sexta-feira, 26 de abril de 2013

ONDE ESTÁ O SONHO EUROPEU?




KULTURA, SÓFIA – Presseurop – imagem Lichuan

Amnésia, recessão, falência das elites, divisões… A Europa livre e solidária, que tanto fez sonhar os povos oprimidos, já não existe e os responsáveis políticos europeus não têm coragem para dizer isso, afirma o politólogo búlgaro Ivan Krastev.


A União Europeia (UE) já não o é, pelo menos tal como a conhecemos. E a questão não é saber o que virá a ser a nova união, mas o motivo pelo qual a Europa que tanto nos fez sonhar já não existe.

A resposta é simples: hoje, todos os pilares que serviram para construir e justificar a existência da União Europeia ruíram.

Em primeiro lugar, a memória da Segunda Guerra Mundial. Há um ano, foram divulgadas as conclusões de um inquérito realizado junto de alunos dos liceus alemães com idades entre os 14 e os 16 anos. Um terço desses jovens não sabia quem foi Hitler e 40% dos inquiridos estavam convencidos de que os direitos do homem eram respeitados da mesma forma por todos os governos alemães desde 1933. Isto não quer de modo algum dizer que exista uma nostalgia do fascismo na Alemanha. Não: quer muito simplesmente dizer que estamos perante uma geração que não tem o mínimo interesse por essa História. Hoje, é uma ilusão continuar a pensar que a legitimidade da UE tem as suas raízes na guerra.

Os europeus perderam a fé no futuro

O segundo elemento que permitiu o advento geopolítico da União é a guerra-fria. Mas esta também já não existe. Hoje, a UE não tem – e não pode ter – um inimigo como a URSS depois de 1949, que possa justificar a sua existência. Em resumo, a evocação da guerra-fria não pode de modo algum ajudar a resolver os problemas de legitimidade da UE.

O terceiro pilar é a prosperidade. A UE continua a ser um espaço rico, muito rico – apesar de isso não ser válido para países como a Bulgária. Em contrapartida, 60% dos europeus pensam que os seus filhos irão viver pior do que eles. Segundo este ponto de vista, o problema não é como vivemos hoje, mas que vida iremos ter no futuro. Portanto, a perspetiva positiva, a fé num futuro melhor, uma poderosa fonte de legitimidade, também desapareceu.

Outra fonte de legitimidade era a convergência – o processo que levou os países pobres que aderem à UE a terem a certeza de que iriam juntar-se progressivamente ao clube dos ricos. Isso ainda era verdadeiro há alguns anos, mas, hoje, se as previsões económicas para os próximos dez anos se confirmarem, um país como a Grécia, em comparação com a Alemanha, continuará a ser tão pobre como no dia em que aderiu à União.

UE comporta-se como um reformado senil

Toda a gente diz que a UE é um projeto elitista. É verdade. Hoje, o problema não é essas elites terem-se tornado antieuropeias, mas o facto de terem perdido qualquer possibilidade de terem peso nos debates nacionais. E o facto de, no fundo, essas elites serem a favor de uma Europa unida deixou de ter qualquer importância, porque ninguém as ouve: essas elites distanciaram-se das pessoas. Se observarmos com atenção os inquéritos sociológicos, veremos que a legitimidade da UE é explicada de formas muito diferentes, consoante nos encontremos no Sul ou no Norte do continente.

Em países como a Alemanha e a Suécia, as pessoas têm confiança na UE, porque também acreditam na boa fé dos seus próprios governos. Em Itália, na Bulgária e na Grécia, as pessoas não confiam nos seus políticos e é por essa razão que acreditam na UE. Qual é a lógica? Apesar de não os conhecerem, os políticos de Bruxelas não podem ser piores que os políticos nacionais. Para dizer a verdade, parece-me que, hoje, até esse sentimento tem tendência a regredir: a última crise é a prova de que essa confiança também foi abalada.

E, para terminar, o último pilar: o Estado social. Não há dúvida de que a existência do Estado social é parte integrante da identidade da UE. No entanto, neste momento, a questão já não é saber se esse Estado social é uma coisa boa ou má, mas se continua a ser viável, numa situação não apenas de concorrência mundial, mas também de uma mudança demográfica de peso na Europa. O problema é que nós, os europeus, estamos a desaparecer. Em 2060, 12% da população da UE terá mais de 80 anos. A Europa está a envelhecer. E não é por acaso que, às vezes, a União se comporta como um reformado senil, na cena internacional. Onde ir buscar o dinheiro para manter vivo esse Estado social indispensável para as pessoas idosas? Às gerações futuras? Acontece que isso já foi feito com a acumulação da dívida pública…

O “nós” europeu ainda por definir

Outra consequência da crise: as novas divisões existentes no continente. No seio da UE, a separação entre Ocidente e Leste já não existe, mas surgiram outras cisões muito mais importantes. A primeira é a existente entre os países da zona euro e os outros. Muitas vezes, quando falam da UE, os franceses, os alemães ou os espanhóis estão realmente a pensar na zona euro. Mas essa divisão não será pertinente, enquanto países de grande importância estratégica como a Suécia, a Polónia e o Reino Unido continuarem fora da zona. A outra divisão de peso é a existente entre países credores e países devedores. Quando a Grécia quis organizar um referendo sobre o resgate do país, a Alemanha apresentou a seguinte objeção: “No fundo, vocês querem fazer um referendo sobre o nosso dinheiro!” Este reparo não é completamente ilegítimo… Nenhum país deve tornar-se refém da zona euro. Acontece que é esse o problema, quando se tem uma moeda comum mas não uma política comum.

Como sair da crise? Se observarmos mais de perto a UE, perceberemos que alguns países estão em crise e outros não – ou são menos afetados por ela. Por outro lado, em alguns casos, a crise teve igualmente efeitos benéficos sobre determinadas práticas. Segundo este ponto de vista, o principal problema de qualquer política é o de criar ganhadores e perdedores – mas isso é coisa que os políticos se abstêm de nos dizer. Não se trata tanto do problema em si: sempre houve perdedores e ganhadores e a questão reside em saber como dar compensações a uns e explicar aos outros que é do seu interesse pôr em prática esta ou aquela política.

Nós ainda pensamos que há políticas que só criam ganhadores. No estado atual da UE, essa ideia continua a ser um desejo piedoso, porque o esquema natural de solidariedade que existe no Estado nacional ainda não existe à escala da União. Além disso, os países da UE não têm todos a mesma história nem a mesma língua. De que está a falar-se, quando se diz “nós” no plano europeu? Para a UE começar a funcionar de uma forma correta, é absolutamente indispensável definir previamente o que é esse “nós” europeu.

Discurso proferido num seminário na Universidade de Sófia, no fim de março, sobre “a Europa e a crise”.

Portugal: SUBSÍDIO DE FÉRIAS PAGO EM DUODÉCIMOS É ILEGAL




Mafalda Ganhão - Expresso

Os especialistas em direito do trabalho estão de acordo quanto à ilegalidade da intenção do Governo pagar o subsídio de férias em parcelas. A lei estabelece que essa remuneração seja paga por inteiro, e em junho, recordam.

A intenção do Governo pagar o subsídio de férias em duodécimos (que começara a pagar como sendo o de Natal) é ilegal, defendem os advogados especialistas em direito do trabalho contactados pelo Expresso.

Paulo Santos cita o nº 2 do artigo 208, da lei nº 59/2008 para o justificar: "o trabalhador tem direito a um subsídio de férias de valor igual a um mês de remuneração base mensal, que deve ser pago por inteiro no mês de Junho de cada ano".

É ilegal quer para os trabalhadores da função pública, quer para os do regime privado, acrescenta Paulo Santos, já que o Código de Trabalho estabelece inclusivamente que esse subsídio "salvo acordo escrito em contrário", seja pago "antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias" (nº 3 do artigo 264).

Susana Afonso Costa é da mesma opinião. "A partir do momento em que há uma decisão do Tribunal Constitucional nesse sentido, os trabalhadores devem ser reembolsados de imediato", disse ao Expresso.

O Governo está obrigado a aplicar o regime geral, diz ainda Paulo Santos, "sem poder agarrar-se a nenhum argumento legal em sentido contrário ou a qualquer regime de exceção".

Para que o Governo concretize a sua intenção "terá de criar um diploma legal - seja avulso ou no Orçamento Retificativo - que o permita", considera por sua vez o advogado Luís Miguel Monteiro. Sem essa salvaguarda para 2013, e com base na decisão do TC, a verdade é que "está obrigado a reger-se pelo regime geral".

Para Susana Afonso Costa, ao insistir nesta proposta, o executivo de passos Coelho está, no fundo, "a tirar partido da dilação natural que o momento presente proporciona, pagando como quer, já que os trabalhadores, mesmo contestando, não dispõem de nenhum mecanismo legal que lhes permita a recuperação imediata dos pagamentos em causa".

Leia também em Expresso

Otelo diz que Salazar preservou mais a soberania nacional do que Cavaco Silva




Jornal i - Lusa

Otelo Saraiva de Carvalho afirmou hoje que Cavaco Silva apenas "gere o seu poder pessoal" e que "nunca teve a capacidade", que "apesar de tudo" Oliveira Salazar tinha, de preservar a soberania nacional na relação com países estrangeiros.

Em Guimarães, à margem do colóquio "Ontem, Hoje e sempre Abril", Otelo apontou ainda o dedo ao presidente da República ao afirmar que "foi com este que começou" o "grande problema do país".

Para o "general de Abril", como lhe chamaram os populares presentes, Cavaco Silva foi "sempre" um "homem do partido", embora o tenha andado a "disfarçar" ao longo do tempo.

"Como governante, [Cavaco Silva] nunca teve a capacidade que teve Salazar, que, apesar de tudo que ele era, tentou preservar sempre e foi sempre extremamente duro em relação às negociações com países estrangeiros no que se referia à soberania do nosso país. Cavaco silva não", comparou.

Para Otelo, "Cavaco Silva foi gerindo o seu poder pessoal como primeiro-ministro e agora como Presidente da República à custa de toda uma degradação politica e sobretudo económica".

Questionado sobre o discurso do Presidente da República nas cerimónias de comemoração do 25 de abril, Otelo, apontou que as palavras de Cavaco ilustraram "aquilo que ele é" na verdade.

"De facto, o Presidente Cavaco Silva foi sempre um homem de partido, embora tenha procurado disfarçar durante algum tempo, com os consensos e não sei o quê. Agora vai procurar o consenso mas castigando violentamente a oposição", referiu.

Para Otelo, Cavaco Silva "deve ter tento e não procurar perturbar a ação governativa".

Sobre o atual Presidente da República, o militar apontou ainda "culpas" na atual situação do país.

"Foi com ele [Cavaco Silva] que começou, de facto, o grande problema do país. Ele foi um mau primeiro-ministro. Fez muitas autoestradas mas não era isso que interessava. Interessava consolidar economicamente um país que tem pouca indústria", apontou.

O militar disse ainda que o "objetivo" do 25 de Abril não era "este" país mas sim "instaurar um regime de democracia representativa segundo o modelo ocidental, acabar a descolonização, libertar esse peso angustioso que era e tentar desenvolver o país".

Segundo Otelo, "perderam-se os grandes ideais” e "perdeu-se o ideal que é todo um povo viver em coesão, feliz, com um sentido de bem-estar e dignidade que hoje não existe".

Ainda assim, admitiu, "valeu a pena" a revolução.

"Fundamentalmente porque permitiu rapidamente a um povo, subjugado durante uma ditadura de 48 anos, pela primeira vez, sentir o que era a liberdade. Só por isso valeu a pena", exclamou.

Portugal: TROVA DE UM VENTO QUE NÃO PASSA




Alfredo Leite – Jornal de Notícias, opinião

Nas habituais comemorações solenes do dia da Liberdade no Parlamento ouviu-se, desta vez, a melodiosa "Trova do vento que passa", escrita noutro tempo por Manuel Alegre, mas cuja atualidade é inequívoca.

Coerente na repetida recusa em aceitar ter na lapela o cravo da revolução, Cavaco Silva ouviu a canção e escutou a Esquerda, mas não o PS, a pedir a realização de eleições antecipadas. Em resposta, o presidente da República apelou ao consenso nacional, alertando para os perigos de uma crise política nesta altura. E, para que não restasse qualquer dúvida, saiu em defesa das medidas de austeridade do Governo. É fácil perceber como vai acabar o consenso que Cavaco pretende.

No apelo ao consenso e na defesa da inevitabilidade do rumo traçado por Passos Coelho, cumpriu-se o 39.0 aniversário de Abril. Uma celebração na qual as portas dos jardins de Belém e de São Bento, tradicionalmente abertas ao povo no dia em que recordamos a conquista da liberdade, permaneceram fechadas. Pode parecer um pormenor irrelevante, mas não é. Não porque lhe falte valor simbólico, mas simplesmente porque, vindo de quem vem, já não nos surpreende.

Afinal, vivemos como nunca dias de descrença em quem nos governa e no chefe de Estado que deveria zelar pelo bem-estar de quem o elegeu e fiscalizar, precisamente, a ação governativa. E atuar.

Quase quatro décadas volvidas, é lugar-comum reconhecer que vivemos hoje numa sociedade mais justa do que a que herdámos em 74. Mas é igualmente óbvio que muito do que ambicionamos construir desde então corre hoje sérios riscos de ruir. Estamos na Europa com a sensação de não fazermos parte dela; hipotecaram-nos a soberania e suspenderam-nos a dignidade. Na saúde, na educação, no trabalho. O desemprego, sobretudo entre aqueles que já nasceram nos dias da liberdade, é galopante. Há direitos sociais que julgávamos inabaláveis ameaçados dia após dia. A justiça ou é ineficaz ou demorada, quando não ambas. O envolvimento dos cidadãos nas decisões soberanas é residual. A reforma do Estado, de que necessitamos como de pão para a boca, permanece adiada. A profunda reorganização administrativa do território é uma miragem e o país reafirma o seu centralismo na capital enquanto o interior se desertifica.

A classe política está naturalmente descredibilizada. Por tudo isto, mas também por ter sido tomada por gente incapaz. Políticos de carreira a quem raramente conhecemos mérito ou "valores" que não os baseados nas lógicas partidárias e respetivos compadrios. Impotentes, vemos Cavaco Silva a assistir a tudo isto e a pedir consensos. Como bem lembrou Pedro Bacelar de Vasconcelos no "Público" de ontem, para que serve um presidente eleito por sufrágio universal, que tem a capacidade de demitir o Governo ou convocar eleições, que só o faz quando a "maioria" consente? Com o discurso de Cavaco na Assembleia da República isto ficou ainda mais claro.

Mas, como todos os anos, o 25 de Abril não se circunscreveu à cerimónia no Parlamento. Nas ruas, os sindicatos ensaiaram uma rara aproximação. Ao caminharem lado a lado no desfile comemorativo realizado em Lisboa, os líderes da CGTP e da UGT, Arménio Carlos e Carlos Silva, deram o primeiro sinal de onde pode nascer o consenso. E, pelo menos aqui, cumpriu-se Abril.

Carris ganhou 15 M€ cortando salários e aumentando bilhetes e perdeu 17 M€ com swaps




Filipe Paiva Cardoso – Jornal i

Transportadora arrecadou 15 milhões com cortes nos salários e aumentos de 24% nos tarifários. Mas só os swaps limparam 17 milhões

O esforço exigido aos trabalhadores e aos utentes da Carris em 2012 foi transformado numa mão-cheia de nada graças ao custo que a empresa teve de suportar com os contratos de cobertura de risco (swaps).

Segundo o relatório e contas (R&C) de 2012 da Carris, a empresa desembolsou 16,92 milhões de euros “relativos a pagamentos de swaps”, valor que supera os ganhos que a empresa registou com cortes e aumentos de preços. A Carris no ano passado reduziu a factura com os trabalhadores 18%, tendo pago menos 11,9 milhões. Ao mesmo tempo, e graças aos sucessivos aumentos tarifários, fechou 2012 com uma subida de 3,5 milhões nas receitas de bilheteira (+4,4%), isto apesar de ter registado uma quebra de 31 milhões de viagens na procura (-15,6%). A variação implica que cada cliente da Carris pagou mais 24% em 2012.

Os resultados destes sacrifícios trouxeram então um ganho de 15,4 milhões para as contas da transportadora, valor todavia inferior à perda de 17 milhões provocados pelos swaps. Mas o cenário é pior: é que também o aumento do recurso a dívida de curto prazo agravou “significativamente” os resultados financeiros da empresa, que perdeu mais 22,6 milhões de euros nesta rubrica que em 2011, valor que também “absorveu, integralmente, os ganhos operacionais obtidos”, diz o R&C.

SOBE DÍVIDA A CURTO PRAZO 

A insustentabilidade da dívida da Carris está num ponto em que combatê-la significa hoje apagar fogo com gasolina. A empresa não tem dinheiro nem acesso a crédito em condições aceitáveis, tendo caído assim num ciclo de deterioração acelerada: como não tem dinheiro nem crédito, a Carris financia a actividade com dívida a curto prazo. Em resultado disso paga as contas pontualmente mas assumindo juros cada vez mais altos, logo fica mais fragilizada e pede mais dinheiro a curto prazo.

Tudo isto surge expresso nas contas: em 2011, a relação entre a dívida de curto prazo e a de médio e longo prazo da Carris era de 32,2%. Só no passado este valor saltou para 67,4%. O efeito da mudança vê-se nos custos da dívida. Se em 2011 foram 51,3 milhões de euros, em 2012 saltaram para 70,2 milhões. Já este ano, “se nada se alterar”, assume a empresa, “a relação entre a dívida de curto prazo e a dívida de médio e longo prazo virá a ser de 122,9% no final de 2013”. E os custos da dívida, já insustentáveis, subirão muito mais.

SWAPS RENDEM ATÉ 2009 

Segundo se explica no R&C da Carris, a aposta nos swaps surgiu em 2005, quando, “face à subida das taxas de juro, a empresa contratou swaps para cobertura do risco”. No início estes até tiveram um efeito positivo nas contas, a render “1,6 milhões de euros em 2006, 5,5 milhões em 2007 e 9,0 milhões em 2008”. Porém, e com a descida das taxas de juro em 2009, pouco tardou que os ganhos passassem a avultadas perdas. Logo em 2009 “o fluxo financeiro líquido foi de -5,0 milhões de euros, em 2010 de -15,6 milhões de euros, em 2011 de -13,8 milhões de euros e em 2012 de -17,0 milhões”.

Feitas as contas a estes sete anos de investimento nos contratos de cobertura de risco, verifica-se uma perda global de 35,3 milhões de euros com os swaps - graças a 16,1 milhões de euros em ganhos conseguidos entre 2006 e 2008, que nos anos seguintes se transformaram em perdas acumuladas de 51,4 milhões de euros.

BRASIL: PRODUÇÃO CRIMINOSA DE ROUPAS EM SÃO PAULO




Márcio Zonta – Pragmatismo Político

Há duas semanas, mais seis imigrantes bolivianos flagrados em condição análoga à escravidão foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), de uma oficina clandestina de costura na cidade de São Paulo. Com mais essa abordagem do MTE, no ano de 2013, contabiliza-se quarenta imigrantes resgatados na capital paulista submetidos à mesma forma de exploração no trabalho. Procedentes geralmente do Peru, Bolívia e Paraguai, os imigrantes trabalham em locais insalubres, trancafiados e sem ventilação na região central da cidade, principalmente nos bairros do Pari, Brás e Bom Retiro.

A jornada de trabalho diária alcança de 14 a 16 horas sem acesso aos direitos trabalhistas vigentes no Brasil. Segundo o MTE, a cidade de São Paulo possui entre 8 e 10 mil oficinas de costura clandestinas, ocupadas em média por entre quinze e vinte costureiros. Os casos que se tornaram recorrentes na mídia somente nos últimos anos fazem parte de uma contínua exploração, que existe há mais de vinte anos na capital paulista.

Para especialistas ouvidos pela reportagem do Brasil de Fato, a prática exploratória ganhou outro artifício nos dias atuais, envolvendo o crime de tráfico de pessoas para abastecer uma rede de exploração, beneficiária a famosas grifes de moda e do varejo nacionais e internacionais instaladas no Brasil.

Retornando de uma viagem recente à Bolívia, onde discutiu o assunto com parlamentares bolivianos, o deputado Claudio Puty (PT-PA), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do Trabalho Escravo, revela que investigações apontam o envolvimento de grandes empresas da moda na exploração trabalhista ilegal de imigrantes no país.

“Apuramos em São Paulo que empresários brasileiros, bolivianos e coreanos estão à frente das oficinas que exploram esses trabalhadores, no entanto, seriam os intermediários de grandes empresas que pagam R$ 0,20 pela confecção de uma peça de roupa e vendem em grandes lojas de marcas por R$ 100 ou mais”, destaca.

Esquema

Na Bolívia, Peru e Paraguai, empresas de costura que atuam de fachada seriam as principais aliciadoras para fornecer mão de obra à rede de exploração nas oficinas clandestinas em São Paulo. “Essas empresas ministram cursos de costureiro preparando as pessoas para serem trazidas ao Brasil”, revela Roque Renato Pattussi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante (Cami).

Um contrato verbal no país de origem, entre aprendizes e donos das firmas de costura, acordaria um salário de 150 dólares por mês em São Paulo, além da garantia de alimentação e moradia sem custo ao trabalhador. Assim, uma vez instalados nesses locais de trabalho na chegada em São Paulo, os imigrantes estariam contidos à cadeia de produção de grandes marcas da moda e do ramo do varejo.

“Na maior parte dos casos, os maiores beneficiários são os grandes magazines”, acusa Elias Ferreira, advogado e secretário- geral do Sindicato das Costureiras de São Paulo. Elias relata que muitas dessas companhias de moda, que usufruem da indústria têxtil, sabem da existência do trabalho escravo na cadeia de produção de seus produtos.

“Fazendo o papel investigativo, localizamos as oficinas clandestinas, informamos ao Ministério Público, Ministério do Trabalho e Polícia Federal e muitas vezes averiguamos que as empresas sabem, porém há casos em que há o desconhecimento do fato”, constata.

Para Pattussi, não há duvida: a legião de imigrantes vindos dos países fronteiriços com o Brasil tem endereço certo. “São trazidos às oficinas clandestinas de costura em São Paulo, que em sua grande maioria estão ligadas à cadeia de produção das grandes lojas”, enfatiza.

Tráfico de pessoas

Além do trabalho análogo à escravidão nas oficinas de costura clandestinas, a rede de exploração forja ainda outro crime: o tráfico de pessoas. Aliciados com a promessa de moradia, alimentação e salário, os imigrantes contraem dívidas com passagens, visto e toda permanência em São Paulo, sendo muitas vezes mantidos nesses espaços em decorrência de servidão por dívida.

Diante dessas circunstâncias, o tráfico de pessoas seria o alicerce para garantir um contingente de bolivianos, peruanos e paraguaios para mão de obra nas oficinas envolvidas no esquema de exploração.

“O crime de traficar pessoas nesse caso se constitui como uma condição, um meio que serve ao contexto de exploração do trabalhador no ramo têxtil de São Paulo”, elucida Juliana Armede, advogada e coordenadora dos programas de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e do Combate ao Trabalho Escravo da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo.

Os diversos casos acompanhados pela advogada na Secretaria de Justiça apontam que o esquema de exploração de imigrantes costureiros na cidade fomenta o delito. “De maneira concreta, nós identificamos na cidade de São Paulo que o tráfico de pessoas, no âmbito latino-americano, sobretudo envolvendo os bolivianos, está destinado diretamente às oficinas clandestinas”, assegura Juliana.

Os responsáveis

Daslu, Sete Sete Cinco, GEP, Zara, Marisa, C&A, Pernambucanas, Collins, são algumas das empresas famosas nacionais e internacionais do ramo da moda que já tiveram seus nomes atrelados ao trabalho escravo.

O grupo espanhol Inditex, proprietário da marca Zara, registrou lucro recorde em 2012. Apesar da crise econômica na Europa, a empresa faturou 2,361 bilhões de euros. No ano passado, a companhia de moda espanhola abriu 482 novas lojas espalhadas em diversos países. Seu dono, Amancio Ortega, está entre os cinco homens mais ricos do mundo.

Segundo Juliana, as empresas cuja cadeia de produção esteja envolvida com trabalho escravo também teriam que ser responsabilizadas pelo tráfico de pessoas, como componente do processo de exploração trabalhista ilegal. “É necessário que responsabilize a empresa que ratifica a exploração, sobretudo, de um tráfico de pessoas do ponto de vista trabalhista”, menciona.

Todavia, não se pode garantir que mesmo as empresas já flagradas com trabalhadores em condição análoga à escravidão, em sua cadeia de produção, não repita mais o crime. A fiscalização constante do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Polícia Federal e do Sindicato das Costureiras de São Paulo, tem feito as oficinas clandestinas mudarem para outras localidades, não garantindo sua eliminação.

“Devido à inspeção do poder público e de entidades de classe, muitas dessas oficinas migraram para Carapicuíba, Osasco, Itaquaquecetuba e Campinas. Ir para o interior de São Paulo é uma maneira de se esconder melhor e dificultar possíveis denúncias dos trabalhadores envolvidos, além de dificultar o contato dos imigrantes com outras pessoas, como acontece facilmente no centro de São Paulo”, denuncia Pattussi.

(Foto: Anali Dupré/Repórter Brasil)

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Emir Sader – Carta Maior, em Blog do Emir

Como é uma democracia em que os candidatos concorrem de forma absolutamente desigual? Em que uns conseguem ocupar incontáveis espaços de propaganda, enquanto outros não conseguem sequer informar que são candidatos?

O Congresso deveria ser o espelho da sociedade. Enquanto os governos refletem as maiorias, os parlamentos deveriam representar todos os setores a sociedade, na sua devida medida.

Não é o que acontece e isso corrompe a democracia. Os lobbies povoam o Congresso, na medida dos recursos milionários com que fizeram suas campanhas. Basta mencionar que o agronegócio tem uma imensa bancada, enquanto há apenas dois representantes dos trabalhadores rurais no Congresso. Olhemos para a estrutura rural para ver quantos são os trabalhadores e quantos os proprietários rurais, para nos darmos conta do falseamento da representação parlamentar.

Entre a sociedade realmente existente e sua representação no Congresso se interpõe o poder do dinheiro, com toda a desigualdade econômica da nossa sociedade, que se reflete na imensa diferença entre a capacidade dos ricos e dos pobres de se representar ali.

Se a isso somamos o monopólio privado da mídia – ele também reflexo da desigualdade econômica –, completamos um quadro de concorrência absolutamente desleal e desigual nas eleições que escolhem os que deveriam ser os representantes fiéis da sociedade.

O Congresso representa, assim, uma minoria, porque uma parte importante dos seus parlamentares se elege e reelege baseada no poder do dinheiro, na riqueza das campanhas, na propriedade e na presença nos meios privados de comunicação.

O princípio mais geral da democracia é “uma pessoa, um voto”. Mas esse princípio é desvirtuado pelo poder, totalmente desproporcional, de influência que o dinheiro permite a uns sobre os outros. Basta constatar que a renda média dos parlamentares é incomensuravelmente maior do que a da média dos brasileiros.

Um Congresso que não representa os brasileiros, povoado de lobbies, facilita o trabalho dos que estão sempre empenhados em desmoralizar a política, os partidos, os governos, o Estado, em favor da centralidade do mercado. Assim, o financiamento privado sabota a democracia, a enfraquece, contribui para sua desmoralização.

Os que estão a favor da continuidade do financiamento privado privilegiam o poder do dinheiro, o domínio da riqueza sobre a democracia, sobre a concorrência livre entre cidadãos. Democratizar é desmercantilizar, é debilitar o poder do dinheiro sobre o sistema político. 

O financiamento público de campanha não basta para garantir o bloqueio do poder do dinheiro, mas ele é condição para que se regulamente essa forma de sabotar a democracia. O financiamento privado é uma forma segura de impor o poder do dinheiro sobre as campanhas e sobre as representações parlamentares.

PERDÃO SÉRVIO POR SREBRENICA É RECEBIDO COM RECEIO NA BÓSNIA




Deutsche Welle

Presidente sérvio surpreende ao ir à TV e pedir desculpas "de joelhos" pelo massacre de 1995, mas, ao evitar uso da palavra "genocídio" e usar discurso aparentemente pré-preparado, gera desconfiança entre bósnios.

Um ano após declarar, ao tomar posse como presidente da Sérvia, que “não houve genocídio em Srebrenica”, Tomislav Nikolic voltou esta semana às manchetes dos jornais. Desta vez, no entanto, para se desculpar pelo massacre de cerca de oito mil muçulmanos bósnios em julho de 1995.

“De joelhos, eu peço que a Sérvia seja perdoada pelo crime cometido em Srebrenica”, disse Nikolic em entrevista a um canal bósnio transmitida na quinta-feira (25/04).

O massacre foi considerado genocídio pelo Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia, mas o presidente preferiu não usar o termo. Na entrevista, Nikolic lembrou que o Estado não foi considerado culpado pelas mortes, e sim autores isolados.

Nos dois países, especula-se agora o que o presidente sérvio realmente quis dizer com a declaração. A ambiguidade do discurso pareceu ser intencional, ou seja, elaborada de forma a gerar diferentes interpretações, dependendo do ponto de vista e da necessidade política.

A ativista Natasa Kandic, fundadora da ONG de defesa dos direitos sérvios Fundo para os Direitos Humanitários, destaca o valor da expressão “de joelhos” – algo que, afirma, até então nunca havia sido dito na Sérvia.

“Sabemos que Willi Brandt fez isso e, por isso, o pedido de desculpas é tão importante", comenta, numa comparação com o gesto, em dezembro de 1970, do então chanceler federal alemão em Varsóvia. “Não se deve prestar atenção se ele pronunciou ou não a palavra genocídio, e sim enxergar a declaração como um todo, fazendo uma ligação com o seu passado.”

Para muitos, manobra política

O passado de Nikolic o aponta como um ultranacionalista que negou crimes de guerra e se opôs à extradição do líder sérvio Radovan Karadzic e seu principal comandante militar, o general Ratko Mladic, para julgamento no Tribunal de Haia.

Porém, a aspiração da Sérvia em fazer parte da União Europeia o fez adotar um discurso mais moderado. E é nesse contexto que o ativista dos direitos humanos e advogado Srda Popovic, interpreta a mais recente declaração do presidente:

“Esse pedido de desculpas foi feito próximo às negociações da Sérvia com a União Europeia. Eu acho que ele não foi sincero. É apenas uma manobra política e, por isso, ela não foi vista na Bósnia de forma honesta.”

As primeiras reações na Bósnia estão de acordo com o discurso do ativista. Mesmo confiante, o presidente sérvio parece não ter convencido no país vizinho. Durante a entrevista, pareceu adotar um discurso pré-pronto e sua linguagem corporal não estava em conformidade com os crimes atrozes pelos quais se desculpava. Falou da desumanidade dos responsáveis pelo massacre e usou a expressão "de joelhos", mas jamais deixou a relaxada posição na cadeira em que sentava-se.

“A questão não é ajoelhar e pedir perdão. As famílias das vítimas de crimes de guerra precisam de honestidade e arrependimento sincero. E elas querem ouvir do presidente sérvio e da Sérvia o termo 'genocídio'. A palavra 'crime', por exemplo, é usada quando uma bolsa é roubada”, diz a presidente da “Associação de Mães de Srebrenica”, Munira Subasic.

Outras desculpas

A mesma opinião é compartilhada por políticos da Bósnia. Dragan Cavic, do Partido Democrata da República Sérvia (a parte sérvia da Bósnia), acredita que a entrevista foi uma tentativa de aliviar as relações com os muçulmanos bósnios. Zeljko Komsic, membro croata da tripartida presidência da Bósnia e Herzegovina, limitou-se a dizer que espera que a declaração de Nikolić "ajude a melhorar as relações na região".

Nikolić não é o primeiro líder da região a se desculpar pelos crimes de guerra. Seu antecessor, Boris Tadic, pediu desculpas em 2004 durante visita a Saravejo pelos crimes dos sérvios contra os muçulmanos bósnios e, três anos mais tarde, pelos crimes de guerra cometidos contra os croatas. Seu exemplo foi seguido pelo presidente croata, Ivo Josipovic, que também se desculpou com os bósnios e os sérvios por crimes de guerra.

A realidade é que a série de pedidos de desculpas não é, necessariamente, um ato de redenção – seja por se referirem a apenas uma parcela dos crimes de guerra, pela falta de sinceridade dos políticos ou por não representarem a opinião da maioria. Pelo menos para os bósnios, o "Willi Brandt dos Bálcãs" ainda não apareceu.

CRISE DO EURO: AUSTERIDADE, UMA ESTRATÉGIA FALHADA




SÜDDEUTSCHE ZEITUNG, MUNIQUE – Presseurop – imagem Kazanevsky

“A política de austeridade atingiu o seu limite”, afirmou José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia. Foi a primeira vez que Bruxelas pôs essa política em causa. Está na hora de perceber que uma via única para países tão diferentes não resulta, comenta o “Süddeutsche Zeitung”.


Políticos responsáveis gabam-se regularmente da diversidade europeia. Referem-se, nesses casos, às tradições culturais – a maioria das quais considerada interessante e enriquecedora – desenvolvidas fora das suas fronteiras nacionais. Louvam essas diferenças e insistem em que sejam preservadas. Contudo, é interessante constatar que qualquer tipo de entusiasmo e de tolerância desaparece dos seus espíritos quando se trata de diversidade económica.

Em matéria de política fiscal, os dirigentes europeus são pela unidade monolítica. Todos os Estados-membros, incluindo os da zona euro têm de cumprir exatamente as mesmas condições. O desempenho económico de cada país é aferido pelos mesmos critérios e pouco importa que as tradições económicas europeias sejam muito diferentes de uns países para os outros.

Dívidas nacionais aumentam

No contexto da crise atual, a ideia de que todos temos de trabalhar segundo o mesmo modelo atingiu o seu limite. Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda adotaram vastos programas de reforma económica, destinados a sanar as suas finanças e cumprir as normas europeias que lhes foram impostas por igual. Mas não são capazes de atingir essas metas. E as dívidas nacionais aumentam.

De um ponto de vista puramente económico, faz todo o sentido querer primeiro reduzir o endividamento e lançar reformas para retomar um crescimento sólido. O problema é que, na prática, essa estratégia não funciona. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, não está errado ao admitir que uma linha política não pode apenas ser válida, tendo também de ser aceite pelos cidadãos, caso contrário não terá aplicabilidade.

Os sociais-democratas europeus reagiram imediatamente, felicitando Barroso por, finalmente, sair de um coma de cinco anos. Parece demagógico, mas não deixa de ser verdade.

Ruturas no fornecimento de medicamentos

Há muito que já se sabia que os países mais envolvidos na crise não estão a verificar melhorias na sua situação: reduzem os gastos e votam reformas, enquanto as falências das empresas se multiplicam e o desemprego dispara. O aparelho de Estado está paralisado, as decisões dos tribunais deixam de ser postas em prática porque as impressoras não funcionam, os funcionários têm de levar o seu próprio material de escritório e rolos de papel higiénico para o local de trabalho, os hospitais têm ruturas no fornecimento de medicamentos.

Em Espanha, um em cada oito cidadãos vive hoje em condições de pobreza. Trata-se de situações que pessoas de outros países mal conseguem imaginar.

Daqui, podemos extrair duas conclusões. É evidente que os países da zona euro não podem abolir os programas económicos e as reformas de um dia para o outro. Isso minaria a confiança na moeda europeia. No entanto, são necessários alguns ajustes: a Comissão Europeia tem de abrandar as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, para dar muito mais tempo aos países em crise para atingirem os seus objetivos. A prazo, há também que pôr em questão a pertinência desse pacto (outrora elevado aos píncaros) e das suas regras rígidas e indiferenciadas. A crise evidencia-o bem: apesar da moeda única, é a diversidade económica que domina a Europa.

VISTO DE ESPANHA

Uma equação difícil

O clima económico continua “sombrio” em Espanha, declara o diário económico Cinco Días com preocupação. Segundo o ministro da Economia, Luis de Guindos, o PIB do reino espanhol deverá baixar 1,5% em 2013, em vez dos 0,5% que estavam planeados. Em 26 de abril, o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, deve apresentar novas reformas para redução do défice. Mas o diário económico vislumbra uma esperança na declaração do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso:

De Bruxelas começam a chegar vozes que, sem questionarem a obrigação de se avançar com o ajuste fiscal, começam a defender também a aplicação de incentivos ao crescimento económico [...], há sinais crescentes que apontam no mesmo sentido.

A economia alemã, a maior da União Europeia, também está a começar a sofrer os efeitos da crise, constata o Cinco Días. O índice de negócios PMI para o setor fabril e os serviços contraiu-se em abril, pela primeira vez em cinco meses. Segundo o Cinco Días:

Isso não só sugere que a doença que tem assolado as economias periféricas começa a aproximar-se do centro da Europa, como pode criar uma quebra no dogmatismo de Berlim em matéria de austeridade. [...] O repto para Bruxelas e para os governos europeus está em saber conjugar, com artes de equilibrista, as políticas de redução do défice e da dívida pública com a introdução de medidas que abram caminho ao crescimento económico. Uma equação difícil de resolver e que Mariano Rajoy terá oportunidade de esclarecer na sexta-feira, altura em que apresentará a nova bateria de reformas económicas que deverão tirar a Espanha da difícil e obscura conjuntura em que está imersa.

ESPANHA: SEIS MILHÕES DE RAZÕES PARA OUTRA POLÍTICA




EL PERIÓDICO DE CATALUNYA, BARCELONA - Presseurop - imagem AFP

Neste momento, há mais de seis milhões de desempregados em Espanha. Um desastre económico e social que se agrava, apesar da terapia de choque aplicada pelo Governo e ao nível europeu. Até onde será preciso mergulhar mais na crise, antes de se tentar outra política?, pergunta “El Periódico”.


Os terríveis números do desemprego em Espanha são o indicador mais claro da profundidade da crise e das suas consequências. E, ao mesmo tempo, são a prova dramática de que, com todos os sacrifícios que impõem, as medidas que estão a ser aplicadas, tanto em Bruxelas como aqui, não dão resultados. Pelo contrário: estamos cada vez pior. Oinquérito às forças do trabalho (EPA) revelou ontem o pior dado da história: pela primeira vez, mais de seis milhões de pessoas não têm emprego. Destas, quase dois milhões encontram-se nessa situação há mais de dois anos, o que significa que dispõem apenas, quando muito, dos €400 do rendimento mínimo de inserção. Um panorama desolador.

Até agora, as diretrizes pelas quais a União Europeia norteia o seu combate contra a crise têm tido como referência os grandes rácios das contas públicas, uma disciplina que tem em vista não distorcer os equilíbrios financeiros, para os mercados poderem funcionar sem interferências. E pouco mais. O presidente do Banco Central Europeu (BCE) acaba de exigir uma ação firme perante os incumprimentos do défice, mas não diz uma palavra sobre qual deve ser o objetivo da economia e da política económica, nem sobre o bem-estar dos cidadãos, cuja primeira e indispensável manifestação é o emprego. Em especial, quando a falta de emprego se torna crónica, como acontece em Espanha, e começa a ser sinónimo de exclusão social. No conjunto das grandes instituições internacionais, só o FMI se referiu, pela voz da sua diretora executiva, à calamitosa situação do desemprego em Espanha, para sugerir uma alteração, se não nas medidas, pelo menos no ritmo da sua aplicação.

Um beco do qual será difícil sair

A reação aos números divulgados ontem por parte do Governo, que começou por invocar a herança recebida e, depois, comparou a perda de postos de trabalho do primeiro trimestre deste ano com a do ano passado, sem ter em contra que, este ano, a Semana Santa foi em março, torna bem clara a inexistência de um discurso coerente. Sublinhar que, entre janeiro e março de 2013, se perderam menos empregos do que no mesmo período de 2012 é uma forma de reivindicar – sem o dizer – a reforma laboral que o próprio Governo pôs em marcha há um ano. Mas os dados persistem: os cortes de pessoal continuam, só que com menores custos para as empresas. O EPA revela que, como era de recear, à destruição do emprego temporário se seguiu a dos contratos sem termo, cuja resolução se tornou mais barata com a nova lei. O discurso oficial, que já não diz que, quando a retoma chegar, a reforma permitirá que a criação de emprego dispare, e se limita a confiar em que a saída do túnel melhore as perspetivas, deixa transparecer a convicção de que a nova legislação não produziu os resultados pretendidos.

O EPA do primeiro trimestre é o principal argumento que o próprio Governo deve utilizar para justificar uma mudança na política económica. A persistência da crise está a transformar milhões de pessoas em desempregados crónicos, que não poderão regressar por si mesmos ao mercado laboral. Numa situação como esta, qualquer reforma estrutural da economia ou quaisquer alterações ao sistema de pensões serão inúteis. O país não poderá suportá-las. Até um homem tão ortodoxo e ponderado como Andreu Mas-Colell, conselheiro de Economia da Generalitat [governo autónomo], pedia ontem um “ponto de viragem” nas políticas europeias, ou mesmo uma mudança. Em seu entender, a União Europeia está excessivamente obcecada com a austeridade. Os resultados dessa política não a sustentam: o PIB europeu cai, o desemprego aumenta e, no caso espanhol, conduz-nos a um beco do qual será difícil sair.

Tendo em conta a experiência dos últimos anos, é de esperar que Bruxelas mantenha a doutrina oficial, embora alargando os prazos para o cumprimento dos objetivos do défice, e que só proceda a uma mudança real se os problemas do desemprego e da pobreza no Sul da União afetarem as economias do Norte, como levam a crer alguns indícios. Mas é muito provável que, quando isso acontecer, seja demasiado tarde para nós.

UNIÃO EUROPEIA

Valores subestimados

Segundo as estatísticas publicadas pelo Eurostat26,3 milhões de europeus estavam desempregados no final do mês de fevereiro, 19 dos quais no seio da zona euro, ou seja, uma taxa de desemprego que varia entre os 10,9% e 12%.

Mas para Le Soir, este valor “subestima amplamente a dimensão do subemprego”, um dado calculado pelo Inquérito às forças de trabalho, cujos resultados de 2012 acabam de ser publicados pelo Eurostat. Se juntarmos aos desempregados, os “trabalhadores desmotivados”, “a força de trabalho potencial adicional” (as pessoas que gostariam de trabalhar, mas que não estão imediatamente disponíveis) e os “part-time”, realça o diário belga, 45,4 milhões de europeus são na verdade afetados pela falta de trabalho, ou seja, 19% da população ativa! Quase o dobro da taxa de desemprego oficial. Não é de admirar que esta “taxa de subemprego” não seja publicada.

ESQUERDAS DE PORTUGAL E GRÉCIA UNEM FORÇAS CONTRA AUSTERIDADE




O líder da coligação grega Syriza, Alexis Tsipras (foto), esteve nesta quinta-feira (25) em Portugal para encontro com o Bloco de Esquerda luso. Para ele, “unidade” será a “única resposta eficaz às insistências da Sra. Merkel em políticas de dividir para reinar, que forçaram a Zona Euro a posicionar-se à beira da ruina”. O coordenador do Bloco, João Semedo, defendeu que “só a democracia pode vencer a austeridade”.

Esquerda.net – Carta Maior

“Em meados dos anos 70, Portugal, Grécia e Espanha eram admirados por toda a Europa como casos paradigmáticos de transição de situações de ditadura para a democracia. Quero assegurar-vos que, em breve, os nossos países voltarão a ser apontados como casos paradigmáticos de transição de situações de austeridade para a democracia”, afirmou Alexis Tsipras durante o Comício organizado pelo Bloco de Esquerda, que teve lugar esta quinta feira no Fórum Lisboa.

“A única coisa de que temos de ter medo é do próprio medo"

Citando Franklin Roosevelt, Alexis Tsipras salientou que “a única coisa de que temos de ter medo é do próprio medo". Segundo o líder da Syriza, “separados seremos derrotados. Sairemos também a perder se nos fecharmos no isolamento económico e se voltarmos às políticas do passado de desvalorizações competitivas das moedas nacionais”. 

Por outro lado, “juntos e a uma só voz, podemos fazer inclinar os equilíbrios do poder político Europeu para o nosso lado” e derrotar a “ditadura Europeia e económica que é imposta pelos mercados todo-poderosos”.

Reforçando a ideia de que “a nossa força reside na nossa unidade”, Tsipras referiu que “à medida que a recessão engole a Zona Euro, a austeridade está agora também a alarmar os mais vulneráveis no Norte” e que, nesse contexto, "a aliança anti memorando dos países do Sul deve também englobar as forças sociais do Norte que rejeitam a austeridade”. “Será uma aliança Europeia pela refundação democrática da união monetária”, avançou.

“Não há qualquer exemplo de sucesso com políticas de austeridade”

Lembrando que o próprio Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, já veio admitir que a austeridade “tinha chegado ao limite”, “talvez porque agora a recessão já chegou ao Norte da Europa”, Alexis Tsipras destacou que “não há qualquer exemplo de sucesso com políticas de austeridade”.

Para o representante da Syriza, só há uma saída para “a crise auto-alimentada da Zona Euro”. Essa solução terá que passar, conforme adiantou, pela anulação do Memorando de Entendimento e a “substituição das políticas recessivas de austeridade por políticas de redistribuição do rendimento”, a renegociação dos acordos firmados e subsequente anulação de uma parte significativa da dívida, e um ‘Novo Acordo para a Europa’, centrado em projetos de investimento públicos de dimensão Europeia.

O consenso da direita

O coordenador do Bloco de Esquerda, João Semedo, acusou, durante a sua intervenção, Cavaco Silva de “dar luz verde à segunda vaga de austeridade e de cortes que o governo se prepara para anunciar”.

“Uma maioria de direita, um governo à direita e um presidente de fação que usou o 25 de Abril para dar a mão a um governo em queda livre. Este é o governo do presidente Cavaco Silva”, frisou o dirigente bloquista.

“O consenso de Cavaco é o mesmo de Paulo Portas e Pedro Passos Coelho, é o consenso para mais austeridade, o consenso para dar uma segunda vida a um governo moribundo. E sejamos muito claros, o consenso porque nos batemos é exatamente o oposto. É o consenso contra a austeridade, contra a dívida, contra a troika. É a nossa escolha, a nossa opção. Toda a esquerda, sobretudo o PS, está hoje desafiada a fazer a sua escolha”, alertou João Semedo.

Vivemos em plena era dos credores

Citando declarações de Miguel Portas, datadas de agosto de 2011, João Semedo afirmou que “vivemos em plena era dos credores” e que “Pedro Passos Coelho ou Antonis Samaras não são mais do que os cobradores às ordens dos credores: os bancos, os fundos internacionais, a troika. Não governam, não decidem, fazem o que os mandam fazer”.

“E das duas uma: ou nos livramos deles ou eles acabarão connosco, acabarão com Portugal e a Grécia como países soberanos, países livres e democráticos, em que o povo é que mais ordena”, alertou, sublinhando que “a liberdade e a democracia são também gorduras incómodas para os credores”.

“A austeridade liquida a democracia, austeridade ou democracia, só a democracia pode vencer a austeridade”, realçou.

Renegociar a dívida é a alternativa da esquerda socialista

Reforçando que “recusar a austeridade e recuperar os rendimentos perdidos é a resposta da esquerda socialista” João Semedo defendeu que “Portugal só evitará um segundo resgate se cortar nos juros e na dívida, se anular parte da dívida para valores compatíveis com o desenvolvimento económico”.

“Há hoje muitas razões para olhar com cepticismo o futuro da Europa. Mas nós não desistimos de lutar por uma outra Europa, uma Europa para os cidadãos, para a coesão económica e social, uma economia forte que assegure trabalho para todos, uma europa de iguais que respeite a soberania dos povos e dos estados, uma europa de paz”, avançou o deputado, referindo que o Bloco recusa “a tese de que a defesa do Euro exije uma europa federal e que sem federalismo europeu o fim do euro é inevitável”.

“Sabemos que pode haver euro sem troika, sem austeridade e por isso resistimos à chantagem da defesa do euro para nos impor mais austeridade”, avançou ainda João Semedo, reafirmando que “a alternativa não é sair do euro, é cortar na dívida e por fim à austeridade”.

É preciso derrubar o governo 

“Para mudar a política nacional, para tirar o país da crise, é necessário derrubar o governo”, garantiu o coordenador do Bloco de Esquerda, frisando que “o agravamento da crise económica e social acabará por impor a demissão do governo”.

“O Bloco de Esquerda recusa qualquer outra solução que não seja realizar eleições. Confiamos que esta é a hora da esquerda governar. Pela nossa parte estamos disponíveis e prontos para fazer parte da solução. Um governo de esquerda que rejeite a austeridade, ponha termo ao memorando da troika e imponha aos credores uma renegociação da dívida”, adiantou João Semedo.

A eurodeputada do Bloco de Esquerda Marisa Matias denunciou o feroz ataque à democracia a que temos vindo a assistir. “Todas as decisões importantes para as nossas vidas estão a ser retiradas das mãos dos cidadãos. É como se a democracia, a cidadania, a participação popular fossem um adereço ou qualquer coisa que está a mais no quadro institucional europeu”, lamentou a eurodeputada. "A voz da democracia é: é o povo quem mais ordena”, frisou Marisa Matias.

“A dívida é um eficaz instrumento de submissão dos povos”

Segundo a dirigente bloquista Joana Mortágua, “a dívida é um eficaz instrumento de submissão dos povos, porque ela nasce de uma relação de forças desigual, porque pode interminavelmente consumir a riqueza da força de trabalho de um povo inteiro, e porque, nas palavras de Eduardo Galeano, ‘a dívida constrói uma estrutura de humilhação sucessiva que começa nos mercados financeiros e acaba na casa de cada um e de cada uma de nós’”.

“Mudar a estrutura da dívida significa, na chamada ‘era dos credores’ desferir um golpe profundo sobre o capitalismo financeiro, mas significa também ensinar à chanceler Merkel e aos eurocratas alguma coisa sobre democracia, sobre solidariedade e sobre europeísmo”, avançou Joana Mortágua.

Fotos: Paulete Matos/Esquerda.net  

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