Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
O meu perfil de
Presidente da República é alguém que não tenha sido primeiro-ministro durante
dez anos e que não tenha esbanjado rios de dinheiro e de oportunidades. Que não
ande na política há mais de trinta anos e continue a fingir que paira sobre
ela. Que saiba que se pode enganar e que por isso tenha dúvidas. E que não
tenha ligações políticas a responsáveis pelo maior calote da história recente
portuguesa. Ficaria, depois de defender este perfil genérico, muito
surpreendido se alguém achasse que estou a pensar numa pessoa em particular.
O meu perfil de
Presidente da República é alguém que não tenha envolvido Portugal numa guerra
injustificável que se baseou numa mentira. Que não tenha abandonado as suas
obrigações de primeiro-ministro e que não as tenha entregue ao colega de
partido a quem devia o favor político de ter chegado ao PSD. Que não o tenha
feito porque lhe ofereceram melhor emprego lá fora. Que não tenha usado como
argumento para o fazer a enorme ajuda que poderia dar a Portugal e que não se
tenha esquecido do País no dia seguinte. Que não tenha sido um capacho perante
os poderes da Europa e que não tenha contribuído com isso para a destruição do
futuro da União Europeia. Que não tenha pressionado, na presidência duma
instituição internacional, órgãos de soberania nacionais. Que não tenha sido
cúmplice e até ator central da imposição duma agenda política ideológica que
nunca foi a votos nos países onde foi aplicada. Ficaria, depois de defender
este perfil genérico, muito surpreendido se alguém achasse que estou a pensar
numa pessoa em particular.
Duvido que Passos
Coelho, por amor próprio, tenha grande coisa contra os "cataventos"
que agora não quer na Presidência. Se há coisa de que dificilmente se pode
gabar é de coerência. Ou que, tendo em conta o papel conveniente que Cavaco
Silva tem tido, faça grande questão em ter um "árbitro ou moderador"
em Belém. Mas compreendo que procure um presidente discreto, que não faça
ondas. Pouco "popular" e incapaz de ser "catalisador" de
seja o que for. Habituado a obedecer e fazer cálculos de conveniência. O homem
de Passos para Belém está em Bruxelas e provavelmente é o pior candidato a presidente
que a direita poderia encontrar.
Marcelo Rebelo de
Sousa, o candidato honorário a Presidente, enfiou a carapuça das várias
deselegâncias da moção passista e saiu duma corrida onde não sei se alguma vez
realmente esteve. Mas disse uma coisa acertada: Passos Coelho "acha que já
ganhou ou pode ganhar as eleições e pode definir o perfil do candidato que quer
apoiar". É verdade que, em apenas um mês, PSD e CDS convenceram-se que se
deu uma volta de 180º e a maioria parlamentar vai de vento em popa. E, nesta
convicção, tem contado com a companhia de muitos cataventos do comentário.
Só que a realidade
é um pouco diferente. Apesar das doses cavalares de propaganda mediática para
demonstrar que entramos num novo ciclo económico e político, Passos está a cair
nas sondagens (veja-se a deste fim de semana, no Expresso). O PSD vale hoje 25%
e a direita toda junta não passa dos 33%, mais de 4% abaixo das intenções de
voto no maior partido da oposição sozinho. O PSD está no osso e canta de galo.
Uma coisa são as
manchetes, os telejornais e a excitação do exército de comentadores da área do
PSD que ocupa o espaço mediático. Outra, bem diferente, é a folha de pagamento
dos portugueses ao fim do mês. Uma coisa é o discurso que a comunicação social e
o poder constroem sobre a realidade, outra são as condições materiais da vida
das pessoas. E, na hora da verdade, é a segunda que conta. O desempregado que
desespera e que perdeu o subsidio, o pai que viu partir o seu filho emigrado, o
funcionário público a quem cortaram o salário, um reformado a perder rendimento
todos os anos, o utente do hospital que vê a decadência do SNS, o professor e o
estudante que vivem o sufoco em que escolas e universidades públicas vivem, o
pequeno empresário que faliu ou está enterrado em dividas e os familiares e
amigos de todas estas pessoas não se comovem muito com estatísticas mais ou
menos marteladas ou com supostas melhorias económicas que não têm grande efeito
nas suas vidas. Comovem-se com a sua vida e é ela que determinará, acima de
tudo, o seu voto.
Está estudado: os
efeitos do discurso nos media, em comparação com os efeitos da experiência
direta, tendem a ser sobrevalorizados pelos próprios media. E é normal que
também sejam sobrevalorizados pelo PSD. Um partido que acha que o debate das
presidenciais, nesta altura, pode mobilizar mais do que os putativos candidatos
e os jornalistas não está em condições de compreender a diferença entre o país
mediático e o que vive longe dos holofotes.
Para não se pensar
que sou excessivamente crítico, quero dar os parabéns ao governo por ter
conseguido descidas nas taxas de juro da dívida, não só em Portugal, mas também
na Grécia, em Espanha, na Irlanda e em Itália. É motivo de orgulho saber que a
política de Passos Coelho não tem apenas efeitos no País, mas em quase toda a
Europa.
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