terça-feira, 13 de maio de 2014

DIREITO À HABITAÇÃO EM ANGOLA SEM RECONHECIMENTO




A decorrer, em Luanda, desde 28 de abril, foi encerrada na segunda-feira (12.05.14) a reunião da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), da qual participaram 385 delegados, 143 dos quais em representação de 26 Estados, 18 de instituições nacionais de Direitos Humanos, 14 de organizações internacionais e 180 de organizações não governamentais (ONGs), africanas e internacionais, entre outros.

A reunião serviu para a análise da situação dos direitos humanos no continente africano.

Durante os trabalhos, a organização não governamental internacional Human Rights Watch (HRW) lançou um apelo aos conferencistas para denunciarem os "abusos" que ainda acontecem em Angola - nomeadamente no que diz respeito à restrição da liberdade de expressão, à pressão exercida pelo Governo sobre a comunicação social independente - e a pedirem a condenação dos responsáveis pelas mortes, raptos e torturas naquele País Africano de Língua Portuguesa (PALOP).

Nesta conferência internacional, a CADHP atribuiu o estatuto de observador a doze ONGs que trabalham em prol dos direitos humanos e dos povos. Uma das ONGs que esperava obter este estatuto era a angolana SOS Habitat - Ação solidária, que defende a plena cidadania e uma habitação harmoniosa para a população do país. Mas tal medida não se concretizou. A este respeito, a DW África entrevistou Rafael Morais, coordenador da SOS Habitat.

DW África: Por que motivos, acredita, não foi concedido à SOS Habitat o estatuto de observador da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos?

Rafael Morais (RM): Nós já solicitamos à Comissão Africana há dois anos a nossa candidatura e pensamos que este ano iríamos receber este estatuto. Infelizmente, houve um lobby contra nós, no sentido de que a SOS Habitat não possui o certificado de admissibilidade. Mas nós ingressamos documentos à comissão para poder justificar exatamente que a situação do certificado de admissibilidade não é da nossa responsabilidade, é da responsabilidade do Ministério da Justiça - uma vez que a SOS Habitat remeteu todo o processo legal ao Ministério da Justiça, o cartório recebeu, autenticou e remetemos também a cópia do Diário da República.

Então, seria de responsabilidade do Ministério da Justiça entregar este certificado de admissibilidade. Nós estamos a trabalhar no sentido de esclarecer mais uma vez à comissão, à presidência da comissão, para poder esclarecer certamente o que está a acontecer e também de quem é a responsabilidade neste caso para poder atribuir o certificado de admissibilidade.

DW África: Será que o lobby foi extremamente forte para impedir a SOS Habitat de obter este estatuto?

RM: O lobby foi extremamente forte. O secretariado da comissão foi nos solicitando documentos, nós fomos remetendo. Mas a cena ficou estagnada quando nos pediram o certificado de admissibilidade. Acontece que existem organizações que não têm este certificado - como no caso da JPD [Justiça, Paz e Democracia], por exemplo - mas a comissão atribuiu o estatuto de observador já há bastante tempo.

É claro que, as condições em que se encontram outras organizações, nós também nos encontramos. Quanto ao resto, nós estamos legalizados. Temos todos os requisitos apresentados ao Ministério da Justiça. Contudo, o lobby por parte do Governo foi forte. Mas nós vamos continuar a trabalhar também no sentido de poder adquirir este estatuto nos próximos meses.

DW África: Será que faltou pressão por parte das outras organizações não governamentais que estavam presentes no encontro?

RM: Houve um trabalho árduo, sobretudo no plano da JPD e da Open Society, no sentido de pressionar a comissão e fazer compreender à comissão que o certificado de admissibilidade não é de responsabilidade da SOS Habitat e sim é da responsabilidade do Ministério da Justiça – a sua atribuição, neste caso. Portanto, houve um trabalho forte. Infelizmente, não surtiu efeito.

DW África: Em todo o caso, é uma frustração para a SOS Habitat?

RM: Não é bem assim uma frustração. O nosso trabalho continua. Mesmo com a falta do certificado de admissibilidade vamos seguir a trabalhar. O nosso trabalho é de proteger e promover os direitos humanos relacionados com habitação e terra. Sempre que houver violações dos direitos das pessoas nesse sentido, é claro que o nosso trabalho vai continuar. Vamos continuar a trabalhar com a comissão no sentido de termos esse estatuto, uma vez que é um direito também que nos cabe.

DW África: De qualquer forma, depois dessas reuniões que tiveram lugar em Angola – nomeadamente das ONGs e agora da Comissão Africana – será que uma nova etapa em reação ao respeito dos direitos humanos em Angola vai começar a funcionar?

RM: O Governo angolano, neste caso, enquanto albergou aqui a presidência da Comissão Africana, Angola aprendeu muito com os outros países no que toca o respeito e a promoção dos direitos humanos e é isso que nós queremos, que tem que haver alguma diferença em relação aos anos anteriores.

Para nós da SOS Habitat, vamos continuar a trabalhar, continuar a fazer lobby dentro do Governo, no sentido de fazer respeitar o direito à habitação e à terra. Antes da comissão, houve um encontro de ONGs. Foi debatida a questão das demolições injustas que deveriam ser paralisadas. Infelizmente, remeteu-se também a comissão para ver se recomendasse ao Governo angolano e parece que não saiu também esta recomendação sobre as demolições. Mas mesmo assim, vamos continuar a trabalhar.

DW África: Numa palavra, valeu a pena a realização destes dois grandes encontros sobre os direitos humanos em Angola?

RM: Valeu a pena porque foram expostas várias questões relacionadas aos direitos humanos dos vários países. Sobretudo Angola, na questão da acusação do [Isaías] Cassule e [Alves] Kamulinge e outros também que têm reivindicado seus direitos, têm passado uma situação cada vez mais crítica. E também a situação das guerras que estão a ocorrer em outros países africanos também. Há muitas violações de direitos humanos nesses países. Também foi exposto e foi recomendado aos governos no sentido de que haja realmente um esforço de todos nós para pôr fim a este tipo de situação, porque no fundo o desenvolvimento de cada país tem como resultado final o bem-estar das sociedades.

Durante a reunião de Luanda, a Comissão adotou um relatório de atividades a submeter à próxima sessão ordinária do Conselho Executivo da União Africana, por ocasião da 23ª Cimeira da Conferência de Chefes de Estado e de Governo da União Africana, prevista para o próximo mês de junho.

Deutsche Welle – Autoria: António Rocha - Edição: Cristiane Vieira Teixeira

Angola: INCITAÇÃO À VIOLÊNCIA



Jornal de Angola, editorial - 13 de Maio, 2014

A Comissão Política da UNITA esteve reunida em Viana e no comunicado final acusa este jornal de “incitação à intolerância absoluta e à violência”. Mas disparou mais uma rajada afirmando que atentamos “contra a reconciliação nacional e a paz”.

O senhor Isaías Samakuva recriminou “a passividade das autoridades” por não verem na liberdade de expressão as coisas terríveis que o líder da oposição viu. E ainda que vissem, era sempre intolerável que nos silenciassem como evidentemente é a vontade da direcção da UNITA.

O comunicado revela uma tendência inquietante para a censura. O Jornal de Angola emite opiniões que não agradam a Isaías Samakuva e ele acusa as autoridades de “passividade”. Se o líder da UNITA estivesse no poder, era certo e seguro que nos forçava a calar. E atendendo ao passado da organização, é legítimo supor que os meios usados para a mordaça fossem ferro ou fogo. Felizmente vivemos num Estado de Direito e Democrático. Até agora a única acção que sentimos no sentido de atentar contra a liberdade de imprensa foi só o comunicado da direcção da UNITA. Ainda bem que o maior partido da oposição revela de uma forma clara e directa o seu compromisso ideológico com a censura. Nós cá estamos, sempre livres, rigorosos, responsáveis e ao serviço do Povo Angolano, sem discriminações nem preconceitos. Somos jornalistas, não somos paus mandados nem estamos a soldo de ninguém. Quando for calada a nossa voz, os leitores ficam a saber que há censura em Angola e pelo menos um partido, a UNITA, defende a lei da rolha contra os jornalistas incómodos.  

A UNITA diz que este jornal promove a intolerância e a violência. Rejeitamos liminarmente tal acusação. Em nenhuma página deste jornal o senhor Isaías Samakuva encontra uma expressão ou um texto a defender a violência ou a pôr em causa a reconciliação nacional. Mas o contrário é possível. Podemos dar mil exemplos de atitudes de dirigentes da UNITA que apelam à violência e põem em causa a reconciliação nacional. Podemos dar o exemplo mais recente e que vem expresso no comunicado da comissão política da UNITA: a anunciada homenagem a Savimbi, o condecorado herói do apartheid. O que reduziu Angola a pó, só porque perdeu as eleições de 1992. O que destruiu barragens, postes de alta tensão, pontes, vias-férreas, aeroportos, escolas, hospitais. Savimbi matou, ao serviço do apartheid, milhões de angolanos. Queimou mulheres vivas na Jamba. Instrumentalizou crianças para a guerra. Assassinou friamente dirigentes da UNITA só porque estava de mau humor. Desde 1992 a 2002 fez Angola recuar económica e socialmente mais de 100 anos. Ainda hoje estamos a sofrer com os problemas estruturais causados pela sua doentia ambição. Homenagear em Angola um herói do apartheid é de uma violência inusitada. É um atentado de morte à reconciliação nacional. É igual a glorificar Hitler ou negar o Holocausto. Savimbi protagonizou no solo sagrado da Pátria crimes hediondos contra a Humanidade. Não pode ser homenageado nem glorificado. 

Intolerância imperdoável é o que Isaías Samakuva fez ao publicar uma “carta aberta” em França onde lança graves insultos ao Chefe de Estado. Faltar ao respeito a um símbolo da Nação é violência, intolerância e agressão. O líder da UNITA agrediu todos os angolanos, mesmo os que votaram nele. Intolerância cega e altamente reprovável é dizer que o Chefe de Estado anda a assassinar opositores políticos, quando a realidade mostra o contrário: o Presidente José Eduardo dos Santos salvou a vida a milhares de dirigentes da UNITA e seus familiares. Abraçou todos os que estavam nas matas do Lucusse quando o herói do apartheid, Savimbi, morreu em combate. Quem foi salvo da morte certa, tratado como amigo, libertado da sarna e dos piolhos, alimentado, recebeu tratamento médico especial, considerado irmão, não pode acusar o seu salvador de assassino. Fazer isso é mais do que violência gratuita e intolerância fanática: é ingratidão e imoralidade. Todos os angolanos de bem se sentem violados e agredidos.

Violência e intolerância é publicar uma carta aberta por ocasião da visita do Chefe de Estado a Paris e acusá-lo de burlão. Chamar-lhe “ditador dos Santos” e dizer que quem se lhe opõe  “definha nas prisões do sistema ou são simplesmente suprimidos fisicamente”. Só um sinédrio de biltres insanáveis pode fazer tais acusações. Violência e intolerância é afirmar que os jornalistas angolanos são assassinados quando querem informar. Só se for pela UNITA!

Intolerância e violência moral, é dizer na carta aberta que “o presidente angolano enriquece a sua família com o dinheiro do petróleo em detrimento do povo”. E a UNITA atenta, sem qualquer pudor, contra a honra e o bom nome da empresária Isabel dos Santos, apenas por ser filha de quem é. Quando um líder político se comporta como um mero escriba de pasquim pode esperar tudo da vida, menos que os angolanos lhe confiem o país. Nós vamos continuar a dizer que esse rei vai nu, desde que despiu a farda das tropas do apartheid.

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Ucrânia: MILÍCIAS POPULARES TRAVAM COMBATE COM TROPAS DE KIEV




As milícias de Donetsk combatem na periferia de Kramatorsk contra as unidades da Guarda Nacional da Ucrânia, segundo relata um porta-voz do comando das forças de autodefesa de Slavyansk.

De acordo com a mesma fonte, um veículo blindado da Guarda Nacional foi destruído durante o combate. Ainda se desconhece se há mortos ou feridos.

Kramatorsk é uma das maiores cidades da região de Donetsk, que se tornou um dos centros de protesto no Sudeste da Ucrânia. Os confrontos anteriores entre as milícias locais e as tropas enviadas por Kiev deixaram já várias dezenas de mortos.

Neste domingo (11), nas regiões de Donetsk e Lugansk foram realizados referendos sobre a soberania destas regiões. Segundo dados preliminares, cerca de 90% dos votantes nas referidas regiões votaram a favor da sua independência. Os países ocidentais disseram considerar os referendos ilegítimos e não reconheceram seus resultados.

Voz da Rússia - Foto: RIA Novosti/Maks Vetrov

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A encruzilhada da Ucrânia

UCRÂNIA: UM GESTO DE DISTENSÃO




A reviravolta de Moscou constitui um dos últimos fatores de esperança para evitar uma onda nacional de violência na Ucrânia e de tensão regional.

La Jornada, editorial – Carta Maior, 9 maio 2014

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, apoiou ontem de maneira insuspeita as eleições presidenciais previstas para o próximo dia 25 de maio na Ucrânia – às quais se referiu como “um passo na direção correta” – e pediu aos federalistas e aos separatistas pró-russos das regiões do leste ucraniano, que atualmente mantêm enfrentamentos armados com as tropas de Kiev, que adiem o referendo de autodeterminação prevista para 11 de maio, com a finalidade de se “criar as condições necessárias para o diálogo”.

As declarações comentadas constituem uma reviravolta na política do Kremlin em relação à Ucrânia, que até agora havia se caraterizado pelo apoio pelo menos verbal aos grupos pró-russos radicais e moderados. É significativo que, algumas horas antes do discurso do presidente russo, o ministro das Relações Exteriores de Moscou, Serguei Lavrov, tenha dito que seria “incomum” que as autoridades interinas da Ucrânia seguissem adiante com a realização das releições presidenciais enquanto o Exército realiza uma operação militar contra os grupos armados pró-russos no leste do país.

Goste ou não do atual governo da Ucrânia e de seus aliados em Washington e Bruxelas, e independentemente das reais intenções do presidente e do efeito que suas palavras possam surtir nos grupos sublevados da Ucrânia, as declarações de Putin carregam um irrefutável fator de relaxamento no conflito que cresce a cada hora e se agrava com explosividade e ódio: no interior, a ação das milícias separatistas e a violenta resposta de Kiev colocaram o país europeu à beira de uma guerra civil; no exterior, o conflito verbal e as ações militares tanto da Rússia como do Ocidente na região pintaram um cenário que inevitavelmente remete aos tempos da Guerra Fria.

Contudo, o apoio de Putin às eleições de 25 de maio parece uma aposta muito frágil em relação à situação tensa que se vive na Ucrânia: sejam quais forem os cálculos das atuais autoridades ucranianas, a realização de eleições não garante por si só a estabilização do país, sobretudo porque essas mesmas autoridades parecem mais dispostas ao esmagamento pela via militar de seus detratores do que a busca por uma solução pacífica do conflito.

No entanto, não se pode descartar a possibilidade de que eleições realizadas em circunstâncias confiáveis e transparentes possam contribuir para encaminhar o conflito na Ucrânia a uma via institucional e civilizada: para isso, é necessário colocar em prática algo a mais do que a troca formal de poderes institucionais e discutir uma reorganização política e institucional do país – que é necessária, inclusive, desde antes das revoltas que levaram à queda do ex-presidente Víktor Yanukovich. Deve se recordar, de fato, que a crise ucraniana não começou com a anexação da Crimeia à Rússia nem com as sublevações das províncias orientais e do sul do país, e nem mesmo com o assim chamado Euromaidan.
 
Nas pouco mais de duas décadas transcorridas desde a dissolução da União Soviética, a Ucrânia passou por diversos períodos de instabilidade e ingovernabilidade. Mesmo assim, as tensões entre os ucranianos do leste e do oeste têm sido uma realidade recorrente desde que o país deixou de ser uma república soviética, e se caracterizaram pelas denúncias persistentes de atropelamento da língua e de outros direitos das minorias nacionais por parte do governo de Kiev.

Por ora, a reviravolta de Moscou constitui um dos últimos fatores de esperança para evitar uma onda nacional de violência e de tensão regional com consequências imprevisíveis. Cabe esperar que tal gesto seja correspondido pelo regime de Kiev e por seus defensores, especialmente os Estados Unidos e a União Europeia. 

Tradução: Daniella Cambaúva - Créditos da foto: Arquivo

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