quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

REINTERPRETAR O MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO EM ÁFRICA – XI


  
SUBSÍDIOS EM SAUDAÇÃO AO 11 DE NOVEMBRO DE 2019

Uma das maiores deficiências de que sofrem os africanos duma forma geral e os angolanos em particular, é a ausência de reflexão própria sobre os fenómenos antropológicos e históricos afectos ao seu espaço físico, geográfico e ambiental.

Essa falta de vontade e de perspectiva abre espaço ao conhecimento que chega de fora, em prejuízo do conhecimento que tem oportunidade de florescer dentro, ou seja: subvaloriza o campo experimental próprio, quantas vezes para sobrevalorizar as teorias injectadas do exterior!

Isso permite que outros não abram o jogo sobre essas interpretações dialéticas em função de seus interesses, manipulações e ingerências, aplicando a África, por tabela a Angola, as interpretações estruturalistas de feição, de conveniência e de assimilação!


Esta série pretende reabrir dossiers que do passado iluminam o longo caminho da libertação dos povos da América Latina e Caribe, de África e por tabela de Angola, sabendo que é apenas um pequeno contributo para o muito que nesse sentido há que digna e corajosamente fazer!

Abrir os links permite complementar com fundamentos, muitas das (re)interpretações do autor.

Nota: Esta série tendo como horizonte o 11 de Novembro de 2011, propiciará continuidade para outra que a ela se vai seguir, este é a última intervenção dum total de 11 que realizei desde Outubro de 2019 (4 em Outubro, 4 em Novembro e 3 em Dezembro).





Todos os partos mais decisivos em África como na América Latina e na Ásia foram (são) difíceis e ensanguentados, mas tudo correspondendo às mais legítimas aspirações de liberdade, autodeterminação, independência, solidariedade e fraternidade entre as nações, os estados e sobretudo os povos, com todo o heroísmo e a emoção que isso tem implicado em volta de cada novo ser emergente dos mais fechados ventres da opressão e da ignomínia de séculos! (https://journals.openedition.org/mulemba/1775).

A ignomínia tem sido tanta que, aliada a uma hipocrisia que de há séculos também se arrasta pela boca e pelas mãos dos poderosos, essa liberdade tão humana quanto legítima, está fora dos paradigmas dos direitos humanos contemporâneos conforme aos padrões desta globalização neoliberal, que acerca dela tanta confusão e lavagem cerebral tem deliberadamente produzido, em suas ondas indeléveis de impacto de pendor conservador e neocolonial! (https://journals.openedition.org/mulemba/1211).

Vejam por exemplo como a “luta pela liberdade” em Hong Kong está a ser reforçada com os resídus nazis que dão corpo ao batalhão Azov (https://www.oladooculto.com/noticias.php?id=462), da praça Maidan, das “revoluções coloridas” e dos fundamentalismos religiosos de última geração na Europa, Médio Oriente Alargado, América Latina e em África! (https://www.vice.com/pt_br/article/zmjjey/o-que-fascistas-ucranianos-estao-fazendo-nos-protestos-de-hong-kong).

Quantos dos imediatos antecedentes desses mercenários, “combatentes” do batalhão Azov (utilizado na praça Maidan, em Kiev, na Ucrânia), terão passado pelo Congo e por Angola, no Congo no estertor do regime de Mobutu, a “legião branca” às ordens do mercenário Christian Tavernier, em Kisangani (https://pt.qwertyu.wiki/wiki/White_Legion_(Zaire)https://www.irishtimes.com/news/collapse-of-mobutu-regime-likely-as-kisangani-falls-1.52938https://reliefweb.int/report/democratic-republic-congo/threat-mobutu-rises-after-kisanganis-fallhttps://en.wikipedia.org/wiki/White_Legion_(Zaire)), em Angola ao serviço de Savimbi no apogeu da “guerra dos diamantes de sangue”? (https://www.globalpolicy.org/global-taxes/41606-final-report-of-the-un-panel-of-experts.html).


A liberdade arrancada através de complexas lutas libertárias de povos inteiros, sobretudo dos “povos ultraperiféricos”, africanos e afrodescendentes entre seus iguais, confunde-a propositadamente o império da hegemonia unipolar e a sua maior realização a cavalo nas novas tecnologias, a globalização neoliberal, num histórico de intestina subversão para com o movimento de libertação em África, que procurou inviabilizar até a essência dessa luta, particularmente aquela que teve de ser feita por via armada e procura “tomar por dentro” as vocações libertárias e patrióticas de hoje!...

… No caso de Angola, o movimento de libertação em África teve um médico-parteiro, vanguardista, que tinha consciência crítica de tudo isso e tornou-se apto a fazer um diagnóstico cáustico mas transparente sobre a situação: “a África é um corpo inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço”!... (https://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/jogos-africanos-do-neocolonialismo.htmlhttp://pt.cubadebate.cu/reflexoes-fidel/2011/03/29/guerra-fascista-da-nato/).


… E enquanto houver globalização neoliberal, assim continuará a ser!... (https://www.esquerda.net/dossier/amilcar-cabral-libertacao-nacional-e-cultura/63817).

… Num movimento de libertação onde a vida foi sempre uma questão essencial, por razões até da sobrevivência no fragor duma tão complexa quão prolongada luta, os médicos do MPLA, desde o CVAAR, propagaram a resistência consubstanciada na lógica com sentido de vida, passando-a nesse sentido aos trabalhadores-refugiados próximos da UNTA, aos camponeses que formaram o maior manancial humano para a luta, aos intelectuais, sobretudo os que não hesitaram em partir para o interior, integrando as colunas guerrilheiras dispostas a todos os sacrifícios…

Depois, empurrando o colonialismo contra a parede, António Agostinho Neto e seus pares libertários ao nível da CPLP e das linhas da frente informais, tiveram a noção de que com a adopção dos manuais da guerra subversiva e métodos de acção psicológica (entre 1966 e 1974), de facto verificaram-se cedências que antecipavam o fim do império colonial português, a previsão do colapso do “apartheid” e o fim da internacional fascista enquanto versão institucional, na África Austral!... (http://www.agostinhoneto.org/index.php?view=article&catid=37%3Anoticias&id=179%3Avisao-historica-no-discurso-de-agostinho-neto&format=pdf&option=com_content&Itemid=84&lang=pt.; http://www.angonoticias.com/Artigos/item/2270/%E2%80%9Co-povo-um-dia-vai-saber-a-verdade%E2%80%9D-disse-beto-van-dunemhttp://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/a_logica_cultural__de_agostinho_neto).

Vou recorrer à sensibilidade feminina da camarada Maria Mambo Café, entrevistada pelo jornalista José Rodrigues, da Rádio Luanda Antena Comercial e conforme ao seu pequeno compêndio “Entrevistas com a história” para melhor definir quem era esse médico vital, parteiro de pátrias, face a face a um tal desafio histórico e antropológico! (https://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/lazer-e-cultura/2019/6/27/Lancada-obra-Entrevistas-com-Historia-Jose-Rodrigues,2ffe0de2-ee50-449f-8cf2-b0d7a7a252c4.htmlhttp://jornaldeangola.sapo.ao/entrevista/todas-as-entrevistas-tem-um-significado-especial-para-mim).

Responde assim a camarada Maria Mambo Café, em parcas mas substantivas palavras, sobre António Agostinho Neto: “foi o pai, o líder, foi o condutor de massas e o catalisador”…

… e não pensem que a sensibilidade feminina tal qual foi a protagonizada em vida pela camarada Maria Mambo Café, deixou de dar um exemplo nessa mesma entrevista, do quanto foi difícil ser mãe na guerrilha, quando estoiravam as bombas de napalm, quando desapareciam as lavras dos guerrilheiros por acção da rega aérea de produtos químicos, ou quando os helicópteros zuniam desembarcando forças especiais de caça, ou disparavam seus canhões sobre as pequenas bases guerrilheiras de então… (https://www.esquerda.net/dossier/velha-questao-da-politica-e-da-guerra-proposito-das-magoas-do-fim-do-imperio/63599https://www.esquerda.net/topics/dossier-301-feridas-abertas-da-guerra-colonial).

Ela descreveu nessas condições, que tão orgânica quão fisicamente em tudo se assemelha ao próprio parto de Angola:

“Em 24 horas as mandiocas ficavam todas podres, a mulher que estivesse grávida dos primeiros meses, abortava.

Nós tínhamos uma grávida que era esposa do nosso caçador, a Cambola, ela já estava no nono mês de gestação.

Naquelas correrias, ir e vir, dia 9 de Fevereiro estava eu na trincheira, numa emboscada, eu, o falecido Dangereux e mais uma série de guerrilheiros da defesa, mas tivemos de recuar.

Fomos bombardeados, fizeram aquilo tudo, eu ainda me perdi, há um aluno que conseguiu acompanhar-me, é o Coragem, este jovem que agora já está mais velho e que já tem netas grandes que stão aí, têm filhos.

Portanto este rapaz salvou-me, fiquei perdida, estava a perder as forças, a desfalecer, fiquei sentada num sítio e disse paciência, se eu fr capturada que seja, mas eles irão matar-me.

E esta senhora, no dia 9 entrou em trabalhos de parto, eu estava na trincheira, na emboscada, avisaram ao Dangereux – vieram avisar-nos.

Lá as mulheres à volta dela, ela estava com um parto muito difícil, porquê?

Porque era pélvico já, o bebé pôs o corpo todo cá fora e ficou preso pelo pescoço.

O falecido Dangereux disse – vai corre que há aí um problema.

A Calimba está a ter o bebé.

E eu perguntei – o que é que eu vou fazer?

Ele apenas me disse – vai, vai!...

E eu corri, vi aquele quadro, as outras mulheres estavam todas de volta, só cantavam baixinho para ela, a ver se ela tinha forças para expulsar o feto, mas não podia.

Ela já estava desfalecida, já não tinha forças.

Sei que tive um instinto, lembrei-me de um parto que vi a minha mãe a fazer, das primeiras gémeas que nasceram na família, que têm agora 61 anos.

Eu ponho a mão dentro e puxo a cabeça do bebé e digo – bom, este bebé já não está vivo, mas pelo menos vou ver se salvo a mãe.

Não perdi a esperança, segurei o bebé, pus-lhe a cabecinha para baixo, ele estava todo cinzento, não chorou, dei-lhe umas palmadas.

Eu tinha o cantil, andava sempre com o cantil, a mochila com medicamentos, mandei tirar o punhal que estava na cintura e cortei o umbigo do bebé, segurei nela e lhe dei tantas bofetadas, pus-lhe água na boca e insuflei.

Passados alguns segundos, ela tossiu e chorou e eu disse – graças a deus o bebé está vivo.

Então mandei tirar o pano que tinha na cabeça, ainda me lembro como se fosse hoje, era um pano, um turbante feito com aqueles panos que pareciam galinha perdês.

Tirei aquilo e sacaram da minha mochila a gaze, porque tinha um pronto-socorro sempre, amarraram o umbigo, embrulhei-os naquele pano e os helicópteros a sobrevoarem aquela área, corri com o bebé para debaixo de uns arbustos e já não voltei para a trincheira.

Eu disse – agora o que vou fazer com esta criança?

Está viva, está salva, mas agora o que faço dela?

Aqui nos arbustos então fiquei a observar as outras mulheres aí a cuidar da mãe, lá soltou a placenta, fiquei distante, sozinha debaixo dos arbustos com o bebé, sempre a observar, mas tinha que ver para onde a mãe tinha corrido para entregar o bebé e consegui v^-la através dos arbustos, saí disparada que nem uma flecha, fui até ela e entreguei o bebé”.


“Em nome do Povo angolano, o Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), proclama solenemente perante a África e o Mundo a Independência de Angola.

Nesta hora o Povo angolano e o Comité Central do MPLA observam um minuto de silêncio e determinam que vivam para sempre os heróis tombados pela Independência da Pátria.

Correspondendo aos anseios mais sentidos do Povo, o MPLA declara o nosso País constituído em República Popular de Angola.

Durante o período compreendido entre o encontro do Alvor e esta Proclamação, só o MPLA não violou os acordos assinados.

Aos lacaios internos do imperialismo de há muito os deixámos de reconhecer como movimentos de libertação.

Quanto a Portugal, o desrespeito aos acordas de Alvor é manifesto, entre outros, no facto de sempre ter silenciado a invasão de que o nosso País é vítima por parte de exércitos regulares e de forças mercenárias. Esta invasão, já conhecida e divulgada em todo o mundo, nem sequer mereceu comentários por parte das autoridades portuguesas que, de facto, não exerceram a soberania a não ser nas áreas libertadas pelo MPLA. Por outro lado, o nosso Movimento enfrenta no terreno várias forças reaccionárias que integram uma espécie de brigada internacional fascista contra o Povo angolano. E nessa aliança incluem-se torças reaccionárias portuguesas que participam na invasão do Sul do País, que o governo português não só não combateu como legitimou tacitamente pelo silêncio e passividade.

Não obstante as organizações fantoches conluiadas com exércitos invasores terem de há muito sido denunciadas pelo Povo angolano e por todas as forças progressistas do mundo, o governo português teimou em considerá-las como movimento de libertação, tentando empurrar o MPLA para soluções que significariam uma alta traição ao Povo angolano.

Mais uma vez deixamos aqui expresso que a nossa luta não foi nem nunca será contra o povo português. Pelo contrário, a partir de agora, poderemos cimentar ligações fraternas entre dois povos que têm de comum laços históricos, linguísticos e o mesmo objectivo: a liberdade”…

A criança recém-nascida, está apenas nos braços da camarada Maria Mambo Café, num refúgio de arbustos e espinheiras, entre bombardeios, estrondos, um cheiro a pólvora… e ainda não foi entregue à sua mãe!...


42- Parto difícil que juntou outros parteiros que chegaram do outro lado do Atlântico, também eles nutridos de sonhos aspirando a uma nova vida e mobilizados em torno dum ideal feito operação transatlântica, o nome da escrava heroica e mártir da Operação Carlota! (http://www.granma.cu/granmad/secciones/30_angola/artic01.html;  https://www.youtube.com/watch?v=XWOac5WnXg0https://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2010/10/45/Operacao-Carlota-constitui-facanha-povo-general-Samuel-Planas,aaf553e7-3cc6-4a68-9706-ddfda2248ba2.htmlhttp://www.cubahora.cu/historia/operacion-carlota-una-epopeya-militar).

Na Camuxiba, em Luanda, onde se encontrava a base clandestina do Grupo de Operações Especiais da Segurança do Estado Maior (à ilharga do morro da Luz, algumas casas da família Tavira), recebemos ainda com a bandeira portuguesa a ondear nos mastros de Angola alguns dos companheiros cubanos que iriam dirigir as operações militares a norte (batalha de Quifangondo) e a sul (batalha do Ebo).

Eles dispunham-se a ser também instrumentos nesse parto difícil, defendendo Luanda, defendendo Cabinda e juntando-se aos combatentes das FAPLA na hora decisiva do 11 de Novembro de 1975!


“Apoiando de forma exemplar a guerrilha do MPLA a partir do Congo, entre 1965 e 1975, com o Batalhão Lumumba que completava a 2ª coluna do Che em África, Cuba desencadeou em 1975, sob iniciativa do comandante Fidel de Castro, a Operação Carlota, de modo a que o Movimento de Libertação, o MPLA, pudesse alcançar os objectivos do seu Programa Mínimo, a independência nacional.

Uma pequena nação insular, situada a milhares de quilómetros de distância, socorreu a causa da Libertação de Angola nos momentos decisivos, socorreu as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola com milhares de efectivos alistados nas suas Forças Armadas Revolucionárias, que mal pisaram o solo angolano entraram em combate em três frentes distintas, de onde saíram vitoriosos: Cabinda, Kifangondo e Ebo.

A Operação Carlota, a operação com o nome duma escrava que em Cuba preferiu morrer a combater os algozes do que viver sob sua canga, foi por si um feito glorioso, mas não terminou aí, pois houve e há, no seu seguimento, imensos desafios a enfrentar:

Era necessário vencer o apartheid e muitas das suas sequelas, tal como as sequelas coloniais e isso foi conseguido, apesar dos enormes sacrifícios consentidos;

É necessário lutar agora contra o subdesenvolvimento crónico que historicamente se arrasta em África desde os alvores do colonialismo e do período terrível da escravatura e é isso que está em curso, apesar dos imensos obstáculos advenientes dum processo de globalização tão carregado de riscos, injusto e desequilibrado.

O rumo de Angola, foi alcançado a partir dessa saga comum identitária de liberdade, de internacionalismo, de solidariedade e de amor para com a causa dos povos oprimidos da Terra, mas para se vencer esse subdesenvolvimento crónico que se levanta como um enorme desafio herdado do passado de trevas, Carlota terá de ser sempre relembrada, para que os resgates humanos sejam profícuos e estendidos em benefício de todo o povo angolano e dos povos de África.”

A 24 de Março de 2016, na comemoração da vitória no Sumbe, capital do Cuanza Sul, (https://paginaglobal.blogspot.com/2016/03/marcos-dum-caminho-longo-em-comum.html), lembrava ainda:

… “O exemplo do internacionalismo e da solidariedade cubana, foi por outro lado e além do mais alentador para que da parte não só dos países socialistas, mas também de outros países da Europa (incluindo Portugal) e de África, nas décadas de setenta e oitenta, muitos outros viessem dar o seu contributo inestimável a Angola, nos momentos mais decisivos do parto e da afirmação da independência”…

Essa memória dum parto que mereceu a mais digna das solidariedades, é algo indelével que marca a minha memória de combatente da geração da renúncia impossível e também como um humilde combatente que deu a sua modesta contribuição no âmbito do Grupo de Operações Especiais da Segurança do Estado-Maior das FAPLA (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/11/angola-11-de-novembro-de-2019-martinho.html) para que esse parto se tornasse efectivo:

“A Batalha de Kifangondo foi, sem dúvida, um factor decisivo para a conquista da Independência proclamada há 44 anos pelo Presidente Agostinho Neto. Contudo, há dois pontos de reflexão que devem merecer a atenção dos historiadores e que quase nunca são referenciados ou até esquecidos ( propositadamente?):

. Operação realizada por alguns elementos das forças de Segurança das FAPLA do MPLA (que originou a criação posterior da DISA como órgão de soberania logo após a Declaração da Independência), no Porto de Luanda, Maio ou a Junho de 1975, se não estou em erro, na qual foram capturados diversos meios rolantes e muito ARMAMENTO, oferecidos à FNLA por um país europeu.

Estes meios e equipamentos encontravam-se num navio a aguardar ordem para desembarcar todo aquele material na área do Nzeto e entregá-lo às forças comandadas por Santos e Castro, coronel português que chefiava as forças do ELP (Exército de Libertação de Portugal), integrados no ELNA (Exército de Libertação Nacional de Angola) que enquadrava mercenários ex-militares portugueses, organização essa que estava operacionalmente ligada à FNLA.

Imediatamente após a recepção desse importante equipamento militar, as forças do ELP deveriam integrar a coluna de tropas do ELNA (braço armado da FNLA), tropas Zairenses, Mercenários de várias origens, etc. e dirigirem-se de imediato em direcção Luanda, onde deveriam chegar muito antes do 11/11/75.

Recorde-se que as forças das FAPLA estacionadas na capital lutavam com uma gritante falta de armamento para defesa da mesma.

Com o êxito dessa operação talvez se tenha concretizado porventura a mais importante acção estratégica na mudança do rumo da guerra pela independência.

A pouca referência que se tem feito à mesma acção, remete para o lixo frases de certos políticos eventualmente admirados internacionalmente como a famosa Nunca tantos deveram tanto a tão poucos.

. A PROPÓSITO DE QUIFANGONDO.

A) A contenção das forças que pretendiam tomar Luanda (atrás referenciadas) na faixa Úcua/Piri/Quibaxe.

As FAPLA eram chefiadas na nossa contraofensiva pelo Cte. Margoso nos dias 7,8 e 9 de Novembro de 1975 e o principal objectivo foi proteger o flanco das nossas forças pois, se assim não acontecesse, estaria o caminho aberto para Luanda via Pango Aluquem/Maria Teresa/Catete, dada a concentração das nossas parcas forças (relativamente às do inimigo)  na área de Kifangondo.

Essa acção militar foi também, sem dúvida, parte importante daquilo a que se chama hoje a Batalha de Kifangondo, da qual, quase uniformemente, se faz apenas referência aos combates em Kifangondo / Panguila.

... e há mais: os cubanos só estavam concentrados em Quifangondo, no Ebo e em Cabinda...

Quer nas operações clandestinas em Luanda (que eram mesmo muitas, levadas a cabo pela Segurança do Estado Maior das FAPLA), quer na asa leste da batalha de Quifangondo, só haviam angolanos e portugueses progressistas!...”


43- Alcançada a independência, realizado o Programa Mínimo do MPLA, o médico-parteiro ficou ansioso que outros partos de nações e povos emergentes ocorressem na África Austral, numa altura em que a internacional fascista não só não havia desarmado, como havia trazido para dentro do território angolano sua sangrenta apetência retrógrada de opressão!


… “Assim nasce a jovem REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA, expressão da vontade popular e fruto do sacrifício grandioso dos combatentes da libertação nacional.

Porém, a nossa luta não termina aqui. O objectivo é a independência completa do nosso País, a construção de uma sociedade justa e de um Homem Novo.

A luta que ainda travamos contra os lacaios do imperialismo que nesta ocasião se não nomeiam para não denegrir este momento singular da nossa história, integra-se no objectivo de expulsar os invasores estrangeiros, os mesmos que pretendem a neocolonização da nossa terra”…

A independência de Angola só era possível num outro patamar, num outro fulgor, numa expressão mais saudável de lógica com sentido de vida e de segurança vital, se ela ocorresse em simultâneo com as aspirações dos povos seus vizinhos, ali onde “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul”, estava “a continuação da nossa luta”! (http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/a_namibia_finalmente_livre_e_independentehttp://www.faan.og.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=1798:revisitar-agostinho-neto-quarenta-anos-depois-da-sua-morte&catid=37:noticias&Itemid=206).


“É unicamente pela luta armada que nos poderemos opor à consolidação das forças que querem dominar a África Austral.

De qualquer modo, penso que a luta se radicalizará porque as intenções dos colonialistas e dos racistas da África do Sul são cada dia mais opostos aos anseios dos nossos povos”.

Para que o Programa Maior do MPLA enquanto movimento de libertação em África pudesse arrancar, tornava-se de facto imperioso vencer o “apartheid”, vencer sequelas de colonialismo e de “apartheid” e vencer até processos tornados neocoloniais pelas grandes potências, como o regime de Mobutu no então Zaíre!...

Agostinho Neto que nos 4 anos de seu exercício como Presidente da República Popular de Angola lançou as sementes dessa luta que se iria prolongar, abrindo caminho preparatório para o início do Programa Maior do MPLA, não pôde contudo prever quanto o capitalismo neoliberal levado a cabo por via da hegemonia unipolar, iria tão drasticamente impactar sobre Angola e nas regiões do Golfo da Guiné, dos Grandes Lagos, da África Central e da África Austral!


44- Tenho evocado nesta e noutras séries e intervenções, a necessidade de nos conhecermos a nós mesmos, os africanos e os angolanos, recorrendo ao princípio de lógica com sentido de vida que advém do movimento de libertação em África, a fim de com segurança vital estabelecer os parâmetros duma “geoestratégia para um desenvolvimento sustentável” que conduza a uma “cultura de inteligência patriótica” aferida às aspirações da libertação!

Reaprender com a história, reaprender com a antropologia cultural, conhecer cientificamente os recursos existentes no enorme espaço físico-geográfico-ambiental do continente, provocar um renascimento neste crucial século XXI…

O movimento de libertação em África para ter continuidade, carece de coerência e agora perante novos riscos, necessário e urgente se torna reflectir e mudar do paradigma que remete para o passado do que foi projectado em Angola com os olhos coloniais de quem chegou por mar, para o paradigma da água interior, garante de vida no futuro, em defesa das novas gerações!

É urgente sair do triângulo de ocupação do litoral para os outros três triângulos do quadrilátero angolano, triângulos esses tão carentes de intervenção, triângulos esse que demonstram as severas assimetrias dentro do espaço nacional angolano e fazê-lo recorrendo ao conhecimento científico de que tanto se carece!

Garantir a defesa e gestão das águas na região decisiva das grandes nascentes, num raio de 300km em torno do marco geodésico de Camacupa torna-se imprescindível como garante de vida para as futuras gerações, pois água é vida e, com o homem, é essa a riqueza mais incontornável de Angola, dos Grandes Lagos, da África Central e Austral, enfim de todo o continente! 

Em África e na própria região onde Angola se inscreve com seu espaço nacional, a dialética entre os maiores desertos quentes da Terra e as regiões tropicais ricas em água e garantes de espaço vital, foi provocando um complexo antropológico de vários milhares de anos de culturas que jamais deixaram de ter entre si movimentos, tensões e choques, que agora se tornam mais evidentes provocando ainda mais dilacerantes riscos e ameaças, em função da radicalização na busca de domínio sobre o que de mais suculento possui o continente!

A paz para se tornar efectiva não basta ser alicerçada humanamente na justiça social de que Angola, com o capitalismo neoliberal se está “suavemente” a afastar!

A paz implica capacidade de luta contra o subdesenvolvimento, energia e vontade para vencer os desequilíbrios, clarividência nas acções contra as assimetrias herdadas desde o passado, com a noção de que África continua a ser, por via do capitalismo neoliberal selvagem que impacta colocando os países e os povos africanos na cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano, “um corpo inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço”!

A paz é imprescindível conhecendo cientificamente o contexto físico-geográfico-ambiental, é mesmo inadiável nesse contexto, não de forma elitista e exclusivista a que se propõem o “Clube 1001” e o WWF com suas miragens de parques naturais que não garantem a educação integrada dos povos por que visam acções que dão lucro para poucas mãos, esquecendo que só a integração poderá ser a escola saudável para gerar sustentabilidade de desenvolvimento em benefício dos povos!…

A lógica com sentido de vida, tão fiel e fiavelmente interpretada pelo médico-parteiro António Agostinho Neto na dimensão continental, está em cima da mesa como um imenso desafio patriótico e de clarividência tornando-nos humildes face à imensidão de resgates por realizar a partir do seu pensamento estratégico!

O Programa Maior será muito difícil realizar se esse rumo que advém do passado de luta do movimento de libertação em África não for reequacionado e compreendido em toda a sua dimensão e coerência, de forma a ser levada a cabo numa ampla plataforma patriótica de consensos e com a mudança de paradigma que se impõe!

A capital deverá ser mudada para o planalto bieno, tendo em conta a necessidade de pensar e agir Angola a partir do fulcro da região central das grandes nascentes, onde a manobra preparatória de sua instalação deve obedecer aos parâmetros duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável que os desafios climático-ambientais impõem!

A mole imensa de Luanda, é um peso quando tanto se deve acelerar na direcção desse novo paradigma, por que também parte das elites de Luanda não só se estão a tornar assimiláveis aos correntes processos de globalização eminentemente neoliberal, mas por que elas se acomodaram num labirinto economicista, perdendo o fulgor patriótico de que já está também a precisar como oxigénio Angola, por que Angola, no seu presente e no seu futuro, deve-se tornar no mais consciente incómodo para todos nós, ávidos de vida!

FIM

Martinho Júnior -- Luanda, 10 de Dezembro de 2019, data do 63º aniversário da criação do MPLA.

Nas fotos: Imagens da hora de proclamação da independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975

TEXTOS ANTERIORES, DESTA SÉRIE:













Poema de Agostinho Neto, lembrando que África continua a ser, “um corpo inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço”! – http://www.jornaldepoesia.jor.br/agneto.html#choro

O Choro de África
O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África
Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África
e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens
o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas
o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida
fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar
na violência
na violência
na violência
O choro de África e' um sintoma
Nos temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.

(Poemas, 1961)

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