quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Portugal: ALMOÇOS GRÁTIS?

 


António Marinho e Pinto – Jornal de Notícias, opinião
 
A atual maioria PSD /CDS prepara-se para reduzir em 10% os montantes de todas as pensões do setor público. A medida, que estará inserida no tão propalado corte de quatro mil milhões de euros nas despesas do Estado (montante posteriormente reduzido para dois mil milhões), constitui um ato brutal contra quem trabalhou e descontou durante o período da vida ativa e que, chegado à velhice, acaba sendo alvo de um verdadeiro assalto aos seus rendimentos. Não está só em causa o princípio republicano da solidariedade, um dos valores matriciais de qualquer República Democrática (cfr. Artigo 1.o da Constituição). O que esta maioria se prepara para fazer constitui a negação dos mais elementares princípios do direito. Com essa medida, o PSD e o CDS retiram a milhares de idosos as condições de dignidade para o fim das suas vidas, pois com esse corte muitos idosos terão de reduzir ou eliminar despesas pessoais absolutamente essenciais à sua existência, tais como alimentação e medicamentos. Mas, com tal medida, o PSD e o CDS violam também, de forma acintosa, o contrato de cidadania que o Estado havia celebrado com os seus servidores, mediante o qual estes teriam, no fim da sua carreira contributiva, direito a uma pensão proporcional às respetivas contribuições. O PSD e o CDS, chegados ao poder, não só violam todas as promessas eleitorais que lhes permitiram precisamente alcançar o poder, fazendo justamente aquilo que em campanha eleitoral garantiram que nunca fariam, mas violam ainda as mais basilares regras jurídicas, já que, com uma pusilanimidade estonteante, rasgam os contratos vitalícios que o Estado havia celebrado. Tudo sem qualquer culpa dos prejudicados, com a exceção, porventura, de terem permitido que pessoas sem palavra e sem honradez política chegassem ao poder.
 
Mas, ao mesmo tempo que se preparam para cortar impiedosamente nas pensões dos aposentados, incluindo daqueles que auferem apenas algumas centenas de euros mensais, o PSD e o CDS propõem-se, com a mesma insensibilidade, isentar desses cortes magistrados e diplomatas, muitos dos quais auferem pensões superiores a cinco mil euros mensais. Trata-se da consagração, na nossa República Democrática, de um privilégio de casta que, numa sociedade decente, deveria envergonhar tanto quem o concede como quem o recebe. Um privilégio que, no caso dos magistrados, acrescerá a muitos outros verdadeiramente escandalosos, como subsídios de habitação a quem vive em casa própria, isenções de impostos, etc. Mas, como a cultura dos nossos magistrados é a de quem se julga acima dos simples mortais, tudo o que sabe a privilégios é sempre bem-vindo para eles.
 
Porém, como não há almoços grátis, a prebenda que o PSD e o CDS se preparam para oferecer aos magistrados deve ter, obviamente, por detrás, negociatas malcheirosas. Para além de poder constituir um aliciamento por parte de quem não tem a consciência tranquila e procura favores ou indulgências judiciais, ela não pode deixar de ser encarada como um prémio pelo contributo que os magistrados deram para desgastar o Governo anterior com processos vergonhosos, assim contribuindo também para antecipar a chegada ao poder do PSD e do CDS. Mas, por outro lado, ela surge não muito tempo depois de um dirigente do sindicato dos juízes ter insinuado publicamente que se os juízes portugueses tivessem de suportar os sacrifícios da crise como todos os outros cidadãos, eles poderiam deixar de ser independentes e, provavelmente - pensámos todos nós - corromper-se-iam e (pelo menos alguns) passariam a vender sentenças.
 
É claro que agora não faltarão os habituais magistrados papagaios tentando justificar essa ignomínia com os mais estúpidos argumentos (lembram-se daquele em que, além das férias de Natal e da Páscoa, se justificava a existência de dois meses de férias no verão para os magistrados trabalharem?). Mas isso só demonstra a conta em que eles têm os cidadãos desta República. Por mim, repito: nestas coisas (como em muitas outras da vida), não há almoços grátis, só faltando apurar o que os magistrados, sobretudo os juízes, darão em troca ao PSD e ao CDS, além do que já deram no passado recente.
 

Portugal: MANTA ROTA

 

Vicente Jorge Silva – Sol, opinião
 
Passos Coelho voltou a escolher a localidade algarvia de Manta Rota para passar férias e por aí se deixou tranquilamente ficar, mudo e quedo – tão mudo e tão quedo como entrava e saía das cimeiras europeias em que se decidiam os impiedosos programas de austeridade para o país –, enquanto em Lisboa o seu Governo era abalado por um novo episódio que não apenas punha em causa a credibilidade da nova equipa das Finanças mas também a autoridade política do primeiro-ministro.
 
Nem o mais feroz adversário do actual Governo imaginaria que, poucas semanas depois da sua remodelação, a «inconsistência problemática» do novo secretário de Estado do Tesouro iria colocar tão precocemente em xeque a imagem do Executivo e os critérios de escolha dos responsáveis governamentais.
 
Não bastavam já os clamorosos erros de casting do antigo responsável do BPN, Rui Machete, para ministro dos Estrangeiros, ou de Agostinho Branquinho, ex-gestor da Ongoing, uma empresa de negócios fantasmagóricos, para novo secretário de Estado da Segurança Social.
 
Era preciso ir ainda mais longe no caminho do conflito de interesses e da promiscuidade entre o mundo da política e o mundo dos negócios inconfessáveis. Estava escrito que a tendência suicidária do Governo de Passos Coelho não terminaria com uma remodelação salvadora.
 
A ministra das Finanças não aprendeu a lição do seu envolvimento no caso dos swaps, apesar da hábil escapatória que encontrou na última comissão parlamentar dedicada ao assunto. Pelo contrário, persistiu na estratégia vindicativa face à herança recebida do Governo de José Sócrates e escolheu com invulgar pontaria para seu sucessor à frente da Secretaria de Estado do Tesouro uma personagem que, segundo o mais básico critério de bom senso político, deveria ser a última a ter em conta.
 
Joaquim Pais Jorge não era apenas um agente importante do negócio dos swaps especulativos. Foi ele que, com outras figuras do Citigroup – como Paulo Gray, agora designado para consultor do Governo precisamente na área dos swaps… –, se reuniu por várias vezes com membros do Governo de Sócrates para tentar convencê-los a adquirir esses miraculosos ‘derivados’ que permitiriam camuflar a realidade das contas do Estado (a exemplo do que o Goldman Sachs fez na Grécia). A tentativa foi rejeitada mas ficou para a história.
 
«Não posso evidenciar sequer que tenha estado nessa apresentação…»: era impossível imaginar palavras mais involuntariamente denunciadoras do que as de Pais Jorge, no habitual briefing governamental, sobre as reuniões com o staff de Sócrates para convencê-lo da magia dos swaps. Embrulhado nas suas sucessivas contradições e negações, o secretário de Estado do Tesouro acabaria finalmente por reconhecer a sua presença nos encontros secretos, embora recusando o protagonismo que lhe fora atribuído na negociação.
 
Ora sendo Maria Luís Albuquerque uma familiar da questão dos swaps, deduz-se que, para ela, nada melhor do que especialistas de swaps tóxicos para controlar esse negócio, um como secretário de Estado, o outro como consultor. Contratar especuladores financeiros para combater as acções em que se especializaram pode parecer uma ideia genial, de inspiração americana, mas não deixa de ser um contra-senso e uma grosseira imoralidade, susceptível de todas as suspeitas.
 
No exacto momento em que pensava deixar para trás o pesadelo que a perseguia, Maria Luís Albuquerque acabou por não resistir à tentação de mergulhar a fundo nesse pesadelo e comprometer definitivamente a sua credibilidade como ministra das Finanças. Ela é responsável pela política do seu ministério e pelas escolhas que faz. Devia, portanto, acompanhar o seu secretário de Estado na saída do Governo.
 
Seguindo o exemplo de Rui Machete, Pais Jorge apresenta-se como vítima da podridão da vida política e, de modo mais ínvio, de uma conjura com objectivos pessoais. Ora, Machete omitiu deliberadamente no seu currículo a ligação ao BPN, enquanto Pais Jorge tentou ocultar, enquanto pôde, as reuniões em que esteve presente com o staff de Sócrates. Porque é que o fizeram, se não tinham motivos para se sentirem culpados ou cúmplices de qualquer transgressão? Porque é que mentiram, se não havia razões para isso? Afinal, de que lado estava e está a podridão, num país onde se tolera, para além de todos os limites razoáveis, a promiscuidade entre o interesse público e os interesses particulares?
 
É a manta rota do Estado que ameaça desfazer este Governo remodelado, mesmo que na sua Manta Rota estival Passos Coelho tente fingir que não é nada com ele.
 

Portugal: MATAR ELEFANTES COM MATA-MOSCAS

 


Eduardo Oliveira Silva – Jornal i, opinião
 
A ilusão da lei de limitação de mandatos, que, além de mal feita, não renova aclasse política
 
Há várias entidades culpadas da confusão que está instalada à volta de algumas candidaturas a presidências de câmaras.
 
Em primeiro lugar os partidos políticos e os elementos que participaram na feitura de uma lei obviamente mal concebida, e de forma eventualmente propositada, tais as suas indefinições e ambiguidades, pois a qualidade e a inteligência dos integrantes nos trabalhos não poderia em nenhuma circunstância permitir tamanho absurdo.
 
Em segundo lugar, a culpa cabe à Assembleia da República enquanto órgão de soberania colectivo, que não soube chamar o assunto a si para, ainda a tempo de evitar toda a confusão que se verifica, alterar o texto, clarificando-o para que não subsistissem quaisquer dúvidas de interpretação, que só desprestigiam a democracia e o país.
 
Subjacentes à lei estão obviamente duas leituras muito diferentes do problema. Uma que limita os mandatos executivos de presidente a três e que não permite mais nenhuma candidatura a essa função em qualquer outra autarquia, e outra que entende ser legítima a candidatura a mais mandatos, desde que noutro município.
 
É bom dizer-se que, além dos presidentes de câmara que são executivos, a medida se aplica aos presidentes de junta, o que suscita dúvidas exactamente iguais, além de outras específicas destes cargos em algumas situações novas. Isto porque se questiona a legalidade das candidaturas dos presidentes de junta que se candidatem a mais de três mandatos às novas freguesias resultantes de agregações.
 
Como se verifica, há pano para mangas nesta matéria, para a qual se alertou neste jornal e em muitos outros órgãos de comunicação social através de notícias e de espaços de opinião há mais de um ano, sem qualquer efeito prático.
 
A última palavra cabe ao Tribunal Constitucional, que terá de decidir se vinga a tese de mera restrição quanto a lugares executivos em que se exerceram funções durante três mandatos ou se há uma proibição total e absoluta.
 
Seja qual for a decisão, a ideia subjacente à lei é, de forma mais ou menos alargada, a limitação de mandatos para obrigar à renovação da classe política.
 
Ora é certo que para esse propósito a medida é inútil, porque haverá sempre quem salte das câmaras para as assembleias municipais, das assembleias municipais para o parlamento (onde não há limite de mandatos), do parlamento ou de uma empresa pública ou privada que precise de influência para o governo ou vice-versa e daí para uma simpática fundação ou (para quem tenha preparação) para o próprio Tribunal Constitucional.
 
Essa implacável lógica sempre existiu, continuará a existir e nenhuma lei de limitação de mandatos irá impedir a sua perpetuação por muitos anos. Basta ler os currículos da maioria dos governantes para perceber que a intenção desta lei é matar elefantes com um mata-moscas. As questões substanciais são obviamente outras, como toda a gente sabe e percebe, e não se resolvem com leis.
 

PRECONCEITO DISFARÇADO DE CIÊNCIA

 


Em um mundo civilizado, espera-se que a ciência seja usada para fazer avançar a sociedade, não para criar um ranking de "raças". Por José Antonio Lima
 
José Antonio Lima – Carta Capital, opinião
 
Tem causado polêmica nas redes sociais o artigo publicado por Helio Schwartsman na Folha de S.Paulo no sábado 10 e intitulado Demografia no Nobel. Não é para menos. Usando uma forma de preconceito que recebe guarida no Brasil sob a capa do que se configurou chamar de “politicamente incorreto”, Schwartsman deixa nas entrelinhas que os judeus são superiores em termos de inteligência e os muçulmanos, inferiores.
 
Schwarstman inicia sua argumentação citando um tweet do biólogo evolucionista e ateu ativista Richard Dawkins. “Todos os muçulmanos do mundo têm menos prêmios Nobel que o Trinity College, Cambridge. Eles fizeram grandes coisas na Idade Média, no entanto”. Para quem conhece Dawkins, não é uma surpresa. O britânico, que geralmente gasta seu tempo tentando provar a burrice dos religiosos, tem se destacado pelos ataques islamofóbicos nos últimos anos – em março, Dawkins afirmou que o “islã é a maior força do mal” hoje no mundo.
 
Schwarstman não cita o fato de Dawkins ser um conhecido preconceituoso, mas lamenta que o cientista não avançou na “polêmica”. Este papel cabe, então, ao próprio Schwartsman, que faz uma comparação entre a quantidade de prêmios Nobel recebidos por muçulmanos (1,2% do total) e judeus (22%).
 
Sem entrar no mérito de que o Nobel é um prêmio político e dificilmente poderia ser a última palavra numa comparação sobre o conceito de inteligência, a tentativa de comparação feita por Schwartsman é tosca em diversas esferas. Ser muçulmano é ser um seguidor da religião cujo profeta é Maomé e o livro sagrado, o Corão. Não há qualquer componente étnico em ser muçulmano. Com relação aos judeus, a situação é diferente. A Encyclopaedia Judaica, fonte de Schwartsman, classifica como judeu quem é filho de judeus ou tem ao menos três avós judeus. Em tese, o fato de qualquer um poder ser muçulmano e de nem todos poderem ser judeus deveria significar mais prêmios Nobel para muçulmanos. Tal suposição ignora, no entanto, o contexto em que os judeus, como religião e povo, e os muçulmanos, como religião, existem.
 
Na Idade Média (citada por Dawkins), o islã viveu um período conhecido como Era de Ouro (do século 8 ao 13). A ascensão do Califado Abássida trouxe prosperidade e liberdade para a busca de conhecimento, tornando o mundo árabe-muçulmano o centro intelectual do mundo, onde se desenvolveram ciências como a matemática, a medicina, a física e a filosofia. Nos dias atuais (em que os prêmios Nobel são distribuídos) a situação é outra. O mundo muçulmano é uma das regiões mais atrasadas da Terra, graças à história de colonização e às persistentes divisões políticas, religiosas, sectárias e étnicas de seus povos. O obscurantismo, religioso inclusive, domina a região, e a busca por conhecimento é cerceada pelos regimes autoritários da região.
 
Os judeus, por outro lado, floresceram após o Holocausto na chamada “civilização judaico-cristã ocidental” que se encontra em seu auge intelectual. Contribui para esse auge o fato de a América do Norte, a Europa e Israel (não os Territórios Palestinos Ocupados) serem democracias vibrantes, nas quais a busca por conhecimento é incentivada e privilegiada.
 
Em seu texto, Schwartsman não cita tais aspectos para tentar explicar a proeminência dos judeus entre os recipientes do prêmio Nobel. O colunista cita, no entanto, a pesquisa Natural History of Ashkenazi Intelligence (em inglês), em que os cientistas Henry Harpending e Gregory Cochran tentam explicar geneticamente a inteligência dos judeus, em particular dos judeus asquenazes, cuja origem está na Europa Central. Segundo Schwartsman, outras pesquisas do tipo não são realizadas no meio acadêmico porque há um tabu provocado pela “esquerda” que, segundo o colunista, não estaria satisfeita com direitos iguais, mas desejaria promover a ideia de uma igualdade biológica.
 
De fato, há polêmica a respeito do tema, mas ela não interdita o debate como faz crer Schwartsman e nem existe por conta dos motivos expostos pelo colunista da Folha.
 
Na medicina, por exemplo, há inúmeras pesquisas tentando explicar porque a incidência de câncer de próstata é maior entre os negros ou porque os japoneses são mais propensos a desenvolver câncer de estômago. Os pesquisadores envolvidos nelas têm plena liberdade para realizar seus trabalhos, até porque podem ajudar a salvar vidas.
 
Tentativas de explicar pela genética os traços da personalidade humana, especialmente os “qualitativos”, como a inteligência citada por Schwartsman, de fato não desfrutam da mesma liberdade. Por dois motivos, simples de entender. Em primeiro lugar, porque estudos deste tipo serviram para justificar algumas das maiores atrocidades já cometidas pela humanidade, como a escravidão e o Holocausto. Nesses momentos, não faltaram cientistas prontos para corroborar as teses de que os negros e os judeus eram inferiores e poderiam, então, ser escravizados e exterminados, respectivamente.
 
Em segundo lugar, porque não é preciso ser geneticista para entender que os fatores genéticos não são determinantes, mas um componente do sucesso ou fracasso de uma pessoa.
 
Se houvesse a possibilidade de clonar Pelé, por exemplo, quem garantiria que o Pelé 2.0, com a mesma carga genética de Edson Arantes do Nascimento, seria tricampeão mundial de futebol? É um tanto óbvio que a família de Pelé, bem como seus amigos de infância, seus colegas jogadores e treinadores no Santos e na seleção brasileira influenciaram o atleta que ele se tornou, bem como as experiências que viveu. Com doenças, funciona da mesma forma. É conhecido o fato de os japoneses terem uma predisposição genética a desenvolver câncer gástrico. O fato de os imigrantes japoneses nos Estados Unidos terem menos tumores gástricos que os japoneses do Japão e mais que a população norte-americana, indica que fatores externos, como a dieta, influenciam o surgimento da doença.
 
De qualquer forma, espera-se de um mundo civilizado que a ciência seja usada para resolver problemas, e não para criar rankings de quais “raças” são melhores ou mais inteligentes. No caso particular dos judeus, uma questão biológica particularmente útil seriam as pesquisas genéticas (ambas em inglês) feitas por Michael Hammer na Universidade do Arizona, dos EUA, (no ano 2000) e por Almut Nebel na Universidade Hebraica, de Israel (em 2001), mostrando que os judeus e árabes, em especial os palestinos, são, em termos genéticos, essencialmente a mesma população. Quem sabe, ao ter isso em mente, ficaria mais fácil para os líderes israelenses colocarem fim à atroz ocupação imposta aos palestinos.
 

Brasil: O PSDB, NEGÓCIOS ESCABROSOS E UMA MÍDIA COMPLACENTE

 


A investigação sobre prática de cartel no metrô e na CPTM poderá ser como uma bomba de efeito fragmentário para o PSDB. Ainda não vieram à tona os personagens políticos que intermediavam os negócios com os “consultores” e as empresas cartelizadas.
 
Jeferson Miola – Carta Maior
 
Um escândalo monumental, que faria do PT uma terra arrasada, todavia não atormenta a vida dos tucanos. Porque eles contam com a complacência da sua mídia conservadora.

O Ministério Público paulista investiga a suspeita de prática de cartel em obras e manutenção da CPTM [Cia Paulista de Trens Metropolitanos] e do metrô de SP. São 45 inquéritos [uma metáfora com o número eleitoral do PSDB] em andamento desde 2008 para investigar crimes de improbidade administrativa e de lesão ao patrimônio público que ocorriam desde 1998. Perpassam, portanto, todas as gestões tucanas no Estado.

As investigações implicam gigantes transnacionais – a alemã Siemens, a francesa Alstom, a canadense Bombardier, as espanholas Temoinsa e CAF e a japonesa Mitsui.

Conforme indica o MP paulista, o esquema seguiu a cinematografia clássica da corrupção: contava com pelo menos duas empresas off-shores* - Gantown Consulting e Leraway Consulting - sediadas no Uruguai em nome dos “consultores” Artur Teixeira e Sérgio Teixeira.

As off-shores tinham contratos assinados com a matriz alemã e a filial brasileira da Siemens para a assessoria nas ofertas e na obtenção de contratos de peças e serviços para a CPTM, recebendo uma comissão entre 3 e 5% sobre o valor das “vendas”.

Segundo levantamento da bancada do PT na Assembléia Legislativa de SP, os contratos de obras e manutenção de trens e metrôs firmados nas gestões do PSDB nas últimas duas décadas podem ultrapassar 30 bilhões de reais - equivalente ao PIB do Senegal.

O MP divulgou indícios da prática de cartel pelas transnacionais, que se coordenavam na distribuição de lotes e na fixação de preços superfaturados nas licitações fraudadas da CPTM. Um esquema organizado de pilhagem do erário; uma articulação para repartir entre si o lucro ilegal num negócio multibilionário.

A publicidade desse escândalo reforça o vínculo do PSDB com práticas nebulosas quando exerce governos. Antes dessas revelações, muito se conhecia sobre outros negócios obscuros de governos tucanos, como as privatizações do patrimônio público [“privataria tucana”] e o chamado “mensalão mineiro”. Fica a impressão no ar de que, para eles, governar é uma oportunidade para fazer negócios multimilionários.

A omissão da mídia durante esses anos todos que o MP investiga o caso é tão escabrosa quanto o próprio escândalo. É uma omissão de proporções monumentais como esse monumental escândalo. Nunca foi dada a repercussão devida sobre os inquéritos, os fatos e as investigações, apesar da relevância das operações envolvidas. Enfim, tudo acobertado.

Esse episódio poderá ser como uma bomba de efeito fragmentário para o PSDB. Ainda não vieram à tona os personagens políticos que intermediavam os negócios com os “consultores” e as empresas cartelizadas. Quando vierem, poderão causar efeitos muito mais graves que os sofridos pelo PT com o chamado “mensalão” – invento tucano desgraçadamente repetido por alguns petistas.

Nota
Off-shore é, na verdade, uma conta bancária ou empresa aberta em paraísos fiscais com objetivos nada nobres: ou [1] para fugir de tributação no país de origem do seu proprietário, ou [2] para ocultar a origem ilegal do dinheiro depositado, que pode ser originário do narcotráfico, tráfico de armas, corrupção, evasão fiscal, fraude tributária, etc.
 
(*) Analista político
 

Brasil: PREGOS E ESTOPAS

 


Rodolpho Motta Lima* – Direto da Redação
 
Parto hoje de uma coluna de “O Globo”, não pela importância que atribua ao jornal, mas porque alguns de seus colaboradores exemplificam claramente, com sua posições, o pensamento do neoliberalismo nacional (ou será melhor dizer “antinacional”?).
 
No dia 08.08.2013, Merval Pereira tentou justificar a pisada na bola que deu ao afirmar que a confirmação das falcatruas do tucanato com a Siemens e outras empresas seria “o pior dos mundos para a democracia”. Defendendo-se da acusação de que teria deixado implícito que a corrupção “boa” para a democracia seria a do PT, Merval chamou seus críticos de “pseudojornalistas a serviço do governo petista”. Talvez tenha cometido, então, um segundo ato falho, pois essa afirmação permite que se faça o mesmo juízo de valor a respeito de jornalistas que, como ele, poderiam estar a serviço dos partidos de oposição ao PT.
 
Em princípio, é saudável que os órgãos “globais” estejam falando do assunto, ainda que se possa supor que só o fizeram pressionados por denúncias anteriormente feitas por outras mídias. Prefiro, contudo, aguardar o desenvolvimento dos acontecimentos, porque também pode ser que esteja em curso estratégia que, ao fim, pretenda beneficiar alguém nesse nosso complexo jogo político-eleitoral. Quando jovem, ouvi muitas vezes o dito popular “Ele não prega prego sem estopa”, para caracterizar uma pessoa cujas atitudes objetivas trazem sempre uma finalidade não declarada. É esperar para ver.
 
A propósito desse jogo político, aliás, acho que se enganam os que imaginam que Dilma entrará enfraquecida na disputa. Em primeiro lugar, porque ela contará com seus próprios méritos, consubstanciados na continuidade de um projeto empenhado na redução das desigualdades e na inclusão social. Em segundo plano, porque o quase único programa político da assim chamada oposição tem como mantra o combate à corrupção, que agora, ironicamente, atinge de cheio os baluartes tucanos, a mostrar que o nosso problema nesse âmbito é endêmico, visceral, quase generalizado, resultante de uma estrutura fundada no lucro, no capital, no mercado.
 
Evidentemente, não se pode considerar que o atual Governo seja imune a críticas. Ele tem problemas, é certo. No sistema político, não há vestais, e o primeiro desses problemas decorre de uma série de ligações pouco aceitáveis, composições paradoxais, comprometimentos nem sempre republicanos, tudo em nome da malfadada “governabilidade”. O nosso poder legislativo há muito está na boca do povo e, seguramente, não com adjetivos favoráveis. Há uma chantagem permanente nos movimentos dos nossos deputados e senadores, que, de forma surreal, colocam em primeiro lugar os seus interesses – confessados ou inconfessáveis – deixando de votar o que interessa aos cidadãos que os elegeram. Fatos como o “mensalão”, certamente, derivam desse panorama.
 
É realmente um problema sério, comprometedor dos interesses nacionais, a existência de um Executivo cercado de não confiáveis por todos os lados, na chamada “base governamental”, fruto de uma estrutura política que tem que ser urgentemente reformada. Mas há também a inação de Dilma com relação a essa mídia que manipula informações e atua diuturnamente contra o Governo que, de forma inaceitável, financia seus detratores com expressivas verbas publicitárias, abrindo mão da colocação em pauta, como primordial, da chamada Lei dos Meios.
 
Apesar de tudo, é favorável o saldo dos últimos governos comprometidos com causas populares. O país vem experimentando uma nova realidade social, fruto de ações políticas cujos resultados estão aparecendo claramente, digam o que disserem os nossos conhecidos urubus. Embora ainda falte muita estrada a percorrer para que possamos celebrar a desejável e definitiva inclusão social dos menos favorecidos, não há como negar os avanços já obtidos. A recente divulgação dos índices alcançados no IDH mostra isso. São dados muito mais relevantes para a cidadania do que o sagrado PIB dos economistas, porque revelam que as crianças brasileiras estão morrendo bem menos e os adultos estão vivendo bem mais. E como não há nada mais importante do que a “sempre desejada” vida, os brasileiros têm razões inéditas para se alegrar.
 
A Presidenta, com erros e acertos, não dá mostras de que pretenda se afastar da rota que traçou para seu governo, de combate à pobreza. Vitórias genéricas como essas, visualizáveis no IDH e nunca verificadas nos governos anteriores – que não tinham essa preocupação – se fazem acompanhar de muitos outras medidas de caráter social. Seria inimaginável, no tempo dos governos neoliberais, uma semana em que se anunciassem, simultaneamente, além da queda da mortalidade infantil e do aumento da expectativa de vida dos brasileiros, a sanção de uma lei punitiva para as empresas corruptoras, um índice deflacionário no IPCA, a criação de 239.000 vagas gratuitas em cursos técnicos, um expressivo lucro da Petrobras, a continuidade do programa “mais médicos” ou a inauguração de um moderníssimo Instituto do Cérebro com atendimento exclusivo para os usuários do SUS.
 
É claro que, daqui até outubro de 2014, muitos tomates e pepinos vão ser “plantados” para desestabilizar o Governo. E a mídia hegemônica, essa vai continuar procurando quem possa representar melhor os interesses corporativos que ela defende. Parece que não será fácil continuar com os tucanos, contaminados pela corrupção. São boas as chances de estes serem abandonados. As alternativas, então, passariam por uma Rede em que tudo que cai é peixe ou por ex-aliados que cresceram politicamente graças aos governos do PT, mas que parecem não hesitar em cuspir imoralmente no prato em que comeram. O perigo é inventarem um novo “messias”, um crítico da classe política estilo Collor. Há gente que já percebe, no ar, essa tendência...
 
*Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
 

Angola: COMO ISABEL DOS SANTOS SE TORNOU A PRIMEIRA BILIONÁRIA DE ÁFRICA

 

Jornal de Notícias
 
Um trabalho de investigação publicado na revista norte-americana "Forbes" revela que a fortuna de Isabel Santos, a primeira bilionária em África, provém de uma quota de uma empresa que se quer estabelecer em Angola ou de uma assinatura presidencial do pai.
 
O artigo publicado pela revista "Forbes" é assinado pelo jornalista e ativista angolano, Rafael Marques e por Kerry A. Dolan, uma das coordenadoras da lista anual de bilionários, investiga a fortuna de Isabel Santos, considerada a primeira bilionária em África e a verdadeira história de como conseguiu a sua riqueza.
 
"Tanto quanto podemos investigar, todos os grandes investimentos angolanos detidos por (Isabel) dos Santos vêm ou de ficar com uma parte de uma empresa que quer fazer negócios no país ou de um assinatura presidencial que a inclui na ação", escreve a "Forbes". Filha do presidente angolano José Eduardo dos Santos, a história de Isabel é considerada "uma janela rara para a mesma e trágica narrativa cleptocrática que estrangula os países ricos em recursos em todo o mundo".
 
O artigo, que tem como título "A menina do papá: como uma princesa africana encaixou 3 milhões num país que vive com 2 dólares por dia", analisa o passado da bilionária africana, desde a sua infância, juventude e concentra-se na sua primeira empresa. A revista assegura que falou com "dezenas de pessoas no terreno" e que consultou diversos documentos públicos e privados durante o último ano.
 
Rui Barata, dono do conhecido restaurante e bar Miami Beach, em Luanda, resolveu propor sociedade a Isabel dos Santos com o objetivo de afastar os inspetores e fiscais governamentais que assediavam o local. Atualmente, dezasseis anos depois, "o restaurante ainda é um local badalado ao fim de semana" e prova que é possível comprar prosperidade desde que se tenha o apelido certo.
 
O artigo procura perceber como é que Isabel dos Santos detém 24,5% da empresa concessionária da exploração mineira, no norte do país, a Endiama, criada por decreto presidencial. O artigo explora ainda a criação da Ascorp, a empresa que resultou da parceria com israelitas para a venda de diamantes mas que tinha, de acordo com a Forbes, o negociantes de armas Arkady Gaydamak, um antigo conselheiro do presidente angolano durante a guerra civil de 1992 a 2002.
 
O negócio dos diamantes de sangue foi alvo de escrutínio internacional na mesma altura em que Isabel dos Santos transferiu a sua parte do negócio para a mãe, uma cidadã britânica. A transferência desta parte, considerada pela "Forbes" como um "poço de dinheiro", aconteceu através de uma empresa sediada em Gibraltar.
 
A posse de 25% da Unitel, a primeira operadora de telecomunicações privada, em Angola, passou também para Isabel dos Santos a partir de decreto presidencial. "Um porta-voz de Isabel dos Santos disse que ela contribuiu com capital pela sua parte da Unitel, mas não especificou a quantia; um ano depois, a Portugal Telecom pagou 12,6 milhões de dólares por outra fatia de 25%", escreve a revista.
 
A quota-parte de 25% da Unitel que Isabel dos Santos detém é avaliada, por analistas que seguem a atividade da Portugal Telecom e que foram ouvidos pela "Forbes", em mil milhões de euros.
 
A revista relembra ainda a parceria de Isabel dos Santos com Américo Amorim, que abarca as áreas financeiras e petrolíferas, através do banco BIC, Galp e da Sonagol. O investimento de 500 milhões na empresa portuguesa ZON também é apontado no artigo que explica ainda como Isabel dos Santos ficou à frente da Nova Cimangola, a cimenteira angolana.
 
No fim do artigo, é citado o "Jornal de Angola", numa edição de janeiro, depois de ser divulgada a lista dos bilionários da "Forbes". "Damos o nosso melhor por uma Angola sem pobreza, mas estamos deliciados pelo facto da empresária Isabel dos Santos se ter tornado uma referência no mundo da finança. Isto é bom para Angola e enche os angolanos de orgulho", escreve. O artigo da publicação norte-americana termina com uma resposta à citação do "Jornal de Angola": "Os angolanos deviam estar humilhados, não orgulhosos".
 

Isabel dos Santos desmente acusações de enriquecimento ilícito feitas pela Forbes

 


A empresária e filha do Presidente de Angola Isabel dos Santos desmentiu as alegações de enriquecimento ilegítimo hoje veiculadas pela revista norte-americana Forbes e acusou um dos coautores do artigo, Rafael Marques, de ativismo político.
 
“As alegações que um ativista político angolano publica na revista Forbes sobre Isabel dos Santos são completamente falsas”, afirmou à Forbes fonte oficial de Isabel dos Santos, num comunicado também enviado para a Agência Lusa.
 
Rafael Marques e uma jornalista da Forbes, Kerry A. Dolan, escreveram, num artigo disponibilizado no sítio da revista na Internet e que integra a edição em papel de 02 de setembro, que “todos os grandes investimentos angolanos detidos por [Isabel] dos Santos vêm ou de ficar com uma parte de uma empresa que quer fazer negócios no país ou de uma assinatura presidencial que a inclui na ação”.
 
Fonte oficial de Isabel dos Santos garantiu no comunicado mencionado que “nunca o Presidente nem o governo angolanos transferiram ilegalmente ações de empresas para Isabel dos Santos ou para quaisquer empresas controladas por esta empresária”.
 
Acrescentou ainda que “Isabel dos Santos é uma empresária independente e uma investidora privada, representando unicamente os seus próprios interesses”.
 
O comunicado assegura também que os “investimentos em empresas angolanas e/ou portuguesas são transparentes e têm sido realizados através de transações baseadas no princípio de plena concorrência, envolvendo entidades externas, tais como reputados bancos e escritórios de advogados”.
 
Por outro lado, Rafael Marques foi descrito como sendo “um conhecido ativista político que, patrocinado por interesses escondidos, passeia pelo mundo a atacar Angola e os angolanos”.
 
Lusa
 

Nova Cultura Politica, Trabalho e Alienação, ou o cadáver do filho do carpinteiro

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Um dos legados mais valiosos de Hugo Chávez será com certeza o Centro de Altos Estudos dedicado á sua obra e pensamento, composto por uma biblioteca de 14 mil livros, sendo 3 mil volumes de uso permanente, nos quais Chávez terá deixado anotações. A importância deste legado provém, entre outros factores, da estreita relação entre Politica e Cultura, consubstanciada, na transformação bolivariana em curso, num objectivo: a Nova Cultura Politica.
 
Na actualidade a Politica entendida como universo da vida pública, onde se desenrolam os dramas da “eclésia” (a Assembleia, esfera da vida publica) é escondida, como se tivesse sido engolido por um enorme buraco negro. No seu lugar foi colocada a política, com as suas tramas da politiquice dos politiqueiros, que predominam no espectáculo circense. É a consequência da alienação, de uma sociedade em que a realidade tornou-se unidimensional, sendo a economia o único factor preponderante, anulando o elemento Politico. Um exemplo disso é o facto de, hoje, nos noticiários televisivos, os jornais diários, semanários, etc. referir-se constantemente os movimentos das bolsas e os índices dos mercados financeiros, numa posição idêntica ao boletim meteorológico ou ao horoscopo (provindos do passado).
 
Este comportamento alienado, que descura e enterra fundo no esquecimento a Politica, é um momento histórico “desculturante” (a industrialização aculturou e agora que deveríamos beneficiar das virtudes do cosmopolitismo, criados pelo processo de aculturação, vivemos numa fase de desculturação, em que o elemento cosmopolita é destroçado e pairam no horizonte as sombras tenebrosas e obscuras da Tradição). A realidade económica, que é a única reinante na actualidade, assume nos seus gestos e tiques e nas vírgulas do seu discurso, as formas de uma das duas vertentes da Politica: a pequena politica (Kleine Politik), a politica entendida como pura luta pelo Poder e transforma-a em Real Politik, um jogo social, menos complexo e baseado nos truques imaginativos dos mercados, do gosto pela venda, que corre nas veias dos habitantes dos burgos, camponeses que migraram para as cidades, onde pela primeira vez se assumiram como homens livres e deram livre impulso aos seus desejos mais íntimos.          
 
Todo este processo tem a ver com a necessidade das elites burguesas (as elites provenientes do desequilíbrio dos mercados, por isso desequilibradas e não-aristocratas, afastadas da Cultura e mergulhadas na cupidez da fortuna) se renovarem constantemente e só o conseguirem fazer em espaços democratizados, ou seja, em espaços onde a quantidade é o elemento predominante, asfixiando os factores qualitativos. A democracia nasceu de um processo de extremo equilíbrio, onde a vida do Homem se desenrolava em três esferas: a Oikos, esfera privada, a Ágora, a esfera público-privada (o mercado) e a Eclésia a esfera pública. Destas três esferas da vida humana apenas uma interessava aos persistentes burgueses: a Ágora. As outras foram substituídas pelo espaço nacional, um conceito alienígena, mas identitário, por isso apelativo às grandes massas. Desta forma o capitalismo desenvolveu-se e dominou. Primeiro desequilibrou o mercado, fez transbordar as suas regras para as outras duas esferas e aniquilou-as, substituindo-as pelo espaço nacional, a parte pela qual as relações funcionais do desequilíbrio poderiam desenvolver-se, antes de se globalizarem (o típico funcionamento dos organismos parasitários).   
 
A Politica, propriamente dita, a Große Politik, desenha a forma-estado, como meio e possibilidade de determinar o domínio. Mas isto é impossível de realizar no contexto da unidimensionalidade do mundo burguês. Ao ser impedida de realizar o seu objectivo, por não ter espaço e porque apenas pode existir na pluridimensionalidade da sociedade humana, a Politica ficou sem meios para desenhar a forma-estado e ficou sem formas de avaliar-se e de estudar-se. A Ciência Politica (uma das formas da Politica autoanalisar-se e uma ciência que deveria estudar e analisar a forma-estado e as suas consequências) perdeu de vista o seu objecto - a Politica - e tornou-se num imenso horóscopo de futilidades. O Estado não passa de um enorme Conselho de Administração, que administra fastidiosos “elefantes brancos”, sem qualquer produtividade e sem função definida. As instituições andam á deriva dos orçamentos e ninguém sabe muito bem para que servem. A finalidade deixou de ter propósito. 
 
Ora, o problema fundamental da Teoria do Estado é a questão da finalidade do Estado. O que constitui um Estado enquanto Estado é algo mais que o Poder. São as tarefas que apenas ele pode satisfazer como meio. Essas tarefas dependem da sua forma, que por sua vez é condicionada pela modalidade e distribuição do poder estatal. A forma-estado adequada é a que permite a solução de um determinado momento, mas que pode não servir no momento seguinte. Vejamos o Estado de Direito. Pode ser num determinado momento histórico uma forma de reforçar as instituições, que tenha nascido como consequência de um conflito prolongado, logo de um consenso quase generalizado ou maioritário e que tenha ainda a virtude de desempenhar um papel catalisador no desenvolvimento.
 
Passado esse momento e cumprida a sua função, o Estado de Direito torna-se uma máquina inerte e geradora de corrupção, não pela actividade, mas pela inércia. Ou seja a democracia pode ser representada pelo movimento democrático, pela participação directa e indirecta, pela representatividade limitada, ou pela imbecilidade parlamentar. Atingido o fim, a forma-estado utilizada torna-se uma simples fachada moral-politica, uma fantochada da superestrutura, sem autonomia própria, palco menor da pequena Politica (Klein Politik), decadente e aniquiladora da individualidade. Exterminado o Individuo, extingue-se a consciência de classe, a identidade de pertença colectiva. Os grupos tornam-se rebanhos submissos e o formalismo preenche o deserto de ideias. Nestas situações, o Homem a que ainda resta uma gota de dignidade, deixa o rebanho e assume-se como lobo, predador solitário que reúne-se em alcateias, assembleias de caça.  
 
Nada escapa ao conflito histórico entre Senhores e Servos, nem a Arte, nem a Filosofia, ainda menos a Ciência ou a Lógica. A Politica, toda, a pequena e a grande, é a coordenadora central desse conflito.
 
II - Qual a importância do trabalho e qual o lugar dos trabalhadores neste universo concentracionário e unidimensional da suposta economia da informação da sociedade pós-industrial? Como se movimentam os trabalhadores e os desempregados num meio em que não lhe é possível a Politica?
 
A flexibilização do trabalho é uma característica da alienação económica, da economia virtual. As actuais condições de trabalho estão condicionadas pelas estruturas organizacionais das empresas. A estrutura da empresa, o rápido ritmo da economia global e a capacidade tecnológica, que permite o trabalho on-line, para indivíduos e para empresas, permitem um esquema flexível de emprego. O horizonte profissional do trabalhador transforma-se em concordância com a estrutura organizacional gerada pela nova realidade económica e configuram-se outros modos e outras formas do papel do trabalhador no mercado laboral e da sua envolvência na produção de bens e serviços.     
 
A ideia de seguir uma carreira profissional previsível, trabalhando a tempo completo numa empresa ou no sector publico, sob condições contratuais de direitos e obrigações comuns está desaparecendo na práctica empresarial, embora se mantenha em mercados de trabalho muito regulamentados (arrastando-se penosamente), assim como no sector publico (em constante emagrecimento). Para trás fica a ideia de trabalho estável (o emprego de longa duração, para uma vida), relegada para os mercados de emprego protegidos (mas em riscos de se tornarem obsoletos) e ao (ainda protegido, mas remexido) sector publico. Esta alteração supõe outras normas de relacionamento entre o trabalhador e a empresa.
 
Os novos modos de emprego encontram-se inseridos nas transformações sociais de carácter económico e sem carácter político, uma vez que este foi abolido como discurso e praxis autónomo e passou a secundarizar o aspecto económico. Neste contexto a flexibilidade laboral caracteriza o trabalho contemporâneo, condicionado pelos modos variáveis de emprego, diversidade das condições de trabalho e pela individualização das relações laborais. Na velha-nova economia (velha porque assente nos mesmos pressupostos de propriedade da sua antecedente) as prácticas flexíveis laborais difundem-se por todo o mercado laboral e constituem um ponto de pressão para a mudança.
 
A transformação sofrida pelo trabalho representa apenas uma parte das transformações que se evidenciam nas economias mais avançadas. Estas transformações manifestam-se nas alterações organizacionais e tecnológicas, substituindo as formas convencionais de associação pela dinâmica das redes. O sistema de trabalho que predominou no século XX caracterizava-se pela estandardização dos contratos de trabalho, pelo tempo de permanência do trabalhador no local de trabalho e pelo lugar onde o trabalhador se encontrava no exercício da sua função, ou seja o espaço (o local e o posto de trabalho, sendo esta ultima designação uma expressão mobilizadora, como se fosse um posto de vigilância). Mas esta estandardização debilita-se cada vez que se desenrola o triplo processo da flexibilização, constituído pelo direito laboral, o horário de trabalho e a localização, ou seja, a liberdade do trabalhador, o tempo e o espaço. Neste processo a diferença entre emprego e desemprego deixa de ser clara e a fronteira entre ambos torna-se difusa, assumindo formas comuns de subemprego, aumentando a precariedade.  
 
Surgem prácticas organizacionais caracterizadas pela ausência de limitações de espaço e de tempo, o que provoca profundas alterações nas relações de trabalho e obrigam a diferentes formas de regulamentar as mesmas. Esta forma de organizar o trabalho é penalizadora para o trabalhador e reflete uma nova distribuição de custos, que favorece a reprodução do capital. A divisão do tempo de trabalho (útil para a generalização do subemprego), por sua vez, reflete uma redistribuição dos lucros, com implicações na segurança social (a extinguir no médio-prazo, substituindo-a por outra forma de reprodução de capital: o produto financeiro sob a forma de seguro ou plano privado de reforma).   
 
A sociedade industrial - uma sociedade de trabalho unificado, organizado na fábrica ou de forma fabril (mesmo nos serviços, no comercio e nas actividades rurais, sendo neste ultimo caso, o melhor exemplo o da mecanização da agricultura e da pecuária), que garantia um emprego para toda a vida, sendo o desemprego uma reserva, factor necessário para manter pressão sobre o valor da mão-de-obra - foi substituída pela sociedade pós-industrial, caracterizada pelo subemprego, descentralizada, que não necessita de reservas de mão-de-obra, pois o desemprego está integrado nas formas de subemprego. A ausência da rigidez laboral caracteriza o sistema de subemprego, mais flexível e descentralizado, onde predomina a precarização económica e social.      
 
A noção de subemprego para além de anular a diferenciação emprego/desemprego, anula a diferenciação trabalho formal/trabalho informal e trabalho regulamentado/trabalho precário, generalizando novas formas de exploração económica e social do trabalhador. As empresas libertam-se dos custos associados ao bem-estar do trabalhador e de toda a instrumentação criada pelo processo de acumulação da última fase da industrialização.
 
III - O facto de a Politica ter sido colocada debaixo do tapete, não implica que o actual novo mundo globalizado (a aldeia global, um mito urbano recheado de metáforas camponesas, ao ponto de se sentir incapaz de assumir o referencial como cidade, preferindo a ruralidade da aldeia) não cultive uma forma de Estado.
 
No passado recente, a Ocidente, o período conhecido como keynesiano fez do Estado o ponto central das suas políticas de aparente Bem-Estar e de quase pleno emprego (o Estado Social, que um pouco por todo o lado, cumprido que foi o seu papel, estoira em mil pedaços, minado pelo parasitismo e pela inépcia). A Leste do Ocidente o socialismo utilizou o poder de Estado para construir paraísos terminados em pesadelos, assentes na planificação centralizada (começaram como planificadores e terminaram como planistas), cumprindo o seu papel no longo período de acumulação, rebentando para dentro e desfazendo-se em cacos. 
 
Na actualidade a economia da informação, pós-industrial respondeu ao papel central do Estado, retirando-lhe as vertentes planificadoras e de Bem-Estar, permanecendo o papel da repressão (alicerce do estado e sua função primordial). Mas às renovadas elites uma questão permanecia em aberto: que tipo de Estado permitiria a liberdade do mercado, não interferindo nos seus funcionamentos e nas suas estruturas? Essa foi a questão fundamental a resolver. Um Estado que não se preocuparia com o Bem-Estar nem com os pressupostos planificadores, mas que ampliava a sua base violenta e repressiva (os seus alicerces), como poderia ser cruzado com o mercado (por muito que tivesse transbordado do seu leito e se tivesse desviado da sua função) e garantir a máxima liberdade para os seus agentes directos e que permitisse o desenvolvimento e a expansão do mercado, tornando realidade única e finalidade da sociedade.
 
Como anular as três esferas (a vida privada, assente na individualidade, a relação entre o Eu e os outros, assente no mercado e a vida publica por excelência, também consubstanciadas na separação de poderes) de forma a criar uma esfera única? A resposta foi encontrada nas intersecções entre Direito e Economia, ou seja entre a lei e o mercado. Para as actuais elites renovadas, que assumiram o poder á três décadas, o Estado deve permitir, vigiar e garantir a livre concorrência nos “mercados livres e abertos” (“livres” no Centro e colonizados nas periferias). A lei deve ser utilizada em função dessas garantias e vigilância da livre concorrência.
 
A livre concorrência assume desta forma um papel preponderante no mecanismo de renovação das elites, garantindo que as elites dominantes serão sempre as que tiverem proveniência do mercado. A lei nunca deve estar contra o mercado mas sim ao seu serviço. O Estado tornou-se garantia da lei, que por sua vez é garantia do mercado. Ao Estado de Bem-Estar e ao Estado Planificador do socialismo real (ambos criações do período de acumulação de capital, espacialmente localizados de forma a garantir a concorrência necessária á criação de capitais por acumulação) sucede o Estado de Direito, ou seja um Estado que não interfere na Economia, porque esta é a única realidade vigente, um Estado Apolítico,     
 
IV - Como é que o Trabalhador - figura que deixou de ser essencial no processo produtivo e passou a desempenhar um papel secundário, embora ainda preponderante nos processo de reprodução (nos casos em que é mais barato que a aplicação tecnológica) – é obrigado a assumir a sua nova posição, ou seja, a reconfigurar-se perante a Lei?   
 
A resposta a esta pergunta pode ser observada no Centro (uma vez que as periferias, em processo de recolonização, assumem de forma fotocopiada as relações de poder do Centro). No Reino Unido e nos USA, por exemplo, companhias como a McDonald não estipulam as horas de trabalho (anularam o factor temporal) e exigem disponibilidade em função da carga de trabalho. A semana de trabalho pode variar entre oito a setenta horas, conforme os picos de intensidade. Esta modalidade de contratação é um dos actuais papéis da Lei, sob o Estado de Direito, assente na nomenclatura legislativa (a imbecilidade parlamentar).
 
Em Espanha a Confederación Española de Organizaciones Empresariales (CEOE), propôs ao governo que os empresários imponham aos trabalhadores a conversão dos contratos de tempo completo em contratos de tempo parcial. Segundo o Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD) no Reino Unido já existem cerca de um milhão e quinhentos mil trabalhadores nesta situação de alta precaridade, dos quais 17% no sector privado sendo a maioria restante absorvida pelo sector publico, através do Serviço Nacional de Saúde.
 
Nos USA a companhia fundada por Jeff Bazos, actual proprietário do Washington Post, a Amazon.com desde á muito que pratica este tipo de contratos e sujeita os seus trabalhadores não especializados á maior precariedade possível, num ponto que roça uma mistura de assalariado com escravo, muito bem vista pela Casa Branca e pelo Presidente Obama, que a considera um “ponto de referência da economia dos USA e uma plataforma para a resolução do problema do desemprego”.
 
Mas se é assim no Centro, como será na Periferia do Mundo Globalizado? Que impactos têm estas políticas nas regiões periféricas, o Sul do Mundo, que sofrem com a ausência da Revolução industrial e com o peso atemorizador e asfixiante da Tradição?
 
Na Periferia recolonizada onde os ganhos substanciais das elites nacionais e dos seus parceiros colonizadores espezinham os mais elementares direitos básicos e que vivem sob a égide do fotocopiado Estado de Direito - muitas das vezes tropicalizado - formam-se licenciados para as estatísticas e para os lucros dos negócios privados das Universidades e dos Institutos Superiores e outras trapaças do género (enquanto as instituições de ensino publico caem aos pedaços e os centros públicos de formação profissional ficam ás moscas) esquecendo-se que as economias produtivas constituem-se por competências (milhares de milhares de canudos incompetentes e ignorantes pululam pelo mundo recolonizado, sem outra função no aparelho produtivo que não seja a de mão-de-obra não especializada com referencias académicas).
 
Nesta Periferia onde reina a unidimensionalidade absoluta e onde o peso da Tradição (já deturpada pelas prácticas do quotidiano e pelas memórias curtas) faz com que o passado mítico seja o elemento preponderante, o presente um modo de passar para o passado e o futuro apenas palpável na máquina de propaganda, a Lei de Trabalho tem a função da papoila: adormece trabalhadores (cuja maioria deambula pelo emprego como se fosse passear á lavra dos antepassados) e embala os empregadores com o amém da responsabilidade social e outras conversas próprias de ilusionistas.
 
É o reino da fábula, mas sem finalidade moral, ficando mesmo só a fábula pela fábula. O resto é um crucifixo, onde morreu o filho do carpinteiro. Obviamente crucificado.
 
Fontes
Antonio Hernández, Juan Hugo Chávez, lector de Nietzsche http://www.rebelion.org/noticia.php?id=171419
Asorey, D. Explotados encorbatados http://blogs.publico.es/informatica/53/explotados-encorbatados/
García, D. Deus ex machina. Reflexiones en torno al sindicalismo y el sector de la Informática. http://info.nodo50.org/Reflexiones-en-torno-al.html
Beck, U. La sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Paidós. España:1986
Castells, M. La galaxia internet. Areté. España: 2001
Howe, N. y Strauss, W. Millennials Rising: The Next Great Generation. Knopf Doubleday Publishing Group. 2000
Castoriadis, C. Los dominios del hombre. Las encrucijadas del laberinto. Gedisa Editorial, España, 2005,
Centro Nacional de Desarrollo e Investigación en Tecnologías Libres – CENDITEL – República Bolivariana de Venezuela.
 

NO CHILE, OS LADOS OPOSTOS SE REENCONTRAM

 


Há um aspecto peculiar na eleição presidencial marcada para novembro entre a socialista Michelle Bachelet e a conservadora Evelyn Matthei: as duas se conhecem desde a infância, foram extremamente próximas e cada uma viveu um lado da tragédia que foi a ditadura de Augusto Pinochet. Por Eric Nepomuceno, de Buenos Aires
 
Eric Nepomuceno – Carta Maior
 
Buenos Aires - Nas eleições presidenciais chilenas de novembro deste ano haverá, pela primeira vez, duas mulheres candidatas. Uma é a socialista Michelle Bachelet, que presidiu o Chile entre 2006 e 2010 e se apresenta por uma aliança de centro-esquerda. A outra é Evelyn Matthei, que se apresenta pela aliança de direita do atual presidente, Sebastián Piñera. Ela não esconde de ninguém que, mais que uma candidata conservadora, é a candidata pinochetista. Há que se reconhecer uma certa ousadia nessa declaração: afinal, nem Piñera, que foi admirador de Pinochet, se define hoje como pinochetista.

Há um aspecto peculiar nesse confronto: as duas se conhecem desde a infância, foram extremamente próximas e cada uma viveu um lado da tragédia que foi a ditadura de Augusto Pinochet.

O pai de Michelle, Alberto Bachelet, foi brigadeiro da Força Aérea do Chile. O pai de Evelyn, Fernando Matthei, também.

O pai de Michelle Bachelet foi fiel a Salvador Allende. Depois do golpe de 11 de setembro de 1973 acabou preso e torturado. Morreu em março de 1974, depois de uma sessão de tortura.

O pai de Evelyn Matthei, depois do golpe de 11 de setembro de 1973, aliou-se a Pinochet. Em março daquele nefasto 1974 dirigia Academia de Guerra Aérea. Foi nos porões dessa Academia que morreu Alberto Bachelet. Acabou integrando uma das Juntas Militares encabeçadas por Pinochet ao longo da sua longa ditadura selvagem.

O brigadeiro Fernando Matthei diz que não participou do horror. A viúva do brigadeiro Alberto Bachelet diz acreditar nele. Michele Bachelet, que ao lado da mãe reconheceu o corpo do pai no dia 12 de março de 1974, não diz nada.

Em 1958, o capitão Fernando Matthei tinha 32 anos e três filhos: Fernando, de 6 anos, Evelyn, de 4, e Robert, de um. Era um dos 60 oficiais que viviam praticamente isolados da população civil da cidade de Antofagasta.

Naquele ano chegou à vila o também capitão Alberto Bachelet, que tinha 34 anos e dois filhos: Alberto, de 11, e Michelle, de 6. Os dois se tornaram amigos inseparáveis. As meninas também.

Alberto era bonachão e extrovertido, Fernando era mais calado e retraído. Os dois falavam de esporte, literatura e música clássica. Continuaram amigos pela vida afora. Em 1967, por exemplo, quando Matthei construiu uma casa em Santiago, Alberto Bachelet apareceu com três árvores, que plantaram juntos.

As árvores e a casa continuam lá. É onde hoje mora Evelyn Matthei.

Na juventude, Michelle e Evelyn tomaram rumos diferentes. A filha de Matthei estudava numa escola alemã, privada, graças a uma bolsa. A de Bachelet, numa escola pública.

Nas eleições de 1970, os dois amigos também tomaram rumos diferentes. Bachelet votou em Salvador Allende. Matthei, no conservador ex-presidente Jorge Alessandri.

Apesar da divergência, a amizade se manteve intocada. Em 1971 Matthei foi mandado para a Inglaterra, e Bachelet foi trabalhar no governo.

No dia 11 de setembro de 1973 Matthei continuava em Londres. Não participou do golpe de Estado encabeçado por Augusto Pinochet. Bachelet trabalhava no Ministério da Defesa, em Santiago. Por se negar a apoiar o golpe, foi preso naquela mesma manhã. No começo de março de 1974 foi levado para os calabouços da Academia de Guerra Aérea. Na manhã do dia 12, aos 51 anos, sofreu uma parada cardíaca depois de uma sessão de tortura.

Seu amigo da vida toda, o brigadeiro Fernando Matthei, era o diretor da Academia. Na verdade, seis meses depois do golpe e da carnificina desatada no país por Pinochet a Academia tinha perdido suas funções de centro educativo e de treinamento militar, e se transformado num campo de prisioneiros. Lá estavam militares que se negaram a apoiar Pinochet.

O brigadeiro Fernando Matthei já não tinha controle de nada. Quase não aparecia por lá. Sabia que Bachelet estava nos porões. Não foi visitá-lo nunca, ‘mais por prudência que por falta de coragem’, disse anos depois.

Nos dias seguintes à morte de Bachelet, sua viúva, Angela Jeria, foi presa com a filha Michele. Ficaram um ano no campo de concentração Villa Grimaldi. De lá foram para o exílio. Só voltaram ao Chile em 1979, com o aval de Matthei, que naquela altura era membro da Junta Militar.

Nessa volta, Michele concluiu seu curso de medicina. Começou, em meados dos anos 80, a militar clandestinamente no Partido Socialista. Sua amiga Evelyn tinha terminado o curso de engenharia, e trabalhava com um exitoso empresário que ganhava rios de dinheiro graças às suas boas ligações com a ditadura, um jovem chamado Sebastián Piñera.

As duas já não se viam nem se falavam. Só tornaram a se encontrar na campanha eleitoral de 1990, quando Evelyn Matthei se elegeu deputada pelo partido Renovação Nacional, de direita.

O resto da história, todo mundo sabe. Sempre discreta, Michelle Bachelet foi nomeada ministra de Saúde, depois de Defesa, e acabou se elegendo presidente da República em 2006.

Quando as duas se reencontraram em 1990, conta Evelyn Matthei, falaram de direitos humanos.

Deve ter sido uma estranha conversa entre a filha de um membro de uma das Juntas Militares de Pinochet e a filha de um militar morto na tortura por ter-se negado a apoiar a ditadura de Pinochet.

Agora, tornam a participar da vida chilena. Uma será eleita presidente. A outra ficará no caminho.
 

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