sexta-feira, 22 de junho de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

O novo capítulo do Livro dos Mortos: Sacerdotes, faraós e militares

Egipto: O parlamento anticonstitucional e as eleições presidenciais

O Supremo Tribunal Constitucional (STC) egípcio declarou na passada semana que o parlamento é anticonstitucional, abrindo caminho a crise institucional. O STC considera que as últimas eleições legislativas não foram constitucionais e que toda a composição do parlamento é ilegítima desde a sua eleição. Faruq Sultan, o presidente do STC, afirma que as autoridades têm de respeitar a constituição pelo que esta decisão tem de ser cumprida e eleger-se novo parlamento. Enquanto isso Saad Al Katani, o porta-voz do braço político da Irmandade Muçulmana (IM), que detém a maioria parlamentar, advertiu que nenhuma autoridade tem poder para dissolver a legislatura.

Tudo isto passou-se pouco dias antes da segunda volta das eleições presidências, realizadas no passado fim-de-semana, que opuseram Ahmed Safiq, ex-primeiro ministro de Mubarak a Mohamed Mursi o candidato da IM. As eleições decorreram num ambiente de desconfiança e antes da Comissão Eleitoral publicar os resultados, Musri, o candidato da IM, já proclamou a vitória. Por sua vez a Junta Miliar já fez saber que não abandonará o controlo do processo em curso, servindo-se de mecanismos constitucionais que lhe permitem exercer intervenção sobre a vida politica.

Diversos activistas e organizações apelaram ao boicote eleitoral e contestam o que consideram ser um abuso do poder militar e um golpe de estado que permite ao exército manter o poder. As Forças Armadas controlam, na práctica, o país desde 1952. As altas hierarquias militares gozam de privilégios fiscais, gerem as empresas públicas e controlam cerca de 30% da indústria egípcia. Desde os acordos de Camp David, em 1979, recebem 1,3 milhões de USD por ano de um acordo de cooperação militar com os USA, que consideram o Egipto uma peça central da política externa norte-americana no Médio Oriente e Norte de África.

Nas últimas manifestações têm sido exibidos cartazes que acusam Washington e a OTAN de favorecerem os militares egípcios para melhor defenderem os seus interesses. Uma das mensagens que mais passou nos telemóveis e nas redes ativistas na Internet, na última semana proclamava: “A revolução exigia pão, liberdade e justiça social. Deram-nos exército, policia e policia militar.”

Logo após o triunfo da IM não faltaram as expressões de preocupação nos media do ocidente. Alguns artigos de opinião qualificaram a vitoria eleitoral da IM como vitória do terrorismo e é curioso verificar como a IM apresenta um discurso moderado, para consumo do Ocidente. Seja como for, para largas camadas da população egípcia o ocidente apoiava Mubarak e a reacção negativa da diplomacia ocidental á vitoria eleitoral islâmica é vista como uma ingerência nos assuntos internos. É bom não esquecer o historial de ingerências, invasões e destruições a que o Egipto foi sujeito através dos séculos. As potencias ocidentais (principalmente a França e a Inglaterra) saquearam o Egipto. Algum desse saque pode ser visto nos museus do ocidente, sob a capa de “doações generosas”, as doações a que os países colonizados são obrigados às potências que os subjugam.

NAZRA

Paralelamente aos jogos de poder entre sacerdotes, faraós e militares, ao veneno neocolonial e á ingerência imperialista, as mulheres avançam na sua emancipação. Neste sentido há que salientar o Nazra, o Instituto de Estudos Feministas, um centro cujo objectivo é o aumento do papel participativo da mulher nos processos políticos, económicos, sociais e culturais da sociedade egípcia. O Nazra trabalha em diferentes âmbitos. Tem uma academia para apoio e formação a mulheres politicamente activas, transversal a todas as organizações e partidos políticos. Apoiam activistas dos direitos das mulheres e dos direitos humanos em geral. Trabalham com jovens e artistas, grupos de teatro, musica e grafitis. Realizam palestras e debates. Sentem na pele o perigo da islamização da sociedade egípcia, mas temem também a militarização, que consideram ser, no momento actual em que a dinâmica das forças sociais obriga a IM e os fundamentalistas a refrearem os seus ímpetos, a principal ameaça á emancipação da mulher egípcia.

Os resultados eleitorais

Apesar de os resultados oficiais tardarem a sair, as contagens finais apontam a vitória a Mursi, com 52% contra 48% de Shafiq. A Comissão Eleitoral averigua ainda algumas irregularidades, pelo que não decidiu oficializar os resultados até á conclusão dos processos em curso. No entanto o vencedor é a abstenção e o voto nulo, pois muitos dos que participaram na queda de Mubarak (cuja morte foi anunciada, esta semana, mas parece que ressuscitou, numa confusa manobra dos media) não o fizeram para entregar o país á IM, ou para o reconduzir a uma versão soft do anterior regime, pelo que não se identificam (e não confiam) nem com Musri nem com Shafiq e não praticaram o voto estratégico, preferindo a abstenção a participação com vito nulo de protesto.

Outro factor que caracterizaram estes resultados prendem-se com o papel jogada pelos militares. O Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) apoderou-se do país após a queda do regime. Algumas forças acusam-nos de manipulação do processo eleitoral e por estarem detrás das decisões do Supremo Tribunal Constitucional, para além de considerarem que os militares fomentaram uma campanha contra a IM, ameaçando com um advento de um estado teocrático. Seja como for os militares são a terceira força, com a vantagem de não precisarem de concorrer às eleições e de terem um candidato do regime de Mubarak que está refém da sua vontade. No fundo são eles os principais beneficiados com queda de Mubarak. Controlam o aparelho de estado e fizeram refém largos sectores da média burguesia e da burguesia nacional que se identificavam com o anterior regime.

Na primeira volta das eleições presidenciais os candidatos do sector mais popular da revolução (camadas urbanas pequeno-burguesas, estudantes e trabalhadores) receberam quase 15 milhões de votos, repartidos por diversos candidatos, que representavam mais ou mais aquilo, mas que foram incapazes de criar uma frente única que varresse os reacionários islâmicos, os militares e as poeiras de Mubarak. Destes 15 milhões de votos apenas uma pequena parte foram cedidas a Musri, sendo que os restantes candidatos eliminados apelaram ao voto nulo e á abstenção na segunda volta.

Outro facto é que o CSFA acabou, na práctica, por dar um golpe de estado invisível, doce e suave. Claro que a IM, ocupada com as eleições presidenciais e preocupada em não atiçar os USA e a OTAN (que em ultimo caso acabariam por apoiar os militares, como aconteceu na Argélia, num passado recente) ainda não demonstrou a sua capacidade de mobilização contra os militares. Mas a questão é saber se de facto a IM está em condições de o fazer. É uma força que, apesar do forte apoio popular – principalmente nos meios rurais – representa os interesses da burguesia agrária e dos latifundiários e senhores da terra que, desde Nasser, combatem a ténue e destruturada reforma agrária que aos solavancos foi iniciada mas nunca concluída. Por outro lado a IM conta também com o apoio de largas camadas da burguesia comercial e da média burguesia (da parte da média que não gozou de benesses do anterior regime e que é média porque foi desapropriada) para além dos sectores da pequena burguesia que se encontram em risco de proletarização. No meio disto tudo a IM tenta demonstrar aos USA que são uma força moderada e capaz de manter o Egipto no campo da cooperação com os norte-americanos. Não gostam de reforma agraria, não gostam de nacionalizações, concordam com a liberalização da economia e o facto de não pretender um choque directo com os militares, pode-lhe ser útil.

O golpe suave

O golpe suave dos militares foi realizado em 3 fases. Teve início em 14 de Junho, quando o exército, por ordem do CSFA, tomou o edifício do Parlamento, antecipando-se á decisão do Tribunal Supremo. Dias depois emitiu o seu próprio decreto dissolvendo o Parlamento e reclamou os poderes legislativos. Terminara a primeira fase e passou de imediato á segunda. O Ministro da Justiça restaurou as leis de emergência, dando plenos poderes às forças armadas para deter qualquer cidadão que o exército considerasse uma ameaça, sendo o julgamento destes detidos efectuado em tribunais militares. Estava feito dois terços do caminho. A última fase foi iniciada a 17 de Junho, duas horas depois do encerramento das urnas, quando o CSFA emitiu uma declaração constitucional revista, que transfere grande parte dos poderes presidenciais para a presidência do CSFA. O presidente da república deixa de ser comandante em chefe (passando esse papel a ser assumido pelo Almirante Hussein Tantawi), deixa de poder promover ou despromover oficiais, de declarar o estado de guerra, fica impedido de interferir nos assuntos das forças armadas ou qualquer utilização das mesmas. Ou seja o exército deixou de se submeter ao poder civil, representado pelo PR, eleito pelo povo. É um golpe profundo na soberania popular.

Óbvio que esta usurpação do poder por parte das forças armadas (que já dominavam a situação desde a queda de Mubarak) foi condenada por toda a gente, mas pouco mais do que isso, a condenação pelas palavras e pelas rituais manifestações que já fazem parte do quotidiano do Cairo (possivelmente serão a próxima atracçäo turística após a normalização). Seja como for os próximos tempos serão marcados por uma cerrada luta de cotovelos entre por um lado os sacerdotes e por outro os militares (que já aprisionaram o faraó aos seus objectivos). No meio as camadas populares, incapazes, por enquanto, de dar uma resposta eficaz.

Por cima o imperialismo, manobrando as suas marionetes, joga o seu jogo preferido.

Fontes
Esam Al-Amin; The future direction of egypts revolution; http://www.counterpunch.org
Olga Rodríguez; Se oficializa el golpe de Estado en Egipto; http://www.eldiario.es
Jordi Pérez; Un presidente islamista bajo vigilancia se declara vencedor en Egipto; http://www.eldiario.es
Jorge Majfud; Las elecciones en Barbaria; http://www.rebelion.org

Dinheiro do petróleo é para investir no povo e diversificar economia - PM Gusmão



MSE - Lusa

Díli, 22 jun (Lusa) - O primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, disse em entrevista à agência Lusa que o dinheiro do petróleo deve ser investido no povo para diversificar a economia e minimizar a dependência daquele recurso.

"Agora não o podemos evitar e ninguém me pode dizer que não devemos. Hoje devemos. O povo sofreu para defender esta riqueza. Se somos ricos e temos esse dinheiro, esse dinheiro deve ser investido no povo", afirmou Xanana Gusmão.

O atual primeiro-ministro, que se recandidata ao cargo nas legislativas de 07 de julho, é líder do Conselho Nacional de Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), partido maioritário no atual Governo de coligação.

"Claro que temos de preservar (o fundo petrolífero), mas a política de diversificação vai garantir que o fundo vai permanecer. É nisto tudo que joga a nossa estratégia de dar um passo em frente para o desenvolvimento do país", acrescentou.

O Fundo Petrolífero de Timor-Leste tinha em abril passado o valor de cerca de 10 mil milhões de dólares (7,9 mil milhões de euros).

O Governo de Xanana Gusmão tem sido criticado por estar a construir uma economia dependente do dinheiro do petróleo.

"Quando falamos da dependência do petróleo é mais na orçamentação ainda não falamos da economia, porque ainda nem sequer é emergente ou embrionária", disse o primeiro-ministro timorense.

Para Xanana Gusmão, as questões às vezes são "mal colocadas", admitindo porém que há essencialmente uma dependência do dinheiro proveniente do petróleo para a construção de infraestruturas.

"Depois, passado isso (a construção de infraestruturas), eles (população) têm de começar a aproveitar essas oportunidades em todas as áreas da economia. Aqui é que já não vamos necessitar tanto do fundo do petróleo para sustentar os nossos orçamentos", afirmou, salientando que há outros recursos naturais em Timor-Leste.

Questionado pela Lusa sobre a forma de criar uma economia não dependente do fundo petrolífero, o primeiro-ministro explicou que passa por estabelecer bancos de desenvolvimento em todos os distritos do país.

"O que é necessário é estabelecer o banco de desenvolvimento em todos os distritos (...) Nós não pretendemos criar bancos para engradecer ou enriquecer os bancos. Nos primeiros anos queremos criar bancos para ajudar a incentivar as pequenas, médias e grandes empresas", explicou.

Segundo Xanana Gusmão, é preciso fixar uma política de concessão de créditos que não seja para enriquecer os bancos.

"Nós temos dinheiro. A gestão do dinheiro de forma diversificada vai gerar mais dinheiro. Isso chega. O dinheiro que vamos dar é fundamental para virarmos esta dependência do petróleo", disse.

Às eleições de 07 de julho concorrem 21 partidos e coligações, que vão disputar os 65 lugares no parlamento timorense. A campanha termina a 04 de julho.

Nota Página Global: A Agência Lusa lá vai dando o seu “empurrão” a Xanana Gusmão. Se não compare-se o “tempo de antena” dispensado aos outros partidos timorenses com os do Xanana… Ah! rumores… Já nem merecem que se faça observações deste tipo. Claro como água. (Redação PG – AV)

Timor/Eleições:Não vamos admitir outra vez a cambalhota que se deu em 2007 -- Fretilin



MSE - Lusa

Díli, 18 jun (Lusa) - O secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), Mari Alkatiri, disse hoje que o partido não vai admitir a cambalhota que se deu em 2007, quando venceu eleições, mas foi afastado da formação do Governo.

"Se nós perdermos, perdemos, mas se nós ganharmos, ganhamos. Não vamos admitir outra vez a cambalhota que se deu em 2007", afirmou o líder do maior partido timorense, em entrevista à agência Lusa.

Nas eleições legislativas de 2007, a Fretilin venceu o escrutínio sem maioria, mas não foi convidada a formar Governo na sequência de uma coligação pós eleitoral entre o Conselho Nacional de Reconstrução de Timor-Leste, do atual primeiro-ministro Xanana Gusmão, e mais três partidos.

Timor-Leste realiza a 07 de julho as terceiras eleições legislativas, às quais concorrem 21 partidos e coligações, que se encontram em campanha eleitoral até 04 de julho.

"Temos sido felicitados por termos grande sentido de Estado. Só quero dizer que sentido de Estado todos nós temos, mas querer que fiquemos permanentemente em sentido e entregar o Estado a outras pessoas, isso não, isso é absolutamente injusto e não tem nada a ver com sentido de Estado", afirmou.

Segundo Mari Alkatiri, a Fretilin ganhou as eleições de 2007 e, apesar de não ter governo, fez uma oposição didática.

"Em vez de ter pressa em derrubar o Governo por outras vias, esperou até ao momento certo para regressar às urnas e se todos realmente aprenderam, se esta lição que foi dada pela Fretilin foi assimilada por todos então não haverá problemas nenhuns", disse Mari Alkatiri.

Para o líder partidário, depois de conhecidos os resultados eleitorais, o Presidente da República deve primeiro convidar o partido vencedor e dar-lhe a oportunidade de formar coligações.

"A interpretação da Constituição é diferente, mas a ética política democrática de todo o mundo é esta. Pode cada um interpretar a Constituição como quiser, mas que houve falta de ética, isso ouve. Eu não tenho dúvidas", afirmou.

Questionado pela Lusa sobre se a Fretilin está disposta a fazer coligações caso não vença as legislativas com maioria, Mari Alkatiri disse que tem vindo a "falar com vários partidos para criar ambiente para alianças".

"Agora a quem vamos aliar-nos definitivamente nós ainda não sabemos", afirmou, explicando que mesmo ganhando as eleições com maioria, a Fretilin vai fazer um Governo de inclusão.

Sobre se assumirá a pasta de primeiro-ministro caso o partido vença as eleições, Mari Alkatiri disse que cabe ao Comité Central da Fretilin decidir.

"Não posso dizer que vou ser primeiro-ministro, depois das eleições é que o Comité Central decide. Posso dizer que não quero e então terá de ser outro", concluiu.

ASSANGE NO EQUADOR: BASTIDORES DO PEDIDO DE ASILO




Relações entre fundador do Wikileaks e Correa são antigas. Além de proteger jornalista, abrigo reforçaria luta contra oligopólios de mídia

Tadeu Breda, editor de Latitude Sul Outras Palavras

O criador do WikiLeaks, Julian Assange, pediu asilo político à embaixada do Equador em Londres, no Reino Unido. Quem confirmou a informação é o próprio chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, por meio de sua conta no Twitter. O pequeno país andino analisa a requisição do ativista australiano que em 2010 possibilitou o vazamento de 250 mil telegramas diplomáticos dos Estados Unidos, em sua luta por transparência. Gerou algumas crises, impactou as relações internacionais e, sobretudo, desagradou Washington.

No Equador, as revelações do Wikileaks fizeram com que o presidente Rafael Correa expulsasse a embaixadora norte-americana no país, Heather Hodges. A diplomata recusou-se a pedir desculpas ou dar explicações sobre algumas acusações de corrupção dirigidas a um alto funcionário da polícia equatoriana que vazaram junto com o lote de telegramas confidenciais. As ameaças que Assange começava a sofrer desde então fizeram com que o jornalista Kintto Lucas — naquela época vice-chanceler do Equador — sondasse a possibilidade oferecer-lhe asilo político no país.

Rafael Correa, porém, foi rápido ao desautorizar seu funcionário. “Não se fez nenhuma proposta formal ao diretor do Wikileaks. Foi uma declaração pessoal do vice-chanceler, sem autorização. Embora os Estados Unidos tenham cometido um grande erro, nunca apoiaremos o rompimento das leis de um país pelo fato de este ter atuado equivocadamente, e destroçado a confiança dos aliados”, esclareceu o presidente. “

Nada mais lógico para um chefe de Estado que exige respeito à soberania de seu país respeitar também a soberania dos outros. De lá pra cá, porém, muita água passou por debaixo da ponte. Julian Assange permaneceu todo esse tempo em prisão domiciliar no Reino Unido, aguardando o julgamento de sua extradição para a Suécia pela Corte Suprema britânica. O fundador do WikiLeaks teria cometido crimes sexuais contra duas suecas em 2010.

“Assange manifesta em sua carta que não houve [contra si], até hoje, acusação formal nem processo por algum delito, em nenum país do mundo”, escreveu o chanceler Ricardo Patiño, já adiantando as razões que provavelmente fundamentarão o pedido de asilo do australiano. “Julian Assange diz ter recebido ameaças de morte, bloqueio financeiro extrajudicial e possibilidade de ser entregue a autoridades dos EUA.”

Na mansão em que se encontrava até há dias — agora está protegido na embaixada do Equador –, Assange conduzia um programa de entrevistas com grandes figuras da política internacional chamado The World Tomorrow. Um dos convidados foi precisamente Rafael Correa, apresentado pelo anfitrião como um dos líderes mais destacados da América Latina, agora que Lula e Hugo Chávez estão saindo de cena. A conversa aconteceu por videoconferência.

Há quem diga que o assunto “asilo político” havia sido mencionado nos bastidores do programa. São rumores. O certo é que o talk show se desenrolou em clima de descontração. Rafael Correa deu as boas-vindas a Assange, que entrara no seleto grupo de perseguidos políticos, ao que o criador do WikiLeaks recomendou: “Não vá ser assassinado, hein?!”

Mas diplomacia é coisa séria, e o Equador fez questão de garantir à comunidade internacional que não está se imiscuindo na Justiça alheia. Como recebeu um pedido de asilo, o país se diz na obrigação de analisá-lo. É o que está fazendo agora. Caso aceite a requisição de Julian Assange, não será a primeira vez que as autoridades equatorianas abrem as portas do país para estrangeiros em fuga. O Equador abriga cerca de 54 mil refugiados: a imensa maioria são colombianos ameaçados pela guerra civil que assola algumas regiões do país desde os anos 1960.

Essa receptividade concedeu ao Equador o título de nação que mais recebe refugiados em toda América Latina. Por isso, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) lançou há pouco uma campanha chamada “Gracias, Ecuador” pelo apoio do país à causa. Inclusive o chefe da ACNUR, Antonio Guterres, acaba de realizar uma visita oficial a Quito.

A nova Constituição equatoriana, aprovada em 2008, também deixa bastante clara a vocação do país em proteger refugiados e asilados. Em seu artigo 41, a Carta diz: “São reconhecidos os direitos de asilo e refúgio, de acordo com a lei e os instrumentos internacionais de direitos humanos (…) O Estado respeitará e garantirá o princípio de não-devolução, além da assistência humanitária e jurídica de emergência.”

Em seu Twitter, o chanceler equatoriano escreveu: “A liberdade de expressão agra entre em debate no mais alto nível. Não tememos estar em chapa quente. E enfrentar o necessário”. Talvez o asilo a Julian Assange, caso seja concedido e para além dos pepinos diplomáticos que possam acarretar, venha a calhar ao governo equatoriano. Rafael Correa tem sido sistematicamente acusado pelos grandes jornais do país, pela Sociedade Interamericana de Imprensa e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos como um cerceador da liberdade de expressão.

O presidente nega, e diz combater apenas os abusos, crimes e injúrias cometidos pelos grandes veículos em nome da liberdade de imprensa. Lembra que algumas empresas midiáticas pertencem a grandes banqueiros e que a Constituição aprovada em 2008 proíbe a posse cruzada dos meios de comunicação. Por isso, está lutando para emplacar no Equador uma Ley de Medios que dividirá igualmente o espectro radioelétrico entre poder público (nacional, provincial, cantonal e paroquial), iniciativa privada e organizações comunitárias, populares e movimentos sociais.

Eis o xis da questão: quem poderá chamá-lo de inimigo da liberdade de expressão e da livre circulação de ideias se seu governo concede asilo político ao homem que, justamente por escancarar informações confidenciais e relevantes ao mundo, sofre perseguições do Estado supostamente mais democrático da Terra?

À conjuntura política do momento, some-se a já amplamente conhecida combatividade de Rafael Correa à história de desrespeito que os Estados Unidos tiveram com a América Latina, seja patrocinando golpes, seja (no caso equatoriano) financiando serviços de inteligência e pagando salários extraoficiais para policiais e militares em troca de segredos estratégicos. Tudo parece se casar perfeitamente, e Kintto Lucas, desautorizado em 2010, comemora as voltas que a vida dá. “Parece piada, mas não é. Na caso de Assange, o tempo continua a me dar razão”, escreveu no Twitter, talvez cedo demais.

“Julian Assange, do Wikileaks, manifesta que quer continuar sua missão em um territorio de paz e comprometido con a verdade e a justiça”, prossegue Ricardo Patiño, citando trechos da carta apresentada pelo criador do WikiLeaks ao governo equatoriano. “Estamos dispostos a defender princípios, não interesses mesquinhos. E pior para os culpados de tantos fatos execráveis.”

Resta saber se, uma vez exilado no Equador, Julian Assange realmente terá a plena liberdade que a Constituição do país lhe garante. Ou se poderá revelar sem maiores problemas informações verídicas contrárias a Rafael Correa caso existam — e caiam em suas mãos. Nunca é demais lembrar que os Estados não têm amigos: têm interesses. E os interesses mudam como se muda de cueca.

Tadeu Breda é autor do livro “O Equador é Verde — Rafael Correa e os paradigmas do desenvolvimento” (Editora Elefante, 2011)

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OS DESAFIOS DAS “TERRAS MONTANHOSAS” – II



Martinho Júnior, Luanda

4 – É nesse ambiente que duas opções de ajuda se têm manifestado:

- Dum lado aqueles que presos à lógica capitalista afinal pouco mais conseguem sustentar que suas próprias promessas e ilusões (“Dois anos após terremoto, o Haiti mal começou a reconstrução” – http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5hou7rkY_PecnYx-xv5Ar8eojwrkA?docId=CNG.812f80aea3dce17a9c886cf8de4bae96.d1);

- Do outro lado aqueles que lutam dando prioridade ao homem e incutindo a força da educação e da saúde para que ele seja por si capaz das grandes realizações respondem com inteligência, persistência e eficácia aos agravos da história. (“Haïti et Cuba : une coopération diplomatique fructueuse” – http://www.lematinhaiti.com/contenu.php?idtexte=28134).

A Revolução Cubana tem levado a cabo um imenso trabalho nos campos da educação e da saúde, que pelo seu exemplo tem motivado outras ajudas latino-americanas ao nível do Brasil, da Argentina, da Venezuela e da Nicarágua, que se identificam com o Haiti e sentem responsabilidades comuns com vista a alterar assimetrias, desigualdades e problemas ambientais, grande parte deles provocados pela acção humana, provocados dentro, mas particularmente fora das fronteiras do Haiti (“Une convention tripartite signée entre Brésil-Cuba-Haiti” – http://www.lematinhaiti.com/contenu.php?idtexte=28751; “artgentina, Venezuela e Cuba reforçam cooperação com o Haiti” – http://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2012/05/31/argentina-venezuela-e-cuba-reforcam-cooperacao-com-o-haiti/).

5 – África ainda hoje se mantém distante dos problemas que o subdesenvolvimento crónico coloca ao Haiti, mas a partir do exemplo latino-americano, que agora também abrange as questões ambientais que actuam de forma tão evidente sobre a segunda ilha das Caraíbas, tem uma ponte disponível para dar a sua contribuição solidária, em especial em tudo o que diga respeito à reconstrução:

- Por um lado e no que conforma a CPLP, o Haiti, Moçambique e a Guiné Bissau possuem, apesar das características físico-geográficas distintas, das questões humanas e geo-estratégicas distintas, um grau de subdesenvolvimento crónico semelhante, de acordo com os próprios Índices de Desenvolvimento Humano (“Ranking do IDH 2011” – http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3880&lay=pde).

- Por outro, Angola e Moçambique, que enfrentam as questões que se prendem à reconstrução e construção de infra estruturas e estruturas imediatamente a seguir às enormes devastações provocadas pelas guerras, assim como a problemas de povoamento e de ocupação do território, têm um acumular de experiências que poderiam ser úteis e até aproveitadas no caso do Haiti e reciprocamente.

Absorver alguma migração haitiana de regresso a África, poderia ser um dos contributos, tal como o Brasil faz neste momento.

- Por fim e ainda, o Brasil (membro do CPLP) tem aumentado a sua disposição em contribuir para solucionar os problemas do Haiti em vários domínios, buscando em parte a integração de projectos nas aptidões nacionais haitianas e nos relacionamentos com outros latino americanos, entre eles Cuba.

As nações que surgiram da rota dos escravos, nos dois lados do Atlântico, necessitam ir muito mais longe nos seus relacionamentos, tendo em conta todas as experiências acumuladas no quadro do subdesenvolvimento a que têm sido votadas, como no quadro das imensas potencialidades sócio-culturais e de resistência, tal como ainda no quadro das questões ambientais.

A Conferência Rio+20 deveria reflectir sobre a situação específica do Haiti, inclusive como um ponto de partida para a introdução das respostas que não podendo ser dadas no âmbito da lógica capitalista esbanjadora e consumista, sê-lo-ão com uma planificação geo-estratégica que, tirando partido de energias renováveis, assim como do fornecimento de combustíveis baratos de acordo com as decisões da Venezuela (como o está a fazer a PETROCARIBE), seja assente na lógica duma economia fundamentada nos recursos cada vez mais diminutos que estão à disposição da humanidade, respeitando a Mãe Terra.

A reflorestação do Haiti, um programa que está a entusiasmar o actual executivo do país, deveria fazer confluir apoios substanciais em termos de solidariedade de outros povos e nações por que o Haiti, o país com Índices de Desenvolvimento Humano mais baixos da América, tornou-se num desafio para toda a humanidade (“Le gouvernement s´engage pour la améloration de l´environement haitien” – http://www.lematinhaiti.com/contenu.php?idtexte=30861).

6 – “Haiti pais ocupado”, vale a pena revisitá-lo sob a condução rigorosa de Eduardo Galeano:

“Consulte usted cualquier enciclopedia. Pregunte cuál fue el primer país libre en América. Recibirá siempre la misma respuesta: Estados Unidos. Pero Estados Unidos declaró su independencia cuando era una nación con 650 mil esclavos, que siguieron siendo esclavos durante un siglo, y en su primera Constitución estableció que un negro equivalía a las tres quintas partes de una persona.

Y si a cualquier enciclopedia pregunta usted cuál fue el primer país que abolió la esclavitud, recibirá siempre la misma respuesta: Inglaterra. Pero el primer país que abolió la esclavitud no fue Inglaterra sino Haití, que todavía sigue expiando el pecado de su dignidad.

Los negros esclavos de Haití habían derrotado al glorioso ejército de Napoleón Bonaparte, y Europa nunca perdonó esa humillación. Haití pagó a Francia, durante un siglo y medio, una indemnización gigantesca, por ser culpable de su libertad, pero ni eso alcanzó. Aquella insolencia negra sigue doliendo a los blancos amos del mundo.

De todo eso sabemos poco o nada.

Haití es un país invisible.

Sólo cobró fama cuando el terremoto del año 2010 mató más de 200 mil haitianos.

La tragedia hizo que el país ocupara, fugazmente, el primer plano de los medios de comunicación.

Haití no se conoce por el talento de sus artistas, magos de la chatarra capaces de convertir la basura en hermosura, ni por sus hazañas históricas en la guerra contra la esclavitud y la opresión colonial.

Vale la pena repetirlo una vez más, para que los sordos escuchen: Haití fue el país fundador de la independencia de América y el primero que derrotó a la esclavitud en el mundo.

Merece mucho más que la notoriedad nacida de sus desgracias.
***
Actualmente, los ejércitos de varios países, incluyendo el mío, continúan ocupando Haití. ¿Cómo se justifica esta invasión militar? Pues alegando que Haití pone en peligro la seguridad internacional.
Nada de nuevo.
Todo a lo largo del siglo xix , el ejemplo de Haití constituyó una amenaza para la seguridad de los países que continuaban practicando la esclavitud. Ya lo había dicho Thomas Jefferson: de Haití provenía la peste de la rebelión. En Carolina del Sur, por ejemplo, la ley permitía encarcelar a cualquier marinero negro, mientras su barco estuviera en puerto, por el riesgo de que pudiera contagiar la peste antiesclavista. Y en Brasil, esa peste se llamaba "haitianismo".
Ya en el siglo xx, Haití fue invadido por los marines, por ser un país "inseguro para sus acreedores extranjeros". Los invasores empezaron por apoderarse de las aduanas y entregaron el Banco Nacional al City Bank de Nueva York. Y ya que estaban, se quedaron diecinueve años.
***
El cruce de la frontera entre la República Dominicana y Haití se llama "El mal paso".
Quizás el nombre es una señal de alarma: está usted entrando en el mundo negro, la magia negra, la brujería...
El vudú, la religión que los esclavos trajeron de África y se nacionalizó en Haití, no merece llamarse religión. Desde el punto de vista de los propietarios de la civilización, el vudú es cosa de negros, ignorancia, atraso, pura superstición. La Iglesia Católica, donde no faltan fieles capaces de vender uñas de los santos y plumas del arcángel Gabriel, logró que esta superstición fuera oficialmente prohibida en 1845, 1860, 1896, 1915 y 1942, sin que el pueblo se diera por enterado.
Pero desde hace ya algunos años las sectas evangélicas se encargan de la guerra contra la superstición en Haití. Esas sectas vienen de Estados Unidos, un país que no tiene piso 13 en sus edificios, ni fila 13 en sus aviones, habitado por civilizados cristianos que creen que Dios hizo el mundo en una semana.
En ese país, el predicador evangélico Pat Robertson explicó en la televisión el terremoto del año 2010. Este pastor de almas reveló que los negros haitianos habían conquistado la independencia de Francia a partir de una ceremonia vudú, invocando la ayuda del Diablo desde lo hondo de la selva haitiana. El Diablo, que les dio la libertad, envió al terremoto para pasarles la cuenta.
***
¿Hasta cuándo seguirán los soldados extranjeros en Haití? Ellos llegaron para estabilizar y ayudar, pero llevan siete años desayudando y desestabilizando a este país que no los quiere.
La ocupación militar de Haití está costando a las Naciones Unidas más de 800 millones de dólares por año.
Si las Naciones Unidas destinaran esos fondos a la cooperación técnica y la solidaridad social, Haití podría recibir un buen impulso al desarrollo de su energía creadora. Y así se salvaría de sus salvadores armados, que tienen cierta tendencia a violar, matar y regalar enfermedades fatales.
Haití no necesita que nadie venga a multiplicar sus calamidades. Tampoco necesita la caridad de nadie. Como bien dice un antiguo proverbio africano, la mano que da está siempre arriba de la mano que recibe.
Pero Haití sí necesita solidaridad, médicos, escuelas, hospitales, y una colaboración verdadera que haga posible el renacimiento de su soberanía alimentaria, asesinada por el Fondo Monetario Internacional, el Banco Mundial y otras sociedades filantrópicas.
Para nosotros, latinoamericanos, esa solidaridad es un deber de gratitud: será la mejor manera de decir gracias a esta pequeña gran nación que en 1804 nos abrió, con su contagioso ejemplo, las puertas de la libertad.
(Este artículo está dedicado a Guillermo Chifflet, que fue obligado a renunciar a la Cámara de diputados cuando votó contra el envío de soldados uruguayos a Haití.”

Gravura:
Obra do jovem pintor haitiano Vladimir Pascal, que faz parte do grupo “Folie ouverte” (que se inspira na reconstrução nacional), exposta no Museu do Panteão Nacional em Porto Príncipe.


Queremos cooperação com Angola mas sem armas, diz porta-voz do governo de transição



MB - Lusa

Bissau, 22 jun (Lusa) - O porta-voz do Governo de transição da Guiné-Bissau, Fernando Vaz, disse hoje que o país admite e quer cooperar com Angola desde que seja sem armas de fogo e afirmou ainda que em nenhum momento foi solicitado o regresso da Missang.

Fernando Vaz, que é também o ministro da presidência do conselho de ministros esclareceu desta forma as recentes declarações do secretário de Estado da Segurança e Ordem Pública, Basílio Sanca, que solicitou o Governo angolano a retomar a cooperação com a Guiné-Bissau.

"Houve aí uma má interpretação (das palavras de Basílio Sanca). Não estamos a fazer a apologia daquilo que nós rejeitamos. Queremos uma cooperação (com Angola) tipo a cooperação portuguesa, que não traz armas e tanques de guerra, mas que coopera, constrói e ajuda a formação. Isso nós queremos. É isso que nós entendemos como cooperação militar", defendeu Fernando Vaz.

A posição do Governo é de que "não há nenhum pedido, nenhum apelo para o regresso da Missang", disse o ministro da presidência, que falou à imprensa quando visitava as instalações de uma futura fábrica de vinhos e de engarrafamento de água, uma sociedade luso-espanhola em Bissau.

Confrontado com o facto de os elementos angolanos que estavam a reabilitar as casernas militares e da polícia guineense serem integrantes da Missang, Fernando Vaz disse que uma coisa não tem nada a ver com outra.

Para Fernando Vaz quando Basílio Sanca apela o retomar da cooperação com Angola não estava a pensar na Missang.

"O que ele referia é que o povo da Guiné-Bissau e o povo da Angola, como outrora, tendo uma excelente relação desde a luta de libertação contra o colonialismo português, deveriam reatar aquilo que era histórico no seu relacionamento.

"Não fazia nenhum sentido e seria extremamente absurdo por parte do Governo depois de uma decisão unilateral de Angola de retirar daqui a sua missão militar virmos agora pedir que regresse", sublinhou Fernando Vaz.

A Missang era a missão técnico-militar angolana na Guiné-Bissau e que saiu do país no início do mês, na sequência de atritos com as Forças Armadas da Guiné-Bissau, que disseram mesmo ter sido a presença da Missang, e um alegado acordo para "eliminar" os militares guineenses, o motivo para o golpe de Estado de 12 de abril.

Guiné-Bissau: Governo de transição admite "questionar" presença na CPLP



Lusa

Bissau, 22 jun (Lusa) - O ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de transição da Guiné-Bissau admitiu hoje "questionar" a permanência na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) caso a organização persista em vedar ao país "o direito de ser ouvido".

"Queremos dizer à CPLP o seguinte: a Guiné-Bissau é um país soberano e independente e as autoridades que estão na testa deste país são altamente competentes, responsáveis, e merecem o tratamento devido. Pedimos à CPLP uma coisa só, o diálogo", disse Faustino Imbali hoje em Bissau, numa conferência de imprensa.

Frisando que o retorno a 11 de abril (antes do golpe de Estado) não é possível, o ministro de transição considerou "triste" que a CPLP "continue a julgar a Guiné-Bissau nas organizações internacionais de maneira unilateral", sem que o governo de transição possa ser ouvido.

A LUTA CONTINUA E A VITÓRIA É CERTA!


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Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

Mesmo que amanhã o MPLA tenha alguns milhões de voluntários devidamente obrigados a dar vivas a Eduardo dos Santos, a luta continua e a vitória é certa! Pode demorar, mas vai chegar.

O MPLA em Luanda prevê mobilizar mais de um milhão de militantes, simpatizantes e amigos do partido, para – repara-se na definição - o “acto político de massas”, marcado para amanhã no Estádio 11 de Novembro e que visa apoiar a candidatura do presidente José Eduardo dos Santos, como cabeça de lista do partido nas eleições gerais de 31 de Agosto.

Apesar do exemplo que a imagem mostra, ou seja, a carta que o director Provincial de Educação de Luanda encaminhou para os directores de Escolas solicitando a mobilização de alunos para que estejam amanhã presentes no “acto político de massas”, acho que o MPLA está a perder fôlego.

Se o partido que está no poder desde 1975, que tem a dirigir o país há 33 anos um presidente não eleito, não consegue arregimentar aí uns cinco milhões de adeptos só em Luanda… então é porque já há demasiados (para o gosto do MPLA) angolanos a pensar sem ser com a barriga.

Tendo na memória as manifestações dos jovens ou a mais recente de ex-combatentes, não adianta, pelo menos por enquanto, dizer que a polícia (armada até aos dentes) e os seus capangas à civil, desrespeitam o direito à manifestação e os direitos humanos. E não adianta porque Angola não é um Estado de Direito mas, antes, um reino em que o soba tem plenos poderes, inclusive para mandar matar quem pense de maneira diferente.

Seja como for, todos esses manifestantes ajudam a semear a Primavera, embora até agora vivam no mais duro Inverno. Todos gritam que "a polícia é do povo, não é do MPLA", ma continuam a esquecer-se que o MPLA é Angola e Angola é o MPLA.

Recorde-se que a 3 de Setembro do ano passado, uma manifestação organizada pelo movimento de jovens terminou com a detenção de 21 manifestantes, 18 dos quais foram julgados e condenados a penas de prisão entre um mês e 90 dias, por ofensas corporais à Polícia e danos materiais.

Em Angola "vive-se uma democracia com medo", disse na altura o "rapper" angolano Mona Dya Kidi. Mentira. No reino de Eduardo dos Santos existe a mais avançada democracia de que há conhecimento… Duvidam? É só perguntarem, entre outros, a Cavaco Silva, Passos Coelho ou Armando Guebuza.

Falar, no caso de Angola, de democracia com medo é uma forma de branquear a situação, compreensível no contexto de que os angolanos sabem que o regime mata primeiro e pergunta depois. Aliás, se existe medo é porque não existe democracia.

O regime de Eduardo dos Santos sabe bem que a melhor forma de exercer a sua “democracia” é ter 70% da população na miséria, é ter tirado a coluna vertebral à esmagadora maioria dos seus opositores políticos, a começar pela UNITA, é dizer ao povo que tem de escolher entre a liberdade e um saco de fuba.

O regime não brinca em serviço e, por isso, nada como preventivamente mostrar aos manifestantes (bem como aos jornalistas) que quem manda é o MPLA.

José Eduardo dos Santos que tem, que ainda tem, a cobertura internacional (comprada, mas tem), sabe que pôr o povo a pensar com a barriga é a melhor forma de o manter calado e quieto.

Aliás, se assim não for o que lhe restará? Provavelmente, “peixe podre, fuba podre, 50 angolares e porrada se refilares”.

Defender a liberdade de expressão não é nada do outro mundo, mas é algo que o regime não quer. Tudo quanto envolva a liberdade (com excepção da liberdade para estar de acordo com o regime) é algo que causa alergias graves a Eduardo dos Santos.

Recorde-se, a propósito das manifestações, que Bento Bento, o chefe do posto do MPLA em Luanda, foi claro quando disse: "Quem tentar manifestar-se será neutralizado, porque Angola tem leis e instituições e o bom cidadão cumpre as leis, respeita o país e é patriota."

Apesar de tudo, as manifestações fazem – por muito pequenas que (ainda) sejam - tremer o regime. A tal ponto que – relembremos - perante o anúncio da primeira manifestação, o Governo angolano apressou-se a pagar salários em atraso nas Forças Armadas e na Polícia, a fazer promoções em série e a, inclusive, a mandar carradas de alimentos para a casa de milhares de militares.

Basta também ver que, perante essas manifestações, o regime põe nas rua e por todo o lado – mesmo em locais onde os angolanos nem sabem que iria haver manifestações – os militares e a polícia a avisar que qualquer apoio popular aos insurrectos significava o regresso da guerra.

No entanto, por muita força que tenha a máquina repressora do regime angolano (e tem-na), por muito apoio que tenha de alguns órgãos de comunicação estrangeiros, como a RTP, nunca conseguirá fazer esquecer que 70% dos angolanos vivem na miséria.

Nunca fará esquecer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

Nunca fará esquecer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

Nunca fará esquecer que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos, que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros, que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população, que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda.

Nunca fará esquecer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

Por tudo isto, mesmo que amanhã tenha alguns milhões de voluntários devidamente obrigados a dar vivas a Eduardo dos Santos, a luta continua e a vitória é certa! Pode demorar, mas vai chegar.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: MPLA ACENA COM FANTASMA DA GUERRA

Angola - Luanda: EX-MILITARES VOLTAM A REVOLTAR-SE NAS TRANSMISSÕES



O País (ao)

Antigos militares das Forças Armadas de Libertação de Angola (FAPLA), Exército de Libertação de Angola (ELNA) e das Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA) voltaram a manifestar-se na última quarta feira, em Luanda, no Regimento das Transmissões do Exército, para reclamar a sua integração na Caixa de Segurança Social das FAA.

Segundo os antigos soldados, desde que o processo começou ainda não viram nenhum responsável da Caixa de Segurança Social a prestar qualquer esclarecimento a respeito das pensões vitalícias e os respectivos salários em atraso.

Os ex-soldados revoltaram-se no interior da unidade, pelo facto de não terem visto cumprida a promessa feita por Bento Kangamba, na semana passada, de dar resposta às suas reivindicações.

A presença da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) no terreno não constituiu ameaça, porque os an tigos soldados estavam dispostos a enfrentá-los, caso houvesse tentativa de deter alguém. No Regimento das Transmissões o clima era tenso, sendo que o general indigitado foi dado como interlocutor inválido. Os presentes exigiam a presença do ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos de guerra, porque a situação já perdura por longo tempo. Carlos Ginga, 55 anos, ingressou nas fileiras das FAPLA em 1974 e foi desmobilizado em 1992. O antigo combatente disse que, até hoje, não usufrui da pensão devida e não sabe o que fazer.

Para sobreviver, trabalha numa quinta em Catete, mas acha que podia receber a sua pensão, porque lutou para a construção da paz efectiva, uma vez que o processo começou há muitos anos. Carlos Ginga disse que os seus filhos atribuem~lhe várias culpas, devido as dificuldades que a família atravessa para conseguir o seu sustento.

O ex-soldado pediu que as instâncias superiores resolvam o problema o mais rápido possível, de modo que haja justiça social em Angola. “Lutámos para garantir o futuro desta geração e hoje não somos recompensados”, lamentou.

No Instituto Médio 17 de Setembro, instalado no interior do regimento, as aulas no período da manhã paralisaram de imediato. Os estudantes temiam que o clima tenso terminasse em violência física. Os estudantes entraram em pânico e esperam que nos próximos dias se encontre uma solução para se resolver o problema, sob pena de se interromper as aulas no instituto. Manuel, estudante de electricidade, disse a O PAÍS que alguns colegas puseram-se em fuga e permaneceram nas cercanias até que tudo voltasse ao normal, mas já não regressaram às aulas.

Muitos soldados não têm casa própria, muito menos emprego, desde que deixaram de cumprir serviço militar obrigatório com a assinatura dos Acordos de Bicesse em 1991. José Félix, 43 anos, cumpriu oito anos de tropa no Moxico na década de oitenta. O antigo soldado das FAPLA fez a sua recruta no Regimento das Transmissões, local onde hoje clama pelo seu dinheiro.

Falando a O PAÍS, semblante carregado, José Félix disse que não trabalha e para se deslocar até ao quartel onde espera ver resolvido o seu problema é obrigado a pedir emprestado dinheiro a um vizinho. O ex-tanquista adiantou que não querem ser pagos à mão como prometeram, porque as coisas depois podem não funcionar. “Queremos ser inseridos na Caixa Social e receber todos os meses o nosso dinheiro”, disse.

Muitos reclamaram as condições sociais que o país vive e acham que com transparência as coisas podem mudar, uma vez que o país tem tudo para dar boas condições aos seus filhos.

Os antigos combatentes fizeram saber que há indivíduos que nem sequer cumpriram a tropa mas auferem salários altos na Caixa de Segurança Social das FAA. Segundo os antigos militares, “o nível de injustiça social está a estragar o país, porque uns comem e outros não.

Se as coisas continuarem assim vamos ter dias piores”. João Paulo ingressou nas fileiras das FAPLA nos anos 80, mobilizado em plena rua à saída da escola. Hoje não tem emprego, mas já trabalhou como segurança na Tele-Service, na província da Lunda-Norte. O ex-soldado da TGFA, de 46 anos, não consegue dar outro rumo à sua vida, porque não sabe o que fazer.

Nos empregos que tentou não tem sido aceite, por não ter habilitações literárias. Enquanto isso, um outro grupo dirigiu-se ao centro da cidade, no Largo da Maianga, mas foi impedido pela Polícia de Intervenção Rápida.

No local, houve feridos e disparos para dispersar os manifestantes. O trânsito automóvel na Baixa de Luanda entrou parcialmente em colapso, com viaturas largadas pelos seus proprietários em qualquer lugar. Uma fonte da Direcção de Pessoal e Quadros das FAA adiantou que tudo pode estar resolvido em breve.

Sebastião Félix

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