Martinho Júnior, Luanda
SUBSÍDIOS EM SAUDAÇÃO AO 11 DE
NOVEMBRO DE 2019
Uma das maiores deficiências de
que sofrem os africanos duma forma geral e os angolanos em particular, é a
ausência de reflexão própria sobre os fenómenos antropológicos e históricos
afectos ao seu espaço físico, geográfico e ambiental.
Essa falta de vontade e de
perspectiva abre espaço ao conhecimento que chega de fora, em prejuízo do
conhecimento que tem oportunidade de florescer dentro, ou seja: subvaloriza o
campo experimental próprio, quantas vezes para sobrevalorizar as teorias
injectadas do exterior!
Isso permite que outros não abram
o jogo sobre essas interpretações dialéticas em função de seus interesses,
manipulações e ingerências, aplicando a África, por tabela a Angola, as
interpretações estruturalistas de feição, de conveniência e de assimilação!
In – Aprender reinterpretando – https://paginaglobal.blogspot.com/2019/06/angola-aprender-reinterpretando.html
Esta série pretende reabrir dossiers
que do passado iluminam o longo caminho da libertação dos povos da América
Latina e Caribe, de África e por tabela de Angola, sabendo que é apenas um
pequeno contributo para o muito que nesse sentido há que digna e corajosamente
fazer!
Abrir os links permite
complementar com fundamentos, muitas das (re)interpretações do autor.
Nota: Esta série tendo como
horizonte o 11 de Novembro de 2011, propiciará continuidade para outra que a
ela se vai seguir, este é a última intervenção dum total de 11 que realizei
desde Outubro de 2019 (4 em Outubro, 4 em Novembro e 3 em Dezembro).
41- A independência de Angola (https://www.voaportugues.com/a/angola-44-anos-de-independ%C3%A8ncia/5160764.html; http://expansao.co.ao/artigo/106019/as-exportacoes-os-investimentos-e-a-divida-chinesas-sao-uma-ameaca-ou-uma-oportunidade-para-africa-?seccao=7; http://expansao.co.ao/artigo/122202/divida-p-blica-de-novo-nos-60-do-pib-so-com-crescimento-economico-a-10-?seccao=5)
foi (é) um parto difícil e mesmo ensanguentado, o nascimento de Angola
arrancada ao colonialismo, século e meio depois do parto também tão difícil e
ensanguentado da independência do Haiti no outro lado do Atlântico, arrancado à
escravatura. (https://www.esquerdadiario.com.br/Ha-214-anos-da-Revolucao-Haitiana; https://blogdaboitempo.com.br/2012/02/01/a-maravilhosa-revolucao-haitiana/; http://www.vermelho.org.br/noticia/123106-1).
Todos os partos mais decisivos em
África como na América Latina e na Ásia foram (são) difíceis e ensanguentados,
mas tudo correspondendo às mais legítimas aspirações de liberdade,
autodeterminação, independência, solidariedade e fraternidade entre as nações,
os estados e sobretudo os povos, com todo o heroísmo e a emoção que isso tem
implicado em volta de cada novo ser emergente dos mais fechados ventres da
opressão e da ignomínia de séculos! (https://journals.openedition.org/mulemba/1775).
A ignomínia tem sido tanta que,
aliada a uma hipocrisia que de há séculos também se arrasta pela boca e pelas
mãos dos poderosos, essa liberdade tão humana quanto legítima, está fora dos
paradigmas dos direitos humanos contemporâneos conforme aos padrões desta
globalização neoliberal, que acerca dela tanta confusão e lavagem cerebral tem
deliberadamente produzido, em suas ondas indeléveis de impacto de pendor
conservador e neocolonial! (https://journals.openedition.org/mulemba/1211).
Vejam por exemplo como a “luta
pela liberdade” em Hong Kong está a ser reforçada com os resídus nazis que
dão corpo ao batalhão Azov (https://www.oladooculto.com/noticias.php?id=462),
da praça Maidan, das “revoluções coloridas” e dos fundamentalismos
religiosos de última geração na Europa, Médio Oriente Alargado, América Latina
e em África! (https://www.vice.com/pt_br/article/zmjjey/o-que-fascistas-ucranianos-estao-fazendo-nos-protestos-de-hong-kong).
Quantos dos imediatos
antecedentes desses mercenários, “combatentes” do batalhão Azov
(utilizado na praça Maidan, em Kiev, na Ucrânia), terão passado pelo Congo e
por Angola, no Congo no estertor do regime de Mobutu, a “legião branca” às
ordens do mercenário Christian Tavernier, em Kisangani (https://pt.qwertyu.wiki/wiki/White_Legion_(Zaire); https://www.irishtimes.com/news/collapse-of-mobutu-regime-likely-as-kisangani-falls-1.52938; https://reliefweb.int/report/democratic-republic-congo/threat-mobutu-rises-after-kisanganis-fall; https://en.wikipedia.org/wiki/White_Legion_(Zaire)),
em Angola ao serviço de Savimbi no apogeu da “guerra dos diamantes de
sangue”? (https://www.globalpolicy.org/global-taxes/41606-final-report-of-the-un-panel-of-experts.html).
Quem se esquece hoje das armas
que foram fornecidas a Savimbi, por via desses grupos da Ucrânia, da Bósnia e
da Bulgária, grupos repescados do passado da IIª Guerra Mundial, por via tantas
vezes dos serviços do “expert” russo Viktor Bout (https://www.theguardian.com/world/viktor-bout; http://www.angonoticias.com/Artigos/item/27381/principal-provedor-de-armas-para-a-guerra-em-angola-permanecera-dedito-por-autoridades-tailandesas; http://www.angonoticias.com/Artigos/item/17670/viktor-bout-o-comerciante-da-morte; https://www.newyorker.com/magazine/2012/03/05/disarming-viktor-bout; https://publicintegrity.org/national-security/making-a-killing/the-merchant-of-death/),
de forma a levar a cabo a “Iª Guerra Mundial Africana”?... (https://en.wikipedia.org/wiki/First_Congo_War; https://en.wikipedia.org/wiki/Second_Congo_War; https://frenteantiimperialista.org/blog/2019/01/07/africa-dilecto-alvo-neocolonial/; https://paginaglobal.blogspot.com/2015/10/o-laboratorio-africom-vii.html; https://paginaglobal.blogspot.com/2014/04/ruanda-cronologia-historica-de-janeiro.html).
A liberdade arrancada através de
complexas lutas libertárias de povos inteiros, sobretudo dos “povos
ultraperiféricos”, africanos e afrodescendentes entre seus iguais, confunde-a
propositadamente o império da hegemonia unipolar e a sua maior realização a cavalo
nas novas tecnologias, a globalização neoliberal, num histórico de intestina
subversão para com o movimento de libertação em África, que procurou
inviabilizar até a essência dessa luta, particularmente aquela que teve de ser
feita por via armada e procura “tomar por dentro” as vocações
libertárias e patrióticas de hoje!...
… No caso de Angola, o movimento
de libertação em África teve um médico-parteiro, vanguardista, que tinha
consciência crítica de tudo isso e tornou-se apto a fazer um diagnóstico
cáustico mas transparente sobre a situação: “a África é um corpo inerte
onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço”!... (https://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/jogos-africanos-do-neocolonialismo.html; http://pt.cubadebate.cu/reflexoes-fidel/2011/03/29/guerra-fascista-da-nato/).
Quanto ele tinha razão, muito
para lá do seu tempo de vida!... Lembram-se?... (http://faan.og.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=881:apesar-dos-progressos-o-choro-de-africa-ainda-e-pelo-desenvolvimento-desigual-e-lento-&catid=37:noticias&Itemid=206).
… E enquanto houver globalização
neoliberal, assim continuará a ser!... (https://www.esquerda.net/dossier/amilcar-cabral-libertacao-nacional-e-cultura/63817).
… Num movimento de libertação
onde a vida foi sempre uma questão essencial, por razões até da sobrevivência no
fragor duma tão complexa quão prolongada luta, os médicos do MPLA, desde o
CVAAR, propagaram a resistência consubstanciada na lógica com sentido de vida,
passando-a nesse sentido aos trabalhadores-refugiados próximos da UNTA, aos
camponeses que formaram o maior manancial humano para a luta, aos intelectuais,
sobretudo os que não hesitaram em partir para o interior, integrando as colunas
guerrilheiras dispostas a todos os sacrifícios…
Depois, empurrando o colonialismo
contra a parede, António Agostinho Neto e seus pares libertários ao nível da
CPLP e das linhas da frente informais, tiveram a noção de que com a adopção dos
manuais da guerra subversiva e métodos de acção psicológica (entre 1966 e
1974), de facto verificaram-se cedências que antecipavam o fim do império
colonial português, a previsão do colapso do “apartheid” e o fim da
internacional fascista enquanto versão institucional, na África Austral!... (http://www.agostinhoneto.org/index.php?view=article&catid=37%3Anoticias&id=179%3Avisao-historica-no-discurso-de-agostinho-neto&format=pdf&option=com_content&Itemid=84&lang=pt.; http://www.angonoticias.com/Artigos/item/2270/%E2%80%9Co-povo-um-dia-vai-saber-a-verdade%E2%80%9D-disse-beto-van-dunem; http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/a_logica_cultural__de_agostinho_neto).
Vou recorrer à sensibilidade
feminina da camarada Maria Mambo Café, entrevistada pelo jornalista José
Rodrigues, da Rádio Luanda Antena Comercial e conforme ao seu pequeno
compêndio “Entrevistas com a história” para melhor definir quem era
esse médico vital, parteiro de pátrias, face a face a um tal desafio histórico
e antropológico! (https://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/lazer-e-cultura/2019/6/27/Lancada-obra-Entrevistas-com-Historia-Jose-Rodrigues,2ffe0de2-ee50-449f-8cf2-b0d7a7a252c4.html; http://jornaldeangola.sapo.ao/entrevista/todas-as-entrevistas-tem-um-significado-especial-para-mim).
Responde assim a camarada Maria
Mambo Café, em parcas mas substantivas palavras, sobre António Agostinho
Neto: “foi o pai, o líder, foi o condutor de massas e o catalisador”…
… e não pensem que a
sensibilidade feminina tal qual foi a protagonizada em vida pela camarada Maria
Mambo Café, deixou de dar um exemplo nessa mesma entrevista, do quanto foi difícil
ser mãe na guerrilha, quando estoiravam as bombas de napalm, quando
desapareciam as lavras dos guerrilheiros por acção da rega aérea de produtos
químicos, ou quando os helicópteros zuniam desembarcando forças especiais de
caça, ou disparavam seus canhões sobre as pequenas bases guerrilheiras de
então… (https://www.esquerda.net/dossier/velha-questao-da-politica-e-da-guerra-proposito-das-magoas-do-fim-do-imperio/63599; https://www.esquerda.net/topics/dossier-301-feridas-abertas-da-guerra-colonial).
Ela descreveu nessas condições,
que tão orgânica quão fisicamente em tudo se assemelha ao próprio parto de
Angola:
“Em 24 horas as mandiocas ficavam
todas podres, a mulher que estivesse grávida dos primeiros meses, abortava.
Nós tínhamos uma grávida que era
esposa do nosso caçador, a Cambola, ela já estava no nono mês de gestação.
Naquelas correrias, ir e vir, dia
9 de Fevereiro estava eu na trincheira, numa emboscada, eu, o falecido
Dangereux e mais uma série de guerrilheiros da defesa, mas tivemos de recuar.
Fomos bombardeados, fizeram
aquilo tudo, eu ainda me perdi, há um aluno que conseguiu acompanhar-me, é o
Coragem, este jovem que agora já está mais velho e que já tem netas grandes que
stão aí, têm filhos.
Portanto este rapaz salvou-me,
fiquei perdida, estava a perder as forças, a desfalecer, fiquei sentada num
sítio e disse paciência, se eu fr capturada que seja, mas eles irão matar-me.
E esta senhora, no dia 9 entrou
em trabalhos de parto, eu estava na trincheira, na emboscada, avisaram ao
Dangereux – vieram avisar-nos.
Lá as mulheres à volta dela, ela
estava com um parto muito difícil, porquê?
Porque era pélvico já, o bebé pôs
o corpo todo cá fora e ficou preso pelo pescoço.
O falecido Dangereux disse – vai
corre que há aí um problema.
A Calimba está a ter o bebé.
E eu perguntei – o que é que eu
vou fazer?
Ele apenas me disse – vai,
vai!...
E eu corri, vi aquele quadro, as outras
mulheres estavam todas de volta, só cantavam baixinho para ela, a ver se ela
tinha forças para expulsar o feto, mas não podia.
Ela já estava desfalecida, já não
tinha forças.
Sei que tive um instinto,
lembrei-me de um parto que vi a minha mãe a fazer, das primeiras gémeas que
nasceram na família, que têm agora 61 anos.
Eu ponho a mão dentro e puxo a
cabeça do bebé e digo – bom, este bebé já não está vivo, mas pelo menos vou ver
se salvo a mãe.
Não perdi a esperança, segurei o
bebé, pus-lhe a cabecinha para baixo, ele estava todo cinzento, não chorou,
dei-lhe umas palmadas.
Eu tinha o cantil, andava sempre
com o cantil, a mochila com medicamentos, mandei tirar o punhal que estava na
cintura e cortei o umbigo do bebé, segurei nela e lhe dei tantas bofetadas,
pus-lhe água na boca e insuflei.
Passados alguns segundos, ela
tossiu e chorou e eu disse – graças a deus o bebé está vivo.
Então mandei tirar o pano que
tinha na cabeça, ainda me lembro como se fosse hoje, era um pano, um turbante
feito com aqueles panos que pareciam galinha perdês.
Tirei aquilo e sacaram da minha
mochila a gaze, porque tinha um pronto-socorro sempre, amarraram o umbigo,
embrulhei-os naquele pano e os helicópteros a sobrevoarem aquela área, corri
com o bebé para debaixo de uns arbustos e já não voltei para a trincheira.
Eu disse – agora o que vou fazer
com esta criança?
Está viva, está salva, mas agora
o que faço dela?
Aqui nos arbustos então fiquei a
observar as outras mulheres aí a cuidar da mãe, lá soltou a placenta, fiquei
distante, sozinha debaixo dos arbustos com o bebé, sempre a observar, mas tinha
que ver para onde a mãe tinha corrido para entregar o bebé e consegui v^-la
através dos arbustos, saí disparada que nem uma flecha, fui até ela e entreguei
o bebé”.
11 de Novembro de 1975 (http://www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_content&id=997:discurso-do-presidente-agostinho-neto-na-proclamacao-da-independencia-de-angola),
Angola livre e independente nasceu!...
“Em nome do Povo angolano, o
Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), proclama
solenemente perante a África e o Mundo a Independência de Angola.
Nesta hora o Povo angolano e o
Comité Central do MPLA observam um minuto de silêncio e determinam que vivam
para sempre os heróis tombados pela Independência da Pátria.
Correspondendo aos anseios mais
sentidos do Povo, o MPLA declara o nosso País constituído em República Popular
de Angola.
Durante o período compreendido
entre o encontro do Alvor e esta Proclamação, só o MPLA não violou os acordos
assinados.
Aos lacaios internos do
imperialismo de há muito os deixámos de reconhecer como movimentos de
libertação.
Quanto a Portugal, o desrespeito
aos acordas de Alvor é manifesto, entre outros, no facto de sempre ter
silenciado a invasão de que o nosso País é vítima por parte de exércitos
regulares e de forças mercenárias. Esta invasão, já conhecida e divulgada em
todo o mundo, nem sequer mereceu comentários por parte das autoridades portuguesas
que, de facto, não exerceram a soberania a não ser nas áreas libertadas pelo
MPLA. Por outro lado, o nosso Movimento enfrenta no terreno várias forças
reaccionárias que integram uma espécie de brigada internacional fascista contra
o Povo angolano. E nessa aliança incluem-se torças reaccionárias portuguesas
que participam na invasão do Sul do País, que o governo português não só não
combateu como legitimou tacitamente pelo silêncio e passividade.
Não obstante as organizações
fantoches conluiadas com exércitos invasores terem de há muito sido denunciadas
pelo Povo angolano e por todas as forças progressistas do mundo, o governo
português teimou em considerá-las como movimento de libertação, tentando
empurrar o MPLA para soluções que significariam uma alta traição ao Povo
angolano.
Mais uma vez deixamos aqui
expresso que a nossa luta não foi nem nunca será contra o povo português. Pelo
contrário, a partir de agora, poderemos cimentar ligações fraternas entre dois
povos que têm de comum laços históricos, linguísticos e o mesmo objectivo: a
liberdade”…
A criança recém-nascida, está
apenas nos braços da camarada Maria Mambo Café, num refúgio de arbustos e
espinheiras, entre bombardeios, estrondos, um cheiro a pólvora… e ainda não foi
entregue à sua mãe!...
42- Parto difícil que juntou
outros parteiros que chegaram do outro lado do Atlântico, também eles nutridos
de sonhos aspirando a uma nova vida e mobilizados em torno dum ideal feito
operação transatlântica, o nome da escrava heroica e mártir da Operação
Carlota! (http://www.granma.cu/granmad/secciones/30_angola/artic01.html; https://www.youtube.com/watch?v=XWOac5WnXg0; https://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2010/10/45/Operacao-Carlota-constitui-facanha-povo-general-Samuel-Planas,aaf553e7-3cc6-4a68-9706-ddfda2248ba2.html; http://www.cubahora.cu/historia/operacion-carlota-una-epopeya-militar).
Na Camuxiba, em Luanda, onde se
encontrava a base clandestina do Grupo de Operações Especiais da Segurança do
Estado Maior (à ilharga do morro da Luz, algumas casas da família Tavira),
recebemos ainda com a bandeira portuguesa a ondear nos mastros de Angola alguns
dos companheiros cubanos que iriam dirigir as operações militares a norte
(batalha de Quifangondo) e a sul (batalha do Ebo).
Eles dispunham-se a ser também
instrumentos nesse parto difícil, defendendo Luanda, defendendo Cabinda e
juntando-se aos combatentes das FAPLA na hora decisiva do 11 de Novembro de
1975!
A 10 de Outubro de 2015, (https://paginaglobal.blogspot.com/2015/10/cuba-40-anos-com-operacao-carlota.html)
lembrava eu assim:
“Apoiando de forma exemplar a
guerrilha do MPLA a partir do Congo, entre 1965 e 1975, com o Batalhão Lumumba
que completava a 2ª coluna do Che em África, Cuba desencadeou em 1975, sob
iniciativa do comandante Fidel de Castro, a Operação Carlota, de modo a que o
Movimento de Libertação, o MPLA, pudesse alcançar os objectivos do seu Programa
Mínimo, a independência nacional.
Uma pequena nação insular,
situada a milhares de quilómetros de distância, socorreu a causa da Libertação
de Angola nos momentos decisivos, socorreu as Forças Armadas Populares de
Libertação de Angola com milhares de efectivos alistados nas suas Forças
Armadas Revolucionárias, que mal pisaram o solo angolano entraram em combate em
três frentes distintas, de onde saíram vitoriosos: Cabinda, Kifangondo e Ebo.
A Operação Carlota, a operação
com o nome duma escrava que em Cuba preferiu morrer a combater os algozes do
que viver sob sua canga, foi por si um feito glorioso, mas não terminou aí,
pois houve e há, no seu seguimento, imensos desafios a enfrentar:
Era necessário vencer
o apartheid e muitas das suas sequelas, tal como as sequelas
coloniais e isso foi conseguido, apesar dos enormes sacrifícios consentidos;
É necessário lutar agora contra o
subdesenvolvimento crónico que historicamente se arrasta em África desde os
alvores do colonialismo e do período terrível da escravatura e é isso que está
em curso, apesar dos imensos obstáculos advenientes dum processo de
globalização tão carregado de riscos, injusto e desequilibrado.
O rumo de Angola, foi alcançado a
partir dessa saga comum identitária de liberdade, de internacionalismo, de
solidariedade e de amor para com a causa dos povos oprimidos da Terra, mas para
se vencer esse subdesenvolvimento crónico que se levanta como um enorme desafio
herdado do passado de trevas, Carlota terá de ser sempre relembrada, para que
os resgates humanos sejam profícuos e estendidos em benefício de todo o povo
angolano e dos povos de África.”
A 24 de Março de 2016, na
comemoração da vitória no Sumbe, capital do Cuanza Sul, (https://paginaglobal.blogspot.com/2016/03/marcos-dum-caminho-longo-em-comum.html),
lembrava ainda:
… “O exemplo do
internacionalismo e da solidariedade cubana, foi por outro lado e além do mais
alentador para que da parte não só dos países socialistas, mas também de outros
países da Europa (incluindo Portugal) e de África, nas décadas de setenta e
oitenta, muitos outros viessem dar o seu contributo inestimável a Angola, nos
momentos mais decisivos do parto e da afirmação da independência”…
Essa memória dum parto que
mereceu a mais digna das solidariedades, é algo indelével que marca a minha
memória de combatente da geração da renúncia impossível e também como um
humilde combatente que deu a sua modesta contribuição no âmbito do Grupo de
Operações Especiais da Segurança do Estado-Maior das FAPLA (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/11/angola-11-de-novembro-de-2019-martinho.html)
para que esse parto se tornasse efectivo:
“A Batalha de Kifangondo foi, sem
dúvida, um factor decisivo para a conquista da Independência proclamada há 44
anos pelo Presidente Agostinho Neto. Contudo, há dois pontos de reflexão que
devem merecer a atenção dos historiadores e que quase nunca são referenciados
ou até esquecidos ( propositadamente?):
. Operação realizada por alguns
elementos das forças de Segurança das FAPLA do MPLA (que originou a criação
posterior da DISA como órgão de soberania logo após a Declaração da
Independência), no Porto de Luanda, Maio ou a Junho de 1975, se não estou em
erro, na qual foram capturados diversos meios rolantes e muito ARMAMENTO,
oferecidos à FNLA por um país europeu.
Estes meios e equipamentos
encontravam-se num navio a aguardar ordem para desembarcar todo aquele material
na área do Nzeto e entregá-lo às forças comandadas por Santos e Castro, coronel
português que chefiava as forças do ELP (Exército de Libertação de Portugal),
integrados no ELNA (Exército de Libertação Nacional de Angola) que enquadrava
mercenários ex-militares portugueses, organização essa que estava operacionalmente
ligada à FNLA.
Imediatamente após a recepção
desse importante equipamento militar, as forças do ELP deveriam integrar a
coluna de tropas do ELNA (braço armado da FNLA), tropas Zairenses, Mercenários
de várias origens, etc. e dirigirem-se de imediato em direcção Luanda, onde
deveriam chegar muito antes do 11/11/75.
Recorde-se que as forças das
FAPLA estacionadas na capital lutavam com uma gritante falta de armamento para
defesa da mesma.
Com o êxito dessa operação talvez
se tenha concretizado porventura a mais importante acção estratégica na mudança
do rumo da guerra pela independência.
A pouca referência que se tem
feito à mesma acção, remete para o lixo frases de certos políticos
eventualmente admirados internacionalmente como a famosa Nunca tantos deveram
tanto a tão poucos.
. A PROPÓSITO DE QUIFANGONDO.
A) A contenção das forças que
pretendiam tomar Luanda (atrás referenciadas) na faixa Úcua/Piri/Quibaxe.
As FAPLA eram chefiadas na nossa
contraofensiva pelo Cte. Margoso nos dias 7,8 e 9 de Novembro de 1975 e o
principal objectivo foi proteger o flanco das nossas forças pois, se assim não
acontecesse, estaria o caminho aberto para Luanda via Pango Aluquem/Maria
Teresa/Catete, dada a concentração das nossas parcas forças (relativamente às
do inimigo) na área de Kifangondo.
Essa acção militar foi também,
sem dúvida, parte importante daquilo a que se chama hoje a Batalha de
Kifangondo, da qual, quase uniformemente, se faz apenas referência aos combates
em Kifangondo / Panguila.
... e há mais: os cubanos só
estavam concentrados em Quifangondo, no Ebo e em Cabinda...
Quer nas operações clandestinas
em Luanda (que eram mesmo muitas, levadas a cabo pela Segurança do Estado Maior
das FAPLA), quer na asa leste da batalha de Quifangondo, só haviam angolanos e
portugueses progressistas!...”
43- Alcançada a independência,
realizado o Programa Mínimo do MPLA, o médico-parteiro ficou ansioso que outros
partos de nações e povos emergentes ocorressem na África Austral, numa altura
em que a internacional fascista não só não havia desarmado, como havia trazido
para dentro do território angolano sua sangrenta apetência retrógrada de
opressão!
Ainda nesse discurso da
independência, (http://www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_content&id=997:discurso-do-presidente-agostinho-neto-na-proclamacao-da-independencia-de-angola)
António Agostinho Neto acrescentava:
… “Assim nasce a jovem
REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA, expressão da vontade popular e fruto do sacrifício
grandioso dos combatentes da libertação nacional.
Porém, a nossa luta não termina
aqui. O objectivo é a independência completa do nosso País, a construção de uma
sociedade justa e de um Homem Novo.
A luta que ainda travamos contra
os lacaios do imperialismo que nesta ocasião se não nomeiam para não denegrir
este momento singular da nossa história, integra-se no objectivo de expulsar os
invasores estrangeiros, os mesmos que pretendem a neocolonização da nossa
terra”…
A independência de Angola só era
possível num outro patamar, num outro fulgor, numa expressão mais saudável de
lógica com sentido de vida e de segurança vital, se ela ocorresse em simultâneo
com as aspirações dos povos seus vizinhos, ali onde “na Namíbia, no
Zimbabwe e na África do Sul”, estava “a continuação da nossa luta”! (http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/a_namibia_finalmente_livre_e_independente; http://www.faan.og.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=1798:revisitar-agostinho-neto-quarenta-anos-depois-da-sua-morte&catid=37:noticias&Itemid=206).
Já em 1971 António Agostinho Neto
dava uma dimensão maior à luta de libertação no continente… (http://www.agostinhoneto.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1095:agostinho-neto-e-a-luta-de-libertacao-na-africa-austral-general-miguel-junior&catid=37:noticias&Itemid=206).
“É unicamente pela luta armada
que nos poderemos opor à consolidação das forças que querem dominar a África
Austral.
De qualquer modo, penso que a
luta se radicalizará porque as intenções dos colonialistas e dos racistas da
África do Sul são cada dia mais opostos aos anseios dos nossos povos”.
Para que o Programa Maior do MPLA
enquanto movimento de libertação em África pudesse arrancar, tornava-se de
facto imperioso vencer o “apartheid”, vencer sequelas de colonialismo e
de “apartheid” e vencer até processos tornados neocoloniais pelas
grandes potências, como o regime de Mobutu no então Zaíre!...
Agostinho Neto que nos 4 anos de
seu exercício como Presidente da República Popular de Angola lançou as sementes
dessa luta que se iria prolongar, abrindo caminho preparatório para o início do
Programa Maior do MPLA, não pôde contudo prever quanto o capitalismo neoliberal
levado a cabo por via da hegemonia unipolar, iria tão drasticamente impactar
sobre Angola e nas regiões do Golfo da Guiné, dos Grandes Lagos, da África
Central e da África Austral!
44- Tenho evocado nesta e noutras
séries e intervenções, a necessidade de nos conhecermos a nós mesmos, os
africanos e os angolanos, recorrendo ao princípio de lógica com sentido de vida
que advém do movimento de libertação em África, a fim de com segurança vital
estabelecer os parâmetros duma “geoestratégia para um desenvolvimento
sustentável” que conduza a uma “cultura de inteligência patriótica” aferida
às aspirações da libertação!
Reaprender com a história,
reaprender com a antropologia cultural, conhecer cientificamente os recursos
existentes no enorme espaço físico-geográfico-ambiental do continente, provocar
um renascimento neste crucial século XXI…
O movimento de libertação em
África para ter continuidade, carece de coerência e agora perante novos riscos,
necessário e urgente se torna reflectir e mudar do paradigma que remete para o
passado do que foi projectado em Angola com os olhos coloniais de quem chegou
por mar, para o paradigma da água interior, garante de vida no futuro, em
defesa das novas gerações!
É urgente sair do triângulo de
ocupação do litoral para os outros três triângulos do quadrilátero angolano,
triângulos esses tão carentes de intervenção, triângulos esse que demonstram as
severas assimetrias dentro do espaço nacional angolano e fazê-lo recorrendo ao
conhecimento científico de que tanto se carece!
Garantir a defesa e gestão das
águas na região decisiva das grandes nascentes, num raio de 300km em torno do
marco geodésico de Camacupa torna-se imprescindível como garante de vida para
as futuras gerações, pois água é vida e, com o homem, é essa a riqueza mais
incontornável de Angola, dos Grandes Lagos, da África Central e Austral, enfim
de todo o continente!
Em África e na própria região
onde Angola se inscreve com seu espaço nacional, a dialética entre os maiores
desertos quentes da Terra e as regiões tropicais ricas em água e garantes de
espaço vital, foi provocando um complexo antropológico de vários milhares de
anos de culturas que jamais deixaram de ter entre si movimentos, tensões e
choques, que agora se tornam mais evidentes provocando ainda mais dilacerantes
riscos e ameaças, em função da radicalização na busca de domínio sobre o que de
mais suculento possui o continente!
A paz para se tornar efectiva não
basta ser alicerçada humanamente na justiça social de que Angola, com o
capitalismo neoliberal se está “suavemente” a afastar!
A paz implica capacidade de luta
contra o subdesenvolvimento, energia e vontade para vencer os desequilíbrios,
clarividência nas acções contra as assimetrias herdadas desde o passado, com a
noção de que África continua a ser, por via do capitalismo neoliberal selvagem
que impacta colocando os países e os povos africanos na cauda dos Índices de
Desenvolvimento Humano, “um corpo inerte onde cada abutre vem depenicar o
seu pedaço”!
A paz é imprescindível conhecendo
cientificamente o contexto físico-geográfico-ambiental, é mesmo inadiável nesse
contexto, não de forma elitista e exclusivista a que se propõem o “Clube
1001” e o WWF com suas miragens de parques naturais que não garantem a
educação integrada dos povos por que visam acções que dão lucro para poucas
mãos, esquecendo que só a integração poderá ser a escola saudável para gerar
sustentabilidade de desenvolvimento em benefício dos povos!…
A lógica com sentido de vida, tão
fiel e fiavelmente interpretada pelo médico-parteiro António Agostinho Neto na
dimensão continental, está em cima da mesa como um imenso desafio patriótico e
de clarividência tornando-nos humildes face à imensidão de resgates por
realizar a partir do seu pensamento estratégico!
O Programa Maior será muito
difícil realizar se esse rumo que advém do passado de luta do movimento de
libertação em África não for reequacionado e compreendido em toda a sua
dimensão e coerência, de forma a ser levada a cabo numa ampla plataforma
patriótica de consensos e com a mudança de paradigma que se impõe!
A capital deverá ser mudada para
o planalto bieno, tendo em conta a necessidade de pensar e agir Angola a partir
do fulcro da região central das grandes nascentes, onde a manobra preparatória
de sua instalação deve obedecer aos parâmetros duma geoestratégia para um
desenvolvimento sustentável que os desafios climático-ambientais impõem!
A mole imensa de Luanda, é um
peso quando tanto se deve acelerar na direcção desse novo paradigma, por que
também parte das elites de Luanda não só se estão a tornar assimiláveis aos
correntes processos de globalização eminentemente neoliberal, mas por que elas
se acomodaram num labirinto economicista, perdendo o fulgor patriótico de que
já está também a precisar como oxigénio Angola, por que Angola, no seu presente
e no seu futuro, deve-se tornar no mais consciente incómodo para todos nós,
ávidos de vida!
FIM
Martinho Júnior -- Luanda, 10 de Dezembro de 2019,
data do 63º aniversário da criação do MPLA.
Nas fotos: Imagens da hora de proclamação da
independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975
TEXTOS ANTERIORES, DESTA SÉRIE:
Poema de Agostinho Neto,
lembrando que África continua a ser, “um corpo inerte onde cada abutre vem
depenicar o seu pedaço”! – http://www.jornaldepoesia.jor.br/agneto.html#choro
O Choro de África
O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África
Sempre o choro mesmo na vossa
alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África
e mesmo na morte do sangue ao
contato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens
o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas
o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida
fechada em estreitos cérebros de
maquinas de contar
na violência
na violência
na violência
na violência
na violência
na violência
O choro de África e' um sintoma
Nos temos em nossas mãos outras
vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.
(Poemas,
1961)
Sem comentários:
Enviar um comentário