segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Portugal: O QUE TEM DE ACONTECER TEM MUITA FORÇA

 

Balneário Público
 
Antes foi o medo que tomou posse dos ancilosados salazaristas que em 25 de abril de 1974 viram ruir a ditadura cadáver que os alimentava. Abutres insaciáveis. Compraram um cão. Aliás, vários cães. Amestrados, como convinha. Chamavam-se Alpoim Calvão, Ramiro Moreira, António Spínola e mais uns quantos. Tudo cães grandes ou assim-assim. De dente arreganhado, rosnantes. Raivosos contra a revolução, contra a liberdade, contra a democracia, contra a Constituição que entretanto tinha sido aprovada por representantes do povo numa Assembleia Constituinte pautada por uma vasta maioria de esquerda, incluindo o Partido Socialista. Os mastins, obedientes às vozes dos donos tudo faziam para regressar ao “antigamente”. Donos salazaristas, fascistas. Chapalimauds, Melos, Espiritos Santos, Bulhosas e mais uns quatro ou cinco. Essas eram as famílias donas de Portugal, de Salazar, dos políticos fascistas e colaboracionistas de então. Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades, como deixa entender a canção. Nessa época muito ouvida nas rádios imbuidas de fervores democráticos e revolucionários. Era a vontade do povo. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, agora. É a vontade de alguns, de uma minoria que tem vindo a labutar para o regresso ao “antigamente” enchendo a boca de palavras mentirosas, dizendo-se democratas e defensores da justiça, da liberdade. Mas atacando sistemáticamente a Constituição da República – que já foi revista, em muito, a favor das famílias que agora são donas dos políticos, dos partidos, das seitas e máfias que estão a sequestrar Portugal e os portugueses. Como se não bastasse, essas famílias, nacionais, abriram o leque a famílias de outras nacionalidades num jogo de toma-lá-dá-cá-pra-mim. É o nepotismo e a corrupção. Assente naquilo que devia ser a Assembleia da República mas que é assembleia dos lobies, das negociatas confessadas e por confessar, das leis feitas à medida de intrujices presentes e futuras. Paulo Morais diz claro que assim acontece e os denunciados nem se dão ao trabalho de desmentir ou de querer defender o “bom nome”. Nem o têm. Quem cala consente. Consente porque é verdade o denunciado. Todos vimos. Uns mais que outros. As máfias partidárias reunem-se em parlamento e depois dizem que estão na Casa da Democracia, vulgo Parlamento, vulgo Assembleia da República. Da República? Qual? A República dos mentirosos e corruptos apontados ainda ontem por Vasco Lourenço, coronel, capitão de abril. Triste. Triste e revoltado foi como se viu e vê aquele Vasco ao falar do seu país (que se queria democrático). Deram título no Expresso: “Vasco Lourenço inconformado com “país sequestrado pelo medo“. Triste. Tristes e revoltados, mas contidos – é como se vê os portugueses que habitam no desemprego, na miséria, na fome, na injustiça, para que os banqueiros e as famílias nacionais e estrangeiras, donos(as) dos partidos do “arco do poder” continuem o esbulho do povo e do país enquanto conseguem. Sim, porque um dia destes os portugueses deixarão de ser contidos e um novo abril poderá acontecer em qualquer dia, em qualquer noite, em qualquer semana, em qualquer mês. Presume-se e teme-se que violento. Em vez de cravos serão exibidos cardos ou conjuntos de piteiras. Depois é que vão ser elas, as contas justas e injustas que acontecerão – como acontece sempre nos ajustes de contas com aqueles que se julgam com poderes ditatorias a coberto de “engenharias democráticas” baseadas em sistemáticas mentiras e golpes palacianos. Os abutres voltaram e estão a dominar Portugal, são os mesmos e ainda mais uns quantos que se lhes juntaram dizendo que “estão a ajudar Portugal”. Estão? Não se dá por nada disso. Antes pelo contrário. Por isso disse Vasco Lourenço, ontem, pesaroso e indignado: “Porque não sonharmos que poderemos, hoje e aqui, voltarmos a dinamitar uma situação que parece inexpugnável?” – interrogou-se o capitão de Abril. Disse à Lusa, no Expresso. E mais: O militar disse estar inconformado por Portugal se ter tornado “num protetorado de forças estrangeiras” [numa alusão à 'troika'] e estar a ser dirigido por pessoas que “tudo espezinham para manterem lugar à mesa dos poderosos”. Pois sim. O que tem de acontecer tem muita força, não é coronel? Não é, portugueses miserabilizados por uma súcia de abutres e compinchas instalados nos partidos do “arco da governação”? Querem ver que ainda vem lá borrasca e o medo vai mudar de sítio? Limpinho.
 
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Portugal - Em 2012: DEPUTADOS “AJUDAM” ASSEMBLEIA A GASTAR 44 MILHÕES

 


A Assembleia da República (AR) gastou 44,7 milhões de euros em 2012, sendo que a maior parte do dinheiro foi canalizado para pagar salários de deputados e do pessoal, segundo contas publicada hoje em Diário da República, citadas pelo Jornal de Negócios.
 
As despesas da AR ultrapassaram os 44 milhões de euros e a maior fatia foi para salários.
 
De acordo com as contas publicadas hoje pela AR em Diário da República, foram gastos 8,84 milhões de euros em vencimentos de deputados, enquanto os trabalhadores dos quadros implicaram uma despesa de 10,8 milhões de euros.
 
Por outro lado, nas contas dos deputados ainda tem de acrescentar-se mais 3,24 milhões de euros em ajudas de custo.
 
Ao todo o prejuízo foi de 679 mil euros, sendo que em 2011, a Assembleia tinha gerado lucros de 5,5 milhões. No entanto, em 2012 foram transferidas menos verbas do Tesouro.
 
Notícias ao Minuto
 

Portugal - Marques Mendes: "Governo é forte com os fracos e fraco com os fortes"

 


O social-democrata Luís Marques Mendes defendeu, este sábado, no seu espaço de opinião no ‘Jornal da Noite’, na SIC, que “o Governo é forte com os fracos e fraco com os fortes”. Em causa está a convergência das pensões, aprovada pelo Governo, cujos cortes deveriam ser “iguais ou superiores” nos políticos e juízes do Constitucional.
 
O antigo líder do PSD Luís Marques Mendes criticou ontem aos microfones da SIC a convergência das pensões aprovada pelo Executivo liderado por Pedro Passos Coelho, considerando que “o Governo é forte com os fracos e fraco com os fortes”.
 
No seu comentário semanal no ‘Jornal da Noite’, Marques Mendes considerou este projecto de lei “lamentável”, sendo que vai levar a “cortes nalguns casos brutais” nas pensões dos portugueses.
 
De acordo com o social-democrata, “as subvenções dos políticos deviam ter um corte igual ou superior. Mas tanto quanto eu sei, não está na lei”, sublinhou.
 
Além dos políticos, que deviam “dar o exemplo”, também os juízes do Tribunal Constitucional têm que sofrer alterações na atribuição das pensões já que “são as únicas pessoas que se podem apresentar aos 40 anos com 10 e 12 anos de serviço. Isto é uma imoralidade”.
 
Marques Mendes fez ainda referência à forma “burocrática” como o Governo divulgou a medida, sendo que deveria ter feito uma comunicação ao País para a explicar. “Quando as pessoas são informadas, percebem”, rematou.
 
Notícias ao Minuto
 

Portugal - Sócrates: "Portas e Albuquerque foram lá fazer o quê? Trocar cartões?"

 


O antigo primeiro-ministro José Sócrates criticou, este domingo, os cortes nas pensões de antigos funcionários públicos levados a cabo pelo actual Executivo. No seu comentário semanal na RTP1, ironizou ainda com as reuniões entre Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque com os responsáveis da troika, perguntando: “Foram lá fazer o quê? Trocar cartões?”
 
Sócrates desvalorizou as reuniões entre o número dois do Governo e a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, com os membros das instituições da troika. “Foram lá fazer o quê? Trocar cartões?”, disse num tom sarcástico.
 
Sócrates julgou a postura do vice-primeiro-ministro Paulo Portas perante os cortes nas pensões da Função Pública, defendendo que este tem atravessado “linha vermelha” que estipulou aquando a recusa da TSU (Taxa Social Única) dos pensionistas.
 
No seu comentário semanal à estação pública, José Sócrates deixou duras críticas a esta medida levada a cabo pelo actual Executivo. Para José Sócrates, estes cortes “roçam a desumanidade” e provam o “cinismo” do Governo por trata-los como medidas de “convergência”.
 
Em declarações à RTP, o socialista classificou ainda os cortes como uma “indecência política” e frisou as suas dúvidas quanto à constitucionalidade desta norma pois defende que “viola o princípio da confiança e o princípio da proporcionalidade”.
 
As autárquicas foram ainda tema de conversa e José Sócrates acredita que os resultados eleitorais serão um espelho da situação política nacional, onde os partidos da coligação governamental (PSD e CDS) “serão penalizados”.
 
Notícias ao Minuto
 

O BERRO DA CABRA DEGOLADA

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - A visão mefistofélica da Irmandade Muçulmana, consubstanciada num IV Califado, a ser iniciado em África, com sede no Egipto, estendendo-se pelo Magrebe e por toda a região a Norte do Sahara, caiu por terra, como os anjos que foram expulsos do céu. A falácia do Califado seria uma armadilha para o continente africano, se pensarmos que por detrás dele se encontram as monarquias árabes, depositários fiéis dos interesses ocidentais, que converteram a Península Arábica e grande parte do Golfo na maior concentração militar atlantista fora dos USA. O IV Califado não seria mais do que a subordinação do Norte do continente africano aos interesses ocidentais, disseminados nas novas correntes políticas conservadoras das elites islâmicas.
 
Este é um factor que a União Africana não compreendeu e que lança o Egipto nos braços das tempestivas dinâmicas do mundo árabe. O Egipto estabelece a ponte mais sólida entre África e o Mundo Árabe, melhor é um país africano que estabelece uma ligação cultural histórica com a colonização árabe e com a penetração islâmica no continente. As elites egípcias consideram-se, refinadamente, árabes e para as elites do resto do continente - desejosas de manterem o predomínio cultural das suas regiões de origem - o Egipto é um país árabe, esquecendo-se do papel de Nasser na construção da Unidade Africana, preferindo salientar a opção nasserista pelo pan-arabismo, manifestada durante os tempos turbulentos da Republica Árabe Unida.
 
O ex-presidente Morsi empapou-se nesta contradição e assumiu a realidade do Egipto como se este fosse o epicentro do mundo árabe, para gaudio dos Ocidentais. O Egipto mergulhou, uma vez mais, no furação que assola a Ásia Ocidental (o Médio-Oriente, para usar uma expressão mais comum). Estreitou os laços com o Ocidente e virou as costas ao continente africano. Ao nível interno Morsi e a Irmandade Muçulmana tentaram o reforço da influência religiosa islâmica na plural e mosaica sociedade egípcia, o que produziu nefastos resultados, associados ao peso da inflação e á perda de qualidade de vida, que caracterizou a vida económica egípcia durante a sua administração.
 
O Egipto é uma sociedade culturalmente diversificada e plural, construída por sedimentação. Ao não respeitar essa diversificação e ao posicionar o Egipto no epicentro árabe, a IM empurrou o país para um caminho perigoso, que a continuar, representaria uma via sem retorno. A Arábia Saudita e USA, apesar dos seus apoios a Morsi, concluíram que este já não estava em condições de responder aos seus interesses - embora para a persecução dos objectivos da OTAN e dos seus aliados árabes, a IM tenha de ser uma força política relevante – e iniciaram o processo de desestabilização, cruzando as dinâmicas internas com as dinâmicas externas.
 
A Arábia Saudita ao financiar a construção de uma represa de águas na Etiópia, sabia muito bem que iria privar o Egipto de uma quantidade substancial de água do Nilo para irrigação. Este é um dos muitos exemplos, aparentemente inocentes, de desestabilização do Egipto, aproveitando-se das fragilidades políticas do continente africano e da sua incapacidade em dar respostas conjuntas. A lição líbia ainda não foi apreendida pelas elites africanas. A queda de Kadhafi começou no exacto momento em que fez concessões ao Ocidente e em que assinou diversos acordos que em muitos casos tornaram a Líbia quase como um polícia fronteiriço do Ocidente (apesar da importância da Líbia no projecto da União Africana e da sua politica consistente em buscar soluções realistas para o continente).
 
Através do Egipto a União Africana poderia assumir um papel preponderante e necessário no panorama do Médio Oriente, posição fundamental para quebrar a ofensiva que Ocidental contra Africa. É fundamental, para a elaboração de uma geoestratégia africana, que a política externa africana funcione em bloco e assuma uma posição de solidariedade activa para com os palestinianos de Gaza e da Cisjordânia e aumentar a sua influência na Jordânia, Líbano, Síria, Iraque e Irão A única forma de manter a sua estabilidade é o envolvimento dos Estados Africanos, em bloco, nas dinâmicas do Médio Oriente, desempenhando um papel activo e sem ambiguidades. Neste sentido o Egipto tem, como Estado africano, um papel essencial.     
 
Mas no Egipto não são apenas as suas planícies que se estendem para o Ocidente. São também as suas elites que para lá estendem as suas mãos, mesmo que nas mesquitas, assumindo o papel de fiéis, voltem-se para Meca.
 
II - Um regresso ao Islão esplendoroso que dominou, no século VII, vastas áreas da Ásia, África e da Península Ibérica, é o que pretendem os grupos da extrema-direita islâmica. O apogeu do Al-Andaluz é apregoado no seculo XXI pelos que consideram impuro o contacto com a civilização ocidental que alterou as tradições ancestrais. O Al-Garb (o Ocidente) adulterou as leis islâmicas e as mentes dos fiéis que com ele tomaram contacto. Esta é a mensagem dos clérigos que apregoam o IV Califado e o resgate dos valores e que compreende uma larga faixa política do Islão, que ultrapassa a extrema-direita e se estende pelas correntes mais moderadas (e aplaudidas pelo Ocidente “democrata-cristão”) da “democracia-islâmica”
 
O protagonismo económico político, cultural e religioso do Egipto no seio da comunidade das nações islâmicas (Umma) é indiscutível para todos os teóricos islâmicos, até pela grandeza e importância que desempenhou na História da Humanidade, sendo o maior dos Impérios Africanos e representando um marco no longo processo civilizacional (os teóricos islâmicos mais fundamentalistas sempre tentaram relegar para segundo plano os grandes impérios faraónicos, que representavam a grandeza da civilização africana do Egipto, numa tentativa de abafar eventuais pretextos de oposição á islamização da sociedade egípcia, desde os inicio deste processo até aos dias de hoje).
 
Xiitas, Sunitas e sofistas, são as expressões maioritárias do Islão no Egipto e com os cristãos coptas (o cristianismo dominante nesta região), constituem as identidades religiosas plurais da sociedade egípcia. Em todas estas correntes da expressão religiosa existem duas tendências predominantes: os liberais, que não atribuem á religião um papel de Estado e os fundamentalistas, que atribuem á religião um papel de ideologia do Estado.
 
No Islão egípcio, o sufismo, uma corrente mística – acusados de idolatria pelos clérigos fundamentalistas sunitas e xiitas – conta com 7 milhões de devotos agrupados em confrarias. Distinguem-se das restantes correntes islâmicas pelo seu esoterismo, pelo uso dos amuletos e pela peregrinação á tumba dos santos, transportando consigo as tradições africanas anteriores á islamização desta região. Os teólogos puristas da Universidade de Al-Azhar (um dos mais importantes centros intelectuais do mundo islâmico) consideram estas prácticas dos sufistas como sendo uma heresia, consequência da “corrupção ocidental”, introduzida no Egipto pela potência coloniais no século XIX.
 
Propõem os doutos teólogos da Universidade de Al-Azhar que os fieis devem cumprir integralmente os mandamentos corânicos, em especial as cinco orações diárias, método mais eficaz para os fieis se protegerem das “tentações de um mundo degenerado pela luxúria, pela fornicação e pela avareza”. A esta Universidade pertenceu um dos mais importantes pensadores islâmicos do seculo XX, Sayyid Qutb (1906-1966), que nos seus inúmeros escritos denunciou “a podridão do Al-Garb”. Qutb desenvolveu as suas teses após uma visita aos USA, onde permaneceu de 1948 a 1950, enviado pelo governo egípcio (uma monarquia, na época), para estudar o sistema de ensino norte-americano. Após o seu regresso ao Egipto, Qutb qualifica os USA de “império do paganismo e da heresia” e acusa o Ocidente de ser a causa de todos os males. Considera que os muçulmanos caíram na tentação do Ocidente e combate o liberalismo, preconizando a predominância da sharia, a lei islâmica.
 
Em finais dos anos 50 Qutb adere á Irmandade Muçulmana, fundada nos anos 30 por Hassan al-Banna, que preconizava um “Islão social” e acusava os “hereges ocidentais” em discursos virulentos e que acabou por ser assassinado pelos serviços secretos egípcios em 1949, depois de ter estado envolvido num atentado ao primeiro-ministro egípcio e de ter sido acusado de conspiração contra o rei. Com a morte de al-Banna, a IM envereda por outras vias mas Qutba continua a combater nas suas obras, “os responsáveis pela degradação e os cruzados”, sendo enforcado em 1966, depois de ter sido acusado de participar numa conspiração contra Nasser. A obra de Qutb teve uma grande influência entre os fundadores da Al-Qaeda. O actual líder desta organização, o egípcio Ahiman al-Zawahiri, foi seu aluno na Universidade de Al-Azhar. Anwar al-Awlaki, iemenita-americano, líder da Al-Qaeda na península arábica (morto em 2011, em Sana, ao ser detectado por um drone norte-americano), foi outro dos seus discípulos.
 
São, pois, tíbios e confusos os caminhos e as tensões das diversas correntes islâmicas na sociedade egípcia. Entre o esoterismo dos sufistas e o conservadorismo fascizante dos teólogos fundamentalistas, existe uma miríade de correntes, xiitas e sunitas, que preconizam desde a maior abertura possível ao Ocidente, até ao IV Califado e que estabelecem as mais diversas alianças com as forças políticas laicas, á esquerda e á direita do espectro politico egípcio.
 
A IM mergulha nestas tensões e nela espelham-se todas estas contradições. O ex-presidente Morsi poderia ser um liberal (no Egipto as aparência iludem, mais do que em qualquer outro lugar), mas no aparelho político da IM muitos esperavam o momento certo para impor a sua obra “regeneradora”. O Ocidente acabou por aceitar de bom grado a IM e a ideia de um IV Califado, não está fora dos preceitos do Ocidente, desde que o Egipto cumpra com as usas funções: salvaguardar a rectaguarda do Estado de Israel, participar no cerco á Palestina e ter um papel activo na desestabilização do continente africano. Seja com os teólogos, com os prémios nobel (El-Baradei) ou com os militares.    
 
IV - O Egipto não estalou, como previam alguns “profetas da eminencia catastrófica”. Bem pelo contrário. Os que previam o estilhaçar, bem como os que se deixaram arrastar pela denominada “Revolução Primaveril” cometeram erros de análise. O primeiro erro foi considerar o Egipto um país árabe. Não é! É um país africano! E por ser um país africano as características da esquerda e da direita politica egípcia não são as mesmas da esquerda e da direita árabe. Não é a Turquia, nem a Síria, nem o Iraque, nem o Líbano, nem a Palestina…É o Egipto! É uma realidade africana e não uma realidade árabe.
 
Não entendem por isso, os analistas ocidentais e árabes o ambiente político, social e cultural egípcio. Não o conseguem inserir na ambiência africana e por isso as suas leituras são sistematicamente erradas. Tanto os sectores da esquerda como os da direita. E cometem o mesmo erro no que respeita á Líbia, á Tunísia e á Argélia. Talvez algum pudor atlantista os leve a hesitar quando chegam a Marrocos e á Mauritânia e se abstenham de falar sobre a questão quando se referem á Republica Árabe Democrática do Sahara. Desconhecem a realidade árabe africana, que se estende por todo o Norte do continente, muito para além do Magrebe e atinge em cheio o Centro, tanto pela costa, como pela contracosta como no interior. E desconhecem a diversidade dos árabes africanos, misturando-os a todos, árabes, mouros, berberes e tuaregues. É um velho problema, de milhares de anos, feito de migrações, de caravanas, de Impérios dos dois lados do Canal) e de colonização.
 
São duas realidades complementares mas antagónicas: a Península árabe versus a realidade norte-africana. A Peninsular é uma realidade onde se cruzam todos os componentes, todos os produtos do mosaico cultural da Ásia Ocidental. A outra, a norte-africana, é uma realidade onde se cruzam as derivações sincréticas do continente africano, numa região onde o Imperio Romano e as hordas árabes, incendiadas pelas palavras do Profeta, se entrecruzam com as múltiplas realidades comunitárias e com os múltiplos Impérios africanos da região.
 
Mas não são apenas os Ocidentais e o Mundo árabe peninsular, que comete este erro de análise. São as próprias elites africanas, que não conseguem discernir este fenómeno e que tomam a atitude típica do avestruz: enterram a cabeça. As da região Central têm uma percepção mais adequada desta realidade, uma vez que esta a circunda. Mas muitas vezes fazem-se despercebidas. Árabes, mouros, berberes e tuaregues, aparecem assim aos olhos destas elites, por motivos de interesse, como “estrangeiros”. Se forem elites cristianizadas, esquecem-se que elas próprias são um produto da ideologia colonial, neste caso da ideologia colonial europeia (tenha sido pelo Imperio Romano, ou pelo processo colonial europeu iniciado no século XV) e olham, condescendentes, para os “estrangeiros”. Quanto às elites norte-africanas, tanto as islamizadas no continente, como as islâmicas que migraram para o continente, assumem a sua identidade árabe, fugindo desta forma á realidade colonial por elas produzida, ou ao facto de serem produtos dessa colonização. Não escondem a cabeça na areia, nem assobiam distraídas para o ar, mas comportam-se como cobras venenosas, para melhor imporem o seu domínio.
 
São realidades culturais complexas e uma longa História de conflitualidade que marcou profundamente grande parte do continente. São duas realidades atravessadas pela ilusão identitária, própria dos que são e não querem ser e dos que já eram e não querem que os outros sejam. É um fenómeno que é observável também em relação aos africanos brancos e mestiços e às suas relações com a maioria negra. São complexas dinâmicas culturais, que nem mesmo as árduas batalhas da libertação nacional colmataram, mesmo nos casos em que todos se encontravam do mesmo lado da trincheira.           
 
É por isso que os sorumbáticos analistas, ocidentais, árabes e africanos, dão o dito por não dito e apenas encontram uma similaridade que pode servir de fundo para o seu palavreado sobre o Egipto: a Argélia de 1992. Quando a Frente Islâmica de Salvação (FIS) ganhou as eleições argelinas, na primeira volta e ia revalidar o seu triunfo na segunda, a Argélia assistiu a um golpe militar, aplaudido e apoiado pelos que não votaram na FIS, desde a União Geral dos Trabalhadores (a central sindical argelina) até às confederações patronais, passando pela FLN, o Partido da Vanguarda Socialista e pela Coligação para a Cultura e Democracia, para além de outras forças á direita e á esquerda da FLN.
 
Alguns destes analistas, principalmente os ocidentais e os africanos – os primeiros porque já assumiram planamente o seu papel de propagandistas e os segundos naquela fase de aprendizagem em que ainda é legitimo usar a palavra do outro sem ser acusado de plágio – alegam que os lideres tanto da FIS, na Argélia, como da IM, no Egipto, foram eleitos democraticamente, logo o seu poder era legitimo (o mesmo discurso insalubre e os mesmos argumentos de carteirista, são utilizados pela UA), esquecendo-se, estes preciosos guardiães dos valores da democracia representativa (quantas voltas na tumba não dão Montesquieu e Tocqueville ao verem as suas observações a serem adulteradas por este lúmpen pseudointelectual), de que Adolfo Hitler e o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha, também venceram as eleições e como não encontraram, na época, nenhuma força que apostasse no “coup d`état”, a Europa primeiro e o resto do mundo logo a seguir mergulharam num ritual frenético de morte e holocausto.  
 
A questão central é que os governos saídos da “primavera no norte de África”, não vingaram, pela sua falta de consensualidade. Na Tunísia o governo da Enhada não convence os trabalhadores e a União Geral dos Trabalhadores Tunisinos (umas das mais combativas e históricas centrais sindicais do continente africano) apresentou um ultimato ao governo tunisino, abrindo a porte a “diversas soluções, eleitorais ou não”. Também no Egipto a catastrófica política económica do governo da IM, levou a que as três Confederações Sindicais apresentassem, nos protestos, os seus ultimatos, que conduziram ao apoio do golpe militar.
 
A Federação Egípcia dos Sindicatos Independentes (cujo secretário-geral é o actual ministro do Trabalho) a Federação Sindical do Egipto e o maioritário Congresso Operário do Egipto levaram os seus associados para as ruas e concordaram com o plano do golpe militar. As “democracias islâmicas” no norte de África, desde a primeira tentativa, na Argélia, até às saídas dos “ares primaveris” do Egipto e da Tunísia, conduzem, na sua ansia de agradar ao Ocidente, a políticas económicas insuportáveis para os trabalhadores. Quanto á Líbia, não resta mais do que um conjunto de destroços e estilhaços, onde imperam os bandos armados e os gangues.
 
É para esta situação que a UA deve olhar e extrair as lições da sua política de avestruz. O que o Ocidente e seus aliados do Golfo pretendem fazer no continente africano é exactamente o que fizeram com a Líbia, o que estão a fazer com o Mali e com a RDC e o que já fizeram noutros tempos com a Somália. Deste país e da Líbia, restam destroços. Da RDC e do Mali restam mantas de retalhos. E no resto do continente reina um misto de bajulação e de incerteza, mesmo quando o discurso nacionalista anda pela boca dos dirigentes (o maior exemplo é o de Mugabe, no Zimbabwe, o tal que já roubou todos e que agora só lhe resta roubar a si próprio, para depois entregar, de bandeja e a preço de igreja, o produto do roubo ás corporações ocidentais). Os Estados Africanos deparam-se com uma situação confusa ao nível externo e com uma situação de mudanças estruturais, ao nível interno, que se não forem devidamente analisadas e se não forem, as opções a tomar, devidamente ponderadas e assumidas, arrastará o continente para um furacão no qual o naufrágio será inevitável.
 
As palavras escritas pelo escritor senegalês Birago Diop, se forem aplicadas á questão da unidade africana, descrevem-na de forma sublime: “A cabra que não gritou, quando a degolaram, berrou quando a esfolavam”. Será que pelo menos, quando a digerirem, se revelará indigesta?              
        
Fontes
 

AS SEMENTES DO FASCISMO, NO SÉCULO 21

 


Para retomar acumulação, em tempos de crise, capital ensaia estratégia particular. Inclui guerras, especulação financeira máxima e criminalização das “populações excedentes”
 
William I. Robinson - Tradução: Taís Gonzalez – Outras Palavras
 
Em Policing the Crisis, clássico estudo conduzido, em 1978, pelo famoso socialista e teórico cultural Stuart Hall e alguns colegas, os autores mostram que a reestruturação do capitalismo, uma resposta à crise da década de 1970 – a última grande crise mundial do capitalismo até a de 2008 –, produziu, no Reino Unido e em todo o mundo, um “estado excepcional”. Significava um processo de ruptura com os mecanismos de controle social, então consensuais, e um autoritarismo crescente. Eles escreveram:
 
“Este é um momento extremamente importante. Esgotado o repertório da hegemonia por meio do consentimento, destaca-se cada vez mais a tendência ao uso rotineiro das características mais repressivas do Estado. Aqui, o pêndulo no exercício da hegemonia inclina-se, de forma decisiva. De um período em que consentimento suplantava a coerção, passa-se a outro em que a coerção volta a ser a forma natural e rotineira de assegurar o consentimento. Esse deslocamento interno do pêndulo da hegemonia – de consentimento para coerção – é uma resposta do Estado à crescente polarização (real e imaginária) das forças de classes. É, exatamente assim, que uma “crise de hegemonia” se expressa… O lento desenvolvimento de um estado de coerção legítimo, o nascimento de uma sociedade de “lei e ordem”… Todo teor da vida social e política é transformado (neste momento). Um novo ambiente ideológico, claramente distinto, é urdido. (Policing the Crisis, pp. 320-321).”
 
Esta é também uma descrição exata da atual conjuntura. Estamos testemunhando a transição de um estado de bem-estar social para um estado de controle social, em todo o mundo. Estamos diante de uma crise global sem precedentes, dada sua magnitude, seu alcance global, a extensão da degradação ambiental e da deterioração social e a escala dos meios de violência. Nós realmente estamos enfrentando uma crise da humanidade, entramos em um período de grandes agitações, de mudanças e incertezas. E esta crise é distinta dos episódios anteriores de crises mundiais – a de 1930 ou a de 1970 – precisamente porque o capitalismo mundial é fundamentalmente distinto, no início do século 21.
 
Entre as transformações qualitativas que ocorreram no sistema capitalista, em face da globalização das últimas décadas, há quatro que quero destacar. A primeira é a ascensão do capital transnacional e a integração de todos os países dentro de um novo sistema financeiro de produção globalizada. A segunda é o surgimento de uma nova Classe Capitalista Transnacional (TCC, sigla em inglês para Transnational Capitalist Class). Este grupo apoia-se em novos circuitos globais de acumulação, ao invés dos velhos circuitos nacionais; A terceira transformação é a ascensão da que eu chamo de aparatos estatais transnacionais. A quarta, o aparecimento de novas relações de desigualdade e dominação na sociedade global, incluindo a crescente importância das desigualdades sociais e de classe, relacionadas aos desequilíbrios Norte-Sul.
 
A atual crise
 
A crise atual combina aspectos estruturais similares aos das crises anteriores (dos anos 1970 e 1930) com características únicas, a saber:
 
- O sistema está atingindo rapidamente os limites ecológicos de sua produção. Já temos vários cientistas ambientais que fazem referência ao “ponto de inflexão”. Esta dimensão não pode ser subestimada;
 
- O magnitude brutal da violência e do controle social, bem como a extensão do controle sobre os meios de comunicação globais e de produção e circulação de símbolos e imagens. Neste sentido, nós somos testemunhas de novos e assustadores sistemas de controle social e repressão que precisamos analisar e aos quais devemos resistir;
 
- Estamos chegando ao limite da expansão do capitalismo – ou seja, não há mais novos territórios significativos a serem integrados ao sistema. A desruralização já é bem avançada; a mercantilização do campo e dos espaços pré e não-capitalista são intensas;
 
- O surgimento de uma população “excedente” que habita um “planeta de favelas“, afastada da economia produtiva, jogada às margens e sujeita a sofisticados sistemas de controle social e à destruição – a um ciclo mortal de expropriação, exploração e exclusão.
 
- O descolamento entre economia globalizada e um sistema de estados-nações baseado em uma política autoritária. Os aparatos estatais transnacionais são incipientes. Eles não foram capazes de desempenhar o papel que os estudiosos do sistema capitalista mundial designam por “hegemon”, ou um estado-nação líder com poder e autoridade suficientes para organizar e estabilizar o sistema.
 
Neste contexto, vamos rever como a atual crise se desenvolveu. O capital transnacional emergente passou por uma grande expansão nas décadas de 1980 e 1990. Isto envolveu o que poderíamos chamar de hiper-acumulação, alcançada por meio de uma série de fatores. Envolve a introdução de novas tecnologias, sobretudo da informatização e da utilização da internet; políticas neoliberais que abriram o mundo para o capital transnacional; novas modalidades de mobilização e exploração da força de trabalho global, com novo ciclo de “acumulação primitiva” maciça – a expulsão e deslocamento de centenas de milhões de pessoas, especialmente das áreas rurais do terceiro mundo, que se tornaram migrantes nacionais e transnacionais.
 
Mas no final da década de 1990, a estagnação instalou-se na economia global. O sistema enfrentava novamente uma crise. A nítida polarização social global e as desigualdades crescentes em todo o mundo alimentavam o problema crônico da “sobre-acumulação”. Muito simples, as desigualdades globais e o empobrecimento de uma ampla parcela da sociedade significam que o capital transnacional não pode encontrar saídas produtivas para descarregar as enormes quantidades de excedentes que acumulou. No início do século 21, a Classe Capitalista Transnacional procurou enfrentar a estagnação e a sobre-acumulação por meio de diversos mecanismos.
 
Um desses mecanismos é o que chamo de acumulação militarizada. Trata-se de fazer guerras e realizar intervenções que desencadeiam ciclos de destruição e reconstrução, além de gerar enormes lucros para um, cada vez maior, “complexo financeiro-militar-prisional-industrial-de energia-e-segurança”. Estamos vivendo agora em uma economia global de guerra, que vai além de “guerras quentes” como a do Iraque, do Afeganistão ou da Síria. Outro mecanismo é a invasão e saque dos orçamentos públicos. A Classe Capitalista Transnacional usa seu poder financeiro para assumir o controle das finanças do Estado e impor mais “austeridade” à maioria dos trabalhadores. Emprega seu poder estrutural (por controlar a economia global) para acelerar o desmantelamento do que ainda resta do salário social e do estado de bem-estar. E o terceiro mecanismo é a frenética especulação financeira em todo mundo – transformando a economia global em um gigantesco cassino. A TCC descarregou trilhões de dólares em especulação imobiliária, em alimentos, energia, mercados dos commodities globais, em mercados de títulos em todo o mundo (ou seja, nos orçamentos públicos e nas finanças estatais), e em outros tantos setores e seus derivados.
 
A ameaça do “fascismo do século 21″
 
Como as forças políticas e sociais em todo o mundo estão respondendo à crise? Ela resultou em uma rápida polarização na sociedade global. Forças de direita e de esquerda estão em ascensão. Entre outros, quero destacar três respostas para a crise que parecem estar em disputa.
 
Uma delas é o que poderíamos chamar de “reformismo de cima”. Este reformismo tem como finalidade estabilizar o sistema, salvando-o de si mesmo e de alternativas mais radicais, vindas de baixo. No entanto, nos anos que se seguiram ao colapso do sistema financeiro global de 2008, parece que esses reformadores não tiveram a capacidade (ou a vontade), de prevalecer sobre o poder do capital financeiro transnacional. Uma segunda resposta é a resistência popular e de esquerda, a partir de baixo. À medida em que conflitos sociais e políticos eclodem em todo o mundo, parece surgir uma revolta global organizada. Embora essa resistência pareça insurgir-se após 2008, ela ocorre de modo bastante desigual, nos distintos países e regiões e enfrenta muitos problemas e desafios.
 
A última resposta é a que eu chamo de fascismo do século 21. A ultra-direita é uma força emergente em muitos países. Em linhas gerais, busca-se fundir o poder político reacionário com o capital transnacional e organizar uma base de massas entre os setores historicamente privilegiados da classe trabalhadora mundial – como os trabalhadores brancos, no Norte do planeta e as velhas classes médias do Sul. Elas vivem hoje sensação de insegurança agravada, temerosas de mobilidade social decrescente, ou mudança de status. São tentadas ao militarismo, masculinização extrema, homofobia, racismo e uma mobilização racista contra bodes expiatórios — o que inclui a própria busca de bodes expiatórios, como os imigrantes e, no Ocidente, os muçulmanos. O fascismo do século 21 evoca ideologias mistificadoras, muitas vezes envolvendo supremacia racial e ou cultural e xenofobia. Abraçam um passado idealizado e mítico. A cultura neofascista banaliza e exalta a guerra e a violência social. Procura gerar fascínio pela dominação, ao retratá-la como heroica.
 
É importante salientar que a necessidade dos grupos dominantes em todo o mundo, para garantir segurança e organizar o controle social em massa sobre a população excedente e as forças rebeldes, dá um impulso poderoso a projetos de fascismo neste século. Simplificando, as imensas desigualdades estruturais da economia política global não podem ser facilmente contidas por meio de mecanismos consensuais de controle social – ou seja, por meio de dominação hegemônica. Com isto em mente, vamos concluir com cinco pontos para o debate futuro sobre sobre o capitalismo global policiante.
 
Um estado policial global
 
Primeiro, um capitalismo global policiante, por meio de novas modalidades de controle social globalizado e repressão não é apenas um projeto desse fascismo do século 21. Na verdade, ele está sendo antecipado pelas elites e Estados liberais e reformistas. É um imperativo estrutural do capitalismo globalizado, ligado aos imperativos de manutenção do sistema.
 
Segundo, ao pensamento sobre o capitalismo global policiante, devemos nos perguntar quem precisa ser policiado, no sistema. Aqui, quero chamar a atenção para a crescente onda de mão de obra excedente. Ao invés de incorporar os marginalizados, o sistema tenta isolar e neutralizar suas reais ou potenciais rebeliões, criminalizando o pobre e despossuído – com tendências, em certos casos, para o genocídio. Os mecanismos de exclusão coerciva incluem a detenção maciça em complexos industriais-prisionais (Prison-Industrial Complex ou PIC, o termo em inglês é usado para atribuir a rápida expansão da população carcerária dos EUA que influência as políticas das empresas de privatização de cárceres e empresas que fornecem bens e serviços para agências de prisão do governo); o policiamento generalizado, leis repressivas anti-imigrantes; novas formas de manipulação de espaços, para que tanto os condomínios murados quanto guetos sejam controlados por verdadeiros exércitos de segurança privada e vigilância de alta tecnologia; campanhas ideológicas voltadas à sedução; passividade por meio do consumo e da fantasia.
 
Novas formas de controle social e modalidades de dominação ideológicas cruzam barreiras. Por isso, pode haver um neo-fascismo constitucional e normalizado, com instituições de representação, partidos políticos e eleições formais, enquanto o sistema político é rigidamente controlado pelo capital transnacional e seus representantes. Qualquer divergência que ameace o sistema é neutralizada, quando não liquidada.
 
Em terceiro lugar, devemos reconhecer que a criminalização e o controle militarizado de estruturas marginalizadas, como mecanismo de contenção preventiva, são altamente racializados. Isso nos traz de volta para Stuart Hall e seus colegas. Os autores de Policing the Crisis destacaram a natureza altamente racializada do policiamento e da criminalização de comunidades negras e imigrantes no Reino Unido. Eles desconstruíram o processo ideológico complexo de fabricar a criminalização dos oprimidos como uma função do controle social, em momentos de crises de hegemonia.
 
Aqui vemos fortes paralelos entre o embrionário “Estado excepcional” na década de 1970 e a atual deriva para tais Estados, nos EUA e em outros países. O deslocamento das ansiedades sociais para o crime e populações racialmente criminalizadas origina-se na crise dos 1970. Nos EUA, após as rebeliões de massa da década anterior, os grupos dominantes promoveram campanhas culturais e ideológicas sistemáticas de “lei e ordem” para legitimar a mudança de um Estado de bem-estar social para um Estado de controle e a ascensão de um complexo industrial-prisional.
 
“Lei e ordem” passou a significar a reconstrução e reforço das hierarquias raciais, sociais e da ordem hegemônica, após as rebeliões de 1960. Isso coincidiu com a reestruturação econômica global, o neoliberalismo e a globalização capitalista da década de 70 e anos posteriores. Agora, a criminalização ajuda a deslocar as ansiedades sociais, decorrentes da crise estrutural da estabilidade, segurança e organização social, geradas pela crise atual. Em seu chocante livro, The New Jim Crow, a jurista Michelle Alexander revela que o encarceramento em massa, nos EUA, é “como um sistema incrivelmente abrangente e bem disfarçado de controle social racializado”.
 
De fato, a natureza racializada das “guerras contra as drogas” hipócritas, dos encarceramentos em massa e das sentenças de morte social proferidas é tão cruel que choca os sentidos. Em uma abstração analítica, os encarceramentos em massa tomam lugar dos campos de concentração. O sistema submete uma população excedente de milhões, potencialmente rebeldes, a um aprisionamento sob violência estatal. As chamadas (e declaradas) “guerra contra as drogas” e “guerra contra o terrorismo”, bem como as não declaradas “guerra contra a juventude pobre” e a “guerra contra os imigrantes”, precisam ser colocadas neste contexto.
 
Em quarto lugar, em seu brilhante e ainda assustador estudo “Cities under Siege: The New Military Urbanism” ["Cidadas sitiadas: o novo Urbanismo Militar], Stephen Graham mostra como estruturas e processos de controle controle social militarizado constituem um projeto glogal que é, por definição, transnacional. É importante notar que cada país enredou-se no policiamento da crise global, assim como da economia global torna-se cada vez mais imbricada com o negócio da guerra, violência social e coerção e repressão estatal organizadas.
 
Quinto e último ponto: a militarização e a violência organizada tonaram-se estratégias de acumulação, independente de qualquer objetivo político, e aparecem como características estruturais do novo capitalismo global. Guerras, sistemas de encarceramento em massa, militarização das fronteiras, detenção de imigrantes, desenvolvimento de sistemas de vigilância globais – e assim por diante – são imensamente rentáveis para a economia corporativa global, para as multinacionais, os banqueiros transnacionais, investidores e especuladores. As forças populares de base devem estar conscientes da ameaça enfrentam, mas há necessidade de uma mudança fundamental no poder e nas relações de propriedades do capitalismo global, se queremos atingir a paz e a justiça.

- As ideias deste ensaio serão desenvolvidas em detalhe no livro Global Capitalism, Global Crisis, a ser publicado em 2014 pela Cambridge University Press. Este texto baseia-se numa fala à Confer
ncia sobre Poder e Justiça, em Nova York
 

Brasil: DILMA IRÁ CANCELAR VIAGEM AOS EUA

 

 
Presidenta levou em consideração a falta de explicações dos americanos e de um pedido de desculpas
 
A presidenta Dilma Roussef decidiu cancelar a visita que faria no dia 23 de outubro aos EUA. O governo brasileiro esperava explicações e um pedido de desculpas do governo americano, que não aconteceram.
 
A viagem estava ameaçada desde que foi revelado a espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) na comunicação e vida de Dilma. A decisão foi tomada após reunião na última sexta-feira (13), em Brasília, com a presença do ex-presidente Lula, os ministros Aloizio Mercadante [Educação], José Eduardo Cardozo [Justiça], o presidente do PT, Rui Falcão, o ex-ministro das Comunicações Franklin Martins, o publicitário João Santana e o chefe do gabinete presidencial, Giles Azevedo.
 
Segundo a Folha de S. Paulo, no encontro, Dilma comunicou que não iria aos EUA e teve apoio de todos que estavam na reunião, em especial de Lula, que tem feito duras criticas ao governo de Barack Obama.
 
O Brasil não ficou satisfeito com as explicações americanas sobre o sistema de espionagem da NSA e esperava um pedido formal de desculpas do governo americano, que não houve. A visita de Estado, divulgada em maio, seria a única neste ano acolhida pelo presidente Barack Obama.
 
Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da República
 

Brasil: O MEDO DE ALICE

 


Em Marajó, crianças salvam-se por pouco da morte invisível, todos os dias. Mas Brasília reluta em destinar recursos à Educação
 
Crônica de Ana Aranha, na coluna 3×4 – Outras Palavras
 
Enquanto se arruma para a escola, Alice Maria Libório, 10 anos, também se prepara para encarar seu medo. Em dias de ventania na Ilha de Marajó, antes do barco de madeira que faz o transporte escolar chegar, a mãe embala a filha e sua mochila em sacos plásticos e aconselha: sente no meio. Alice tenta obedecer, mas os bancos costumam ficar lotados. Ela se agarra a uma coluna no canto do barco e vai em pé. Pernas travadas, olhos fechados. Torcendo para chegar seca e salva.
 
Alice mora na zona rural de Portel, município paraense onde os rios servem de estrada. Sua casa se sustenta em palafitas sobre o rio Pacajá. Como os sete irmãos, ela aprendeu a nadar enquanto dava os primeiros passos. Por isso, conhece bem os perigos do caminho percorrido pelo barco escolar. Em dias de vento na baia que leva o mesmo nome do rio, as ondas fazem lembrar o mar.
 
Foi em manhãs assim, ao menos três vezes no ano passado, que ela viu colegas tombarem na água com mochila e tudo. “Teve um meninozinho que caiu, aí pararam o barco e puxaram ele. Sentou todo molhado na sala”. Quando Alice lembra da imagem da criança encharcada assistindo aula ao seu lado, os poros do seu braço ficam arrepiados. “O barco é velho, entra água pelas tábuas soltas, pode até afundar”, ela diz, alisando a pele do braço. “Tenho medo”.
 
Entrevistei Alice para reportagem sobre o mau uso do orçamento da educação em 2012, pela Agência Pública. Quando bati na porta da prefeitura com essa e outras denúncias, o prefeito não se abalou. Pedro Barbosa, então no PMDB, rebateu de primeira: os temores de Alice seriam “invencionices”. “Esses meninos nasceram e se criaram dentro desses barcos. Se der algum problema, eles mesmo sabem consertar”, disse o prefeito. O seu então secretário da educação foi além. Disse que os próprios alunos se jogam na água, com o barco em movimento, porque gostam de nadar.
 
Os políticos deram essas respostas sem ruborizar, anestesiados de qualquer constrangimento.
 
A indiferença persistiu mesmo quando lembrei que, enquanto Alice e os dez mil alunos da zona rural eram transportados em barcos velhos, os funcionários da prefeitura deslizavam pelos rios em lanchas novas compradas pelo Ministério da Educação. Veículos equipados com coletes salva-vidas e enviados para uso exclusivo no transporte escolar. O prefeito explicou que as lanchas não poderiam transportar os alunos porque gastam muita gasolina, ultrapassando o repasse de verbas para combustível.
 
Para saber se o problema persiste nos dias de hoje, procurei Roseane Gonçalves Silva, membro do conselho do Fundeb na cidade (grupo que fiscaliza a aplicação das verbas do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica). “Nada mudou”, ela disse. “As lanchas continuam para uso da prefeitura, barcos velhos e sem segurança para os alunos”.
 
Pior. Enquanto analisava as contas de 2012, Roseane viu um indício de superfaturamento na compra de óleo diesel para o transporte escolar. “No ano passado, a secretaria de educação pagou 20 centavos a mais por litro do que o preço anunciado no posto da cidade”. E, sem acusar ninguém, observou uma coincidência: em 2012, o então prefeito apoiou a candidatura do gerente do posto (onde era comprado o combustível para o transporte escolar ), que foi eleito e hoje comanda a prefeitura de Portel.
 
Irônico notar que o valor do suposto superfaturamento no transporte escolar de Alice e seus colegas é a mesma fração que serviu de estopim para os protestos que tomaram o país: os vinte centavos de aumento na tarifa de ônibus paulistana.
 
Nas vírgulas do preço da passagem, assim como no litro do combustível, giram alguns dos mais importantes fatores de multiplicação do poder na política. Em junho de 2013, pela primeira vez em muitos anos, essa equação sofreu abalo de outra ordem. Os protestos suspenderam temporariamente o efeito anestésico que toma conta dos políticos. Presidente, governadores, prefeitos e legisladores ruborizaram em cadeia nacional e correram para responder à insatisfação das ruas.
 
Sob o calor do momento, a Câmara dos Deputados deu um passo que poderia ser determinante na vida de Alice. No dia 26 de junho, aprovou Projeto de Lei que aumenta de modo significativo o orçamento da educação ao destinar 75% dos royalties do petróleo para a área.
 
Mas o efeito não durou muito. No dia 2 de julho, entre denúncias sobre ministros, deputados e governadores abusando do uso de jatos da FAB, o Senado voltou atrás e cortou a maior parte do investimento. Para se ter ideia da diferença: pelo projeto dos deputados, a educação ganharia R$ 209 bilhões em 10 anos. Com a mudança no Senado, o montante caiu para R$ 97 bi. O novo valor é insuficiente para cumprir as metas mínimas do Plano Nacional da Educação, segundo alerta da Campanha Nacional pelo Direito à Educação comcálculos da consultoria legislativa da Câmara. Importante notar que a mudança no Senado foi manobrada pela liderança do governo, o mesmo que havia anunciado que destinaria 100% dos royalties para a área.
 
A ausência de constrangimento em tirar dinheiro de uma área tão estratégica, sem necessidade de dar muitas explicações, revela como o Distrito Federal não está muito distante da prefeitura de Portel.
 
Na vida de Alice, a decisão terá impacto direto, já que a rede de ensino em sua cidade depende do repasse federal. Além do transporte precário, a merenda de sua escola costuma acabar na segunda semana de cada mês, período em que ela passa a ser liberada duas horas mais cedo. Essas são algumas das consequências de uma escolha política feita todos os anos no Brasil. Quando se compara o gasto por aluno, somos um dos países que menos investe em educação básica no mundo.
 
O debate sobre os investimento no ensino (quantidade e modo como é gasto) é um dos poucos que pode mudar o funcionamento da equação política no longo prazo. Entre os papéis da educação, está o da formação política. Mas, nesse caso, quais seriam as lições que Alice tira nas suas aulas diárias de medo? E como essa formação vai influenciar suas escolhas quando chegar sua vez de votar?
 
A menina está na 2a série, ainda não sabe dessas coisas. Mas pressente. O medo que arrepia sua pele ao lembrar do “meninozinho” molhado, aquele que caiu no rio e depois sentou ao seu lado na aula, é eco de uma violência muito mais profunda.
 
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