segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Portugal: UMA PRESIDÊNCIA QUEIMADA

 

We Have Kaos in the Garden
 
Em protesto pelo silêncio de Cavaco Silva em relação à morte recente de três bombeiros em serviço, são já muitos milhares as mensagens de condolências dirigidas aos familiares das vítimas, colocadas na página oficial da Presidência da República no Facebook. As mensagens estão associadas ao post onde o Presidente da República expressa as suas condolências à família do economista António Borges, ontem falecido.

.... mais tarde a Presidência da Republica veio informar que "O Presidente da República transmitiu as suas condolências às diferentes corporações a que pertenciam os bombeiros falecidos, sublinhando tratarem-se de mensagens pessoais, que não queria tornar públicas".

Mas afinal porque raio é que a mensagem de condolências à família do António Borges é publica e publicada na Página da Presidência e a dos Bombeiros mortos em serviço não o é. Porque umas são pessoais e as outras não? Porque um era amigalhaço e os outros não passavam de gente que ele considera menos importante?

A diferença está em que um só andava a engordar com grandes tachos, a lixar os portugueses e a trabalhar para os mesmos donos a que ele serve e os outros andavam a arriscar a vida para apagar os fogos no país que é de todos nós e que alguns criminosamente teimam em incendiar e em deixar arder todos os anos. A diferença é que um se estava nas tintas para o país e para os portugueses e só pensava em dinheiro e mercados enquanto os outros são verdadeiros heróis pelo que arriscam e pelas condições em que exercem a sua actividade. A diferença está em que uns merecem tudo enquanto o outro nada. Os valores deste Presidente é que estão trocados, mas isso não é novidade porque os seus amigos sempre foram quem foram, basta lembrar o Dias Loureiro, Oliveira e Costa e outros da mesma laia, e as consequências funestas que isso trouxe a todos nós.

Porra que nunca mais temos ai um luto nacional que nos assinale que estamos livres desta gente.

Relacionados sobre a morte de António Borges, em PG
 

OS TRÊS CAVALEIROS DO APOCALIPSE EUROPEU

 


Sergio Domingues – Diário Liberdade, opinião
 
A Grécia acaba de encerrar o vigésimo trimestre consecutivo de recessão econômica. O desemprego chegou ao recorde de 26,7%, quatro pontos acima do mesmo período de 2012. Enquanto isso, a dívida pública grega saiu dos 112% do PIB, em 2008, para previstos 176%, em 2013.
 
Tudo isso é obra das intervenções da "Troika", que reúne Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia. Desde que elas começaram, em 2010, o desemprego aumentou mais de 129%. E os jovens amargam uma taxa de desocupação de 65%, a mais alta da União Europeia.
 
Mas já em 2012, havia quem antecipasse este cenário quase apocalíptico. Trata-se do documento de um coletivo político grego chamado "Committee of the Free State Movement", algo como "Comitê do Movimento pelo Fim do Estado".
 
O texto começa dizendo que as medidas impostas pela Troika jamais pretenderam melhorar a situação econômica grega. Ao contrário, o objetivo seria escravizar seu povo e destruir a nação. Seria produto de um novo "totalitarismo" que, talvez, se mostre "tão mortal e ainda mais perigoso do que a violência militar usada pelo nazismo de Adolph Hitler".
 
Segundo o documento:
 
...enquanto Hitler tentou subjugar os povos com violência crua, o totalitarismo atual usa meios de enganação e manipulação, que tiram proveito das realizações mais extraordinárias da ciência e da tecnologia do século 20. Esconde sua verdadeira agenda: um programa de destruição e uma ideologia da morte, embutidos na complexidade de mecanismos econômicos e financeiros modernos.
 
A mesma lógica valeria para Portugal, Itália, Espanha e Irlanda. Os três membros da Troika neoliberal espalham mais terror na Europa que os quatro cavaleiros do Apocalipse.
 

BALCÃS: A PALAVRA AOS CIDADÃOS

 

Trouw, Amesterdão - Presseurop
 
Os Balcãs foram invadidos por uma vaga de protestos. Da Eslovénia à Bulgária, a população sai às ruas para denunciar abusos. Os cidadãos tomam a palavra para exigir uma nova política. Excertos.
 
 
No início, eram sete. “Um amigo pediu-me para me meter no carro e ir depressa para o Parlamento. Queríamos fazer ouvir a nossa voz, por uma vez”, recorda Zlatko Abaspahić. Confrontavam-se todos com o mesmo problema, a impossibilidade de registarem os seus recém-nascidos, por incapacidade do Parlamento em aprovar legislação para tal. Assim começou a revolução dos bebés, este verão, na Bósnia.
 
Armados de carrinhos de bebé, tambores e apitos, chamaram os políticos à ordem. Para o registo de recém-nascidos, mas também para uma série de outros assuntos, tais como a falta de recursos financeiros para as universidades ou os salários exorbitantes dos deputados. “É a primeira vez em 20 anos que as pessoas expressam as suas angústias e manifestam o seu descontentamento”, declara Aldin Arnautović, outro manifestante da primeira hora.
 
Os movimentos de protesto deste tipo estão na moda. Ocorreram manifestações espontâneas na Croácia, Roménia e Macedónia. Na Eslovénia, um primeiro-ministro, um dirigente da oposição e um presidente de Câmara foram obrigados a demitir-se, neste inverno.
 
Na Bulgária, o Governo e um autarca entregaram os pontos na primavera; mas, depois disso, novos protestos eclodiram no país, numa escala muito superior à de todos os outros movimentos que ocorreram até agora na região dos Balcãs. Há quase dois meses que milhares de pessoas bloqueiam diariamente as ruas envolventes do Parlamento, em Sófia, exigindo novas eleições.
 
Como se nada se passasse, os deputados estão de férias; mas as manifestações continuam. No calor do pôr-do-sol, o ar em torno do Parlamento deserto está saturado de suor e da saliva que jorra de milhares de assobios. “Boas férias!”, lê-se numa faixa, ou “O mês de agosto não vai salvá-los”.
 
“Agora percebemos a dificuldade em provocar a demissão dos comunistas”, constata Hristo Vodenov, referindo-se à classe política dominante que, da oposição até ao Governo, está profundamente enraizada no passado comunista e de que os manifestantes se querem livrar de uma vez por todas.
 
Escândalos minam a confiança
 
As razões que levam as pessoas a manifestar-se são sempre locais. Num momento, escândalos ou pessoas ficam no centro das atenções, mas, muito rapidamente, a contestação alarga-se. A revolta foi desencadeada e os cidadãos querem mais.
 
Os movimentos de protesto, apesar de locais, têm muitos pontos em comum. Srdja Popovic, que ganhou notoriedade durante a revolta popular sérvia que levou à demissão de Slobodan Milosevic, faz agora de conselheiro a movimentos idênticos. Fala de “people’s power” (poder do povo): “Esses movimentos, como na Turquia ou no Brasil, mostram que as correntes políticas dominantes perderam a legitimidade, e que as pessoas normais, criativas, podem tornar-se atores importantes”.
 
A legitimidade da classe política instalada é posta em causa por todos os Balcãs. Escândalos de corrupção e cinismo político minam a confiança. As promessas eleitorais são autênticas anedotas. E cada país tem políticos que, mesmo que estejam muito empenhados no seu papel, se agarram ao poder.
 
Mas o que pretendem os manifestantes? Os militantes esperam mais transparência e um comportamento responsável por parte dos seus políticos. Exigem resultados concretos como contrapartida dos seus impostos e, acima de tudo, respeito. São os políticos que estão lá para servir as pessoas, não o contrário.
 
Raramente há um programa concreto. Os manifestantes unem-se por uma rejeição das práticas políticas dominantes. Por vezes, é apenas um verniz. “Não gosto muito daquela gente”, confessa um manifestante liberal croata, com ar entendido, apontando para um grupo nacionalista que também participava no evento. “Mas o Governo repugna-me mais...”
 
Enquanto os manifestantes contestam a nomenklatura política no seu conjunto, há unidade. Os partidos políticos que tentam juntar-se aos manifestantes são corridos e vaiados. “Não estamos aqui para substituir o Governo atual pelo seguinte”, é uma palavra de ordem muito difundida.
 
Nenhum líder surgiu destes protestos. Todos os que tentaram caíram rapidamente do pedestal. Personalidades destacadas da organização procuram livrar-se o mais depressa possível das atribuições de porta-voz, para não serem rapidamente criticados pelos outros manifestantes. As estratégias são frequentemente debatidas em plenário. Cada manifestante pode chegar-se à frente e expor a sua própria visão.
 
Esta ausência de liderança e de programa é simultaneamente a força e a fraqueza destes movimentos. Permite reunir grandes grupos heterogéneos, mas significa que ninguém toma a iniciativa de pôr em prática reformas reais. A oposição oficial é alvo das mesmas suspeitas do Governo. Gera-se uma miríade de pequenos partidos, que não conseguem gerar confiança. As eleições ameaçam, pois, perder a sua função de motor de mudança.
 
Estratégias de negação e populismo
 
Na Bulgária, de acordo com algumas sondagens, quase metade da população apoia os manifestantes. Arriscamos concluir tratar-se da metade que não vai habitualmente às urnas. A antipatia e desconfiança estão tão profundamente enraizadas que a “política” é vista como um problema e não como uma solução.
 
Os governos tentam, portanto, aguentar-se no meio da tempestade. Na Eslovénia, o primeiro-ministro, Janez Janša, manteve-se no poder por mais de um mês, quando todos vaticinavam que a sua carreira tinha acabado. Na Bósnia, o Parlamento decidiu decretar um período de férias, na esperança de que os protestos cessem. Na Bulgária, o primeiro-ministro, Plamen Orecharski, não quer ouvir falar em novas eleições. Utilizando ora estratégias de negação, ora a aplicação de medidas populistas, como o aumento das pensões e subsídios familiares, procura aliviar as tensões.
 
Sem objetivos concretos, é difícil perceber se a onda de contestação popular foi um êxito. Mas talvez já tenha produzido resultados. “Pelo menos, afastámos a apatia e mostrámos que podemos conseguir mudar qualquer coisa juntos”, comenta Arnautović, em Sarajevo. “Mesmo que o movimento agora se desmorone, há a possibilidade de surgirem novas formações.”
 
O CANVAS, centro para a aplicação de ações e estratégias não violentas de Belgrado, especializou-se na teorização do poder popular. Publica livros, organiza conferências e faz consultorias a pedido dos movimentos de contestação. O seu fundador, Srdja Popovic, considera que a atual onda de protestos que varre os Balcãs está intimamente ligada ao que vimos acontecer no Brasil e na Turquia: “As pessoas aprendem a chamar a atenção dos políticos para as suas responsabilidades”.
 
É essencial uma interação com esses políticos. Os manifestantes têm uma visão clara e capaz de impor disciplina? Por seu lado, os políticos podem criar consensos sobre valores comuns com os manifestantes, ou consideram-nos apenas como traidores e terroristas, à semelhança do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdoğan?
 
Deste ponto de vista, a revolta eslovena parece, para já, a mais bem-sucedida: políticos comprometidos desapareceram de cena e o novo Governo está consciente de estar sob a vigilância cerrada da população. Os próximos meses vão revelar se os protestos de outros países também vão conseguir este resultado.
 
Foto: Durante uma manifestação contra o Governo, em Sófia (Bulgária), a 11 de julho de 2013 – AFP
 
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Brasil - Perfil: MÉDICA CUBANA IVETE LÓPEZ PROMETE TRABALHO E SOLIDARIEDADE

 


Os cálculos de quanto e quais seriam os lucros pelas atividades dos médicos cubanos no Brasil aparecem mais como questão para alguns setores da área médica no país e da imprensa brasileira do que para os próprios cubanos. A médica Ivete López diz que veio por solidariedade e que deseja ajudar o país. Por Thaís Brito, de Salvador
 
Thaís Brito - Especial para a Carta Maior
 
Salvador – Ivete López, médica cubana de 44 anos, está entre os 50 médicos que chegaram no último domingo (25) a Salvador, e que vão atuar em um dos 22 municípios baianos que receberão médicos estrangeiros no programa Mais Médicos do governo brasileiro.

Antes de decidir vir para o Brasil, Ivete trabalhou como médica em Cuba e em alguns países no continente africano. Ela demonstra estar à vontade já na chegada ao país em que deve passar três anos.

Depois das muitas horas de viagem entre Havana a Salvador, a médica demonstrou muita disposição. Pergunto sobre o tempo que vai ficar no Brasil, longe da família, ela diz que são “apenas” três anos. Durante esse tempo, não tem previsão de fazer nenhuma visita a Cuba.

A família da médica cubana está em seu país natal. Filha de pais que nunca exerceram a medicina – o pai é chofer e a mãe, dona de casa – Ivete não fez outra coisa em sua vida a não ser se dedicar ao cuidado da saúde de outras pessoas. Há 23 anos exerce a profissão de médica, e a escolha de vir trabalhar no Brasil foi dela mesma e não do governo do seu país, ressalta.

A médica Ivete López ainda não sabe dizer ao certo quanto receberá pelo seu trabalho no Brasil. Como profissional atuando na medicina em Cuba, ela afirma que receberia um salário de 673 pesos cubanos, o que equivale, para nós, a cerca de 1.600 reais por mês. Com o programa Mais Médicos, o custo para o governo brasileiro chega a 10.000 reais por cada profissional médico contratado, vindo de qualquer país. O repasse desse valor, no caso do convênio com Cuba, é feito diretamente ao governo cubano, que faz o pagamento aos médicos que estão trabalhando no Brasil. Assim, os médicos cubanos recebem apenas uma porcentagem do que é pago pelo governo brasileiro.

Os cálculos de quanto e quais seriam os lucros pelas atividades dos médicos cubanos no Brasil aparecem mais como questão para alguns setores da área médica no país e da imprensa brasileira do que para os próprios cubanos. Ivete diz que veio por solidariedade e que deseja ajudar o país. Soa estranha a pergunta pelos valores, pois sua primeira resposta sobre quanto ganha é de que recebe o suficiente para viver bem. “Em Cuba, temos acesso à saúde e educação básica para todos.”

A grande maioria dos profissionais que irão atuar no Estado da Bahia são mulheres. Elas e seus companheiros de profissão ocuparão os postos de saúde de regiões sem atendimento em Salvador, principalmente na periferia da cidade, e devem atuar em municípios do interior do Estado com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e pouca infraestrutura.

Os municípios baianos que receberão os médicos do Programa Mais Médicos são: Adustina, Araci, Campo Alegre de Lourdes, Cansanção, Carinhanha, Central, Cocos, Coronel João Sá, Correntina, Formosa do Rio Preto, Itiúba, Jeremoabo, Macaúbas, Mansidão, Nova Soure, Remanso, Riacho de Santana, Serra Dourada, Sítio do Quinto, Souto Soares e Tucano.

Ivete Lopez, mesmo sem saber onde deve atuar, ressalta: “Não é certo que viemos como prisioneiros. Viemos por solidariedade, por nossa vontade, para ajudar ao povo do Brasil.”

A partir desta segunda-feira (26) têm início os cursos preparatórios para os profissionais do Programa Mais Médicos na Bahia. Os médicos recém chegados irão passar por três semanas de formação teórica e prática nas áreas de atenção básica à saúde.

Fotos: Thaís Britto

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“AMÉRICA LATINA, É A TUA HORA”

 


Marcelo Barros, Brasília – Opera Mundi
 
ONU reconhece que países que mais cresceram em justiça social, vitória contra analfabetismo e fome, foram os que têm governos populares
 
A cada ano, a ONU (Organização das Nações Unidas) consagra o 23 de agosto como o dia da lembrança do tráfico de escravos e de sua abolição. Infelizmente esse tema não serve apenas para lembrar o passado, mas nos mostra que o tráfico de pessoas persiste ainda hoje, de algum modo, em todos os continentes.

Existe o tráfico na forma de sequestro de crianças em aldeias longínquas de alguns países africanos para serem vendidas nas fronteiras, como escravos domésticos ou soldados infantis, destinados a missões suicidas.

Além disso, há o tráfico de mulheres em redes de prostituição, atuantes até em países da Europa. E no mundo inteiro, continua legalizado e sem problemas o tráfico econômico que obriga pessoas a sobreviver vendendo sua força de trabalho em condições desumanas, na maioria das vezes, como migrantes.

Em 2000, a ONU propôs as oito metas do milênio para reduzir a pobreza e superar a miséria. Atualmente, quase 15 anos depois, de acordo com um recente relatório da ONU, só na América Latina os países fizeram alguma coisa nesse sentido.

De todos os continentes, só a América Latina avançou na questão do direito de todos os seres vivos à água potável, na ampliação dos serviços sanitários, no acesso universal à educação e em programas de segurança alimentar para todos.

Nos anos de 1990, nos países latino-americanos, a pobreza chegava a 48, 4%. Agora, em nossos países, os pobres chegam a 30%. De todo modo, o atraso era tanto que, mesmo com esses avanços, o caminho à frente ainda é longo e principalmente espinhoso. Os desafios são imensos. A ONU reconhece que os países que mais cresceram em justiça social, na vitória contra o analfabetismo e a fome foram os que têm governos populares e fizeram novas constituições, no caso, Venezuela, Equador e Bolívia.

No mês passado, a FAO, organismo da ONU para a agricultura e alimentação, deu um prêmio ao governo venezuelano por ter erradicado a fome e a miséria em todo o território do seu país. Os refeitórios populares e as comunas, espalhados por todos os estados do território venezuelano, são conquistas que fazem inveja a todo país sedento de justiça e igualdade.

A ONU foi obrigada a declarar que, em toda a América Latina, a Venezuela bolivariana é o país que mais conseguiu reduzir as desigualdades sociais, venceu o analfabetismo (taxa zero) e tem o maior programa de vivendas populares acessíveis a todos.

O governo brasileiro vive a contradição de se apresentar como, ao menos, historicamente ligado aos movimentos populares e, entretanto, cada vez mais, desenvolver uma política que beneficia a elite de sempre. Defende o direito dos índios à terra, mas, ao mesmo tempo, as invade para projetos megalomaníacos e antiecológicos como a hidroelétrica do Belo Monte, além de apoiar todos os projetos de agronegócio para a exportação.

O modelo excludente e supérfluo da sociedade de consumo descartável não domina somente a elite, mas mesmo os pobres que melhoram de vida e se tornam ávidos consumidores.

Povos indígenas propõem o paradigma do bem viver e do conviver dignamente, em uma vida de qualidade, sustentável e justa. É a proposta do evangelho de Jesus que disse: “A vida vale mais do que o alimento e a pessoa de vocês mais do que a roupa que vestem. Por que se preocupar com essas coisas? O Pai do céu sabe de tudo o que vocês precisam. Procurem acima de tudo o reino dos céus (a realização do projeto divino no mundo) e tudo o mais lhes será dado por acréscimo” (Mt 6, 25- 30).

Marcelo Barros é monge beneditino, teólogo e escritor. Tem 44 livros publicados. Artigo publicado na revista Brasil de Fato.

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O 11º MANDAMENTO

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - A 15 de Maio de 1948, o presidente dos USA, Harry Truman, reconheceu a declaração que criava o Estado de Israel. Este apoio revelou-se crucial para o jovem estado e desta forma os USA ganhavam uma forte posição na região. Israel seria transformado num estado-satélite, com o apoio económico e com a cooperação militar dos norte-americanos. A cooperação tecnológico-militar entre os USA e Israel tornou-se imprescindível, para ambos os lados.
 
A posição estratégica de Israel foi um factor determinante para o fortalecimento desta relação, favorável aos interesses norte-americanos na Ásia Ocidental e ao colonialismo sionista. As diversas administrações norte-americanas foram reforçando estes laços e durante a administração Reagan (1981-1989) foi assinado um acordo que permitiu a participação de Israel na Iniciativa de Defesa Estratégica (Star Wars), consubstanciada no desenvolvimento por parte de Israel de um sistema antimíssil, concedendo os USA um financiamento de 625 milhões de USD.
 
Outro tipo de apoio (mas não menos essencial para a politica sionista de ocupação) foi o outorgado em 1992, que consistiu numa linha de crédito norte-americana, de 10 mil milhões de USD, destinada á construção de habitação e infraestrutura para milhões de judeus russos, que ingressaram em Israel. Mais tarde, em 2000, Clinton concedeu 800 milhões de USD em garantias militares. A cooperação entre ambos os estados reforçou-se nos últimos anos, de forma significativa na área da tenologia militar, e em particular no desenvolvimento de armas e equipamento de nova geração e na tecnologia da vigilância.
 
A consequência principal desta política de cooperação entre ambos os estados (em que os USA representam a sombrinha protectora) foi o desenvolvimento de um poderoso e diversificado arsenal por parte das Forças de Defesa de Israel (IDF). Deste arsenal constam os explosivos nucleares pré-operacionais (dispositivos que requerem trabalho prévio de montagem ou de adaptação a sistemas de lançamento), avaliados em pelo menos oitenta unidades.
 
II  - Israel possui armas nucleares tácticas (as que se destinam a ser usadas em palcos de guerra regionais) e estratégicas (armas com um poder explosivo superior e de longo alcance). No que respeita à posse de armas nucleares tácticas Israel desenvolveu granadas de artilharia e minas terrestres equipadas com explosivos nucleares. Os dados existentes não esclarecem o número de armas nucleares tácticas em posse do IDF, mas são muito mais abertos no que respeita ao arsenal de armas nucleares estratégicas. O IDF dispõe da capacidade de bombas nucleares por gravidade (explosivos transportados em aviões e largados sobre o alvo, como aconteceu em Hiroxima e Nagasaki). Os explosivos nucleares são transportados nos caças-bombardeiros F16, que possuem um raio de acção de 1600 km.
 
Deste 1980 Israel adquiriu cerca de 400 destes aparelhos de fabrico norte-americano, sendo adquiridos ao longo dos anos variantes aperfeiçoadas do modelo inicial e que podem ser abastecidas em voo. Estes aparelhos são modificados em Israel e as suas capacidades são optimizadas. O ataque ao reactor nuclear iraquiano em 1981 foi levado a cabo pelos F16 e é comum o seu uso na Faixa de Gaza. Em 1998 e anos seguintes, o IDF adquiriu vários bombardeiros pesados F-15E ("Strike Eagle"), fabricados pela Boeing, com um raio de acção de 4450 km. Também os F-15E são optimizados em Israel.
 
O sistema privilegiado de lançamento de engenhos explosivos nucleares é o míssil, em cuja cabeça é incorporado o explosivo. O IDF dispõe de pelo menos 50 mísseis terra-terra do tipo Jericho II com um alcance estimado de mais de 1500 km. O míssil Jericho II foi desenvolvido em Israel a partir de uma primeira geração de características menos evoluídas (o Jericho I) projectado pela empresa Dassault e adquirido aos franceses ainda nos anos 60.
 
O caminho aberto pela realização do míssil Jericho II, permitiu o desenvolvimento de um foguetão de três andares denominado Shavit com capacidade para colocar em órbita terrestre um satélite de reconhecimento e vigilância. Surge assim a família de satélites denominados Ofek, progressivamente mais pesados e dotados de equipamento de maior sofisticação. O mais recente, o Ofek-9. terá sido lançado em Junho de 2010, admitindo-se que possui uma capacidade de resolução de imagem de objectos ao nível do solo inferior a 50 cm. Os satélites Ofek são projectados e construídos pela empresa IAI (Israeli Aerospace Industries). O Shavit pode ser convertido num míssil balístico de longo alcance, portanto com características de arma estratégica, capaz de transportar uma carga até cerca de 7000 km de distância, conforme o peso do engenho explosivo colocado no "nariz" do foguetão. 
 
Israel dispõe também de submarinos de propulsão híbrida (diesel-eléctrica) convencional, isto é, não nuclear, com capacidade para o lançamento de torpedos, minas e mísseis de cruzeiro, submarinos da classe Dolphin, O Dolphin possui 10 tubos de lançamento de meio metro de diâmetro. Os mísseis usados são americanos do tipo Harpoon projectados para o ataque a navios. Os Harpoon foram modificados para transportar cabeças nucleares para ataque mar-terra, o que implicou o desenvolvimento de uma cabeça nuclear própria e um sistema de orientação para o ataque a alvos terrestres.
 
O governo israelita tentou obter dos USA o fornecimento de mísseis de cruzeiro de longo alcance, Tomahawk, para lançamento por submarinos, de que existe uma versão capaz de transportar uma cabeça nuclear. Os USA terão recusado o fornecimento, mas o episódio é significativo quanto ao empenho do IDF em desenvolver uma capacidade nuclear operacional efectiva. 
 
III - Em finais da década de 50, no âmbito do chamado "Programa de Átomos para a Paz" lançado pelos USA, Israel recebeu um pequeno reactor do tipo piscina, para fins experimentais e de investigação, que ainda hoje está em funcionamento, com uma potência de 5 MW térmicos, o IRR 1 instalado no Centro de Investigação Nuclear de Sorek.  Desde 1963, Israel dispõe de um segundo reactor, o IRR 2, classificado como sendo um reactor de teste. Trata-se de um reactor moderado e arrefecido por água pesada, que é uma das instalações principais e porventura o coração do Centro de Investigação Nuclear de Negueve (CINN), próximo de Dimona, no deserto de Negueve. As actividades desenvolvidas no CINN, não são controladas pela Agencia Internacional de Energia Atómica e o centro está fechado às inspecções da Agência. Inicialmente a potência térmica do IRR 2 era de 16 MW. Desconhece-se a potência actual mas alguns observadores admitem que poderá ser superior a 100 MW. 
 
Um reactor nuclear com as características do IRR 2 permite produzir quantidades importantes de plutónio por conversão do urânio natural que é o combustível nuclear em regra usado nos reactores moderados e arrefecidos por água pesada. A posse de plutónio abre a porta à fabricação de explosivos nucleares seguindo um caminho muito menos exigente nos planos técnico e financeiro do que se a escolha recaísse sobre o urânio.
 
O segundo principal parceiro de Israel (depois dos USA) no seu propósito de se dotar dos meios necessários à fabricação de explosivos nucleares foi a França. Em 1957 foi assinado um acordo entre a França e Israel em que a França se comprometia a construir um reactor do tipo do IRR 2 com uma potência de 24 MW. Os sistemas de arrefecimento e processamento de resíduos eram todavia previstos para um valor de potência três vezes superior. Em protocolos adicionais o governo de Paris comprometia-se a construir uma instalação de reprocessamento do combustível irradiado, isto é, de separação do plutónio.
 
Destes acordos resultou um complexo industrial construído em segredo, por técnicos franceses e israelitas, em Dimona no deserto do Negueve, fora do sistema de inspecção da AIEA. Cerca de quatro toneladas de água pesada sem a qual o reactor não funcionaria foi adquirida pelos franceses na Noruega com o compromisso de não ser transferida para outro país. A água pesada foi transportada secretamente para Israel pela Força Aérea Francesa.
 
A partir de Maio de 1960, o governo francês, alterou a sua política de cooperação nuclear com Israel, por receio de ver comprometida a posição da França no contexto internacional sobretudo porque viria inevitavelmente a saber-se que França apoiara a construção da instalação de reprocessamento de combustível irradiado que permitiria a Israel constituir uma reserva de plutónio utilizável para fins militares. De Gaulle tentou convencer Ben-Gurion a não prosseguir a construção usando como moeda de troca o fornecimento de aviões de combate às Forças Armadas Israelitas. Finalmente chegou-se a um compromisso cujos aspectos essenciais eram a promessa de que Israel não tinha a intenção de fabricar armas nucleares, que não faria o reprocessamento de plutónio e que tornaria pública a existência do reactor; Por sua vez a França forneceria os elementos de combustível nuclear necessário ao arranque do IRR 2 e não insistiria em que o complexo nuclear fosse sujeito a inspecções internacionais. O reactor arrancou em 1964. 
 
IV - Sem dispor de uma importante instalação para a separação do plutónio e sem uma fonte ou fontes de abastecimento de urânio natural, não seria possível a Israel desenvolver um programa nuclear militar. A instalação de separação do plutónio foi secretamente construída com o apoio francês no subsolo do complexo de Dimona. No que respeita ao urânio, sabe-se que Israel tentou o processamento de minerais de fosfato de que existem importantes depósitos na região, para extrair o urânio contido no mineral designado por fosforite. Daí, procurou chegar a um óxido de urânio susceptível de ser utilizado em elementos de combustível nuclear. Mas este processo de obtenção de urânio é demasiado dispendioso, quando comparada com o custo de extracção a partir de minério de urânio em jazidas. Os esforços israelitas orientaram-se então para a compra de urânio a terceiros, sempre debaixo do maior segredo.
 
Foi assim que Israel comprou à Argentina 80 a 100 toneladas do produto chamado "yellowcake", um pó constituído no essencial por uma mistura de óxidos de urânio, em que predomina o óxido de urânio. O “yellowcake” é obtido do minério de urânio tal como existe na natureza, mediante uma sequência de operações de tratamento físico (ou mecânico) e químico. Em meados de 1968 foi efectuada uma segunda compra de 200 toneladas de "yellowcake" adquiridos à Bélgica no quadro de uma operação clandestina complexa que envolveu uma empresa italiana controlada pelos serviços secretos israelitas e a transferência em alto mar do urânio de um cargueiro europeu para um barco israelita.
 
Segundo o Institute for Science and International Security (ISIS), dos USA, em finais de 2003, o stock de plutónio para fins militares, de Israel, atingia o montante de 560 kg, um pouco superior ao da União Indiana. Israel procedeu ao ensaio de explosivos nucleares, utilizando a classe de ensaio de "potência zero" ou de implosão, dificilmente detectáveis a grande distância. Os ensaios deste tipo foram efectuados no deserto do Negueve em 1966 e no ano de 1979, em parceria com a Africa do Sul, foi efectuado um ensaio no Índico.
 
 O direito dos Estados em assumirem a sua opção nuclear defensiva é uma questão de soberania, só que Israel não é um Estado soberano, mas sim um Estado-satélite, criado e sustentado pelos USA, sob os assentamentos coloniais e os territórios ocupados, assente no apartheid e que subjuga os palestinianos e todas as minorias da região. A hipocrisia em que assenta o controlo do armamento nuclear e os tratados de não-proliferação nuclear está bem evidenciada quando depararmos com a nuclearização militar de Israel. Países como a Coreia do Norte ou o Irão são condenados pela utilização do nuclear, mas sob Israel cai um véu protector que o isenta de responsabilidades. 
 
É a impunidade insofismável dos afilhados do padrinho, o esquecido 11º mandamento.
 
Fontes
SIPRI Year Book 2008, 2009, 2010, 2011, Sweden
SIPRI Year Book 2012: Armaments, Disarmament and International Security, Resumen en español, Sweden
Occupation, Colonialism, Apartheid? A re-assessment of Israel’s practices in the occupied Palestinian territories under international law, Democracy and Governance Programme, Middle East Project, HSRC, Human Sciences Research Council of South Africa May 2009, Cape Town, South Africa
Israeli-United States Relations, Almanac of policy Issues, Adapted from a report by Clyde R.Mark, Congressional Research Service Updated October 17, 2002, USA
Burr, William and Cohen, Avner Israel's Secret Uranium Buy. How Argentina fueled Ben-Gurion's nuclear program Foreign Policy, July 1, 2013 
Le Monde diplomatique, N°:185. 2011
 

ALGUÉM VIU A DEMOCRACIA POR AÍ?

 


Rodolpho Motta Lima – Direto da Redação
 
Vocês podem não acreditar, mas eu já tinha escrito esta coluna quando li o contundente texto do Urariano sobre os médicos “marcianos”... Vamos a ela.
 
Millôr Fernandes, com a ironia que lhe era peculiar, escreveu que, depois de passar horas lendo os epitáfios de um cemitério, um marciano perguntou para o outro: “Onde será que eles enterram os canalhas?” Afinal, em um cemitério, os túmulos tendem a apresentar frases que glorificam os falecidos, carregados de elogios saudosos e virtudes hiperbólicas. Em um cemitério, pelo menos na aparência, não há lugar para os malvados, os perversos, os bandidos.
 
Parece que esses dois marcianos retornaram ao planeta de origem com uma ideia nada salutar a respeito da nossa intrínseca honestidade, cônscios da nossa hipocrisia. Talvez por isso tenham sido convidados pelos terráqueos a voltar ao nosso planeta para, quem sabe, alterar as impressões depreciativas da primeira viagem. Uma segunda chance.
 
Convite feito, convite aceito. E, para evitar surpresas desagradáveis, os da Terra combinaram com os de Marte que o objeto de análise, dessa vez, seria o país tido e havido como líder do mundo democrático dos humanos. Assim, não haveria equívocos e o nosso prestígio seria restabelecido. Os homens da Terra seriam iguais aos de Marte.
 
O que se segue reproduz trecho de diálogo travado entre um dos marcianos, o mais inquiridor, e um assessor da nação-modelo, especialmente designado pelas autoridades, um PHD das relações interplanetárias, especialista em argumentação paradoxal, capaz de prestar todos os esclarecimentos aos curiosos visitantes:
 
MARCIANO: - Em nossa terra de origem, a igualdade é geral. Não conhecemos discriminação nem preconceito. Aqui também é assim?
 
ASSESSOR: - Sem dúvida! Somos a nação da liberdade, o país da luta incessante pelos direitos humanos.
 
MARCIANO: - Mas... e esta notícia aqui, que menciona a absolvição de um homem branco que matou a tiros um jovem negro desarmado? Não é uma prova de que a discriminação ainda é forte entre vocês?
 
ASSESSOR: - Claro que não. O nosso presidente até disse que podia ter sido ele a vítima... Esse é um argumento definitivo para a não existência do preconceito entre nós. Até o presidente poderia ter sido morto...
 
MARCIANO: - Bom, se é assim... Mudando um pouquinho de assunto, mas ainda dentro do tema. Os direitos humanos... Eles são efetivamente respeitados aqui? Não há problemas nessa área?
 
ASSESSOR: - Orgulhamo-nos de ser a nação que não apenas pratica internamente, mas assegura esses direitos no mundo inteiro. Essa é uma das nossas marcas.
 
MARCIANO: - Então é falsa a existência, em uma ilha vizinha, contra a vontade de seus habitantes, de um complexo penitenciário que mantém presos centenas de homens sem julgamento, sujeitos à tortura e coisas do gênero?
 
ASSESSOR: - Ah! Isso é diferente... São feras humanas, bandidos planetários, terroristas perversos, um perigo para a Humanidade.
 
MARCIANO: - Mas... por que não são julgados e condenados, conforme fazemos em nosso planeta?
 
ASSESSOR: - Ah! Isso é porque não foram acusados de nada, objetivamente. Como julgá-los!?
 
MARCIANO: - É...Faz sentido... Se não fosse essa explicação tão clara, a gente poderia pensar que não se respeitam as liberdades e os direitos individuais.
 
ASSESSOR: - Sim, mas descanse... Nós estamos sempre atentos a isso. A individualidade e seus direitos são sagrados para nós...
 
MARCIANO: - Então não é verdadeira a notícia de uma espionagem planetária a contas de e-mails nacionais e estrangeiros? E não existe perseguição a quem a denunciou?
 
ASSESSOR: - Não sei o que disseram a vocês. Na realidade, o que existe é uma defesa dos cidadãos do mundo. Queremos evitar o terrorismo , aqui e fora daqui. O que você chama de espionagem é informação... Somos os melhores nisso também !
 
MARCIANO: - Percebo... Então vocês acham que o homem que revelou o procedimento de invasão da privacidade das pessoas é um mal intencionado, um terrorista disfarçado, um ser contrário à democracia, um inimigo da cidadania?
 
ASSESSOR: - Perfeito ! Você tirou as palavras da minha boca...
 
MARCIANO: - Sei...Assim como vocês querem tirar do ar algumas bocas que dizem certas palavras...
 
ASSESSOR: - São os ônus da liberdade. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”!
 
MARCIANO: - E quanto aos meios? Vale inventar armas mortíferas que não existem? Vale matar gente inocente com aviões não pilotados? Vale patrocinar ditaduras sanguinárias com dinheiro fornecido aos seus exércitos?
 
ASSESSOR: - Bom...são muitas perguntas... Mas, pela ordem: as armas mortíferas existiam, mas sumiram... Devem estar afundadas nos campos de petróleo que conquistamos para a Humanidade... Quanto à gente inocente que morre, é perfeitamente explicável: estavam no lugar errado, na hora errada, são os azarados da guerra... Já o dinheiro que damos para os exércitos ditatoriais, ele é usado para a compra de armas que nós vendemos; logo, o dinheiro volta para nós, não fica lá... Ou não?
 
MARCIANO: É, volta mesmo... E como...
 
O diálogo prosseguiu nesse tom. Parece que, ao voltar para o planeta vermelho, o tal marciano inquiridor – quase convencido que os homens não são nada de Marte - perguntou para o outro: “Onde será que eles escondem os cidadãos democratas?”
 
*Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
 
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Brasil: PEQUENAS CIDADES COMEMORAM VINDA DE MÉDICOS CUBANOS

 


Nicolau Soares e Rodrigo Gomes na RBA - Editado por Solidários

Secretários municipais de Saúde de cidades do Norte e Nordeste brasileiros estão animados com a possibilidade de a população receber atendimento médico por meio do programa federal Mais Médicos, independente da nacionalidade dos profissionais. Gestores públicos ouvidos pela reportagem da RBA destacam que o importante é a população ter acesso à atenção básica em saúde e apontam preocupações mais cotidianas e menos ideológicas sobre o processo. Os profissionais cubanos começam o atendimento às populações no próximo dia 16.

Segundo o Ministério da Saúde, os 400 médicos cubanos que atuarão na primeira etapa do programa, por meio de acordo firmado ontem (21) entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde, serão direcionados aos 701 municípios que não despertaram o interesse de nenhum profissional inscrito, seja brasileiro, seja estrangeiro. A maioria das cidades (68%) apresenta os piores índices de desenvolvimento humano do país (IDH muito baixo e baixo) e 84% estão no interior do Norte e Nordeste em regiões com 20% ou mais de sua população vivendo em situação de extrema pobreza. Os demais 358 estrangeiros cadastrados no Mais Médicos vão para as cidades escolhidas no processo de inscrição no programa.

A secretária de Saúde de Jaboatão dos Guararapes (PE), Geciane Paulino, afirma que já conhece e tem boas referências sobre o trabalho dos médicos cubanos. “Eu trabalhei em Cabo do Santo Agostinho (PE), de 2001 a 2004, e a experiencia lá foi muito positiva. Os médicos atendiam muito bem à população, que tinha um entrosamento muito grande com eles”, contou. Geciane considera que a reclamação das entidades médicas se pauta pela reserva de mercado. “Quem faz a gestão do SUS não pode ficar restrito à preocupação de uma categoria profissional. Temos que pensar em todos os brasileiros”, afirmou. O Conselho Federal de Medicina (CFM) condena o programa avaliando que será uma tragédia.

Jaboatão dos Guararapes é uma cidade com 654 mil habitantes na região metropolitana de Recife, governada pelo prefeito tucano Elias Gomes. Apesar de ser uma cidade cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é alto (0,717), há desigualdade no atendimento entre as periferias e as regiões mais centrais, o que se espera ser corrigido com o Mais Médicos. “A região metropolitana tem muita infraestrutura em equipamentos de lazer e outras coisas, porém, Jaboatão é um município com sérios problemas. Os médicos virão atuar justamente nas áreas de favelas”, explicou Geciane.

O Mais Médicos foi alvo desde o começo de ataques das entidades de classe, que são contra a vinda de profissionais estrangeiros e argumentam que o mais relevante é garantir melhores condições de trabalho, e que não há déficit. Mas, segundo o ministério, o Brasil tem 1,8 médico por mil habitantes, enquanto na Argentina a proporção é 3,2; no Uruguai, 3,7; em Portugal, 3,9; e no Reino Unido, 2,7. A longo prazo, o programa federal prevê aumentar a formação de médicos, passando de 55 mil para 108 mil matrículas em quatro anos. A expectativa é criar 1.500 novos cursos em um total de 117 municípios atendidos por instituições particulares e públicas, 60 a mais do que o atual.

Após um recuo inicial, o governo acabou fechando convênio para trazer os profissionais de Cuba. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, defendeu hoje a decisão. "Temos 700 municípios sem médico e extrema carência de médicos no interior do país", afirmou. Adams lembrou que o sistema já é praticado por Cuba em acordos com outras nações.

O ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, também rebateu as críticas dos que veem o programa por um viés ideológico. “A ideia é atrair o médico que esteja disposto a trabalhar. Não há um viés ideológico, mas, ao contrário, um viés humanitário”. Patriota destacou que o acordo respeita regras internacionais. “É algo aceito internacionalmente, dentro das estratégias de saúde. O acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde garante que estamos procedendo dentro das melhores práticas”, afirmou.

Barreirinha, no Amazonas um dos municípios beneficiados pela medida, também celebrou o anúnio. A coordenadora de Planejamento da Secretaria Municipal de Saúde, Thaís Caldeira, disse que a gestão está ansiosa pela chegada dos profissionais. “Acreditamos que o programa tem grande possibilidade de dar certo no interior do Amazonas porque nossa necessidade é muito grande”, disse, apontando uma questão que deve ser considerada na escolha dos profissionais. “Para nós, a preocupação é com a comunicação entre médicos e as populações indígenas de nossa cidade”, completou. A cidade amazonense é administrada por Mecias Pereira Batista (PSD), tem 27 mil habitantes, possui IDH baixo (0,574) e fica na divisa com o Pará.

De onde quer que venham, os médicos serão bem recebidos em Cabixi (RO), segundo o secretário de Saúde, Wilson de Oliveira. Para ele, só interessa saber se o atendimento será bom. “Sempre se fica com o pé atrás sobre alguém que você não conhece, se vai ser bom, se vai ser ruim. Queremos que sejam pessoas que atendam bem à população e que conheçam os princípios da atenção básica. Se vão ser cubanos, paulistas ou gaúchos, não importa”, disse. A cidade, administrada pelo prefeito Izael Dias Moreira (PTB), tem 6 mil habitantes e uma área de pouco mais de um quilômetro quadrado. Cabixi tem IDH 0,65, considerado médio.

As três cidades citadas não foram selecionadas na primeira leva de cadastros do programa. No total se candidataram 1.618 profissionais, sendo 1.260 brasileiros e 358 estrangeiros. Como não houve interesse em 701 cidades, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, firmou o acordo com a Opas para a vinda dos 4 mil médicos cubanos. Os primeiros 400 chegam na próxima segunda-feira (26).

Segundo o ministério, os cubanos serão recebidos em Brasília, Salvador, Recife e Fortaleza. Como os demais estrangeiros, ficarão em alojamentos militares e farão um curso preparatório de três semanas, até 13 de setembro, abrangendo língua portuguesa, funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e legislação. Eles farão avaliações de desempenho, além de visitar unidades de saúde nas cidades em que estiverem.

Manifestações favoráveis

O presidente do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Carlos Nardi, é bastante objetivo no entendimento da vinda de médicos estrangeiros. “A partir do momento que os profissionais do mercado interno, formados em nossas universidades, não preencheram os postos do setor público para o atendimento básico à população no Saúde da Família e nas Unidades Básicas de Saúde, tendo sido aberto o edital para países estrangeiros com acompanhamento de universidades federais e do Ministério da Saúde, somos absolutamente favoráveis a que venham e deem o que a população pede e o que o sistema necessita”, afirmou.

Desmistificando as críticas de que o problema estaria na estrutura de atendimento e não na falta de profissionais, Nardi defendeu que esta não é uma ação isolada ou eleitoreira, como acusa o Conselho Federal de Medicina. "Há um programa de qualificação ou construção de novas UBS, para dar condições de ambiência e bom exercício profissional para médicos, dentistas, enfermeiros, todas as profissões da área de saúde. Fora recursos que foram investidos para as prefeituras equiparem e reformarem UBS pré-existentes."

Nardi também considera que não há necessidade de preocupação em reservar o mercado de trabalho aos profissionais brasileiros. “É importante lembrar que são profissionais que vão atuar exclusivamente na atenção básica, fazer promoção de saúde e prevenção de doenças, principalmente as crônicas não transmissíveis. Não vão atuar em unidades de terapia intensiva ou como profissionais privados, o que, aí sim, ofereceria um risco econômico para a categoria médica”, explicou.

A prefeita de Guarujá (SP), Maria Antonieta de Brito (PMDB), rebateu as críticas contra a vinda de médicos estrangeiros com exemplo de sua própria cidade, durante audiência da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, na manhã de hoje (22). “Eles possuem esta experiência de estar lá, onde há maior necessidade, e a capacidade de entender o outro, aquele que muitas vezes vem da lama, de chinelinho”, afirmou. A prefeita assegurou que eles possuem plena capacitação em atenção básica e grande compromisso no atendimento às pessoas mais pobres.

"O maior problema na área da saúde é, sim, a carência de médicos", disse o secretário de Saúde do Estado da Bahia, Jorge Solla, também presente à audiência. “Quando se pergunta ao cidadão, ele efetivamente responde e identifica como o maior problema a falta de médicos. Ele vai ao posto e encontra enfermeiros e outros profissionais, mas não encontra médicos disponíveis para atendê-lo na hora em que necessita”, reclamou.

Solla apontou ainda que dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde demonstram que está crescendo a diferença entre a oferta de vagas para médicos e a quantidade de profissionais empregados. Em 2010, havia 2,6 postos de trabalho por profissional. Hoje essa relação é de três vagas para cada médico.

A polaridade estabelecida no debate sobre o tema é uma distorção da essência da questão, segundo a presidenta do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Maria do Socorro de Souza. “É um direito de cidadania da população brasileira e isso custou alto para a sociedade, que sempre teve seus direitos negados pelo Estado, principalmente na saúde”, afirmou. E prosseguiu no que acredita ser uma das fontes do problema: “O país precisa interiorizar políticas públicas focadas no fim das desigualdades regionais, porque muita gente sai do campo e das florestas para as cidades exatamente por não haver uma descentralização no desenvolvimento”, disse.
 
 
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MÉDICOS CUBANOS CHEGAM AO BRASIL SOB RESISTÊNCIA DE ASSOCIAÇÕES PROFISSIONAIS

 

Deutsche Welle
 
Primeiros grupos de médicos cubanos "importados" pelo governo brasileiro chegaram ao país cercados por um misto de otimismo e controvérsia. Algumas organizações médicas contestam a iniciativa e temem desvantagens.
 
Cercados por um misto de otimismo e controvérsia, os primeiros grupos de médicos cubanos chegaram ao Brasil neste fim de semana, como parte de um convênio com a Organização Mundial da Saúde.
 
Por volta das 14h00 do sábado (24/08), 206 médicos cubanos pousaram em Recife em avião fretado da empresa Cubana. Trinta deles ficaram em Pernambuco, enquanto os demais seguiram para Brasília.
 
No domingo outro grupo de 194 médicos desembarca no Brasil, em voos com escalas em Fortaleza, Recife e Salvador. Antes de sua transferência para os municípios onde atuarão, os profissionais ficam hospedados em instalações militares, para a realização de uma etapa de treinamento.
 
O objetivo da iniciativa é, através do SUS (Sistema Único de Saúde), oferecer assistência médica em regiões onde há carência de profissionais da saúde, num momento que o governo de Dilma Rousseff almeja a ampliar a prestação de serviços públicos no país.
 
Segundo o Ministério da Saúde, o atual déficit de médicos no país é de 54 mil – número contestado por organizações médicas brasileiras. A expectativa do governo é que, até o final do ano, mais 3.600 profissionais cubanos desembarquem no Brasil.
 
Resistência das organizações médicas
 
O Brasil tem, em média, 1,8 médico para cada mil habitantes, estando atrás de países como a Argentina (3,2) e a Venezuela (1,9). A diferença é ainda maior na comparação com os europeus, como a Inglaterra (2,7), Alemanha (3,6), Portugal (3,9) ou Espanha (4,0). Em Cuba, a média é de seis médicos para cada habitante.
 
As organizações médicas brasileiras culpam a estrutura deficiente do SUS e a falta de um plano de carreira como principais fatores que impedem os profissionais da saúde brasileiros de atuar nas regiões mais carentes. As associações médicas também questionam os critérios de contratação e o padrão profissional dos cubanos.
 
"[Os médicos brasileiros] não estão no interior do país porque o governo nunca teve uma política pública de interiorização da assistência", afirmou o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Roberto Luiz d'Avila. "O pensamento da corporação médica, mas não de todos os médicos, é que o salário médio vai diminuir e as condições de trabalho vão ficar mais deterioradas, se houver mais médicos no mercado", explicou.
 
"Médicos por vocação, não por dinheiro"
 
O jornal estatal cubano Granma declarou que "o trabalho dos médicos cubanos no Brasil seguirá o modelo de cooperação internacional que o Ministério da Saúde Pública de Cuba mantém com 58 países de diversos continentes".
 
Em nota oficial, o Ministério da Saúde Pública de Cuba informou que os médicos de seu país "mantêm seu vínculo trabalhista, salarial e de seguridade social com o sistema de saúde cubano".
"Somos médicos por vocação, e não por dinheiro. Trabalhamos porque nossa ajuda foi solicitada, e não por salário, nem no Brasil nem em nenhum lugar do mundo", afirmou ao jornal Folha de São Paulo o médico de família cubano Nélson Rodríguez, de 45 anos, após desembarcar no Aeroporto Internacional dos Guararapes, Recife.
 
Ao chegar, os médicos vestiam jalecos e carregavam bandeiras de Cuba e do Brasil. Os cubanos foram recebidos por um grupo de 40 apoiadores, ligados a movimentos sociais e ao Partido dos Trabalhadores (PT).
 
Nos últimos anos, Cuba vem incentivando a exportação de serviços profissionais. Essa iniciativa tem se convertido numa das principais fontes de entrada de divisas para o governo de Havana. O Brasil é um dos principais aliados econômicos do regime cubano, tendo participado ativamente na modernização da obsoleta infraesrutura do país.
 
RC/dw/rtr
 

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