Rui Martins, Berna –
Direto da Redação
Berna (Suiça) - A
Suíça não tem mais segredo bancário. É verdade mesmo? Sim, porém é uma verdade
relativa, acabou o segredo bancário para os europeus e para os estadunidenses.
Ou seja, o segredo vai continuar para os africanos, os asiáticos e para... os
brasileiros!
O governo dos EUA,
que é extremamente severo em termos de pagamento dos impostos, descobriu que os
bancos suíços, entre eles o maior banco suíço o UBS, andaram abrindo contas
secretas para cidadãos norteamericanos, permitindo-lhes burlar o fisco.
Isso graças a
vazamentos de nomes e contas gravados em Cds e vendidos por funcionários e
informáticos desses bancos à Alemanha e França, mas que acabaram indo parar nos
departamentos de impostos de outros países europeus e a onda chegou aos EUA.
O leão
norte-americano, mais voraz e mais forte, como o leão da fábula de La Fontaine,
não teve dúvidas e, em lugar de comprar Cds piratas, intimou a Suíça e os
bancos suíços para entregarem tudo na bandeja, tipo nomes dos clientes e valor
das contas. No começo, a Suíça quis rejeitar em nome de soberania e os bancos
rosnaram que isso seria um desrespeito e uma traição aos clientes, porém o
fisco norteamericano tratou a ambos como ladrões e cúmplices de evasão fiscal.
Se não obedecessem teriam multas colossais e a proibição de haver bancos suíços
nos EUA.
Os parlamentares
esbravejaram, bronquearam, mas os bancos foram enviando discretamente os nomes
de seus clientes norteamericanos. Alguns correram se autodenunciar para escapar
da prisão, porque nos EUA jamais haveria essa história da Globo Televisão,
Rádio e Jornal esquecer de pagar impostos, outros já estão com processo e risco
de perderem o que depositaram na Suíça mais uns anos de prisão.
Faz alguns dias, um
dos mais importantes diretores do UBS, o número 3 em importância, Raoul Weil
foi preso e compareceu diante do juiz como qualquer ladrãozinho de galinhas –
algemado e de pés travados. Embora soubesse estar com o nome na Interpol e ser procurado
a pedido do leão norteamericano, Raoul Weil, que deve ganhar mais de um milhão
por mês, bobeou e foi com a esposa fazer turismo na Itália, hospedando-se num
hotel de luxo, onde foi acordado de madrugada pela Polícia italiana e, depois
de um rápido processo, foi extraditado para os EUA.
Milionários alemães
e franceses, mesmo espanhóis, têm vivido pesadelos desde que vazaram suas
contas secretas para os fiscos de seus países. E os governos não brincaram – ou
se autodenunciavam, tendo multa menor, ou perderiam tudo. É aquela história dos
que tendo muito querem ainda mais. Embora nadando no luxo, comendo do bom e do
melhor, não queriam pagar imposto de renda e de fortuna, esquecendo-se que seus
países precisam dos impostos para os programas sociais e mesmo para o
desenvolvimento.
Essa história
envolve bilhões de dólares. Ninguém precisa ficar com dó dessas pessoas porque
são multimilionários.
Porém, existe para
os bancos suíços a outra possibilidade – a de continuar usando a oferta da
conta secreta para os cidadãos dos países fora da União Européia e dos EUA. E
entre os favorecidos estão os milionários brasileiros, entre eles muitos
militares da época da ditadura e quase todos nossos valentes e previdente
políticos, quem sabe até de esquerda.
Quando escrevi meu
livro Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas secretas do Maluf, havia 130
bilhões de dólares de brasileiros nos cofres suíços. Só isso 130 bilhões de
dólares. Vez ou outra, surgem na imprensa casos de brasileiros autuados na
Suíça por utilizarem dinheiro da fraude, como comissões nas concorrência de
obras públicas, mas nunca sobre brasileiros que colocaram seu capital na Suíça
em operações de evasão fiscal. Existe numerosas maneiras para se exportar o
dinheiro brasileiro para a Suíça, alguns grandes bancos estrangeiros e mesmo
nacionais se encarregam, sem o risco dos doleiros.
O caso mais
conhecido, porém se tratam de pequenas contas comparadas com as dos
privatizadores da riqueza nacional, é o do ex-governador biônico e prefeito
Paulo Maluf. Embora tenha sido a própria Suíça a delatora, até hoje o dinheiro
bloqueado não foi devolvido a São Paulo porque não se concluiu no famoso STF,
que pelo jeito só se apressou com os chamados mensaleiros. O STF teria de
condenar Maluf, na última instância, e com base nisso São Paulo poderia pedir à
Suíça o que restou por lá do dinheiro bloqueado, mas transferido a tempo para a
Ilha de Jersey.
O ano que vem, vai
fazer dez anos o bloqueio e a Suíça não terá outra solução senão a de levantar
o bloqueio e transformar o dinheiro em contas normais.
Para terminarem as
contas secretas dos brasileiros na Suíça, o governo deveria fazer como a UE e
os EUA – assinar um acordo bilateral pelo qual os impostos seriam devidos ao
Brasil seriam retirados das contas dos brasileiros ou, então, informar ao fisco
brasileiro sobre as contas dos brasileiros para os impostos serem pagos no
Brasil.
E vocês acreditam
que um dia o governo brasileiro fará isso? No mesmo livro citado, lembrei ao
fisco brasileiros que Paulo Roberto de Andrade, dono da falida empresa Boi
Gordo, tinha conta em Miami, nos EUA, que não foi incluída no total da
concordata para pagamentos dos credores e das coitadas das 30 mil pessoas que
acreditaram ou foram induzidas a acreditar nos bois gordos.
Houve alguma reação? Nenhuma, tanto que Paulo Roberto de Andrade foi mesmo absolvido penalmente e
a concordata ficou só no plano civil. Quem sabe algum dia, antes do fim do
mundo, os pobres credores irão receber 10 ou 20% do que investiram. Mas sobre a
conta na qual muitos depositaram em Miami, nem sinal e nem sindicância. Isso é
o Brasil mesmo com governo de esquerda.
Quem sabe, se muita
gente acredita em Papai Noel e mesmo em Deus, haverá neste ano de 2014 um
político, um ministro, alguém, que acione a necessidade do Brasil celebrar um
acordo bilateral com a Suíça pondo fim ao segredo bancário no estilo dos
acordos com os EUA e com a UE. Seria a maneira de se recuperar 130 bilhões de
dólares, que já devem ser muito mais.
Porém, infelizmente
todo mundo tem o rabo preso e eu sinceramente não acredito. Maluf recuperará
seus milhões, Roberto de Andrade continuará rindo dos otários que acreditaram
no boi gordo, todos saberão que os privatizadores têm conta na Suíça, mas nem
deputados e nem ministros não farão nada para isso mudar, porque é provável
que, numa quantia menor, mas quase todos já têm também sua conta secreta na
Suíça.
*Jornalista,
escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante,
foi eleito por emigrantes da Região Europa para o Conselho Provisório de
Emigrantes (2008) e Conselho de Emigrantes (CRBE) 2010-11, junto ao Itamaraty.
Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas (recuperação da nacionalidade
brasileira dos filhos de emigrantes) e Estado dos Emigrantes (emancipação
política dos emigrantes contra tutela do Itamaraty). Publicou Dinheiro Sujo da
Corrupção sobre as contas suíças secretas de Maluf. Colabora com o Expresso de
Lisboa, Correio do Brasil, Deutsche Welle, RFI e BrPress.