quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Portugal: A BROA DOS VELHOS

 


Alberto Pinto Nogueira – Público, opinião
 
A República vive da mendicidade. É crónico. Alexandre de Gusmão, filósofo, diplomata e conselheiro de D. João V, acentuava que, depois de D. Manuel, o país era sustentado por estrangeiros.
Era o Séc. XVIII. A monarquia reinava com sumptuosidades, luxos e luxúrias.

A rondar o Séc. XX, Antero de Quental, poeta e filósofo, acordava em que Portugal se desmoronava desde o Séc. XVII. Era pedinte do exterior.

A Corte, sempre a sacar os cofres públicos, ia metendo vales para nutrir nobrezas, caçadas, festanças e por aí fora….

Uma vez mais, entrou em bancarrota. Declarou falência em 1892.

A I República herdou uma terra falida. Incumbiu-se de se autodestruir. Com lutas fratricidas e partidárias. Em muito poucos anos, desbaratou os grandes princípios democráticos e republicanos que a inspiraram.

O período posterior, de autoritarismo, traduziu uma razia deletéria sobre a Nação. Geriu a coisa pública por e a favor de elites com um só pensamento: o Estado sou eu. Retrocedia-se ao poder absoluto. A pobreza e miséria dissimulavam-se no Fado, Futebol e Fátima.

As liberdades públicas foram extintas. O Pensamento foi abolido. Triturado.

O Povo sofria a repressão e a guerra. O governo durou 40 anos! Com votos de vivos e de mortos.

A II República recuperou os princípios fundamentais de 1910, massacrados em 1928.

Superou muitos percalços, abusos e algumas atrocidades.

Acreditou-se em 1974, com o reforço constitucional de 1976, que se faria Justiça ao Povo.

Ingenuidade, logro e engano.

Os partidos políticos logo capturaram o Estado, as autarquias, as empresas públicas.

Nada aprenderam com a História. Ignoram-na. Desprezam-na.

Penhoraram a Nação. Com desvarios e desmandos. Obras faraónicas, estádios de futebol, auto-estradas pleonásticas, institutos públicos sobrepostos e inúteis, fundações público-privadas para gáudio de senadores, cartões de crédito de plafond ilimitado, etc. Delírio, esquizofrenia esbanjadora.

O país faliu de novo em 1983. Reincidiu em 2011.

O governo arrasa tudo. Governa para a troika e obscuros mercados. Sustenta bancos. Outros negócios escuros. São o seu catecismo ideológico e político.

Ao seu Povo reservou a austeridade. Só impostos e rombos nas reformas.

As palavras "Povo” e “Cidadão” foram exterminadas do seu léxico.

Há direitos e contratos com bancos, swaps, parcerias. Sacrossantos.

Outros, (com trabalhadores e velhos) mais que estabelecidos há dezenas de anos, cobertos pela Constituição e pela Lei, se lhe não servem propósitos, o governo inconstitucionaliza aquela e ilegaliza esta. Leis vigentes são as que, a cada momento, acaricia. Hoje umas, amanhã outras sobre a mesma matéria. Revoga as primeiras, cozinha as segundas a seu agrado e bel- prazer.

É um fora de lei.

Renegava a Constituição da República que jurou cumprir. Em 2011, encomendou a um ex-banqueiro a sua revisão. Hoje, absolve-a mas condena os juízes que, sem senso, a não interpretam a seu jeito!!!

Os empregados da troika mandam serrar as reformas e pensões. O servo cumpre.

Mete a faca na broa dos velhos.

Hoje 10, amanhã 15, depois 20%.

Até à côdea. Velhos são velhos. Desossem-se. Já estão descarnados. Em 2014, de corte em corte (ou de facada em facada?), organizará e subsidiará, com o Orçamento do Estado, o seu funeral colectivo.

De que serviu aos velhos o governo? E seu memorando?

*Alberto Pinto Nogueira é Procurador-Geral – Adjunto
 

AS SERVIÇAIS DE SERVIÇO

 

We Have Kaos in the Garden
 
Portas e Maria Luís em ‘roadshow’ para conhecerem novos chefes da troika. O vice-primeiro ministro e a ministra das Finanças deslocam-se esta semana a Bruxelas, Frankfurt e Washington, entre terça e quinta-feira, para encontros com os responsáveis da Comissão Europeia, do BCE e do FMI. Portas e Maria Luís Albuquerque são acompanhados no périplo pelo secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Carlos Moedas, e pelo secretário de Estado Adjunto do vice-primeiro-ministro, Miguel Morais Leitão.
 
Boa viagem e divirtam-se. Vão lá prestar vassalagem e receber as ordens dos vossos donos. Já agora podiam aproveitar a viagem e irem todos à merda. Essa parte da viagem nós pagávamos com prazer.
 

Angola: CENSURA NOS MÉDIA DO ESTADO É AMEAÇA À DEMOCRACIA - ADRA

 


Informação tem que monitorizar acções do governo, diz Guilherme Santos
 
Teodoro Albano – Voz da América
 
A ausência de uma informação plural, contraditória e rigorosa nos meios de comunicação social públicos é uma ameaça para a construção da democracia em Angola, admitiu no Lubango o presidente do conselho directivo da Acção de Desenvolvimento Rural e Ambiente, ADRA, Guilherme Santos.

Segundo Guilherme Santos, a consciência crítica que começa a haver no país em relação a alguns problemas sociais, deve passar para um nível de consciência organizativa onde na sua opinião os meios de informação públicos têm um papel relevante.

O desrespeito a lei e aos princípios deontológicos da parte dos meios de comunicação social públicos, condiciona segundo, Guilherme Santos, o exercício pleno da democracia.

“Eu não sou jornalista mas sei que o jornalismo tem o ABC deontológico e agir conforme a lei. O que está acontecer em Angola é que os órgãos de comunicação públicos não agem em conformidade destes dois pilares. E isto condiciona as escolhas e condiciona a cidadania. Penso que se Angola quer dar saltos do ponto de vista da promoção da democracia participativa é preciso libertar os órgãos de comunicação social para trabalhar com base na lei, naquilo que está previsto na constituição e na legislação ordinária, e com base no padrão deontológico do jornalismo,” disse.

A autocensura um dos métodos adoptados por alguns jornalistas na abordagem de determinados assuntos, por receio de perda do emprego, é condenada por Guilherme Santos, que na sua visão, a estratégia expõe a fraca qualidade e credibilidade do jornalista e do órgão que serve.

Sobre o alegado controlo que o poder impõe aos meios de informação públicos, Guilherme Santos, tem a seguinte opinião.

“Se há quem está interessado em controlar a informação também tem que ter consciência de que isto tem um efeito perverso. Haver uma informação plural faz bem a sociedade faz bem a humanidade é importante termos isto, ajuda a fazer aquilo que se chama a monitoria das políticas públicas das decisões das promessas, ajuda a escrutinar as pessoas que tomam conta do país, os governantes, mas não proporciona ganhos a longo prazo, proporciona ganhos a curto prazo para quem tem o poder,” acrescentou.
 

VIOLÊNCIA EM LUANDA

 


Analistas debatem crime e violência social
 
Manuel José – Voz da América
 
Os níveis de violência em Luanda continuam a aumentar e reflectem problemas sociais profundos, disseram analistas num debate numa rádio local.

A jurista Ana Paula Godinho disse que ela própria já foi vítima dessa violência.

"Basta sair à rua somos assaltados, tiram-nos a carteira, apontam-nos uma arma, já me aconteceu duas vezes, é a violência em todos os momentos,” disse.

Contudo a jurista assegura que a violência não se resume apenas aos assaltos mas também na maneira de falar das pessoas e nos conteúdos de letras musicais.

"As pessoas conversam com uma certa violência, as letras das músicas que dizem "vou te matar, vou te matar" até as crianças pequenas não conseguem ficar 15 minutos sem dizer "Vou te bater"," disse

A jornalista Suzana Mendes apontou outras formas de violência de que enfermam Luanda.

"Pais contra filhos, recentemente um pai que bateu a filha até ao ponto de a deixar cega, caso de um irmão que matou outro irmão, verdadeiros dramas sociais, " disse

"Vivemos numa situação de stress permanente com engarrafamentos etc, acho que 'e realmente chegado de se dar importância aos especialistas destas áreas: psicólogos, educadores sociais, no sentido de poderem dar o devido acompanhamento e atenção as pessoas," acrescentou.
 

Guiné-Bissau: GOLPISTAS DO 12 DE ABRIL PEDEM AMNISTIA

 


Assembleia Nacional Popular reúne-se esta quinta-feira
 
 
Bissau - A Assembleia Nacional Popular reúne-se esta quinta-feira, 5 de Setembro, para mais uma sessão de trabalhos. Entre os aspectos que constam na agenda destaca-se o projecto-lei de amnistia pedido pelos autores do golpe de Estado de 12 de Abril de 2012.
 
Segundo informação avançada à PNN, entre os outros pontos de agenda para esta sessão destaca-se ainda o projecto-lei sobre a polémica de cortes de madeira na Guiné-Bissau.

A revisão da Lei da Comissão Nacional de Eleições, assim como o Orçamento Geral do Estado são outros dos assuntos agendados.

Em relação ao primeiro aspecto da agenda, os analistas referem que com esta iniciativa os autores do golpe de Estado de 2012 estão conscientes da gravidade dos seus actos em atropelo à democracia e ao estado de direito na Guiné-Bissau.
 
(c) PNN Portuguese News Network
 

TENSÃO EM BISSAU

 


Em Bissau, anda tudo em alerta. Depois da reunião, em Dakar, das chefias militares dos quatro países que teimosamente continuam a suportar os golpistas de Bissau, fontes fidedignas confidenciaram ao DC que o verniz pode estalar a qualquer momento. O CEMGFA António Indjai está (ainda) mais recatado, e quando se pavoneia por Bissau fá-lo com um grande aparato de segurança - não vá o diabo tecê-las...

Nessa reunião, recorde-se, foi pedida a cabeça de Indjai. Ditadura do Consenso sabe agora que a administração norte-americana fez um acordo tácito com os quatro da CEDEAO: a entrega do general António Indjai pode contribuir para aliviar o cerco a que a Guiné-Bissau está sujeita desde o patético golpe de Estado de 12 de abril de 2012. António Indjai tem, assim, e no entender da nossa fonte, os dias contados.

Nessa reunião, ainda segundo a mesma fonte independente, os EUA não foram de modas e puseram as cartas na mesa: já que os quatro países apoiam o golpe, já que têm uma força militar no terreno; já que a acusação da DEA é pública e existindo mesmo um mandado internacional de captura contra o general, então que sejam as tropas da ECOMIB a tratar da empreitada: capturar o acossado e assustado general, entregando-o de seguida, ou à INTERPOL ou aos agentes norte-americanos, em Dakar.

Os EUA sabem que Indjai não cairá tão cedo noutra cilada - era suposto ser preso aquando da detenção do contra-almirante Bubo Na Tchuto; e sabem também que os seus agentes e informadores (nenhum é norte-americano) no terreno, podem correr riscos desnecessários. Assim, a única maneira de o parar é detê-lo em Bissau ou no interior do país. Mansoa, para já, está fora de questão - a cidade está 'fortificada'. Pode ser que o apanhem durante o trajecto de 60 km entre as cidades de Bissau e de Mansoa.

'Na tchon!'

Começam a conhecer-se os contornos da detenção do contra-almirante, Bubo Na Tchuto, acusado pelos EUA de vários crimes. Os agentes da DEA não sabiam que ordens dar ao grupo comandado pelo Bubo para se renderem. Em inglês, não dava. E eles não falavam nem português, nem crioulo. Optaram por recorrer a um cidadão guineense, que lhes ensinou o grito de guerra: 'Na tchon!" - deve bastar, pensou. Então, quando o Bubo é recebido a bordo, o agente que os recebeu estava satisfeito, e bateu palmas gritando lá para baixo: "champanhe para todos!" - era o sinal para a tropa de choque intervir. A seguir, Bubo e os seus acólitos viram, estupefactos, a entrada de homens fortemente armados gritando 'Na tchon!, na tchon!' - perceberam e deitaram-se todos com as mãos na nuca.

O resto foi expedito. Algemados dois a dois, nos pés e nas mãos, foi enfiado a cada um deles um capuz na cabeça. Só então rumaram para Cabo Verde, onde os esperava um avião para os levar rumo à América. Bubo Na Tchuto está a ser julgado em Nova Iorque, e talvez já no próximo dia 19 de setembro saberá a sorte que lhe calhou nesta atribulada viagem... AAS
Ditadura do Consenso – António Aly Silva
 
À Margem
 
Ah!, Guiné... António Indjai foi promovido hoje a general de quatro estrelas; a Mamadu Nkuruma calharam três estrelas. Já Daba na Walna passou a brigadeiro general e tem uma estrela. AAS
 

Brasil: Quando novíssimos atores entram em cena, conquistas inesperadas acontecem

 


Ao ser questionado se as manifestações de junho dariam em alguma coisa, um motorista de táxi respondeu ao filósofo Paulo Arantes: “Já está dando”. Para provar que o motorista tem razão, resolvi começar uma lista de conquistas impensáveis antes do 11 de junho, e que pode ser completada pelos leitores. Por Ermínia Maricato
 
Ermínia Maricato - Carta Maior
 
Organizados em rede – negando a hierarquia e a centralização – informados, politizados, persistentes (o MPL luta contra o aumento das tarifas nos transportes públicos há 8 anos), criativos, inovadores, bem-humorados, críticos à política institucional, formados especialmente por integrantes de classe média (mantendo, porém, forte vínculo com movimentos da periferia): essas são algumas das características dos novíssimos atores que, a partir de 11 de junho de 2013, irromperam mais fortemente na cena política brasileira.

O MPL – Movimento Passe Livre – não é o único, mas é sem dúvida um dos mais importantes entre muitos e fragmentados movimentos de esquerda que usam a internet para sua organização. Talvez o fato de ser constituído por integrantes de classe média é o que explica a decisão de enfrentar a polícia nas jornadas de junho. Dessa vez, como em anos anteriores, a polícia não iria tirar os manifestantes das ruas. Eles tinham decidido usar as formas de dispersar, diante da repressão, para reunir-se um pouco à frente ou na quadra ao lado. Os celulares ajudaram muito nessa tática. Há um movimento cultural febril nas periferias urbanas, mas cada proletário sabe o quanto lhe custa enfrentar a polícia. Não é necessário decidir pela confrontação. Ela se dá todos os dias.

Ao contrário da esquerda tradicional, os novíssimos atores querem mudanças aqui e agora. Ao invés das abordagens holísticas construídas em torno das grandes reformas ou revoluções. As demandas podem ser pontuais, mas referidas a pontos estratégicos, de grande impacto político e social. A recusa radical ao reajuste das tarifas está ligada a um radicalíssimo mundo sem catracas. Tarifa zero. Mobilidade total para todos. O que é mais importante na vida urbana do que ter mobilidade? Acessar a tudo que a cidade oferece independente do local de moradia? Como abrir a caixa preta dos jurássicos sistemas de transportes de nossas metrópoles sem impactar tudo e todos na cidade? Incluindo o uso do solo, o meio ambiente, a moradia, a segregação, o exílio dos jovens na periferia, os acordos de campanha eleitoral, as “prioridades orçamentárias”, o sofrimento dos que dependem desse transporte, a dominação urbana rodoviarista, imobiliária etc. etc.

O interesse das concessionárias é que define os trajetos dos ônibus. O transporte sobre trilhos avança a passos de cágados (para dizer o mínimo). As grandes obras de infraestrutura priorizam o rodoviarismo. As ciclovias são vistas como o morango que enfeita o bolo. O sistema de transporte resulta absolutamente irracional e caro em relação ao interesse público e social. O rabo abana o cachorro. E isso acontece apenas na área da mobilidade? Óbvio que não.

Quais são as conquistas dos movimentos que se seguiram ao junho de 2013?

Para os que acompanham as condições de vida das cidades brasileiras, a adesão massiva aos primeiros chamados do MPL em junho não surpreendeu. Mas as conquistas têm sido muitas e surpreendentes, a começar pelo fato de que mais de 100 cidades voltaram atrás no reajuste das tarifas, e está colocada uma forte tensão sobre o sistema de mobilidade e os aumentos dos próximos anos.

Além de recuperar a discussão sobre o transporte urbano na sociedade brasileira após quase 30 anos em que o tema foi banido pelas políticas neoliberais, outros temas de políticas públicas foram despertados. Um deles, o mais paradigmático, foi sobre a política de segurança. Por milhares de registros fotográficos e vídeos evidenciou-se que a polícia cria, frequentemente, a insegurança e o pânico (como não ver muitos dos policiais como vítimas de uma política que prioriza o patrimônio ao ser humano?).

Muitos temas adormecidos foram despertados a partir de junho. “E agora, isso vai dar em alguma coisa?” – perguntou-me um amigo dias atrás. Como respondeu um motorista de táxi ao filósofo Paulo Arantes, para semelhante pergunta: “Já está dando” (apresentação do livro “Cidades Rebeldes”; Boitempo, 2013).

Para provar que o motorista citado pelo Paulo tinha razão, resolvi começar uma lista de conquistas impensáveis antes do 11 de junho, e convido alguns desses novíssimos atores que são expertos em internet a abrir uma lista de contribuições. Primeiramente, vamos abrir a relação das conquistas que estão impactando a cidade de São Paulo:

- CPI dos Transportes Públicos na Câmara Municipal de São Paulo: votada sob pressão de 60 jovens manifestantes que tomaram a CMSP. Eles prometem acompanhar os trabalhos da CPI. Como Luis Nassif informou em seu blogue, há “coisas” inacreditáveis que atuam como empresa de ônibus. ISSO NÃO É POUCO!

- Suspensão da licitação do transporte coletivo sobre ônibus na cidade de São Paulo. Valor aproximado de R$ 43 bilhões. Está dada a chance de ordenar os trajetos de cada companhia de ônibus na cidade, subordinando-as a um plano municipal e metropolitano. A tarifa deverá decorrer desse novo arranjo administrativo e espacial. ISSO NÃO É POUCO!

- Suspensão, pelo prefeito Fernando Haddad, do início da obra de túnel (que a gestão Kassab deixou licitado) no valor inicial de R$ 3 bilhões (equivalente a 50% do orçamento da Secretaria Municipal de Saúde). Segundo a lei específica da Operação Urbana, caso a arrecadação com CEPACs (arrecadação decorrente de venda de potencial construtivo previsto na Operação Urbana) não fosse suficiente para cobrir o custo do túnel, o orçamento público municipal seria “chamado” a completar os gastos. A tempo: o projeto do túnel não admitia o trânsito de ônibus, mas apenas de automóvel, contrariando diretriz do Plano Diretor. Mesmo como obra viária, o túnel não seria prioridade. Trata-se de uma “obra imobiliária”, coerente com o projeto especulativo que caracteriza a operação. ISSO É MUITO!

- O prefeito de São Paulo voltou atrás nos investimentos em obras relacionadas ao “Arco do Futuro”, desmontando mais um arranjo que captura uma parte da cidade para o rentismo imobiliário.

- Os corredores de ônibus passaram a ser implantados imediatamente, mostrando que nem tudo depende de obras e grandes recursos. O tempo gasto no transporte coletivo em alguns trajetos já diminuiu.

- Rejeição de alvará para aeroporto privado em área ambientalmente frágil, ao sul do município de São Paulo. O Rodoanel (obra dos governos estaduais tucanos) cortou a Área de Proteção dos Mananciais, e agora os capitais privados tentam “plugar” na mega-obra viária. SUCESSO NA TENTATIVA DE CONTER A OCUPAÇÃO EM ÁREA DE MATA ATLÂNTICA, MANANCIAIS DE ÁGUA E PEQUENA PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA.

Sobre a cidade do RIO DE JANEIRO muito haveria para dizer, mas do ponto de vista urbano, para começar nossa lista, há dois eventos importantes que merecem destaque:

- Desistência da privatização do Maracanã. A privatização previa a destruição de um parque aquático e de uma praça esportiva que servem aos jovens da região. Ao desistir de demolir esses equipamentos, a privatização perdeu a atração para os capitais privados. MEGA VITÓRIA!

- Fim do despejo da Comunidade do Autódromo. Após uma longa queda de braço entre os moradores, que contaram com a ajuda do IPPUR da UFRJ, e a prefeitura, esta desistiu de removê-los.

Enfim, a partir de 11 de junho, já foram desmontadas muitas tentativas de assalto às cidades brasileiras, e os direitos sociais se afirmaram em muitas ocasiões, o que estava ficando raro. Ampliar a consciência sobre as cidades como espaço da luta de classes seria, sem dúvida, uma das grandes conquistas das jornadas de junho. E nessa batalha, setores radicalizados da classe média têm o seu papel.

Contribua com nossa lista de conquistas.

* Ermínia Maricato é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP

Fotos: Prefeitura de Canoas/RS

Leia mais em Carta Maior
 

Brasil: SEMELHANÇAS QUE NÃO SÃO MERAS COINCIDÊNCIAS

 


Mário Augusto Jakobskind – Direto da Redação
 
Qual a semelhança entre o deputado Natan Donadon, do PMDB, que está cumprindo pena por peculato e formação de quadrilha no presídio de Papuda, em Brasília, e o Senador boliviano Roger Pinto Molina, que conseguiu fugir da embaixada brasileira em La Paz e percorrer 1600 quilômetros sem ser molestado?
 
Donadon foi poupado pelos seus pares e não perdeu o mandato parlamentar. Tanto o deputado brasileiro como o senador boliviano juram inocência. Pergunta-se: qual o réu acusado por crimes de corrupção admite culpa?
 
Roger Pinto Molina já estava condenado a um ano de prisão em um processo por corrupção e deveria responder a outros 20. Além de ser acusado de crimes ambientais, Molina responde na Justiça por delitos econômicos no valor de 6 milhões de dólares, cometidos quando governou o Departamento de Pando.
 
O Senador boliviano também está envolvido em um massacre que resultou na morte de 13 indígenas e em centenas de feridos. Ou seja, o parlamentar boliviano não é propriamente um perseguido político, da mesma forma que o deputado brasileiro.
 
Esteve mais de 15 meses na Embaixada brasileira, tendo recebido asilo político pelo governo de Dilma Rousseff, mas não salvo conduto por parte da Bolívia. Na semana passada, em uma operação rocambolesca, que tem todos ingredientes de participação de serviço de inteligência associado com setores conservadores do brasileiro e boliviano, Molina ingressou em território do Brasil e em seguida foi de avião particular para Brasília em companhia do Deputado Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
 
O coordenador da operação de fuga, o encarregado de negócios brasileiro em La Paz, diplomata Eduardo Saboia, passou a ser considerado pela mídia de mercado um “herói”. Os defensores da fuga chegaram a alegar que a ação foi feita por “razões humanitárias”, já que Molina estava doente e em estado de depressão. Tão doente que ao chegar ao Brasil nem um médico foi procurar e a sua alegria não lembrava em nada o “estado depressivo” alegado.
 
Os defensores de Molina, alguns colunistas de sempre, estão sendo contraditórios. Enquanto criticam com toda a veemência o fato de a Câmara dos Deputados ter mantido o mandato do parlamentar presidiário Donaton, defendem com o máximo ardor o agora ex-Senador Molina, na verdade, não propriamente um perseguido político, mas sim um acusado, que tem todo o direito de defesa, de delitos econômicos contra a nação boliviana e de direitos humanos.
 
Baseado em informações incorretas da própria representação diplomática brasileira em La Paz, o Itamaraty aprovou a concessão do asilo político, portanto não a um perseguido político, mas a um político acusado de corrupção. O então Ministro Antonio Patriota poderia ter recorrido a outras fontes antes de levar a posição ao governo e conceder o asilo político. Patriota, agora ex-ministro virou embaixador na ONU.
 
Esse episódio lembra o modo de agir bizarro do conservadorismo brasileiro, que defendeu uma ação militar contra o governo de Evo Morales quando a Bolívia decidiu defender os seus interesses e adotar medidas restritivas contra a ação da Petrobras.
 
Ninguém foge de um país percorrendo mais de 1600 quilômetros sem ser admoestado. É preciso saber quem protegeu o senador. Se isso não for feito, seguirá pairando a dúvida de que a ação foi mesmo coordenada por grupamentos conservadores interessados em criar fatos no sentido de impedir a continuidade da integração latino-americana, que passa pelo entendimento entre brasileiros e bolivianos.
 
E quem estaria interessado em dividir as nações latino-americanas se não os setores conservadores associados aos serviços de inteligência dos Estados Unidos, cujo governo pretende que o nosso continente volte a ser o pátio traseiro ou quintal de Washington, como declarou recentemente o secretário de Estado norte-americano, John Kerry?
 
Uma pergunta que não quer calar: se por um acaso o deputado-presidiário Natan Donadon para fugir da sentença que o condenou a 13 anos de prisão pedisse asilo político a uma embaixada estrangeira no Brasil, qual seria a reação popular e das autoridades? E o que diria a mesma mídia de mercado que tenta incutir na opinião pública que Roger Molina é um perseguido político?
 
“Você finge que aprende e eu finjo que ensino” - As recentes declarações da professora e doutora da Faculdade de Direito de São Paulo, Maristela Basso sobre o episódio da fuga do senador boliviano remetem ao que dizia o saudoso mestre Darci Ribeiro ao criticar a academia: “você finge que aprende eu finjo que ensino”.
 
A professora doutora disse que “a Bolívia é insignificante em todas as perspectivas. É um país, sim, que tem uma fronteira enorme com o Brasil, são nossos vizinhos que têm maior fronteira terrestre, mas nós não temos nenhuma relação estratégica com a Bolívia, nós não temos nenhum interesse comercial com a Bolívia”. E ainda por cima acrescentou: “os brasileiros não querem ir para a Bolívia. Os bolivianos que vêm de lá vêm tentando uma vida melhor aqui, [eles] não contribuem para o desenvolvimento tecnológico, cultural, social e desenvolvimentista do Brasil. Então, Bolívia é um assunto menor”.
 
Além de demonstrar racismo e preconceito, a professora doutora, fã de Fernando Henrique Cardoso, simplesmente demonstrou ignorância sobre o fato de que três quartos do gás natural consumido pelas indústrias paulistas provêm da Bolívia, por um gasoduto de mais de 3.000 quilômetros.
 
Se estivesse entre nós mestre Darci Ribeiro certamente repetiria o que disse ao longo dos anos.
 
*É correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE
 

DILMA FOI ESPIONADA PELOS EUA, REVELAM DOCUMENTOS

 


“Eles estão festejando o sucesso da espionagem”, diz Glenn Greenwald, comentando a documentação
 
A revelação de novos documentos cedidos pelo ex-analista da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, sigla do inglês), Edward Snowden, prova que a presidente Dilma Rousseff e seus assessores mais importantes foram espionados pelos Estados Unidos. Segundo os documentos, os sistemas utilizados permitiram aos serviços secretos dos EUA conhecer o conteúdo de conversas telefônicas e e-mails trocados por Dilma com assessores diretos.
 
As informações, veiculadas no domingo (1º) pelo programa "Fantástico", da Rede Globo, revelam que, além da presidente Dilma, os americanos também espionaram o presidente do México, Enrique Peña Nieto, quando ele ainda era candidato ao cargo, e mais nove membros de sua equipe. A reportagem do "Fantástico" teve acesso a uma apresentação confidencial feita dentro da NSA, em junho de 2012.
 
Os documentos foram repassados por Snowden ao jornalista Glenn Greenwald, que colaborou na reportagem do "Fantástico". "Ficou muito claro, com esses documentos, que a espionagem já foi feita, porque eles não estão discutindo isso só como alguma coisa que eles estão planejando. Eles estão festejando o sucesso da espionagem", observou Glenn. Fica expresso também que o governo dos EUA mentiu quando disse que não tinha acesso aos conteúdos das comunicações interceptadas, apenas "metadados", o total de conexões que passam pelo Brasil.
 
Segundo reportagem do G1, em Hong Kong, quando se encontrou com Glenn Greenwald, Edward Snowden comentou os documentos que mostram a espionagem contra a presidente Dilma. Ele disse o seguinte: "a tática do governo americano desde o 11 de setembro é dizer que tudo é justificado pelo terrorismo, assustando o povo para que aceite essas medidas como necessárias. Mas a maior parte da espionagem que eles fazem não tem nada a ver com segurança nacional, é para obter vantagens injustas sobre outras nações em suas indústrias e comércio em acordos econômicos".
 
De acordo com os papéis recolhidos na NSA por seu ex-analista, o conteúdo da espionagem cobriu não só as comunicações da presidente com seus principais assessores, mas também a comunicação dos assessores entre eles e com terceiros. "Esforço crescente" é o título da apresentação com a foto de Dilma que diz: "Compreensão crescente dos métodos de comunicação e canais selecionados da presidente brasileira Dilma Rousseff e seus assessores chaves".
 
A apresentação em que Dilma e Enrique Peña Nieto são citados tem um total de 24 slides, onde eles aparecem até em fotos.
 
A documentação secreta é denominada "filtragem inteligente de dados: estudo de caso México e Brasil". E está indicado que os serviços secretos que podem acessar o documento são: Estados Unidos, Austrália, Canadá, Grã-Bretanha e Nova Zelândia, países com os quais os EUA têm acordos na área de espionagem. Segundo a apresentação, o programa possibilita encontrar, sempre que quiser, uma "agulha em um palheiro de uma forma eficiente e que pode ser repetida". Nessa apresentação, a NSA explica com detalhes como teve acesso a um volume imenso de dados espionando os telefonemas, e-mails e mensagens de celular (SMS) das duas autoridades.
 
Um gráfico mostra toda a rede de comunicações usada pela presidente Dilma com seus assessores. Na última página, o documento diz que o método de espionagem usado é "uma filtragem simples e eficiente que permite obter dados que não são disponíveis de outra forma. E que pode ser repetido".
 
No caso da espionagem sobre o então candidato mexicano Peña Nieto, a NSA usou dois programas para coletar informações, que posteriormente passaram por um filtro. Sob um título "mensagens interessantes", está a prova de que o conteúdo das mensagens foi acessado. Dois trechos são citados: num deles, o candidato conta quem seriam alguns de seus ministros – que realmente tomariam posse seis meses depois da eleição.
 
Entre os documentos há mais uma apresentação, chamada "Desafios Geopolíticos para 2014-2019: Identificação de Desafios para o Futuro". Um terceiro documento, diz que uma divisão inteira da NSA é dedicada a investigar a política internacional e atividades comerciais de outros países, com um setor encarregado de nações da Europa Ocidental, Japão, México e Brasil.
 
"Se confirmado, isto revelará uma violação inaceitável e inadmissível à nossa soberania. A violação da soberania não pode acontecer sob nenhum pretexto, mesmo para investigação de atos ilícitos. Agora, quando a violação se dá para uma dimensão política, uma dimensão empresarial, do ponto de vista normativo a situação fica, sem sombra de dúvidas, piorada", afirmou o chanceler Luiz Alberto Figueiredo Machado.
 
Na manhã da segunda-feira (2), o ministro convocou ao Itamaraty o embaixador norte-americano no Brasil, Thomas Shannon, para tratar da denúncia exibida pela Rede Globo. No diálogo, segundo Figueiredo Machado, Shannon se comprometeu a levar à Casa Branca o desejo brasileiro de uma resposta formal sobre o esquema que atingiu Dilma. O ministro disse ter cobrado do embaixador "prontas explicações formais por escrito sobre os fatos revelados na reportagem".
 
Segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, as providências que o governo vai tomar são: cobrar explicações formais do governo dos EUA e recorrer aos órgãos internacionais, como a ONU, para discutir a violação de direitos de autoridades e cidadãos brasileiros. "Agora vêm informações que, se confirmadas, são muito graves. Violam a soberania do país. São violações à privacidade de nossa chefe de Estado e dos cidadãos brasileiros, que deve ser defendida de forma intransigente pelo Estado brasileiro", disse.
 
Cardozo, por sinal, acaba de retornar dos Estados Unidos, para onde viajou justamente para conversar com autoridades do país sobre as denúncias anteriores. Na viagem, esteve com o vice-presidente, Joe Biden, além da assessora de assuntos contra Terrorismo, Lisa Mónaco, e com o chefe do Departamento de Justiça, Eric Holder. Todos disseram que o esquema de espionagem se limitava a questões de segurança.
 
Ao retornar na sexta-feira (30), o ministro declarou que as explicações tinham sido "suficientes", mesmo após a recusa dos americanos de aceitar um protocolo bilateral para garantir o respeito pelos Estados Unidos à soberania da legislação brasileira, que garante interceptação de dados apenas em casos em que haja autorização judicial. E mesmo após o secretário de Estado, John Kerry, ter dito sem rodeios que a espionagem vai continuar.
 
As novas revelações e o comportamento arrogante e desrespeitoso para com o país pelos EUA mostram que não há nenhum clima para que a presidenta Dilma mantenha a visita a Barack Obama, programada para o dia 23 de outubro.
 
Walter Félix - Hora do Povo
 

BRASIL RACISTA E XENÓFOBO É MATO


RACISMO E XENOFOBIA

O Brasil esteve e está a ferro e fogo por causa da chegada de médicos estrangeiros que irão suprir a carência daqueles profissionais da saúde no interior do país. Lá longe. Na terra do nunca. É que nessas paragens distantes do interior do enorme brasilão, isoladas, médico que se preze não quer lá ir, não quer lá ficar, não quer ali trabalhar. Nada como ter o conforto das cidades medianas ou das grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e muitas outras capitais de estado. Mas os médicos estrangeiros estão nessa disposição. E vão para o interior, onde fazem muita falta e onde se adoeçe e morre mais por falta dos mais básicos cuidados de saúde. Médico é para isso. Se não quer terá de ir para universidade que produza advogados, engenheiros, economistas, banqueiros, etc. É de conhecimento geral que professores e médicos têm mesmo de preencher as lacunas até no interior, na terra do nunca. E isso deveria ser vocacional. Como vocacional deve ser salvar uma vida ou muitas mais nem que seja no esgoto ou em lagoa de piranhas. Mas não, os cómodos médicos querem cómodo. Querem que se lixem os doentes no interior, lá nas terras do nunca, nos confins do brasilão. “Mas olha que não é só isso não”. Diz médico brasileiro que assegura que a classe dos renitentes “deu tiro no pé”. “Olha que também é achaque de racismo e de xenofobia”. Garante. “Tu já viu o que sentem por ver tantos médicos a atirar para o negro?” Racismo? Ué, pode lá ser. “Pois é, meu filho, racismo no Brasil é por demais.” Assegura. “Repara que o maior sururu foi dirigido aos médicos vindos de Cuba. E eles na sua maioria são negros ou ali próximo. É racismo, puro e duro.” Recalcitra este brasileiro desbocado que saberá a verdade e muito sobre as doentes roupagens raciais do país dele. “Xenofobia também se verifica mas não tanto. Confirma isso no exemplo com os médicos que lá chegaram de Portugal. Nada de negros.” Pensemos: para quem não imagina este estado de espírito brasileiro e que até os vê muito cordiais com tudo e todos, muito comunicativos, muito alegres e desempoeirados, a passear e a trabalhar por esta Europa, a lição e certeza deste amigo brasileiro deixa-nos com um amargo de boca e uma desilusão que dói. “Olha que não é só médico que é racista e xenófobo. Isso é o estado de muitos. Basta ver como o negro é maltratado e índio é coisa que já lá estava quando chegaram no achamento mas que querem pôr fora, se necessário chacinar, dar sumiço.” Garante. Se assim é dá tristeza. Brasil, desilusão mil, lá-rá-lá-lá. Isso até dava uma canção deslavada. Limpinho… mas de cor negra.

Doutor Garcia: COMO TRABALHA O MÉDICO DE FAMÍLIA EM CUBA

 


Rodolfo Garcia, 50 anos, conhece bem a realidade dos sistemas de saúde pública de Cuba e Brasil, dois dos países em que já exerceu a medicina. Instrutor do curso destinado aos cubanos que irão atuar no programa Mais Médicos, ele está de volta ao Brasil com expectativas positivas de ajudar a melhorar o acesso da população carente à saúde. “Voltei porque me apaixonei pelo povo brasileiro”, afirmou à Carta Maior.
 
Najla Passos - Carta Maior
 
Brasília – Um ano antes de Brasil, Cuba e a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) firmarem o polêmico contrato que permitiu a vinda dos cubanos para atuar no programa Mais Médicos, eles já se preparavam para enfrentar os desafios da saúde pública brasileira. Um dos instrutores do curso de formação que englobou ensino da língua portuguesa e realidade da saúde no Brasil foi o cubano Rodolfo Garcia, 50 anos, conhecedor dos sistemas de saúde dos dois países.

Com 26 anos de prática médica, uma especialização, três mestrados e um doutoramento recém-iniciado, Garcia trabalhou no Brasil de 2002 a 2005 e, agora, está de volta. Em Conceição do Araguaia, no sul do Pará, atuou a frente do Programa de Saúde da Família (PSF). Se orgulha de ter melhorado a qualidade de vida de muitos idosos. “Tenho muitas saudades dos meus velhinhos de lá”, disse à reportagem de Carta Maior, com lágrimas escorrendo pela face. “Me apaixonei pelo povo brasileiro. E por isso voltei”.

Ciente de que em um país continental como o Brasil os desafios da saúde pública são muito maiores do que na pequena ilha onde vive, ele aponta como a experiência cubana poderá ajudar, disseca o funcionamento do sistema de saúde baseado em prevenção, lista as doenças transmissíveis já erradicadas da ilha e explica porque, em Cuba, os pacientes não morrem na fila de espera por um leito. Ele também fala sobre suas expectativas quanto ao Mais Médicos. “Com a vontade política que estou vendo agora, vai no caminho certo”.

Em que circunstâncias você veio trabalhar no Brasil, na década passada?

Primeiramente, eu vim para o Amapá, como consultor de atenção básica, na frente de um grupo de 40 médicos, que viriam em seguida. Fiquei uns três ou quatro meses, mas não deu certo, porque causa da briga dos médicos de lá. Então, prestei um exame de proficiência em língua portuguesa, fui aprovado, e segui para o Sul do Pará, em Conceição do Araguaia, onde trabalhei com duas equipes de Programa de Saúde da Família (PSF). Depois passei rapidamente por Tocantins, mas foi em Conceição do Araguaia que fiquei mais tempo. E foi muito legal.

Me relacionei muito bem com as enfermeiras, com a equipe e com a Secretaria de Saúde da cidade. Nós fizemos muita coisa boa na reorganização da atenção básica às grávidas, às crianças, aos adolescentes, com planejamento familiar. Mas a ação de maior impacto, em parceria com organizações da sociedade civil, foi desenvolvida com um grupo de idosos. Eu tenho fotos, revistas e jornais da época, que divulgaram tudo. O projeto se chamava Agita Conceição. Nós começamos com poucos idosos, mas depois o projeto foi crescendo muito. Nós chegamos a fazer desfile de moda com pessoas de mais de 80 anos.

Então, era mais do que um programa de atenção à saúde, nos moldes que conhecemos aqui?

Acontece que em Cuba, a medicina familiar tem outro conceito, um conceito muito social. Você olha a pessoa na consulta, depois você visita a pessoa na casa dela, conhece os problemas da família e tentar ajudar de algum jeito. Muitas vezes, as pessoas da terceira idade não são bem atendidas pela família. Então, nós tentamos integrá-las. Em Conceição do Araguaia, nós fazíamos academia pela manhã, depois alguma atividade cultural, com muito apoio das organizações de massa da região, da secretaria municipal de saúde, das equipes de PSF. Nós íamos com os velhinhos à praia, fazíamos almoços coletivos, atividades esportivas. Era muito, muito, muito legal. Eu tenho muitas saudades da equipe, do pessoal da Secretaria de Saúde e dos meus velhinhos.

A barreira da língua não atrapalhava o atendimento aos pacientes?

Eu me entendia muito bem com eles. E tenho certeza que ocorrerá o mesmo com os colegas que estão chegando. Antes de vir para o Brasil, eu fiz um pequeno curso de um mês. Depois, já no Brasil, estudei mais. E toda a turma que está chegando agora já fez algumas aulas. E o curso de acolhimento do Programa Mais Médicos está reforçando a fala portuguesa dos médicos cubanos. Todos já conseguem entender tudo. E mais de 80% já estão falando muito bem. E nós chegamos ao Brasil há poucos dias.

Você acredita que este programa vai ajudar a melhorar a saúde pública brasileira?

Esse programa vai dar certo por causa da concepção da medicina preventiva. Em Cuba, o médico geralmente mora onde moram seus pacientes. Aqui também vai morar pertinho. A troca de experiências, a troca de sentimentos, a humanização da saúde que nós temos, a forma com que nós fomos formados vai ajudar a fazer acontecer. O médico vai acompanhar cada uma das famílias, com enfermeiros, auxiliares de enfermaria e agentes comunitários de saúde. O médico se converte em mais um membro das famílias.
É assim que trabalhamos lá. Fazemos um diagnóstico da situação de saúde e, além disso, uma discriminação das pessoas mais carentes, as que mais precisam, que passam a ter prioridade. Então, o médico conhece a problemática. É uma missão muito integradora das condições sociais, higiênicos e epidemiológicas da região, das condições familiares, de mortalidade, das causas principais porque as pessoas ficam doentes e dos fatores de risco que condicionam isso. É uma medicina cem por centro trabalhada na prevenção, e não depois que o paciente fica doente. É trabalhar para que a pessoa não fique doente.

A diferença do sistema de saúde cubano tem a ver com a formação dos médicos, com essa visão mais integrada do paciente com seu meio?

Eu tenho trabalhado em vários países e tenho visto vários sistemas. A medicina cubana é preventiva, como eu falava. Nós olhamos muito para os fatores de risco, para evitar que a pessoa fique doente. É o princípio fundamental. Nós trabalhamos na prevenção e, se mesmo assim a pessoa fica doente, trabalhamos com a prevenção de outras doenças, tanto transmissíveis como não transmissíveis, para evitar as complicações. Além disso, trabalhamos com a reabilitação das pessoas que já ficaram doentes e ficaram com algum grau de incapacitação.
Foi o que fizemos com os idosos de Conceição de Araguaia, além de aproveitarmos a oportunidade para falar da alimentação, dos possíveis fatores de risco, dos problemas ou possibilidade que têm essas pessoas da terceira idade de sofrerem quedas, depressão... E tentamos de todo jeito apoiá-los. Eu fico muito emocionado quando falo porque tenho muitas saudades dos meus velhinhos de lá [lágrimas escorrem pela face].

Conceição do Araguaia é uma cidade pequena? É pobre?

Fica no Sul do Pará, na fronteira com Tocantins. É uma cidade pequena, é pobre, mas não muito. Mas uma coisa que pude observar é que lá as pessoas são felizes. Eu quero mandar um beijo muito grande e um abraço muito grande para todos os meus amigos que ficaram lá. Quero muito revê-los e ter notícias de todos.

Qual a sua especialidade médica?

Eu sou especialista em Medicina e Atenção à Saúde, mestre em saúde mental, mestre em doença infecciosa e mestre em biossegurança. Atualmente, trabalho em um instituto de pesquisa. Sou professor e sou pesquisador. E comecei agora o doutorado. Passei minha vida toda estudando.

Você é casado? Tem filhos?

Tenho um filho que se formou agora em engenharia mecânica. Sou divorciado e deixei em Conceição do Araguaia uma menina muito legal... quero mandar um beijo para ela!

Então você viveu uma história de amor com uma brasileira. Não teve vontade de desertar e ficar no país?

Eu sou muito apegado à família, a Cuba. Então, o coração ficou dividido. Foi muito difícil, mas sou cubano e volto sempre para Cuba. Eu posso trabalhar no Brasil dois, três, quatro, cinco anos, mas depois quero voltar para Cuba, sempre. Esta é a realidade.

Quanto ganha um médico em Cuba? Os salários que vocês receberão no Brasil, ainda que menores do que os pagos aos médicos de outras nacionalidades, são atrativos?

O salário varia um pouco: algo entre 500 e 900 pesos cubanos. Se você converter para dólares, dá uns US$ 30, muito pouquinho. Mas você tem que levar em conta que nós não pagamos seguro, saúde e educação. Eletricidade, água e gás, é tudo bem pouquinho. Então, temos muita coisa garantida. A verdade é que o salário tinha que melhorar um pouco, mas ter muitas coisas asseguradas para nós e nossas famílias é melhor do que ganhar um grande salário e não ter nada disso.
Mas eu quero deixar claro que não vim ao Brasil ganhar dinheiro. Vim por solidariedade. Eu falo isso e ninguém compreende. Nossa turma toda fala uma, duas, três, dez vezes, e as pessoas não compreendem que não viemos aqui para ganhar dinheiro. Viemos para ajudar, por solidariedade. Nós viemos aqui melhorar as condições de saúde das pessoas mais carentes do Brasil. Dar um pouco de carinho, um pouco de afeto, de acordo com a formação que recebemos em Cuba.

Em geral, é difícil para o brasileiro entender isso. Mas o povo de Conceição do Araguaia com que o senhor conviveu compreendia essa relação diferente que o cubano tem com a prática médica?

Ah, o povo não queria me deixar voltar para o meu país. “O doutor não pode voltar para Cuba”, diziam. Eles fizeram muitas coisas lindas pra mim e fiquei muito emocionado, fiquei apaixonado pelas pessoas do Brasil. Eu conheci muitas pessoas boas no Brasil. E por isso eu voltei. Por essa experiência anterior tão boa. A diferença é que, agora, sou um profissional com mais 10 anos de experiência.

Nesse meio tempo, você trabalhou só em Cuba ou foi a outras missões internacionais?

Eu estive na África, por 2,5 anos, em Burkina Faso, um pequeno país no oeste africano [região do deserto do Saara]. É muito difícil trabalhar lá pelas condições climáticas: a poeira e a temperatura muito alta, de até 52 graus. E muitas doenças, muitas doenças mesmo. Mas a gente vai trabalhando, trabalhando, se tornando uma melhor pessoa, um melhor profissional. A gente vai acumulando experiências para melhor servir.

Como está sendo essa nova e recente experiência no Brasil?

O curso de acolhimento é de muita qualidade. Tem professores muito bem formados. Antes de vir para o Brasil, como eu já estive aqui, formei parte da turma que está vindo. Faz 11 meses que venho entrando no site do Ministério da Saúde do Brasil para aprender tudo sobre atenção básica e repassar para eles. Então, a turma já vem bem formada e agora está recapitulando tudo aqui. Os professores estão muito contentes, porque estudamos tudo previamente. Dei um curso de 11 meses, de português e doenças mais frequentes que aparecem no Brasil.

E quais são as doenças comuns no Brasil que vocês não têm em Cuba, em função da excelência do sistema de saúde e da vigilância epidemiológica?

Em Cuba, temos muitos médicos. A cobertura do sistema de saúde é de cem por cento Essa é uma coisa muito boa, porque se pode fazer um diagnóstico de saúde baseado na realidade que se tem no país. No Brasil, há muita carência de médicos no norte e nordeste. São muitos municípios que não tem médico nenhum. O Ministério da Saúde conhece a situação, mas a coisa mais detalhada só se vai conhecer a medida que for dando cobertura nessas regiões. Em Cuba, não há doenças transmissíveis, como malária, mal de chagas, leishmaniose, acidentes ofídicos [acidentes por animais peçonhentos, como cobras e escorpiões].

E a Dengue?

Dengue tem em toda a América Central, mas cuba é um centro de referência para a Organização Pan-americana de Saúde (Opas). Antes dos nós virmos para o Brasil, houve um congresso internacional no Centro de Medicina Tropical sobre dengue. Lá é muito bem controlado porque há muita vontade política. Todo mundo fica em cima do problema: os médicos, os agentes de vetores, como chamamos lá. A direção do país coloca à disposição da saúde todos os recursos para regular a dengue. E aí a doença se controla muito rápido.

Outro problema grave que temos no Brasil é a longa espera na fila por um leito no sistema de saúde pública, que, muitas vezes, resulta em mortes de pacientes. Isso também acontece em Cuba?

Não. Já superamos isso. Há muito tempo não ocorre um caso desses. Temos os médicos de família. Além disso, tem a policlínica, que integra os consultórios. Esse é o nível primário. Depois, tem o nível secundário, formado pelos hospitais ginecológicos, pediátricos e de clínica geral. Além disso, tem os institutos de cardiologia, de nevrologia, o terceiro nível. Então, as pessoas que precisam vão transitar por todo esse sistema, sempre acompanhadas pelo médico da família. Pela organização, nós temos um sistema de saúde de primeiro mundo.

O que falta para o Brasil atingir esse nível de excelência, para ter uma medicina preventiva forte?

É preciso lembrar que o problema em Cuba é mais fácil de controlar, porque é uma pequena ilha. Já o Brasil é quase um continente. As coisas aqui são um pouco mais complicadas. Mas a vontade política que estou vendo agora vai no caminho certo. O Brasil precisa de mais médicos e precisa reconhecer que viemos por um contrato tripartite (Opas, Brasil e Cuba) para trabalhar em parceria com os colegas brasileiros. Não viemos tirar o trabalho de ninguém, o salário de ninguém. Nós vamos trabalhar nas regiões mais carentes, onde não há médicos.
 
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Colômbia, Damasco e Alepo: DA PROPAGANDA TÓXICA À GUERRA QUÍMICA

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Existe um país onde em 20 anos foram registadas mais de 250 mil desaparecimentos, dos quais cerca de 35 mil entre 2005 e 2010. Nesse país, numa só fossa comum, situada perto de um aquartelamento militar foram encontrados cerca de dois mil corpos. É um país onde os opositores políticos são assassinados, os guerrilheiros atirados vivos para fornos crematórios, os sindicalistas são eliminados aos milhares, as comunidades rurais são bombardeadas, os jovens são executados nos bosques e vestidos como guerrilheiros, para fazer crer que foram mortos em escaramuças com as “forças da ordem” e os activistas pelos direitos humanos eliminados nas ruas.
 
Não, não é da Síria que estou a falar. É da Colômbia. Mas já alguma vez leram, ouviram, ou viram imagens e noticias sobre estes factos, nos meios de comunicação oficiais ou privados? Claro que não! O Estado colombiano é um menino mimado de Washington, Paris e Telavive, ou seja é um “regime amigo”. Já a Síria…é um “patinho feio”.
 
Quando os meios de propaganda do Ocidente falam da Síria referem constantemente os massacres perpetrados pelas milícias de apoiantes do regime, a Shabiha, Mas quantos já ouviram falar da AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), dos Bacrim ou da Força Omega? A propaganda ocidental apresenta os mercenários fascistoides do ESL (Exército Sírio Livre) e da Al-Nusra, como “combatentes da liberdade”, “revolucionários”, o banditismo armado e a ingerência externa são vistos como uma “insurreição popular” e alguns discursos mais elaborados apresentam os acontecimentos na Síria como uma “Revolução”.          
 
Mas já alguém leu, ouviu ou viu, nos órgãos propagandísticos do Ocidente falar em Revolução e em insurreição popular na Colômbia? Já alguém viu imagens da guerrilha popular, que envolve milhares de camponeses pobres, de indígenas, de operários e intelectuais, de jovens trabalhadores e de estudantes universitários? Não, nunca viram…Mas vêm diariamente nos noticiários, principalmente naqueles que são passados nos horários nobres, uma produção esforçada que apresenta imagens fugazes e confusas, onde é notório o esforço dos esteticistas da TF1, RTL ou France 24, por exemplo, a trabalharem a imagem dos bandos armados e a transformá-los em zapatistas floridos e perfumados.
 
Enquanto a insurreição popular na Colômbia é designada por “narco-terrorismo”, a ingerência externa e os bandos armados mercenários que actua na Síria são vistos como uma “revolução de todo um povo”, esquecendo-se dos milhões de cidadãos sírios que expressam a sua hostilidade perante os acontecimentos e que se organizam em torno do governo para combater a ingerência externa.
 
Alguém viu alguma vez Obama preocupado com o povo colombiano? Alguém alguma vez viu as catatuas que esvoaçam pelo governo francês referir os crimes cometidos pelo Estado colombiano, ou François Hollande ter mencionado, em qualquer ocasião, os atentados contra os direitos humanos cometidos na Colômbia? Alguém considera possível o Conselho de Segurança da ONU preparar uma intervenção humanitária na Colômbia, ou a NATO preparar uma operação de apoio logístico aos guerrilheiros colombianos? Nada!
 
Mas, ao contrário, defender e apoiar os assassinos que cortam mãos, dedos e orelhas, que despedaçam os corpos dos que morrem durante as torturas, que massacram impunemente comunidades inteiras, que queimam aldeias e sequestram cidadãos, isso sim, é uma atitude “humanista”. A NATO apoiar a Al-Nusra e o ESL é um acto de “solidariedade”, a CIA ajudar assassinos e traficantes na Síria, é um acto necessário de “envolvimento do mundo livre”, tão livre que engloba as monarquias déspotas e obscurantistas do Golfo.
 
Estamos pois, perante uma galeria vasta de homicidas, vigaristas e gentalha da pior espécie (escarros morais), que não hesitam em trucidar e recorrer ao genocídios dos povos para fazer prevalecer os seus interesses. Falar em solução politica na Colômbia, implica que esta gentalha rasca e sem berço que predomina na Politica Internacional ergam-se em coro e afirmem, histéricos, em uníssono: “Não se negoceia com terroristas!”. Se falarmos em solução politica para a Síria, vemos o mesmo coro a vociferar, em uníssono: “Não se negoceia com ditadores!”.  
 
No meio desta verborreia estão os povos. Sem voz, sem sonhos e sem rosto ficam os sírios, constantemente referidos na comunicação social internacional e que vêm admirados as lágrimas de crocodilos que sobre eles são vertidas e os colombianos, ignorados e sem forma de fazer ouvir a sua indignação nos meios de comunicação social. Será condicionamento ideológico ou indignação selectiva?
 
II - Na Síria os confrontos prosseguem, a um ritmo incerto. Perante alguma quebra de intensidade, verificada após as vitorias alcançadas pelo governo, apoiado pelo Hezbollah e pelas milícias populares, que foram enquadradas nas forças armadas sírias, verifica-se, nas últimas semanas um crescendo de intensidade e um aumento da amplitude do conflito. A propaganda joga agora um papel fundamental, uma vez demonstrada a incapacidade politica e militar dos opositores.    
 
Em Damasco vive-se uma “calma tensa” - atendendo às informações menos contagiadas pela propaganda de ambos os lados - onde o conflito é de baixa intensidade. Nos bairros periféricos e nos subúrbios existem confrontos e escaramuças, mas nas áreas centrais da cidade o apertado cordão de segurança impede a penetração dos bandos do ESL e da Al-Nusra. Yubar é um bairro periférico a noroeste de Damasco, onde diariamente se produzem confrontos entre os bandos armados e as forças armadas sírias. Duraya, um subúrbio operário, outrora florescente de actividade fabril, é hoje um local desolado, em que as fábricas foram destruídas pelos confrontos armados e os trabalhadores lançados no desemprego. Grande parte das residências, deste subúrbio, foram destruídas e muitos abandonaram o local, enquanto os que teimam em permanecer procuram abrigo nas mesquitas.    
 
Ao contrário de Alepo, uma cidade que apos um ano de batalha viu os seus bairros periféricos completamente destruídos, Damasco não tem cicatrizes tão evidentes da guerra. Contrariamente a Raqqa, uma cidade do Este do país, caída nas mãos da Al-Nusra, pilhada e destroçada e tornada inabitada, Damasco é um bastião tolerante e dinâmico do Estado Sírio. A economia é em grande medida impulsionada pelos fundos colocados á disposição pelo Irão, que já injectou na Síria mais de 4 mil milhões de USD, desde o início do conflito.
 
Mas as sombras da guerra fazem-se sentir. Em quase todos os subúrbios desenrolaram-se importantes batalhas, desde as zonas periféricas mais distantes de Damasco, como Duma e Harasta, até às mais próximas, como Barseh e Yubar. Do Verão ao Outono de 2012, o ESL e a Al.Nusra lançaram uma ofensiva sobre Damasco, que muitos consideraram, triunfalmente, como ofensiva final, ocupando muitos destes bairros de Damasco. Quando foram escorraçados deixaram algumas bolsas nos bairros que outrora ocuparam, como acontece em Yubar, embora, por exemplo Ghuta, uma área a Este de Damasco permaneça ocupada pelos bandos armados. Para além destas bolsas clandestinas, da sua presença resta a memória dos combates, representada pelas ruinas dos edifícios.
 
A transformação mais notória de Damasco é verificada na sua população. Antes do conflito comportava cerca de seis milhões de habitantes, a maioria com um elevado nível académico e de qualificada formação profissional. É certo que Damasco não rivalizava com o Cairo, na vida intelectual, nem tinha a sofisticação de Beirute, mas era uma cidade de ambiência social equilibrada, de grande convívio com um movimento constante. Hoje um grande número destes profissionais de elevada qualificação emigrou para o Cairo, Beirute, Teerão, Riade ou outras cidades do Golfo, enquanto pobres e indigentes, refugiados vindos das áreas periféricas, tomaram o seu lugar na cidade velha e no distrito de Midan, a sul da capital.  
 
Nas lojas vende-se verniz para as unhas, batom, pó de rouge e outros artigos de beleza e cuidados femininos, Muitos dos actuais habitantes de Damasco sobrevivem graças ao apoio das redes informais de auxílio criadas por xiitas, sunitas, cristãos, drusos e alauitas. O governo criou em 2012 o Ministério para a Reconciliação Nacional, identidade que tem como função prestar auxílio aos sírios necessitados, mas a burocracia, que sempre acompanhou solenemente a governação do BAAS, impede o seu funcionamento normal. Nos guichés espalhados pela cidade, os cidadãos, em filas enormes e infindáveis, aguardam ansiosos, que funcionários indolentes, sempre zelosos com os procedimentos, mas indiferentes á noção de servidores públicos, os atendam. Na sua maioria os cidadãos mais necessitados vêm rechaçados os seus pedidos de auxílio, restando-lhes recorrer às redes informais.
 
Alguns dos activistas das redes de apoio social são oposicionistas assumidos ao actual governo e alguns deles são de vez em quando feitos prisioneiros, acusados de actividades ilícitas, como aconteceu em Julho a Yussef Abdelke, pintor, Esteve vários anos preso, durante vigência de Hafez al-Assad, o pai do actual presidente sendo um dos muitos opositores que, apesar de estar vigiado pelas forças de segurança, organiza redes de auxilio e recusa-se a apoiar os bandos armados e a ingerência externa.
 
Mas nem todos os opositores pensam assim e muitos intelectuais não querem sujeitar-se às prisões arbitrárias a que são submetidos pelos burocratas do BAAS, que de forma pouco inteligente e á margem da lei constitucional, procedem a vagas de perseguições sem qualquer mandato judicial. Um dos mais prestigiados escritores de Damasco Yassin Haij-Saleh e um dos advogados mais famosos desta cidade, Rasan Seituneh, refugiaram-se nos subúrbios, encontrando-se em finais de Julho em Ghuta, um dos subúrbios de Damasco que o governo ainda não controla. Recentemente foram entrevistados pelo The Guardian e afirmaram que preferem a insegurança vivida nestas áreas, á constante perseguição a que são submetidos pelas autoridades.  
 
Os bairros de Damasco são zonas mistas em termos culturais e religiosos, apesar de alguns bairros, como Bab Tuma sejam de maioria cristã e Mezze predominantemente alauita. Os sírios sempre se orgulharam do convívio entre as diferentes comunidades, embora a guerra tenha produzido alterações neste comportamento. As zonas de maioria alauita foram atacados pelos grupos extremistas sunitas e em alguns casos alauitas e xiitas foram vítimas de genocídio, enquanto nas áreas de predominância sunita as milícias alauitas e xiitas procederam a acções de extermínio.
 
Em algumas áreas da cidade estão em voga os sequestros de familiares de reconhecidos elementos da burguesia síria apoiante do governo e os bandos criminosos actuam muitas vezes de forma impune, devido á ausência policial. A polícia concentra-se nas áreas de acesso e de saída da cidade, sendo o patrulhamento de algumas áreas da cidade efectuadas a horas certas pelas forças armadas, o que permite às gangues actuarem de forma aberta.
 
Apesar de todas estas alterações provocadas pelo peso da guerra, em Damasco a vida continua e a cidade reage aos ventos que sopram do Ocidente…
 
III - Alepo, uma cidade do norte da Síria, é um cenário de guerra. Ocupada no ano passado pelos bandos armados, a cidade é palco de combates diários, tendo grande parte da cidade sido retomada pelo governo durante o mês de Julho deste ano, após constantes bombardeamentos. Esta foi a cidade em que os bandos armados, apoiados pelos USA e pela NATO, ensaiaram a novela das armas químicas, perante o avanço das forças governamentais e das milícias do Hezbollah, tendo os ensaios da novela sido agilizados, quando as milícias curdas se aliaram ao governo. Em Junho deste ano já eram visíveis em Alepo umas tendas de campanha, completamente desocupadas, que segundo os líderes do ESL e da Al-Nusra eram tendas preparadas para as “vítimas das armas químicas”.    
 
Para além destas tendas os “combatentes da liberdade” mostravam aos repórteres ocidentais o seu stock de prevenção, composto por 10 mil doses de antropina e…16 máscaras de gás. Alepo é habitada por dois milhões de pessoas, pelo que as 10 mil dozes de antropina devem ser apenas para uso exclusivo dos mercenários e as 16 máscaras de gás para uso exclusivo dos “valorosos comandantes da Revolução”. Seja como for o cenário estava montado e os “rebeldes” mostravam, orgulhosos, ao Ocidente que estavam preparados para a guerra química. 
 
Nesta região o presidente sírio é usualmente conhecido por “burro”, “cão” ou “pato” dependendo da queixa que os cidadãos de Alepo tiverem contra o governo de Bashar e a sua burocracia crónica (o maior inimigo do governo sírio não são os bandos armados, mas sim a sua própria burocracia e a corja de funcionários bajuladores que se implantaram nas instituições e no aparelho de Estado). Esta é uma cidade cujos habitantes estão habituados a serem lançados á sua sorte, ao contrário de Damasco. Acontecimentos como os ocorridos a 26 de Julho deste ano, no bairro Bab Nayrab, onde a queda de um míssil provocou 35 mortes, entre as quais 19 crianças, são vistos com alguma indiferença, por ambos os lados e servem apenas para encher as estatísticas.
 
Nesse sentido Alepo é uma cidade mártir. O seu martírio começa longe, com as estruturas administrativas centralizadas e com os governadores nomeados pelo poder central, cada um deles mais incompetente e corrupto do que o anterior. Depois veio o martírio da ocupação da cidade pelos bandos armados, constituídos por mercenários estrangeiros de origem sunita, que trataram de proceder a operações de “limpeza e purificação”, em nome de Alá. Xiitas, curdos, cristãos e alauitas foram sendo eliminados em Alepo, as suas residências incendiadas e os seus bens confiscados. Também os inúmeros sunitas que se opunham a estes massacres foram vítimas de interrogatórios e muitos foram executados, acusados de “hereges” e de “falsos fiéis”.
 
Alepo é uma cidade em ruinas que foi transformada num imenso cenário. Aqui a máquina de propaganda ocidental tentou abafar a derrota dos mercenários e o avanço das forças armadas sírias e foi nesta cidade em escombros que a máquina de propaganda ocidental ensaiou os primeiros passos da novela das armas químicas. Quanto aos orgulhosos habitantes de Alepo, nem sequer foram utilizados como figurantes…
 
IV - Os recentes acontecimentos ocorridos em Ghuta (subúrbio de Damasco) colocam o governo sírio sob forte pressão internacional. As imagens dos cadáveres passam diariamente nas televisões ocidentais e as evidências do uso de armas químicas é indiscutível. O que é discutível e passível de interrogações é a forma como os factos são descritos e quem, de facto, utilizou as armas químicas.
 
Ghuta é diariamente bombardeada, tanto pela aviação como pela artilharia das forças governamentais. É uma área que não tem rede eléctrica á mais de 10 meses e a qualquer momento cai em controlo do governo, o que representará mais uma derrota militar da oposição. Por que razão o governo sírio autorizaria o uso de armas químicas numa área que está prestes a cair sob seu controlo? Mas já a oposição tem motivos suficientes para montar uma operação que permita acusar o governo sírio, provocar a intervenção internacional e anular a vantagem militar e operacional das forças armadas sírias.
 
O maior receio de Bashar é a intervenção internacional. Por que razão o governo sírio - num momento em que a sua vantagem militar torna-se efectiva, que controla 13 das 14 províncias do país, que encontra-se numa posição vantajosa - iria utilizar armas químicas, sabendo que isso pode provocar uma intervenção internacional? Torna-se, assim, fundamental saber quem utilizou as armas químicas, o que parece ser difícil, atendendo á pressão que é efectuada e às condicionantes em que estão submersos os inspectores da ONU.   A única evidencia, a única certeza, é que morreram centenas de pessoas - homens, mulheres, crianças, idosos - envenenados por gases químicos. Se este massacre foi cometido pelo governo sírio, pela oposição, ou por mais alguém, é algo que a ONU deve apurar e divulgar (o que parece não estar a acontecer com os relatórios dos inspectores, por pressão da França e dos USA).
 
A forma precipitada como os impetuosos responsáveis franceses e turcos lidaram com o assunto, pretendendo uma intervenção imediata é suspeita. A forma como os USA agiram, após os acontecimentos, com as declarações do vice-presidente Biden e do secretário Kerry em aparente contradição com um misto de apatia e ponderação demonstrada por Obama é, no mínimo reveladora das lutas de bastidores que atravessam a política externa norte-americana em relação á questão síria. A UE mantém uma aparente contenção, apimentada com a verborreia indignada, própria dos que tomam o digestivo após a refeição. Russos e Chineses lideram os que apelam ao bom senso e neste sentido saliente-se o papel desempenhado pela Venezuela, Bolívia e Equador.
 
Quanto aos sírios, nestes palcos geoestratégicos são os que menos contam. Não é a Síria apenas um meio para atingir um fim? E quando não se olham a meios para chegar mais depressa ao objectivo…
 
Fontes
Pierre Filiu, Jean  Le Nouveau Moyen-Orient. Les peuples à l’heure de la révolution syrienne, Ed.Fayard, 2013
Le Monde, 30/05/2012; 14/09/2012
The Guardian, 21/07/2013
The New York Times, 25/08/2013
 

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