quarta-feira, 14 de maio de 2014

Moçambique: "Gostaria de fato que cessássemos fogo de vez," diz Dhlakama




Em exclusiva à DW África, o líder da RENAMO diz que falta boa vontade da FRELIMO nas negociações, que sentiu "pena" das Forças Armadas na Gorongosa e que tropas que o atacaram são "exército pessoal" da FRELIMO.

Em entrevista exclusiva concedida por telefone à DW África, Afonso Dhlakama, líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), garantiu que a segunda maior força da oposição tem muito interesse em acabar com os confrontos militares e disse acreditar que as eleições gerais de outubro próximo irão, de facto, acontencer.

Dhlakama, entretanto, deixa claro que o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), deve também colaborar.

Neste momento, por exemplo, está sobre a mesa de negociações entre as partes a composição do exército nacional e o desarmamento da RENAMO, considerado um dos pontos mais críticos do diálogo.

DW África: Como caracterizaria a atual fase negocial em termos de dificuldades?

Afonso Dhlakama (AD): Eu penso que é a falta de boa vontade por parte do Governo moçambicano, ou por parte da liderança da FRELIMO. Lembra-se que o próprio atual Presidente da República, Armando Guebuza, foi o chefe negociador por parte da FRELIMO. Ele conhece muito bem os protocolos que foram assinados em Roma e o Acordo Geral [de Paz], assinado também em Roma, em 4 de outubro de 1992.

Só que quer ele, assim como o outro Presidente - o já reformado [Joaquim] Chissano – foram infelizes, não quiseram cumprir com aquilo que eles rubricaram em Roma, na presença da comunidade internacional, testemunhado o acordo pelas Nações Unidas. Chegaram a enviar, as Nações Unidas, capacetes azuis para supervisionar o cessar-fogo que foi um sucesso e faltou o cumprimento.

Então, isso que estamos a negociar, nem deveríamos estar a negociar - porque apenas estamos a recordar à FRELIMO que vamos implementar o acordo sobre a política de defesa e segurança em Moçambique, para evitarmos que tenhamos o exemplo, não podemos seguir Guiné-Bissau onde os políticos usam os militares a golpearem, isso porque as coisas não foram bem tratadas.

É exatamente que eu estou a bater com o pé. Eu não quero ser obrigado a criar o meu exército, o Guebuza também ter o seu exército. Queremos um exército apartidário, profissional, técnico, em que os comandantes são nomeados pela confiança técnica profissional. Não podemos meter políticos dentro do exército.

Agora, sabemos que é o exército nacional, receberam ordens do Presidente da República para atacar o líder da oposição. Por quê? Porque essas coisas não estão definidas. Essas tropas estão como força, o exército pessoal do partido FRELIMO. É isso. Queremos acabar com a partidarização das instituições do Estado.

DW África: Confirma que, depois dos acordos de paz em 1992, a composição das Forças Armadas de Moçambique deveria ser de 50% para cada lado - ou seja, 50% do Governo da FRELIMO e 50% da RENAMO?

AD: Exatamente! Está escrito no Acordo Geral de Paz. Não é uma invenção, 50% de cada lado. Só que em 1994, depois das primeiras eleições, o Presidente, na altura o Chissano, disse que não havia dinheiro suficiente para fazermos uma coisa dessas. E mais, seriam 30 mil homens, dos quais 15 mil da RENAMO e 15 mil da FRELIMO, escrito no acordo, assinado por mim e por ele, o Joaquim Chissano.

Mas depois das eleições de 1994, disse que não havia dinheiro. Mas havia dinheiro, só que não queria este exército, onde os [homens] da RENAMO haviam de entrar, porque em seguida criou um outro exército partidário da FRELIMO, chamado Força de Intervenção Rápida [FIR], que até hoje é um instrumento repressivo contra a população inocente. E também agora já estamos a exigir que a RENAMO deve ter 50% desta Força de Intervenção Rápida, porque é uma força praticamente FRELIMO.

DW África: Sr. Afonso Dhlakama, durante esta tensão político-militar entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, que já dura muito tempo, tem havido mortes e derramamento de sangue, o que preocupa todos os moçambicanos. O que é necessário para acelerar o fim desta situação?

AD: É o acordo. Já demonstrei boa fé. Neste momento em que estamos a conversar, há a tregua que a RENAMO deu, fez unilateralmente há três semanas. As Forças Armadas passavam muito mal aqui, portanto, não conseguiam transitar de uma posição para outra na distribuição de alimentação. Mas, eu senti pena e dei trégua, isto é, mande cessar o fogo em todo o distrito da Gorongosa. Isto é o coração de um líder que quer a paz. Mesmo quando começaram a complicar sobre o meu recenseamento, dei trégua também numa zona chamada Muxúnguè, no troço entre o rio Save e Muxúnguè.

Desde a quarta-feira da semana passada (07.05.14), parecia mentira, tudo está parado do Ruvume ao Maputo. Mas eles sempre que vão provocar. A RENAMO limita-se em responder. Só que, quando lamentam, dão a entender como se a RENAMO estivesse a provocar. Não, a RENAMO quer a paz.

Se perguntar hoje, que falou com o Dhlakama e ele disse que está tudo calmo, porque com a sua iniciativa deu trégua, mandou cessar-fogo, todo mundo vai confirmar. Portanto, esta boa vontade que tenho tentado demonstrar, não em termos de propaganda, mas sim no sentido do Estado, como chefe da família, não encontro a correspondência do outro lado. É por isso que sempre tem havido um conflito a prolongar e a manchar a imagem do país, até a afugentar pessoas estrangeiras que deveriam estar a entrar e a investir.

DW África: As negociações arrastam-se há muito tempo, o que pode pôr em causa o calendário eleitoral que tem em vista já as eleições gerais a 15 de outubro próximo. Acha que as negociações serão concluídas de forma positiva antes das eleições?

AD: Eu acredito. Acredito porque, apesar de tudo, os da FRELIMO também são moçambicanos. Conversamos, somos irmãos, somos primos. Há diferença das ideologias. Por exemplo, eu sou da família da direita, o meu partido é de centro-direita. A FRELIMO é da esquerda, embora já fala do socialismo, entre aspas, mas é da família esquerda. Acredito que dentro da FRELIMO há gente de boa vontade, que também estão a fazer pressão ao líder, que é o Guebuza, para que as coisas corram mais rápido – porque de facto, como estava a dizer a sra. Jornalista, as eleições estão marcadas para o dia 15 de outubro.

15 de outubro já está quase. É preciso pré-campanha, é preciso mandar fabricar o material. O país pobre, os partidos precisam de facto de arrajar financiamento etc. Mas do meu lado, como eu disse que mandei cessar-fogo, eu já não queria ser obrigado a voltar a disparar mais. Seria uma experiência para aproveitarmos, passaria a ser um dado adquirido. Era a questão do outro lado corresponder. Porque, de facto, o quê faltou? É preciso desenharmos a estratégia ou a política de defesa e segurança. Que tipo de exército precisamos?

Portanto, logo que houver ou entendimento sobre a política de defesa e segurança e rubrificarmos, até pode ser aproveitado nesta semana, eu e o Guebuza sentarmos num sítio qualquer e fazermos o acordo e cessarmos fogo. Eu, portanto, gostaria de fato que cessássemos fogo de vez, mas cessar-fogo com garantias de que não haverá nenhum dos lados que irá retomar para desestabilizar o país. Cessar o fogo com base num acordo apadrinhado, testemunhado por alguns países importantes garantes da paz no mundo.

Na foto: Depois que o exército governamental tomou Satundjira, a última residência oficial de Afonso Dhlakama, não se sabia do seu paradeiro até o dia do seu recensemento eleitoral, a 8 de maio passado

Deutsche Welle – Autoria: Nádia Issufo – Edição: Cristiane Vieira Teixeira / António Rocha

Moçambique: MEL PARA OS POLÍTICOS, FEL PARA O POVO




Deputado reformado em Moçambique ganha por ano o que um trabalhador agrícola ganha em trinta anos

Verdade (mz)

As leis aprovadas recentemente pela Assembleia da República sobre os direitos, deveres e regalias dos Chefes do Estado e dos deputados continuam a levantar vozes de indignação por parte das organizações da sociedade civil moçambicanas, e não só, que entendem que as mordomias previstas nestes dispositivos legais são claramente absurdas se comparadas com o nível de vida da maioria dos cidadãos e “agridem de forma violenta” a materialização dos direitos humanos universalmente consagrados, os princípios de austeridade, transparência, ética do servidor público, equidade e justiça social.

Esta quarta-feira (14), mais uma vez, as OCS vieram a público argumentar com dados concretos, baseados num estudo, até que ponto são absurdas as regalias dos deputados e dos Chefes do Estado, em exercício e após cessarem funções.

O estudo apresentado em Maputo demonstra que um antigo deputado da Assembleia da República que aufere o salário mais baixo, sem se considerarem as benesses, passa a ganhar em um ano e à luz do novo Estatuto dos Deputados um rendimento de cerca de 910 mil meticais (cerca de 30 mil dólares) e um subsídio de reintegraçao de dois milhões e setecentos meticais, pago uma única vez.

Ora, um trabalhador agrícola que aufere o salário mínimo em vigor em Moçambique precisaria de 30 anos para atingir o mesmo rendimento que o ex-deputado consegue em apenas um ano.

No sector de agricultura, o salário mínimo aprovado pelo Governo em Abril passado é de 3.010 meticais.  “Se no lugar de se considerar um deputado com o menor salário for considerado um Presidente da Assembleia da República, os valores são bem diferentes”, assegura o estudo. Refira-se que não é conhecido o salário base do Presidente do maior órgão legislativo.

Rendimento de PR é 1500 vezes superior ao rendimento per capita

Os valores das regalias do Presidente da República e dos deputados após os mandatos são muito superiores aos salários oficiais, regulamentados nas tabelas salariais. No caso do PR este valor equivale a 1500 vezes o actual rendimento per capita dos moçambicanos. Esta constatação, segundo as OSC, reforça de forma inequívoca as grandes penumbras existentes nas remunerações dos cargos públicos estudados.

As regalias após os mandatos manifestam as enormes desigualdades, injustiças e utilização abusiva dos bens públicos e, portanto, concluem, constitui uma situação abusiva dos rendimentos dos cidadãos nacionais e estrangeiros que cooperam com Moçambique.

Para estas organizações, as remunerações do PR e dos deputados agridem de forma violenta a materialização dos direitos humanos consagrados universalmente e também pela Constituição da República, tais como o direito à educação, saúde e uma alimentação condiga; os princípios da equidade e justiça social, da austeridade, da transparência e da ética do servidor público. As decisões são de duvidosa seriedade e não contribuem para a moralização da política e dos políticos.

Prosseguindo, as OSC entendem que a actual política orçamental do Estado é de despesismo, na qual os incrementos na Presidência e Assembleia da República são superiores aos verificados em outros sectores considerados prioritários, nomeadamente agricultura, educação, saúde e infra-estruturas.

Marcha de indignação contra regalias

Diante das situações expostas, as OSC apelam à realização de uma marcha pacífica de demonstração de indignação contras as duas leis – Estatuto do Deputado e os Direitos e Deveres de Chefe de Estado em Exercício e após Cessação de Funções – recentemente aprovadas pela Assembleia da República, em consenso entre as três bancadas parlamentares. A marcha está marcada para esta sexta-feira (16) e irá partir da Estátua de Eduardo Mondlane até à Praça da Independência.

A sociedade civil sugere uma reforma administrativa do aparelho do Estado urgente de modo a reduzir os custos e tornar a administração mais moderna e eficiente, e que o PR, em defesa da dignidade do Estado e da sua própria honra, não promulgue as referidas leis pois aumentariam o sentimento de indignação na sociedade moçambicana, o que agravaria a actual instabilidade social e política

Recorde-se que as OSC enviaram uma carta ao PR a apelar para que este não promulgue as referidas leis. Segundo disseram esta quarta-feira, a resposta à carta ainda não foi obtida. 

*Título PG

“O BRASIL ESTÁ MUDANDO PARA MELHOR. NÃO DÁ PARA CONTESTAR ISSO”




Dowbor, que lutou contra a ditadura militar, mostra como a desigualdade social fizeram parte do modelo adotado pela ditadura e como o Brasil vem mudando.

Ladislau Dowbor, para o Blog do Zé Dirceu – em Carta Maior

A relação entre as transformações do Brasil nas últimas duas décadas e a luta para superarmos a herança nefasta de 21 anos de ditadura militar é o tema da entrevista concedida ao Blog do Zé pelo economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP.

Dowbor, dentre os mais atentos observadores e analistas da cena política e econômica brasileira, que não apenas viveu o período militar, mas lutou contra a ditadura, mostra como a desigualdade social e regional fizeram parte do modelo adotado pela ditadura militar. Destrincha o milagre econômico e aponta o que estava por trás da máxima daqueles anos “deixar o bolo crescer primeiro, para depois distribuir”.
 
No alto de sua experiência em consultoria para as Nações Unidas e outras entidades, além de diversas passagens pela máquina pública, tanto no Brasil como no exterior, Dowbor alerta para a inconsistência das análises econômicas que atualmente pululam na mídia. Didaticamente, ele mostra o caminho: “É preciso fazer a lição de casa”, ou seja, o trabalho do economista: procurar os números, analisar os dados, comparar, checar…
 
Em seu site, www.dowbor.org, vocês podem encontrar e baixar os trabalhos do professor Dowbor. São mais de trinta anos destinados à economia e ao esforço de traduzi-la para um conjunto cada vez maior de pessoas. Seu mais recente trabalho, “Os Mecanismos Econômicos” (confira a íntegra aqui), mostra exatamente como funciona o sistema econômico e porque interessa a alguns setores que esses mecanismos permaneçam desconhecidos pela maioria da população.
 
Acompanhem a entrevista:
 
Uma das coisas que exploraram e usaram de pretexto para dar o golpe é que a inflação do governo João Goulart, o Jango era altíssima. Depois, durante a Ditadura, em longos períodos, tivemos inflação altíssima…
 
[ Ladislau Dowbor ] Em seus trabalhos, o Celso Furtado deixou muito claro que a inflação é um mecanismo de transferência de recursos. De forma geral, dos pobres para os ricos. Mais especificamente, das pessoas que têm renda fixa para os que têm renda variada. Uma empresa cuja matéria prima teve seu preço aumentado, acaba aumentando seu preço de venda. Ela tem formas de acompanhar a evolução da inflação. Um banco, se passa a captar dinheiro com um preço mais alto, ele joga isso nos juros. Eles têm como repassar o processo inflacionário para a frente. Agora, quando a inflação bate no trabalhador, ele fica esperando o reajuste salarial. Só que ela é empurrada durante todo o mês. Então, quando ele recebe o pagamento, na semana seguinte, o salário já vale muito menos.
 
Os assalariados, os aposentados e os pequenos produtores, que não têm como passar o preço para frente acabam perdendo a capacidade de compra que é transferida para as elites. Em particular para os bancos que criaram todo um sistema de aplicações de alta rotatividade. Neste sistema, eles aplicam o montante que o depositante deixa no banco. Com isso, os correntistas estavam perdendo o seu dinheiro e os bancos não. Todo processo de inflação se constituiu na transferência de concentração da renda nas elites. É importante pensar a inflação assim, porque as pessoas dizem “os preços subiram”. Inflação não aparece, de repente. Alguém subiu os preços para ela existir. E são esses grupos que sobem os preços, em particular os mercados financeiros, que jogam com a inflação como uma forma deles conseguirem reforçar a concentração de renda.
 
Isso é tão enraizado na cultura das elites brasileiras que em 1993, com o Plano Real, quando se quebra a inflação, foi feito uma troca: os bancos pararam de ganhar o que vinham obtendo com a inflação e passam a ganhar com os juros com duas vertentes: com os juros comerciais e com a taxa Selic. Apresentar juros ao mês é uma desonestidade
 
Tão alta e constante elevação dos juros, chega a ser, então, uma desonestidade?
 
[ Dowbor ] No caso dos juros comerciais, as pessoas não se dão conta, até porque não conhecem os juros internacionais e do resto do mundo. Só para citar alguns exemplos. Houve um escândalo nos EUA porque eles estavam cobrando 16% de juros ao ano no cartão de crédito. No Brasil o índice é 238% ao ano. O juro é calculado ao ano. Apresentá-lo ao mês, como ocorre no Brasil, é uma desonestidade, porque você esconde que ele é cumulativo. A pessoa pensa “é só 3%”. Eu sou professor da PUC-SP. Ela me paga no Santander e o cheque especial aqui no Brasil é de 160% ao ano. Agora, lá na Espanha, o correntista do Santander tem o direito de entrar no cheque especial até 5 mil euros, por seis meses e com juros zero. Isso é lógico. Como as pessoas deixam ali um dinheiro não aplicado – mas que o banco aplica – se o correntista entrar um pouco no vermelho, as coisas se equilibram. Existe uma lei para isso.
 
De certa maneira, o processo de concentração de renda nas mãos das elites (dos rentistas, principalmente aplicadores financeiros de diversos tipos), garantida pelo sistema da inflação, acentuada em 1964, se manteve por meio do sistema dos juros dos bancos comerciais a partir de 1993, quando entra o Plano Real. Basicamente hoje isso está na faixa de 60% ao ano para pessoa jurídica e 110% ao ano para pessoa física. A média do que se paga aqui no Brasil ao mês é o que se paga no resto do mundo ao ano. Em outras palavras, temos uma gigantesca transferência de recursos dos produtores, dos assalariados, das empresas produtoras para os intermediários financeiros, os rentistas.
 
E via a alta taxa SELIC?
 
[ Dowbor ] A outra via dessa transferência, além dos bancos comerciais, é a SELIC. Quando o Lula assume em 2003, a taxa SELIC estava a 24,5%, risco zero e liquidez total. Eu coloco a minha poupança no banco, ele usa esse dinheiro e me paga 8% ao ano. Mas, ele pega esse dinheiro e compra títulos do governo. O governo está pagando ao banco 24,5%, risco zero. No governo FHC a SELIC chegou a 46% ao ano. Mas, de onde o governo tira esses 24,5% para pagar? Ele tira dos impostos. Da minha aplicação, o banco me paga 8% ao ano, mas tira 24,5% do governo. Isso é uma transferência de renda que funciona atualmente, chegando à ordem de R$ 150 bi/ano transferido dos nossos impostos para pagar os bancos.

Eles acabaram com a CPMF que era um imposto razoável e eram os bancos que pagavam, porque eles fazem as transações financeiras, os demais pagavam pouco. Acabar com a CPMF foi uma forma de absolver os bancos dos impostos que chegava a R$ 60 bi. A SELIC chega a R$ 150 bi ao ano, é dinheiro dos nossos impostos transferido para os intermediários financeiros. Além disto, cobram juros exorbitantes, basicamente a mesma taxa ao mês que no mundo se paga ao ano. A isto temos de acrescentar os crediários comerciais, com os juros que eles obram, tipicamente de 100%. Pensem no exemplo das que têm dedicação total a nós. Tipicamente, um fogão que sai a R$ 200,00 da fábrica, eles vão pagar 40% de imposto, e vão ganhar bem mesmo vendendo à vista, cobrando por exemplo R$ 420 a vista. A prazo sai R$ 820,00. O consumidor está pagando $820,00 por um fogão que sai a R$ 200,00 da fábrica. É na venda a prazo, com juros exorbitantes, que se faz realmente o lucro. É mais uma atividade de intermediação financeira do que prestação de serviços comerciais.
 
Existe uma máquina de intermediários que drena as capacidades produtivas, tanto por reduzir a capacidade de investimentos dos produtores, como de obtenção por parte da população. Esse era o sistema contra o qual o João Goulart queria tomar medidas – estava em suas propostas de reformas de base. Foi o sistema que a ditadura militar reforçou mantendo a inflação e é o sistema que continua no tripé juros dos bancos / juros dos crediários / e taxa SELIC. Você pode me perguntar, mas por que esse negócio funciona? Funciona por uma razão muito simples: porque ninguém entende o sistema financeiro. Tanto isso é verdade que o Joseph Stiglitz, que foi economista-chefe do Banco Mundial, ganhou um prêmio Nobel porque ele mostrou como funciona. Mostrou esses mecanismos com base na assimetria da informação.
 
Vamos supor que você tenha um dinheiro e queira fazer uma aplicação. Você chega no banco e vai perguntar para o gerente de crédito no que deve aplicar. No final das contas, vai acabar fazendo o que ele achar. Você não acha nada.
Com Lula, o Brasil dá uma guinada
 
No regime militar, havia arrocho salarial e a máxima “o bolo precisa aumentar para depois dividir”. A partir do governo Lula, com o aumento dos salários acima da inflação, especialmente do salário mínimo – política consagrada por aquele governo – houve uma mudança?
 
[ Dowbor ] A partir do governo Lula, pela primeira vez, o Brasil teve uma guinada. O conceito de arrocho salarial está baseado em uma visão de economia que não se aplica mais. Todos os avanços tecnológicos na área produtiva hoje se baseiam no pouco que tivemos de investimentos nas áreas sociais. Quando uma empresa contrata um jovem engenheiro de 25 anos, esse rapaz representa 25 anos de investimento social. É uma pessoa que vai ajudar o país a desenvolver atividades sofisticadas. Se não tivermos esse investimento no homem – no conjunto de setores que tornam a pessoa efetivamente capaz de produção – nenhuma área funciona e você não tem bolo nenhum. Nós aumentamos a capacidade produtiva e vimos o tamanho do déficit no social, porque não se investiu de maneira equilibrada nos processos produtivos diretos. Ou seja, no vetor que faz funcionar o conjunto da máquina produtiva – os trabalhadores, as pessoas.
 
Nós tivemos uma modificação profunda a partir do governo Lula. Isso é discutido pelo Guido Mantega e por toda a equipe econômica. E a mudança não é só no Brasil, em termos de teoria economica. Estou falando também do Amartya Seen (Nobel de Economia em 1998), no conjunto da teoria econômica das Nações Unidas. Não é fazer o bolo e distribuir. Mas, primeiro, distribuir para poder fazer o bolo.
 
Nada gera mais capacidade produtiva do que investir nas pessoas
 
Fazer distribuindo?
 
[ Dowbor ] Mais do que isso. Há um relatório da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL, da ONU), de primeira linha, A Hora da Igualdade , que hoje orienta nosso continente. Ele mostra que os países que investiram nas pessoas, na educação, na saúde, na cultura etc, foram os que mais se desenvolveram e não o contrário. A explicação é que o mecanismo econômico que todos chamavam de “gasto do Estado” nas pessoas é, na verdade, investimento. Investimento no homem, no trabalhador.

Nada gera mais capacidade produtiva do que investir nas pessoas. O Japão, a Coreia, a China seguiram esse caminho. Existe um filme muito interessante chamado Os Caminhos da Escola, de 50 minutos, sobre o sistema educacional de Xangai. Lá, existe um professor para cada dez alunos. Eu visitei a China várias vezes. Agora, pergunta: o que é para uma professora aqui no Brasil tentar manter 40 moleques quietos numa sala de aula? Você tem um outro conceito, outro nível de importância para a educação lá.
 
O que significou o milagre econômico, na prática?

[ Dowbor ] Essa ideia de “crescer” do período da ditadura casava muito bem com os interesses da elite de abocanhar mais dinheiro, mas não fechava o ciclo. A produção como um investimento nas pessoas faz parte de um circulo completo, porque sem esse investimento não se aumenta a produtividade.
 
O resultado é que você teve um milagre econômico, mas basicamente de multinacionais que vieram aqui produzir para as elites. O que se produzia na época? Automóvel, televisão, geladeira. Os apartamentos para a classe média e a classe média alta. Isso casava bem com o que foi o regime militar. A concentração de renda era necessária para eles para expandir o mercado, porque eles trouxeram para um país pobre produtos que eram generalizados nos Estados Unidos. Só que esses produtos não estavam dentro da capacidade de compra dos mais pobres. A maneira de você expandir o mercado para bens relativamente sofisticados era concentrar a renda. Daí que se aumentou essa bolha de classe média e, até hoje, a gente se sente nela. Mas, isso reforçou a elitização e quando se preencheu a bolha de prosperidade, todo o sistema caiu de novo.

O sistema só foi retomado, efetivamente, a partir do governo Lula. O povo fala do Bolsa Família, mas muito mais importante foi o aumento sistemático do salário mínimo. Nós tivemos em 10 anos, um aumento de compra efetiva da ordem de 60%. Isso é gigantesco para quem está lá embaixo. Um pouco de dinheiro embaixo gera muita transformação. Esse mesmo dinheiro em cima não muda nada. O fato do dinheiro ser muito mais produtivo quando vai para a base da sociedade é uma clareza desse processo que tivemos apenas nos últimos 10 a 15 anos.
 
O Joseph Stiglitz (o Prêmio Nobel de quem ele falou acima) disse sobre o Brasil: “não só fizeram, mas mostraram que dá certo”. Saiu recentemente um estudo de indicadores de progresso social, da Universidade de Havard, que não é nada de esquerda, mostrando os avanços do Brasil. Na realidade, não tem muito mistério. Você amplia a base, faz uma pirâmide de base muito mais ampla, gera um mercado muito mais amplo, aumenta a escala de produção, de custos unitários e gera uma dinâmica de crescimento com mercado interno, inclusão social e impactos concretos.
 
Falas como essa do Stiglitz e tantas outras acabam não ganhando o devido destaque. Onde as pessoas podem procurar informações?
 
[ Dowbor ] Nós temos agora uma pesquisa de fundo realizada em 2013, o Atlas Brasil 2013, que trabalhou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de todos os 5.565 municípios brasileiros (confira a íntegra). A pesquisa tem uma escala inter-institucional que não permite maquiagem de cifras. Ela é das Nações Unidas, IBGE, IPEA e Fundação João Pinheiros de Minas Gerais. Todos esses órgãos se associaram, participaram do seu levantamento. Eu participei de reuniões nesse processo e garanto que, pela primeira vez, nós temos uma imagem correta de IDH agora. E, até para que ninguém venha dizer que são cifras do PT ou qualquer bobagem do gênero.
 
A gente pegou como intervalo de análise 20 anos – entre 1991 e 2010 – e os dados são impressionantes. Em 1991, nós tínhamos 85% dos municípios brasileiros classificados com IDH muito baixo. Isso significa, abaixo de 0,50. Uma situação catastrófica em 85% dos municípios brasileiros. Em 2010, são apenas 32 municípios nesta situação, ou seja, 0,6% da totalidade.

Nesses 20 anos, o aumento de esperança de vida foi de 9 anos. Isso é gigantesco. Passamos de uma média de 65 anos de esperança de vida (em 1991) para 74 anos. Isso significa que o Brasil, o brasileiro, em duas décadas, ganhou 9 anos. Qualquer um que disser que o país está em crise está falando uma besteira monumental de quem não fez lição de casa. Ou seja, simplesmente, não viu os números.
 
Vários outros indicadores provam a melhora. Por exemplo, a população brasileira de 18 a 20 anos, com curso secundário completo, passou de 13% para 41%. Isso também é gigantesco. Claro que ainda é muito pouco, mas o ponto de partida era dramaticamente baixo. É bom lembrar que a ditadura não investiu na área humana. Estamos pagando o preço disso até hoje. O avanço educacional e de esperança de vida, só para citar exemplos, indicam um resultado de fatores aí, como aumento da cobertura do sistema de vacinas, saneamento, acesso a alimentação para as crianças etc. Essas coisas impactam.
 
A média de moeda estável de aumento da renda per capta familiar foi de R$ 346,00. Em uma família de 4 pessoas, isso significa ter mais R$ 1 mil por mês. Significa poder comer carne, ir ao cinema com as crianças. Isso tudo se soma com os números do governo. Foram tiradas da miséria 36 milhões de pessoas pelos vários programas sociais dos governos Lula e Dilma Rousseff.
 
Isso a partir de 2003, primeiro ano de governo Lula?
 
[ Dowbor ]  Sim, a partir de 2003, (esses programas) se aprofundaram muito. E eu digo isso com muita tranquilidade, porque a Ruth Cardoso (falecida esposa do presidente FHC), no tempo do governo de seu marido, pediu para eu dar uma assessoria naquilo que ela chamava de Comunidade Solidária. Dei, foi uma atividade não paga, algumas vezes por ano e eu não me fiz de rogado. Dei os conselhos que precisava dar para o interesse do país. Quando começa o governo Lula, nós tínhamos 60 milhões de pessoas – na ordem de grandeza, 1/3 da sua população – sem carteira de identidade, conta bancária, endereço postal. Enfim, 60 milhões de brasileiros não existiam para a administração pública.

Tanto que foram necessários dois anos para que o governo pudesse chegar até toda essa gente, identificando e cadastrando. Só nesse investimento do cadastro, foram incluídas 60 milhões de pessoas na cidadania. Em termos de Bolsa Família, isso é muito mais do que transferência do dinheiro, até porque o programa é condicionado a vacinas, educação etc.

Na realidade, a partir desse cadastro foi possível um conjunto de outros programas que passaram a se enraizar a partir deste conhecimento. Um exemplo é o Luz para Todos que levou eletricidade para quem ainda não tinha. Você puxou 60 milhões de excluídos e isso gerou uma base política muito forte que permitiu, inclusive, a reeleição do Lula e a eleição da Dilma. Até porque, por mais que as elites e a classe média gritem, por mais que a mídia distorça as coisas, a base da população se baseia no concreto, no bife que agora consegue comprar.
 
Avanço no Brasil é gigantesco
 
O avanço no Brasil é gigantesco. Eu me irrito um pouco como as pessoas pensam o Bolsa Família. Ou não estão fazendo a lição de casa ou estão de má fé. O aumento do salário mínimo atinge cerca de 26 milhões de trabalhadores, permitindo efetivamente aumentar o poder de compra e cerca de 18 milhões de aposentados. O Bolsa Família atinge cerca de 50 milhões de pessoas. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) passou dos ridículos R$ 2,5 bi para cerca de R$ 15 bi o orçamento do financiamento. Pela primeira vez, o pequeno produtor começou a poder investir, a se desenvolver. São cerca de 2 milhões de famílias. É muita gente. Há outros programas da maior expressão, como o Territórios da Cidadania e o ProUni, que permite o acesso à universidade para cerca de 1 milhão de moleques que não tinham esperança alguma de entrar na universidade e outros.
 
O avanço se explica por um mecanismo que não é a bolha de prosperidade classe média/elites, como era na época da ditadura, mas um embasamento do conjunto da máquina econômica, da sociedade em geral. Essa rearticulação não é só puxar os pobres para cima, mas também reduzir as distâncias regionais, as distâncias raciais, as distâncias de remuneração entre os gêneros que continua sendo precária – a mulher ganha mais ou menos 70% em média do salário de um homem para fazer a mesma atividade.
 
Uma coisa interessante de se dizer é que como a gente pegou nessa pesquisa do Atlas Brasil 2013, os anos de 1991 a 2010, apareceram as cifras do governo FHC e neles houve fortes progressos também. Esses progressos se devem, essencialmente, ao Plano Real. A inflação era uma punção tão forte na capacidade de compra da sociedade em geral, que o Plano Real fez com que a década fosse muito positiva. O que aconteceu com o governo Lula é que passou a existir uma sistemática, uma política de Estado de inclusão que gerou emprego e aí a coisa adquiriu um ritmo forte. Se olharmos duas décadas de Brasil fica claro: o país está mudando e para melhor. Não dá para contestar isso, a não ser por motivações políticas ou interesses específicos.
 
Na sua visão, como se explica então esses ataques contra o país?
 
[ Dowbor ] Respondo com o meu exemplo. Eu fiz a lição de casa. Peguei os números no Ministério do Desenvolvimento Social. Os números estão ali, online, qualquer um poderia, qualquer jornalista com um mínimo de consciência pode fazer e ver como estão os projetos, seu andamento, a atualização física, financeira. No site do Ministério há os contatos para quem tiver dúvidas. Isso dá para fazer. São 149 projetos. Eu fiz esse tipo de avaliação durante muitos anos para as Nações Unidas e sei o que são cifras reais e o que é maquiagem. Até porque os números têm de bater. Eu não tenho dúvida: o movimento gerado no Brasil é muito forte. Só cego não vê.
 
Eu pego e analiso os indicadores – Atlas Brasil 2013, PNADs, sínteses de indicadores sociais do IBGE, e os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, um documento magistral que o IBGE vem produzindo.O Joseph Stiglizt, que não é um cara desinformado, está dizendo “está dando certo”. Michael Porter (professor de Havard) e o pessoal da Universidade de Havard também dizem “está dando certo”.
 
Esse imenso ataque que estão fazendo, em parte, é por desinformação. Mas, em grande parte, ele é feito por uma elite que quer resgatar os tempos de antigamente. Por que aparece de volta uma Marcha da Família? A saudade dos militares? “Eu era feliz e não sabia”? Além disso, a classe média tem força e essa mídia que, no Brasil, pertence basicamente a quatro famílias tem como perturbar e travar um processo de progresso que se constata.
 
Quais as heranças da ditadura?
 
[ Dowbor ] Uma das principais é que nas últimas décadas nós tivemos deslocamentos profundos. O tipo de concentração de renda que as multinacionais exigiam aqui no Brasil foi somente com o regime militar. Essa herança da desigualdade permanece e isso apesar de uma década de uma política sistemática de Estado, de se puxar o pessoal de baixo para cima, de fazer inclusão produtiva, social etc. Nós continuamos sendo um dos 10 países mais desiguais do mundo. Nós temos muito caminho ainda de inclusão, apesar de sentir-se que para as elites e a classe média, nesse quesito, já deu, já chegamos ao máximo. elas dizem: “Oh, meu Deus, essa gente está chegando e invadindo a nossa praia…”
 
Agora, quando nós pensamos nas multinacionais lembramos do setor automobilístico etc. Com razão, mas a gente esquece o campo. A guerra das commodities pelos grãos no planeta é muito forte. O Brasil tem uma das maiores extensões de terra agricultáveis parada e com água, o que hoje é chamado de ouro azul. Contra a reforma agrária se gerou tudo. O presidente João Goulart, o Jango, estava propondo um mínimo de reforma agrária. Francamente, o agricultor não ter acesso em um país que tem por baixo 160 milhões de hectares de terra agrícola parada é um absurdo.
 
E o que é hoje a bancada ruralista? Ela é um sistema interligado com os grandes tradersinternacionais – como Bunge, Cargilletc – que trabalham para a exportação e pagam muito pouco imposto. Não há imposto para comprar terra no Brasil. É uma baba comprar em grandes quantidades e o imposto territorial é uma piada. Se você comprar no exterior vê a abissal diferença… Na Europa por exemplo, se você tiver uma terra que não usa, o imposto é de um tamanho tal que ou você vende ou produz. Por que isso é importante? Com o massacre das Ligas Camponesas e a liberação geral dos jagunços no interior, ou seja, com a generalização da violência no campo, você forçou violentamente a expulsão do homem do campo. Isso gerou essa massa de miseráveis nas cidades que temos de enfrentar até hoje. São Paulo, Recife etc. Foram pessoas expulsas do campo que migraram para cidades controladas pela direita na época, onde só se investia nas classes média e nas elites.Cidades que incharam, não é que cresceram.
 
Agora, estamos em 2014. Você vai nas periferias e nas favelas e vê como as pessoas ainda vivem. Está sendo feito todo um trabalho. Foi criado o Ministério das Cidades no governo Lula, mas o que temos é ainda um imenso atraso. Nós somos um país com 85% de população urbana. Nos anos 50, nós tínhamos 2/3 de nossa população na área rural. Há poucos exemplos no mundo de êxodo rural por expulsão do campo tão profundo e tão violento – porque foi muito mais expulsão do que por atração das cidades. Essa é outra herança da ditadura.

Agora, esse processo de urbanização e criação de periferias miseráveis em torno das cidades é extremamente difícil de mudar, porque se enraízam estruturas de poder. Como a indústria das drogas. O que aconteceu na realidade? Você jogou o rico e o pobre e os aproximou compulsoriamente. Você tem uma reação dos ricos hoje. Eles constroem suas ilhas, seus Alfavilles (um dos mais estritos e luxuosos bairros-condomínios fechados de São Paulo), com controle e cercas elétricas, tal como os senhores feudais com seus castelos e sua ponte. Isso é patológico. É patológico, inclusive, para as crianças que nascem ali e têm medo do mundo. Não conhecem as coisas.
 
Heranças trágicas

Além do exôdo rural forçado, quais outras heranças você citaria da ditadura?
 
[ Dowbor ] Nós temos outra herança maldita que é esse peso dos juros, a taxa SELIC, o rentismo etc. que carregamos até hoje. E tem uma herança política trágica que é a Lei de 1997 que liberou o financiamento corporativo das campanhas eleitorais. A partir de 1997, com essa lei, as empresas podem colocar 2% do seu capital para financiar candidatos. Isso é trágico. Repito: 2% do capital, não do lucro. O que é muito dinheiro. Com o financiamento das corporações, você passa a ter uma bancada dos bancos, uma bancada dos ruralistas, uma bancada das grandes empreiteiras. Eu te pergunto: cadê a bancada do cidadão?
 
Está na nossa Constituição, “o poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Corporação não é povo, a corporação é um instrumento econômico, legítimo, mas não é povo. Com essa lei, gerou-se uma grande dificuldade para você introduzir transformações no país, transformações extremamente fortes.
 
Além disso, tem uma dimensão que ninguém fala – imagino eu, por prudência – que é a dimensão do Judiciário. Quando a gente olha o Judiciário, por exemplo, a imensa expulsão de pequenos produtores durante o governo militar, com os juízes regionais que em geral são das famílias dos grandes proprietários dali, gerou-se uma grilagem generealizada e legalizada. Todo sistema de cartórios, que levou a uma expropriação monumental, tem uma tradição de conluio do Judiciário com esses grandes interesses. Daí você ter juristas de alta relevância no país dizendo tranquilamente “a ‘revolução’ gera sua própria legalidade”. Ou seja, você faz o que quer e declara o que é legal. Francamente…
 
Sem falar que a revolução a qual eles se referem é o golpe de 64…

[ Dowbor ] Não é possível falar de revolução sendo que o golpe que o que o golpe fez foi assegurar a continuidade de reforços em relação às elites. O sentido do golpe é o de manter e aprofundar os privilégios e os desequilíbrios na base da força e do porrete. A classe média é sempre muito barulhenta. Ela fica histérica. É curioso o tipo de bobagens que se escuta e se lê. A gente estuda isso em outro plano, que é a formação das pessoas, das visões sobre economia, sobre a política. Quando se trata de proteger privilégios, a tendência das pessoas é trancar completamente a cabeça e raciocinar com o fígado.
 
Todos esses dados que mencionei e outros que estão aí que atestam os avanços, quando você vai mostrar, tudo isso não passa. As pessoas estão buscando argumentos para dizer “não, isso não pode ser verdade”, “é tudo maquiagem”. As pessoas se crispam na defesa dos seus privilégios. Há um economista francês, muito interessante, o Delavoye, que afirma ser muito mais fácil tirar o necessário do pobre, do que o supérfluo do rico. Essa é a tensão que a gente enfrenta.
 
A ditadura teve grandes escândalos, mas o que ouvimos sempre é que não havia corrupção naquele tempo, ou que depois dela, na redemocratização, na democracia, foi muito maior. Por que isso?
 
[ Dowbor ] Dizer que há mais corrupção agora do que em outros tempos é, simplesmente, uma bobagem. Quando você tem um regime de exceção no qual você não pode denunciar, não pode falar as coisas, tudo fica enrustido. E, quando as coisas ficam menos visíveis, uma série de gente gosta de dizer “não, nós somos melhores”. Veja bem, foi o governo Dilma que criou em 2012, a Lei da Transparência. Uma Lei que obriga todos a produzirem e divulgarem os seus dados.

Agora, a Lei da Transparência vale para o setor público. Nós não temos uma Lei da Transparência para o setor privado. Quando você fala em corrupção, as pessoas pensam em política e em políticos. Ninguém raciocina que você não tem corrupção do político sem que ele receba dinheiro de alguém. Não existe apenas metade da laranja. Eu publiquei um livro agora, pela Fundação Perseu Abramo, chamado “Os Estranhos Caminhos do Nosso Dinheiro” (confira aqui a íntegra) no qual eu analiso como os mecanismos de corrupção funcionam no Brasil e no plano internacional.
 
No livro você detalha esse funcionamento também no plano internacional?
 
[ Dowbor ] Sim, porque com a crise, a partir de 2008, as fraudes dos grandes grupos financeiros foram tão monumentais que, em diversos países, foram feitos esforços muito grandes para puxar os números e descobrir o que estava acontecendo. A crise desabou em cima da gente. Na época, inclusive, o (banco) Lehman Brothers estava classificado pelos índices de cotação das agências de risco como o Triplo A, ou seja, o máximo.
 
Por isso, o Zé Dirceu escrevia que essas agências não tem mais a menor legitimidade, porque dentre outras razões, elas não previram, nem denunciaram aquilo, aquela iminente quebra…
As pessoas não sabem que essas empresas (agências de risco) são pagas pelas pessoas que elas auditam. E são apenas três.
 
As agências de risco?

[ Dowbor ] Sim. Não são agências públicas, não é coisa pública. Elas são pagas pelo serviço. O que faziam, por exemplo, com a Enron antes da Lehman Brothers? A equipe de auditoria ia lá para ver os números, sentavam com os contadores da empresa, aconselhavam “olha, melhora isso assim, aquilo assado”. Eles ganhavam como consultores. Aí, depois, voltavam para a empresa para fazer a auditoria.
 
Com a crise, gerou-se um grande pânico e as cifras vieram à tona. Saíram coisas muito interessantes. Por exemplo, os números dos paraísos fiscais. O PIB mundial hoje é de US$ 70 trilhões. Mas, segundo a principal pesquisa, da Tax Justice Network, dirigida pelo James Henry, ex-economista da McKinsey (uma grande empresa), nesses paraísos fiscais existe entre US$ 21 trilhões a US$ 30 trilhões. E a estimativa é que o Brasil teria cerca de US$ 520 bilhões – quase R$ 1 trilhão. O PIB do Brasil é R$ 4 trilhões, ou seja, estamos falando de 25% do PIB brasileiro desviado para paraísos fiscais. Isso acontece por evasão fiscal, corrupção, o que você quiser. Os diversos caminhos de desvio dos recursos da sua utilidade social e da sua legitimidade são avassaladores.

E os mecanismos de desvios e fraudes aqui no Brasil são semelhantes aos utilizados internacionalmente?

[ Dowbor ] São muito semelhantes, mas com algumas diferenças. Por exemplo, os desvios de dinheiro através dos sistemas bancários na Europa e nos Estados Unidos se dão mais por alavancagem. No Brasil, mais por taxas de juros. A alavancagem é interessante. É bom explicar porque a maior parte das pessoas não sabem. Por exemplo, se eu tenho a minha poupança no banco e eles me pagam 8% sobre a minha poupança e aí se eles emprestam esse dinheiro a 20%, eles dizem “estou emprestando a 20%, mas tenho de pagar 8% ao dono deste capital”.

Banco ganha emprestando o dinheiro que não tem
 
Como a pessoa não retira esse dinheiro, o que os bancos fazem? Eles emprestam 20% desse dinheiro para um cliente; mais 20% do mesmo dinheiro para outro; mais 20% para outro e assim por diante. É isso que se chama alavancagem. Todos os bancos conhecem isso. Eu estudei na Suíça, onde se formam os banqueiros, e eles diziam que a principal forma do banco ganhar dinheiro não é emprestando dinheiro e ganhando com o spread entre o que custa para ele e o que ele empresta, o que seria no nosso exemplo 12%. Não. O banco ganha dinheiro emprestando o dinheiro que ele não tem (que é do cliente), com a alavancagem.
 
O Lehman Brothers, quando chegou a crise, tinha uma alavancagem de 31. Isso significa que ele tinha US$ 10 bilhões em caixa, mas havia emprestado US$ 310 bilhões. E se todos os clientes, de repente, inventam de buscar esse dinheiro? Aí eles diziam, “a gente empresta do Citbank”. O problema é que o Citbank estava fazendo a mesma coisa e o outro banco idem. E e por aí vai. Estou falando da alavancagem, mas existem outros mecanismos. O mercado de futuro, os derivativos que permitem aos bancos emitirem direitos de opção de compra sobre produtos, como se fossem moedas. Mas não são moedas, são apenas papéis que circulam. Eles são muito usados aqui. Para você ter uma ideia, o PIB mundial é de US$ 70 trilhoes e os derivativos emitidos pelos bancos já superam US$ 600 trilhões. É por isso que o pessoal da área econômica diz que é o rabo que abana o cachorro e não o contrário.
 
Os produtores, os trabalhadores, os empresários efetivamente produtivos, todos são prejudicados por esse sistema, porque ele gera apropriação pelos intermediários. Os traders e todos os sistemas financeiros que foram criados rompem qualquer lógica. Esse sistema, mundialmente aceito, de financeirização da economia é o principal vetor do refluxo da igualdade. Nesse sentido, um país como o Brasil está na contra-corrente, porque nós estamos aumentando a base da nossa igualdade.

Mas, se o governo, se a presidenta Dilma perder a eleição em outubro, não vem um retrocesso nessa usca pelo aumento da igualdade?
 
Sem dúvidas. Volta aquilo que havia anteriormente (antes dos governos do PT). Veja a guerra das elites na América Latina. Basta observar o que aconteceu na Venezuela, em Honduras, as tentativas no Chile, na Bolívia. Tirar o supérfluo dos ricos é complicado. Agora, há um conjunto de produtores sérios. O fato de se expandir o mercado externo melhorou muito, porque nós tivemos a criação de pequenas e médias empresas em uma quantidade impressionante. Gente que responde a novas demandas que estão aparecendo nas populações, que está comprando e gerando pequenas empresas.
 
É importante dizer que o PIB não mede de maneira adequada o resultado. O PIB não mede resultados, mas os esforços da economia. Mede, por exemplo, a velocidade da máquina, mas não o que se faz. Por exemplo, se eu faço educação, esse pessoal que hoje está entrando via ProUni vai se tornar produtivo daqui uns anos, não agora. Hoje, nós estamos no esforço (de fazer, mas…), o resultado vem lá na frente. O mesmo em relação às infraestruturas que estão sendo criadas e que vão gerar capacidades. Agora nós estamos fazendo o esforço, o resultado virá lá na frente. Isso não conta como investimento no PIB. Aí você escuta a gritaria de que o PIB é pequeno. Mas, ora, 2% a 3% de crescimento de PIB ao ano é razoável e você tem o menor desemprego da história. As pessoas não entendem isso.
 
A Maria Conceição Tavares (professora, economista, ex-deputada) acabou de publicar uma entrevista em que ela diz: “PIB, pibinho…? eu acredito nos clássicos, emprego, elevação de salário mínimo, inclusão da base social e investimentos” (vejam aqui a entrevista). A Conceição faz parte desse conjunto de economistas que hoje estão afluindo muito rapidamente. A coisa é bem diferente.

Créditos da foto: Blog Zé Dirceu

GREVES NO BRASIL: O DESPERTAR DE UM NOVO CICLO DE LUTAS?



Marcelo Badaró Mattos* – Revista Rubra

Um dos mais visíveis indicadores do recuo das lutas coletivas da classe trabalhadora brasileira, a partir dos anos 1990, foi a diminuição do número de greves. Em 1989, no auge do ciclo de lutas sociais que marcou o fim da ditadura empresarial-militar instalada em 1964, ocorreram cerca de 4000 greves no Brasil. Nos anos seguintes este número foi caindo, até atingir 1228 greves em 1996, 525 em 2000 e 299, em 2005, num dos pontos mais baixos da curva (o menor número foi de 298 em 2002). Para explicar tal declínio das mobilizações organizadas dos trabalhadores, podemos elencar diversos fatores: o desemprego e a precarização das relações de trabalho decorrentes do processo de reestruturação produtiva que se acelera a partir da década de 1990; o progressivo apassivamento da maioria da direção sindical mais combativa (reunida em torno da Central Única dos Trabalhadores, a CUT), que ao longo dos anos 1990 adere progressivamente a uma lógica conciliatória e amolda-se à ordem do capital e à estrutura sindical oficial; e, já nos anos 2000, a incorporação de dirigentes sindicais aos governos capitaneados pelo Partido dos Trabalhadores, acompanhada da transformação da CUT em braço sindical dos governos petistas e de sua definitiva incorporação à estrutura sindical oficial. Explicar detalhadamente cada um desses fatores demandaria mais espaço e tempo do que dispomos aqui.

O que nos interessa neste momento, porém, é assinalar uma inflexão. Depois de 446 greves contabilizadas em 2010 e 554 em 2011, no ano de 2012 aconteceram 873 greves no Brasil, segundo os estudos do DIEESE. É o maior número registrado desde 1996 e revela um crescimento significativo nos últimos anos do recurso à paralisação do trabalho, como arma para enfrentar os baixos salários, a perda de direitos dos trabalhadores e as péssimas condições de trabalho, geradoras de uma crescente onda de acidentes de trabalho, especialmente em setores como o da Construção Civil, que se viu mais aquecido com as grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e dos “mega-eventos” (Copa do Mundo de Futebol e Olimpíadas). A relativa estabilidade do nível de emprego (relativa porque os números oficiais contabilizam 6 milhões de desempregados, mas também 62 milhões de brasileiras e brasileiros em idade ativa que por alguma razão não buscam empregos) também pode ajudar a explicar por que cresce o número de greves. Ainda não foram divulgados os dados sobre as greves no ano de 2013, mas tudo indica que a tendência ao crescimento se manterá.

Só o passar do tempo poderá confirmar se estamos diante de um novo ciclo de crescimento das lutas organizadas da classe trabalhadora no Brasil. Há, no entanto, algumas características desse ciclo de greves que já nos apontam certas questões centrais. Trato a seguir de duas delas e com isso salto também do exame geral dos números de greves para o comentário específico, ainda que rápido, sobre algumas paralisações mais significativas.

A primeira questão diz respeito à relação estabelecida entre as ”jornadas de junho” de 2013 (as manifestações multitudinárias das quais já tratei aqui) e as greves. Na época das grandes manifestações de meados de 2013, uma das características mais discutidas de seu perfil foi a rejeição aos partidos políticos e, em alguma medida, às organizações sindicais. Quando as centrais sindicais tentaram aproveitar o embalo das grandes passeatas para impulsionar dois dias nacionais de luta unificada, o que se viu foram manifestações de escala muito reduzida e, em grande medida, restringidas a dirigentes e funcionários dos aparatos sindicais. De que relação se poderia tratar então? Indo um pouco além da aparência dos acontecimentos, podemos perceber que as grandes demandas das manifestações de meados de 2013 – pela redução do preço e melhoria da qualidade do transporte coletivo, contra a violência policial, contra as corporações empresariais de mídia, em defesa da saúde e da educação – estavam longe de ser novidades. Trata-se de um conjunto de bandeiras assumidas e propagandeadas pelos movimentos sociais que mantiveram uma perspectiva mais mobilizadora e combativa, mesmo em meio à maré vazante de lutas dos anos 1990 e 2000. Em especial a defesa de mais verbas e melhor qualidade para saúde e educação públicas teve nos sindicatos de trabalhadores desses dois setores no serviço público brasileiro seus principais propagadores. Em 2012, por exemplo, uma grande greve dos trabalhadores da educação no serviço público federal atravessou mais de três meses de enfrentamentos com o governo de Dilma Rousseff. Ou seja, lutas sindicais, ainda que fragilizadas e fragmentadas, das duas décadas passadas foram essenciais para manter em pauta a defesa desses direitos fundamentais. Por outro lado, as manifestações de 2013 impulsionaram greves e táticas de lutas dos sindicatos mais combativos. Em vários estados do país, sindicatos de profissionais da educação fizeram greves no segundo semestre de 2013. No Rio de Janeiro, a greve foi longa, enfrentou a intransigência dos governos estadual e municipal, mas gerou uma nova onda de passeatas multitudinárias em seu apoio, chegando a reunir novamente cerca de 100 mil pessoas nas ruas do Centro da cidade em outubro. Muitos dos manifestantes de junho foram às ruas novamente concretizar a palavra de ordem da defesa da educação, consubstanciando-a em apoio ativo à luta dos trabalhadores do setor. A mesma tática de levar a greve para a rua, na forma de grandes manifestações foi empregada pelos trabalhadores da limpeza urbana do Rio de Janeiro (os garis), que em pleno carnaval carioca deste 2014 paralisaram suas atividades para garantir melhorias salariais e de condições de trabalho. Apesar do incômodo com o acúmulo de lixo nas calçadas e ruas, em plena festa carnavalesca, a maioria da população da cidade apoiou a greve e quando, em 7 de março, os garis fizeram sua maior manifestação pelo Centro da cidade foram fortemente aplaudidos e receberam muitas adesões em seu protesto. Imediatamente após essa demonstração de força, a Prefeitura do Rio de Janeiro, que havia classificado a greve como “motim” e mobilizara escoltas policiais para forçar os garis a trabalharem, chamou os líderes da greve para negociar e a paralisação se encerrou com ganhos substantivos para os trabalhadores.

Uma segunda questão central a discutir é a da relação entre estas greves e os sindicatos. Embora continue a existir um setor combativo do movimento sindical, que se mobiliza e comanda greves e apesar de até mesmo a burocracia mais acomodada em alguns momentos ser obrigada a convocar paralisações do trabalho, o que chama a atenção em muitos desses movimentos grevistas recentes é que eles se fazem à margem das, e muitas vezes contra as, direções sindicais. Foi o que aconteceu na greve dos garis, em que a direção sindical, encastelada há décadas no sindicato de trabalhadores da limpeza urbana e sempre disposta a colaborar com os governos e a frear mobilizações, não só se posicionou contra a greve, como tentou evitá-la, boicotando a assembleia dos trabalhadores que iria deflagrá-la e anunciando acordos com a municipalidade que nunca foram discutidos pela categoria. Mesmo na greve dos profissionais da educação do segundo semestre de 2013, dirigida pelo Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE), cuja composição é majoritariamente de militantes da esquerda mais combativa, houve uma nítida tensão entre o posicionamento da direção (mostrando disposição para negociar acordos que pusessem fim à greve, ainda que sem maiores garantias de conquistas) e uma parcela expressiva das bases, mais radicalizada. Um último exemplo, também muito significativo, é o das greves dos operários da construção civil nos canteiros de obras do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj). Duas delas ocorreram em 2013 e uma terceira, de maiores dimensões, atravessou mais de 40 dias nos meses de fevereiro e março de 2014. Novamente aí a direção do sindicato local colocou-se contrária à greve e buscou “negociar” com as construtoras à revelia dos 28 mil grevistas, que por mais de uma vez mantiveram a paralisação dos trabalhos após anúncios de acordo e fim de greve por parte dos dirigentes sindicais. Os protestos dos trabalhadores em greve envolveram fechamento de estradas e incêndio de ônibus e logo no início do movimento, na madrugada de 6 de fevereiro, dois trabalhadores foram feridos à tiros. Várias declarações de envolvidos no protesto acusaram “seguranças” contratados pelo sindicato como responsáveis pelos disparos.

Enfim, entre outras questões importantes postas por essas greves, parece ser fundamental compreender que uma nova onda de mobilizações grevistas, que possa recolocar a classe trabalhadora organizada no centro do debate político nacional, dependerá: por um lado, da capacidade das bases sindicais e dos dirigentes mais combativos de alargarem as lutas, através de mobilizações de massas, que envolvam os setores mais precarizados e menos organizados da classe trabalhadora, que demonstraram seu potencial de descontentamento em junho de 2013; por outro lado, de uma renovação do panorama sindical brasileiro, com a substituição de burocracias esclerosadas pela colaboração de classes por novas lideranças surgidas das greves que se enfrentam com esses burocratas. Somente com o fortalecimento de um polo sindical combativo, que estabeleça os laços necessários entre as frações mais formalizadas e as mais precarizadas da classe e se disponha a romper com os métodos e as armadilhas da estrutura sindical oficial, poderemos estar à altura do desafio.

*Professor titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense e nos últimos 25 anos tem estudado e participado dos movimentos da classe trabalhadora brasileira

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Informação Página Global

Motivos de ordem interna, relacionados com dificuldades técnicas, não permitiram que o Página Global cumprisse as suas habituais publicações durante as últimas três semanas. Ainda pelos mesmos motivos, apesar de procedermos a uma ou outra publicação, as postagens são na atualidade muito reduzidas. Estamos envidando esforços para superar as dificuldades e retomar o ritmo normal de publicações. Até à normalização agradecemos a sua paciência, fidelidade e apoio. 

(Redação PG)

Angola: PROJETOS E O FUTURO



Jornal de Angola, editorial - 14 de Maio, 2014

Os angolanos estão a conhecer os benefícios das grandes obras promovidas pelo Executivo, no âmbito de investimentos públicos que se estendem a vários sectores da vida nacional.

Os diversos programas públicos executados pelas autoridades abrangem todo o território nacional, sendo visíveis os esforços que se fazem no sentido de se esbaterem as assimetrias regionais, permitindo que milhões de angolanos, independentemente das regiões em que vivem, possam ter acesso a bens e serviços indispensáveis.

São factos relevantes uma maior distribuição de água potável e energia eléctrica e um aumento do número de estudantes de diferentes níveis de ensino, acompanhado por uma campanha de alfabetização que vai produzindo resultados satisfatórios. 

Milhares de adultos, homens e mulheres, aprendem a ler e a escrever nas campanhas de alfabetização, em busca do necessário conhecimento para potenciarem a produção e, consequentemente, melhorarem as suas condições de vida.  

A educação constitui hoje no nosso país um dos sectores que têm merecido especial atenção das autoridades, o que se compreende, na medida em que só com conhecimento é que podemos viver bem.

Se o conhecimento estiver generalizado pelo nosso vasto território, teremos um país com cidadãos capazes de, em qualquer parte de Angola, fazer avançar a sociedade para o bem-estar e para uma vida digna para todos. 

Temos de trabalhar em prol de uma Angola na qual todos sejam felizes, mas alcança-se a felicidade se aliarmos o trabalho ao estudo, a fim de dominarmos ferramentas necessárias para fazermos as coisas com elevada competência em todas as áreas produtivas.   
     
As preocupações das autoridades estão centradas nas cidades e nas zonas rurais, com o Estado a realizar investimentos de grande impacto económico e social, no quadro da árdua luta contra a pobreza.

O combate à pobreza é uma das principais prioridades das autoridades e o percurso para a sua erradicação, que tem envolvido instituições diversas, dá-nos indicações de que é possível acabarmos com situações de carência de vária ordem.

O que importa é que, perante os inúmeros e complexos de problemas que ainda temos, haja sempre vontade para os superar e que os quadros que se vão formando sejam verdadeiros construtores de obras que permitam mudar efectivamente as nossas vidas.  

Os problemas, esses, continuarão a existir. Há problemas que, pela sua dimensão, não se resolvem em pouco tempo. Temos, entretanto, de ter fé nas nossas forças, na nossa inteligência e no nosso saber, para contornarmos os obstáculos.

Se nos dedicarmos ao trabalho e ao estudo, havemos de resolver os nossos problemas, por mais complexos que eles sejam. É bom saber que muitas províncias estão a conhecer mudanças significativas em termos de infra-estruturas.  As bases para o desenvolvimento vão chegando com celeridade a todo o país e as comunidades vão desfrutando de equipamentos sociais necessários à vida.

Hoje, por exemplo, a província do Cuando Cubango anda nas bocas do mundo e actualmente, quando se fala dela, faz-se referência ao progresso que regista. Sabe-se que estão em execução no Cuando Cubango vários projectos, com vista ao aumento da capacidade de fornecimento de água potável e de energia eléctrica à cidade do Menongue e a vários municípios.

A água e a energia eléctrica são essenciais para o crescimento económico e podem atrair investidores privados que procuram desenvolver actividades produtivas e, obviamente, lucrar com os negócios.

Os que têm capitais investem normalmente em com infra-estruturas sólidas, pelo que o Estado, interessado na expansão da economia, vai realizando investimentos nas bases do desenvolvimento económico, para que surja um elevado número de empresas em todo o país.

A província do Cuando Cubango está a ser um bom exemplo de como é possível dar vida, através da edificação de infra-estruturas, a áreas que têm quase tudo para crescer economicamente e de ser auto-suficientes na produção de muitos bens.

É entretanto fundamental que os projectos públicos sejam executados com eficiência, pois eles destinam-se a promover o nosso crescimento e desenvolvimento. E se executarmos hoje bem as nossas tarefas, na perspectiva de um crescimento e desenvolvimento harmonioso, estaremos a assegurar também uma boa qualidade de vida para as gerações futuras. É importante que os projectos que hoje  executamos tenham, além de solidez, qualidade  que seja efectivamente geradora de  progresso .

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