o conceito de "despedimento sem justa causa" pelo "despedimento sem razão atendível". Com a recusa do PS em mexer na Constituição, o projecto de Paulo Teixeira Pinto não saiu da gaveta, mas o Governo não desistiu. E insistiu. E conseguiu. Mas como não conseguiu mudar a Constituição pela porta da frente, tenta agora pela porta dos fundos. Embaratecer e facilitar o despedimento ilegal é a mesma coisa que esvaziar o conceito de justa causa na lei fundamental.

Mas se este projecto do Governo avançar ainda terá de passar pelo crivo do Tribunal Constitucional. E o passado recente mostra que os juízes do Palácio Ratton são bastante zelosos em relação a essas duas palavras (justa e causa), que ainda dão bastante dignidade à Constituição. Recentemente o TC utilizou o argumento da proibição do despedimento sem justa causa para travar a liberalização do conceito do despedimento por extinção de posto de trabalho e do despedimento por inadaptação.

Os patrões, supostamente os que mais vão beneficiar com esta descida das indemnizações por despedimento ilegal, disseram que esta medida está longe de ser prioritária e que é um erro o Governo entrar por esse caminho. Até os patrões coram de vergonha perante tamanha generosidade por parte do Governo.

É preciso ver que as alterações ao Código do Trabalho em vigor desde Agosto de 2012 já embarateceram, e de que maneira, os custos de trabalho para as empresas portuguesas: suspensão de normas da contratação colectiva, cortes das férias e nos feriados, horas extraordinárias mais baratas, bancos de horas, descida das indemnizações, lay-off simplificado e um sem-número de alterações à lei que quase transformaram o Código do Trabalho num código de barras de supermercado.

É verdade que as empresas precisam de baixar os custos para ser competitivas. Mas há-de haver algures um limite. Até porque, em média, os custos laborais representam apenas 30% dos custos operacionais das empresas. E o custo da energia? E o custo de acesso aos portos? Mas aí olobby é capaz de ser demasiado poderoso.

E todas estas medidas, com o objectivo de reduzir os custos laborais, partem do princípio de que o mercado de bens e serviços está a enfrentar apenas um problema do lado da oferta. Mas a realidade é que as empresas também estão a lidar com um choque do lado da procura, sobretudo interna.

E o mais preocupante nesta quase obsessão do Governo e da troika em flexibilizar o mercado laboral é que estão a fazê-lo com um exagero que ultrapassa a lógica dos custos empresariais e já entra no campo do delírio, ou, pior, da ideologia.

Portugal: A SAGA DOS BAIXOS SALÁRIOS




Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Está mais que comprovado o fracasso e a injustiça da receita da austeridade e do empobrecimento. Mas este capitalismo neoliberal europeu e português que nos desgoverna não tem, nem deseja ter, qualquer outra alternativa. Insiste, propositadamente, na construção de diagnósticos viciados, para atingir os objetivos pré-definidos por que se move: quebrar anseios de progresso e desenvolvimento dos povos, fazer regredir a sociedade para aumentar a riqueza desmedida, alimentar a ganância, a vida ostensiva e o poder dos muito ricos e seus acólitos.

Há milhares e milhares de portugueses que trabalham pelo custo de ir para o trabalho ou pouco mais. E milhares de jovens, incluindo licenciados, que pagam para trabalhar, na esperança de fazer currículo, ou de um qualquer contrato no futuro. O país despovoa-se e envelhece porque são destruídas atividades económicas e estruturas de serviços, porque o desemprego e os reduzidos salários obrigam à emigração.

Entretanto, a saga dos baixos salários continua. A diretora do FMI, Christine Lagarde, disse esta semana que não se deve "cortar sempre nos salários", mas não tem outra recomendação que não seja "reduzir o custo global da mão de obra". O que significa isto? Facilitar os despedimentos, eliminar a contratação coletiva e dimensões de dignidade no trabalho, cortar nos direitos dos trabalhadores no ativo para que não sejam "mau exemplo" para os jovens totalmente desprotegidos.

Aí está o capitalismo caminhando para a ressurreição da escravatura. Agora uma escravatura escondida sob a aparência de um contrato livremente celebrado entre duas partes. Se uma delas - o trabalhador - não conseguir obter no mercado um salário que garanta a sua sobrevivência e da família, pode sempre socorrer-se das "cantinas sociais" e das obras de caridade que o capital alimenta com umas migalhas do grande banquete em que se encontra.

Até a palavra desenvolvimento está a desaparecer dos discursos oficiais. Lagarde, a troika, os nossos governantes, os dirigentes do PSD e do CDS só falam de crescimento. Crescimento para quem, se há destruição e abaixamento da qualidade do emprego, redução de salários, diminuição da proteção social e de direitos fundamentais?

Passos e Portas dizem não apostar em modelos de baixos salários mas, desde que chegaram ao Governo, lançaram uma catadupa de medidas que diminuem os salários e os rendimentos do trabalho, que agravam o desemprego. Não há melhoria de salários com relações laborais determinadas pelo poder unilateral do patrão, com elevadas taxas de desemprego, a juventude sem direito a trabalho digno, ou sem atualização obrigatória dos salários mínimos.

O calçado português - que arrancou para a sua modernização, designadamente porque há mais de 20 anos se fez uma grande campanha contra o trabalho infantil - é agora o mais caro no mercado a seguir ao italiano. Com que salários? Qual o futuro do setor, no seu conjunto, se não existe uma atualização salarial justa e regular?

Propagandeiam-se medidas de apoio à natalidade, mas não passarão de exercício de encanar a perna à rã se não houver uma significativa melhoria na retribuição do trabalho, combate ao desemprego e à precariedade laboral!

No Caderno do Observatório "Quanto é que os salários teriam de descer para tornar a economia portuguesa competitiva?" 1, de João Ramos de Almeida e José Castro Caldas, é denunciada a mentira constantemente repetida de que os salários cresceram mais que a produtividade - "entre 1996 e 2007, em termos reais, os salários cresceram 11% e a produtividade 15%" - é demonstrado que "o endividamento externo não resultou de um crescimento desmesurado dos salários, mas de 1) uma valorização cambial artificial...; 2) da expansão do setor de bens não transacionáveis...; 3) do acesso a um financiamento abundante e a baixos custos, proveniente de economias superavitárias". Pode acrescentar-se ainda: da abertura do espaço económico europeu a importações baratas vindas de Leste e do Leste distante.

Não se massacre mais quem trabalha!

1 Os Cadernos do Observatório são publicados pelo Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais da Univ. Coimbra. O 1.º número está disponível em www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/.

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