sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Timor-Leste: Francisco Guterres Lu Olo anuncia oficialmente candidatura às presidenciais



MSE - Lusa

Díli, 13 jan (Lusa) - O presidente da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (FRETILIN), Francisco Guterres Lu Olo, anunciou hoje oficialmente que é candidato às presidenciais de 17 março.

"Francisco Guterres Lu Olo declara que vai apresentar candidatura à Presidência da República conforme a lei e os regulamentos da Comissão Nacional de Eleições", afirmou o presidente da FRETILIN.

A FRETILIN já tinha anunciado em dezembro que iria apoiar a candidatura do presidente do partido às eleições presidenciais de março, mas Francisco Guterres Lu Olo disse que apenas a confirmaria após o anúncio da data das eleições.

O Presidente timorense, José Ramos-Horta, anunciou hoje que as eleições presidenciais se realizam a 17 de março.

"Sinto-me honrado e motivado para ser candidato à Presidência devido ao extraordinário apoio que recebi dos quadros e militantes da FRETILIN, dos meus camaradas veteranos e de cidadãos timorenses. Este apoio veio não só do meu partido como de timorenses de diferentes partidos políticos", afirmou.

Francisco Guterres Lu Olo disse também que vai suspender as suas funções como presidente da FRETILIN, que serão assumidas pelo atual secretário-geral do partido, Mari Alkatiri.

"Se for eleito Presidente da República, irei suspender durante o mandato a minha posição enquanto presidente da FRETILIN para servir o povo de Timor-Leste com total imparcialidade", salientou.

Segundo Francisco Guterres Lu Olo, a sua missão será a de reforçar a democracia e o Estado democrático, baseado no cumprimento da lei, fortalecer a soberania do povo e da nação, bem como a paz e a estabilidade.

O líder da FRETILIN garantiu também que se for eleito Presidente de Timor-Leste não vai atuar como oposição ao Governo e ao parlamento e que respeitará a independência dos tribunais.

Anunciaram já publicamente a sua candidatura às presidenciais Taur Matan Ruak, ex-chefe das Forças Armadas, o presidente do parlamento Fernando La Sama de Araújo, apoiado pelo Partido Democrático (PD), e Manuel Tilman, deputado, apoiado pelo partido KOTA (União dos Filhos Heróicos da Montanha).

O Conselho Nacional da Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), do primeiro-ministro Xanana Gusmão, anunciou recentemente que vai apoiar um candidato independente, sem especificar quem.

O atual Presidente, José Ramos-Horta, também ainda não anunciou se vai recandidatar-se ao cargo.


Timor-Leste: Eleições presidenciais a 17 de março - Ramos-Horta



MSE - Lusa

Díli, 13 jan (Lusa) -- As eleições presidenciais em Timor-Leste vão realizar-se a 17 de março, anunciou hoje em Díli o Presidente timorense, José Ramos-Horta.

"Tendo concluído todas as consultas necessárias, posso hoje anunciar que a primeira ronda das eleições presidenciais de 2012 terá lugar a 17 de março", afirmou Ramos-Horta, numa cerimónia no Palácio Nicolau Lobato, em Díli.

Se for necessária uma segunda volta das presidenciais, será realizada em abril, acrescentou o chefe de Estado timorense.

José Ramos-Horta falava numa cerimónia a que assistiram representantes dos órgãos de soberania, dos partidos políticos, corpo diplomático, Nações Unidas e sociedade civil.

Na declaração proferida, o Presidente timorense abordou a questão da segurança do ato eleitoral, considerando que a Polícia Nacional de Timor-Leste "irá cumprir as suas responsabilidades com profissionalismo e integridade".

"As F-FDTL, conforme claramente estipulado na nossa Constituição e respetivas leis, não estão autorizadas a envolver-se em matéria de ordem pública, acredito que, se for necessário, as nossas forças de defesa, com o apoio das ISF (Força Internacional de Estabilização), poderão dar resposta às questões adicionais de segurança estática e de logística, nomeadamente nas áreas remotas do nosso país", salientou Ramos-Horta.

O Presidente timorense disse também que os observadores internacionais "são todos bem-vindos, de qualquer país ou instituição" e que os meios de comunicação social internacionais "serão todos convidados a visitar" Timor-Leste em 2012 para "cobrir as eleições" e outros eventos nacionais.

Na declaração, o chefe de Estado timorense apelou também ao primeiro-ministro, Xanana Gusmão, para apoiar os meios de comunicação social nacionais.

José Ramos-Horta pediu para todos participarem "ativamente nas eleições democráticas e a contribuir para a sua correção, transparência e serenidade".

O Presidente ainda não anunciou se vai recandidatar-se às próximas eleições presidenciais.

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CPLP: GEÓRGIA PEDIU ESTATUTO DE OBSERVADOR ASSOCIADO



CFF - Lusa

Lisboa, 13 jan (Lusa) - A Geórgia quer obter o estatuto de observador associado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), tendo entregado esta semana em Lisboa o pedido formal, disse hoje à agência Lusa fonte da organização lusófona.

De acordo com a mesma fonte, o pedido da antiga república soviética, que foi entregue na terça-feira ao secretário-executivo da CPLP, Domingos Simões Pereira, será agora submetido à apreciação dos chefes de Estado e de Governo dos oito países lusófonos na próxima cimeira, agendada para o verão em Maputo, Moçambique.

Na mesma reunião, deverá ser analisado o pedido de adesão plena da Guiné Equatorial, que juntamente com o Senegal e as ilhas Maurícias têm atualmente estatuto de observadores associados.

Cabo Verde: PM orgulha-se por país ser 26.ª democracia do mundo



CLI – JSD – Lusa, com foto

Cidade da Praia, 13 jan (Lusa) - O primeiro-ministro cabo-verdiano disse hoje que Cabo Verde orgulha-se de ser a 26.ª democracia do mundo e que o "13 de janeiro" (de 1991) é um dos momentos "mais edificantes" da história do país, marcando a transição democrática.

José Maria Neves falava numa palestra promovida pelo Governo, destinada a assinalar a efeméride, que marca a realização das primeiras eleições livres pluralistas do país. Desde então que o "13 de janeiro" é celebrado com feriado e que está institucionalizado como Dia da Liberdade e da Democracia.

Lembrando que foi Aristides Pereira - Presidente de Cabo Verde no regime de partido único (1975/91), falecido em setembro de 2011 - quem escolheu a data das eleições de há 21 anos, José Maria Neves falou sobre a "partidarização" dos feriados nacionais, defendendo que a efeméride não deve ser "açambarcada nem manipulada" pelos partidos políticos.

"O grande vencedor destas primeiras eleições foi o povo cabo-verdiano, que realizou a primeira grande prova de rigor e vigor democrático. O Movimento para a Democracia (MpD), hoje na oposição, teve 62,5 por cento de votos, que garantiu 56 dos 79 assentos no Parlamento, enquanto o PAICV obteve 23 lugares", lembrou.

José Maria Neves frisou que a efeméride enquadra-se no leque das datas maiores do arquipélago, como o "matricial 05 de Julho (de 1975, dia da independência) e o nacional 20 de Janeiro" (de 1973, dia em que, em Conacri, foi assassinado Amílcar Cabral, fundador do Partido Africano da Guiné e Cabo Verde - PAICV).

"O "13 de janeiro" foi concebido em nome da liberdade e da cidadania, mas também em nome de uma sociedade mais justa, solidária e próspera", sublinhou, homenageando dirigentes, militantes e os cidadãos associados em partidos políticos pelo seu "relevante papel" no processo de afirmação das liberdades e do Estado de Direito em Cabo Verde.

Cabo Verde é o país lusófono mais democrático, tendo ultrapassado Portugal no último ano, revela o Índice da Democracia 2011, do Economist Intelligence Unit, que coloca Angola e Guiné-Bissau entre os piores.

Em dezembro último, a quarta edição do índice da revista The Economist avaliou as democracias de 165 Estados independentes e dois territórios, colocando Cabo Verde em 26.º lugar, um à frente de Portugal e o melhor dos oito países de expressão portuguesa.

O Dia da Liberdade e da Democracia foi celebrado em vários pontos do país, com palestras e atividades organizadas essencialmente pelos partidos políticos.

Na Cidade da Praia, a Câmara Municipal organizou a quarta edição da corrida da liberdade, em que participaram cerca de três mil pessoas.

Cabo Verde: "13 de janeiro" é momento "exaltante" da História do país - PR



CLI – JSD – Lusa, com foto

Cidade da Praia, 13 jan (Lusa) - O Presidente cabo-verdiano afirmou hoje que o Dia da Democracia e da Liberdade, em que se assinala em todo o país o "13 de janeiro" de 1991, constitui um "momento exaltante" da história de Cabo Verde.

"O «13 de janeiro» é um desses grandes momentos através do qual se operaram ruturas decisivas, que se traduziram em profundas alterações da vida dos cabo-verdianos e traduziu de forma emblemática a reorganização da sociedade a partir de paradigmas completamente novos", lê-se num comunicado de Jorge Carlos Fonseca alusivo à data.

Volvidos 21 anos sobre as primeiras eleições livres multipartidárias, após 15 anos de regime monopartidário, Jorge Carlos Fonseca defendeu que houve importantes progressos, com " reflexos claros" na democratização da sociedade cabo-verdiana, indicando que o sistema democrático em Cabo Verde é uma "conquista irreversível".

O chefe de Estado cabo-verdiano - ele próprio um dos obreiros da "rutura", na altura apoiando o Movimento para a Democracia (MpD, que venceria as presidenciais e legislativas) - lembrou que, a partir dessa data, "a legitimidade do exercício do poder passou a basear-se na livre expressão da vontade popular".

"A liberdade passou a ser, de facto, um valor de natureza quase transcendental, princípios que viriam a ser consagrados na Constituição da República de 1992. Por isso, legitimamente, o «13 de janeiro»" foi consagrado como a data que simboliza a liberdade e a democracia em Cabo Verde", afirmou.

O chefe de Estado apontou, porém, as fragilidades da democracia cabo-verdiana, lembrando que a 26. ª democracia a nível mundial (no índice definido em dezembro pela revista The Economist) "deve orgulhar" a população, mas desafia-a, ao mesmo tempo, equacionar os constrangimentos.

"Além das medidas institucionais necessárias ao fortalecimento do nosso sistema, como a instalação do Tribunal Constitucional e a figura do Provedor da Justiça, tornam-se necessárias intervenções que propiciem a ampla interiorização dos valores e princípios democráticos", defendeu.

Para assinalar o "13 de janeiro", associando-se ao "20 de janeiro", Dia dos Heróis Nacionais, também feriado e que assinala a morte de Amílcar Cabral, "pai" das independências de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, a Presidência cabo-verdiana deu hoje início a um conjunto de atividades culturais e políticas integradas na Semana da República.

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Brasil: País terá de reavaliar a sua política de imigração - Ministro da Defesa



FYRO - Lusa

Rio de Janeiro, 13 jan (Lusa) - O atual ministro da Defesa e ex-chefe da diplomacia brasileira, Celso Amorim, admitiu hoje que o Brasil terá de reavaliar a sua política de imigração.

"Não dá para se tornar a sexta economia do mundo impunemente. Normalmente, as pessoas saíam do Brasil, mas o país ficou melhor agora e as pessoas passaram a querer entrar no país", afirmou o ministro, citado pela Agência Brasil.

Amorim considerou que será preciso avaliar como o Brasil pretende agir perante o novo panorama, com o cuidado de manter a tradição de ajuda humanitária, mas de maneira "compatível" com as possibilidades do país.

O ministro lembrou ainda que não se tratam apenas de estrangeiros a querer entrar em território brasileiro, mas também de brasileiros que estão a regressar em busca de melhores condições de vida.

As declarações de Amorim foram feitas um dia após o Conselho Nacional de Migração, do Ministério do Trabalho, ter aprovado a resolução que prevê regularizar a entrada de haitianos no Brasil.

Pelo acordo, serão concedidos aos haitianos, em caráter excecional, vistos de trabalho sem a necessidade de comprovação prévia de vínculo laboral ou de qualificação profissional.

Será expedido um total de até 1.200 vistos deste tipo, uma média de 100 por mês, durante dois anos.

O prazo de validade da autorização será de cinco anos, ao fim dos quais o cidadão terá de comprovar que adquiriu estabilidade no país para obter a sua renovação.

O Brasil comanda a Missão de Estabilização das Nações Unidas para o Haiti (Minustah) desde 2004. As tropas foram reforçadas após o terramoto de janeiro de 2010.

Ainda segundo a Agência Brasil, Celso Amorim defendeu que o país precisa procurar "equilíbrio" nas suas ações migratórias, para garantir que estes cidadãos, que vêm em busca de melhores condições de vida, não acabem por enfrentar um cenário ainda pior na mão de 'atravessadores' (pessoas que cobram para ajudar os emigrantes a atravessar a fronteira).

Há cerca de quatro mil haitianos a viver hoje no Brasil, dos quais 1.600 já tiveram a sua situação regularizada.

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Comboio colide com camião em passagem de nível no trajecto Huambo/Benguela


Angola Press

Ganda – Duas locomotivas de um comboio, afecto a uma empresa chinesa que circulava no trajecto ferroviário Huambo/Benguela, colidiram na manhã desta sexta-feira, no município da Ganda, contra um camião que transportava 35 toneladas de cimento, sem provocar vítimas mortais.

De acordo com testemunhas, o acidente ocorreu perto da estação do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) na sede municipal da Ganda, como resultado da imprudência do condutor do veículo que tentou atravessar mesmo depois do aviso da aproximação do comboio.

A colisão provocou o descarrilamento parcial do comboio na passagem de nível, para além da destruição da cabine do veículo, que estava carregado com cimento para abastecer a província do Huambo.

O acidente envolvendo as locomotivas e o camião interrompeu o trânsito entre Benguela e Ganda durante 13 horas.

Para regularizar a circulação ferroviária e automóvel na via referida, as duas locomotivas foram já retiradas do local do embate por técnicos chineses e angolanos do CFB, estando agora a atenção voltada para a remoção da cabine e do atrelado do camião na passagem de nível.

Apavorados com o sucedido, o condutor do veículo abalroado pelas locomotivas do comboio da empresa chinesa e o seu ajudante puseram-se em fuga até ao momento.

Trata-se do primeiro acidente do género registado este ano na província de Benguela.

*Foto em Lusa

Ministro da Assistência e Reinserção Social reitera disposição de repatriar angolanos



Angola Press, com foto

Luena - O ministro da Assistência e Reinserção Social, João Baptista Kussumua, reiterou hoje, no Luena, província do Moxico, à disposição do Governo angolano em repatriar os 60 mil angolanos refugiados nos países vizinhos, cujo processo será retomado em Fevereiro próximo.

Segundo o governante, durante a primeira fase iniciada no segundo semestre de 2011 foram repatriados quatro mil angolanos, dos quais mil e 500 regressaram da República Democrática do Congo, dois mil e 400 da Zâmbia, 29 do Botsuana e seis da Namíbia.

Estes refugiados foram transportados para as suas zonas de origem, sendo Moxico, com mil e 200 pessoas, 900 para a província do Huambo, 200 para o Bié, mil e 300 para o Zaire, 300 para Kuando Kubango, 100 para Benguela, 23 para Luanda e seis para a província do Cunene.

João Kussumua explicou que neste momento decorrem os preparativos nos centros de trânsito, nomeadamente condições de alimentação, instalação dos serviços de registo gratuito, saúde, inserção das crianças nas escolas, entre outras actividades.

Lembrou que no âmbito das convenções internacionais, de acordo com os procedimentos das Nações Unidas, em Junho de 2012, a cláusula que protegia o refugiado angolano no exterior perderá a sua vigência e, por conseguinte, os que não voltarem ao país dentro deste período através do repatriamento organizado serão responsáveis pelas consequências.

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CARTA ABERTA A WILLIAM TONET




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

Meu caro Tonet. Como sabes, ao mesmo tempo que alguns ditadores (ainda poucos, é certo) começam a cair, o mundo dito (nem sempre é verdade, mas...) democrático começa a gerar outros e a aguentar alguns que ainda não passaram de bestiais a bestas.

No caso de Angola, José Eduardo dos Santos (no poder há 32 anos sem ter sido eleito) necessita de rever os seus ideais e princípios, apesar de estarem ainda de acordo com o barómetro internacional dos ditadores bons.

De facto, o governo angolano, no poder deste 1975, não tem tido vontade, embora tenha os meios, para resolver os problemas de água, luz, lixo, saúde, trabalho e educação. A juventude não tem casa, não tem educação, emprego e não tem futuro. Os trabalhadores têm salários em atraso e não conseguem obter crédito bancário.

Esses são, contudo, problemas internos que não alteram a posição de José Eduardo dos Santos no ranking dos ditadores amigos do Ocidente.

E não alteram o ranking porque coisas tão banais como casa, saúde, educação, comida, não são preocupações essenciais para os que vão a Angola e, através dela, a Cabinda, sacar a única coisa que lhes interessa e que é regra de ouro para uma boa qualificação entre os ditadores bestiais, o petróleo.

Estar 32 anos no poder, com o poder absoluto que tem nas mãos (é além de presidente da República e também líder do MPLA e chefe do Governo), faz de José Eduardo dos Santos um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, há mais tempo em exercício.

O facto de não ser caso único, nomeadamente em África, em nada abona a seu favor. Sabe todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso em Angola. Mas ninguém se preocupa com isso. Por enquanto, é óbvio.

Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível.

Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.

Com Eduardo dos Santos passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.

É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.

Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.

É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.

É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.

Bem visível na caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santos, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos fiscais.

Certamente, caro Tonet, reconheces a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.

Desde 2002, o presidente vitalício (ao que parece) de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente quase todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.

Não creio que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 32 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.

Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.

Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas como tu, caro Tonet, que não estão à venda e que por isso incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala.

Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes dos portugueses ou de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha mais alguns fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.

É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois... com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 32 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos.

Vale, ao menos, que tu e a tua equipa conseguem dar voz a quem a não tem. Eduardo dos Santos sabe que a verdade dói, mas ainda não compreendeu que – apesar disso – só ela pode curar. É verdade que Eduardo dos Santos pode fazer quase tudo o que lhe apetece. Mas, acredita meu caro Tonet, a dignidade ele não pode tirar-te. Nem o facto, que certamente o incomoda, de tu fazeres parte da História de Angola e da Lusofonia, seja quem for que a venha a escrever.

Um forte, eterno e terno abraço para ti e para todos aqueles que te ajudam a dignificar o nosso Povo, a nossa Terra.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: TRABALHAR É PRECISO. SÓ FALTA… TRABALHO!

Angola - Cabinda: Nzita Tiago pede conversações com Eduardo dos Santos




VOA, Washington – Foto FLEC

Conversações essenciais para “uma gestão sábia do conflito de Cabinda”.

O presidente do movimento separatista de Cabinda, FLEC, Nzita Henriques Tiago, apelou ao diálogo com as autoridades angolanas.

Numa mensagem de ano novo Nzita Tiago disse que vai convidar o presidente de Angola José Eduardo dos Santos a manter conversações para se resolver o diferendo de Cabinda.

Tiago disse que só através do dialogo se vai encontrar “uma gestão sábia do conflito de Cabinda”.

“Dialoguemos,” foi o seu apelo.

O dirigente da FLEC considerou “preocupante” a situação no território de Cabinda.

Nzita denunciou operações militares das tropas angolanas em Cabinda, no decurso do ano passado, que (segundo disse) foram orquestradas por uma “minoria de generais que aconselham mal o Presidente de Angola”, com a cumplicidade de “alguns filhos de Cabinda fragilizados e corruptos”.

Angola: Camponês baleado por segurança de minas de diamantes na Lunda Sul




Almeida Sonhi, Saurimo – VOA – Foto AP

Incidente marca crescente tensão entre minas e população. PRS denuncia actos de violência.

Um camponês foi atingido a tiro por elementos da segurança de uma mina de diamantes, denunciou o Secretario Provincial do PRS, Partido de Renovação Social na Lunda Sul, Tito Chimona.

O acto teria sido praticado por um dos seis elementos de uma patrulha da Segurança Privada que protege empreendimentos mineiros próximos dos rios e lavras dos cidadãos na Aldeia do Itengo a cerca de 50 km a norte da cidade de Saurimo.

O cidadao está sob tratamentos médico no hospital central de Saurimo.O incidente reflecte crescente tensão entre camponeses e propietàrios de minas que usam um sistema de segurança para impedir o garimpo ilegal.

Actos desta natureza foram muito recentemente causa de manifestaçoes públicas nas principais zonas populacionais das Lundas Norte e Sul no dia 17 de Dezembro do ano findo.

"Tirem os diamantes, poupem as vidas," gritaram os manfiestantes

*Reportagem áudio no original

Taiwan mostra que democracia e valores asiáticos não são incompatíveis




Deutsche Welle

Eleições em Taiwan, neste sábado, mostram que a democracia é compatível com o confucionismo, apesar de autocratas asiáticos afirmarem o contrário. Mas é difícil prever se o exemplo taiwanês um dia influenciará a China.

Na passagem do ano, o presidente da República Popular da China, Hu Jintao, alertou os membros do Partido Comunista para a influência ocidental sobre Pequim. "Forças internacionais hostis" estariam tentando ocidentalizar a China, escreveu Hu em artigo publicado no periódico do partido, Qiushi. Segundo ele, o Ocidente tenta influenciar cultural e ideologicamente a China. O país, advertiu o presidente, deveria atentar para os seus próprios valores.

A nítida divisão que Hu Jintao faz entre valores ocidentais e chineses lembra um debate iniciado pelo então primeiro-ministro de Cingapura, Lee Kuan Yew, na década de 1990: valores asiáticos como diligência, frugalidade, reconhecimento da autoridade e da primazia da sociedade sobre o indivíduo seriam a base do milagre econômico da Ásia Oriental.

A mensagem do chefe de governo de Cingapura era clara: os valores asiáticos seriam incompatíveis com a liberal democracia ocidental. Lee recebeu muitos elogios, particularmente da Malásia, mas também da República Popular da China, ambos sistemas autocráticos.

"Isso certamente foi uma tentativa de legitimar o próprio domínio", comentou o sinólogo Gunter Schubert, da Universidade de Tübingen, sobre o discurso em prol dos valores asiáticos de Lee. "Foi, em última análise, uma tentativa de assegurar as próprias reivindicações de poder", disse Schubert à Deutsche Welle.

Democracia estável em solo chinês

Taiwan é a prova de que um democracia estável é possível também no âmbito cultural chinês. Em meados de 1980, a antiga ditadura militar passou a se transformar gradualmente numa democracia. Em 1986, os oposicionistas fundaram o partido DPP. Um ano mais tarde, o governo nacionalista do partido Kuomitang suspendeu, após 38 anos, a lei marcial. Em 1996 foram realizadas em Taiwan as primeiras eleições presidenciais livres. Desde então, uma democracia próspera se desenvolveu no país.

Em 2000, pela primeira vez desde 1949, o Kuomitang teve de entregar o poder à oposição. Nos últimos 15 anos houve duas alternâncias de poder, e as eleições neste final de semana podem levar a uma terceira. Disputas extraparlamentares, anarquia e caos não ocorreram.

O cientista político Aurel Croissant, da Universidade de Heidelberg, disse estar convencido de que o notável processo de democratização de Taiwan também tem um impacto sobre a China continental. Isso acontece, segundo Croissant, não por influência política direta da pequena Taiwan sobre a grande República Popular da China, mas pelo intercâmbio cada vez maior entre os dois lados do Estreito de Taiwan.

"Taiwan mostra enfaticamente aos interessados no continente que democracia e cultura chinesa não são necessariamente uma contradição", disse Croissant. O desenvolvimento em Taiwan também deixa claro que a democracia em solo chinês não levaria necessariamente ao declínio do desenvolvimento econômico ou ao caos, acrescentou.

Nenhuma repetição do modelo na República Popular da China

No entanto, nada indica que a China venha a adotar o modelo taiwanês. O diretor da Sociedade Alemã de Política Externa, Eberhard Sandschneider, acredita que isso seja difícil já pela diferença de tamanho entre Taiwan e a China.

A democratização de um país que na época tinha 16 milhões de habitantes é relativamente fácil, disse o cientista político. "Quando isso tem de ser feito com um país enorme como a China, quase com dimensões continentais e com 1,3 bilhão de habitantes, isso tem outra dimensão, o que também implica mecanismos completamente diferentes", disse Sandschneider à Deutsche Welle.

Debate sobre a democracia na China continental

Mesmo que o governo chinês se oponha a reformas democráticas, entre os intelectuais do país está em curso um debate aberto e controverso sobre a democracia. Em 2008, o professor da Universidade de Pequim Yu Keping publicou o muito discutido ensaio A democracia é uma coisa boa. Nesse texto, ele descreve as vantagens do sistema democrático, mas também sublinha que a China não está disposta a copiar modelos políticos estrangeiros.

Em dezembro do ano passado, Lai Hairong, diretor do Centro Chinês de Teorias Sociais e Filosóficas Estrangeiras, publicou República Popular e democracia. Na obra, expressa a opinião de que os valores chineses são plenamente compatíveis com uma democracia liberal – e faz referência explícita ao exemplo de Taiwan.

Mesmo que o texto somente reflita a opinião pessoal de Lai e não tenha sido publicado na China, verdade é que o instituto dirigido por ele pertence ao Comitê Central do Partido Comunista Chinês!

Lai Hairong escreve que a República Popular irá gerar instituições democráticas próprias. No entanto, irá surgir uma síntese entre os valores chineses e a democracia liberal, uma síntese semelhante à de outros países da Ásia Oriental, acrescenta. Quando isso vai acontecer, Lai Hairong também não sabe prever.

Autor: Christoph Ricking (ca) - Revisão: Roselaine Wandscheer

Brasil: “TODO O ANO É ASSIM”




Nas novas enchentes, mídia identifica “culpados” de sempre: as chuvas ou os pobres. E esquece segregação urbana, o problema principal
 
Luiz Felipe Martins Candido – Outras Palavras
 
“Equilibrado num barranco incômodo, mal acabado e sujo,
porém, seu único lar, seu bem e seu refúgio.
Um cheiro horrível de esgoto no quintal,
por cima ou por baixo, se chover será fatal.
Um pedaço do inferno, aqui é onde eu estou.
Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou.
Numerou os barracos, fez uma pá de perguntas.
Logo depois esqueceram, filhos da puta!”
Racionais Mcs, O homem na estrada

“Chuvas modernas, sem trovoadas, sem igrejas em prece,
mas com as ruas igualmente transformadas em rios,
os barracos a escorregarem pelos morros;
barreiras, pedras, telheiros a soterrarem pobre gente!
Chuvas que interrompem estradas, estragam lavouras,
deixam na miséria aqueles que justamente desejariam
a boa rega do céu para a fecundidade de seus campos…”

Cecília Meireles, Chuva com lembranças
 
Todo ano é assim: na virada do calendário, temporada de chuvas. Nos últimos dias, as notícias sobre catástrofes relacionadas às chuvas têm ganhado espaço nos meios de comunicação: jornais impressos, telejornais, redes sociais, rádio, todos noticiam à exaustão os estragos causados. Evidentemente, informar sobre os acontecimentos deveria ser o papel dos meios de comunicação. Mas, o que vemos é, mais uma vez, a história contada pelas metades. E, como se sabe, meia verdade, mentira inteira. Chamam a atenção as manchetes: todas, inváriavel e reiteradamente, ressaltam os resultados das chuvas, lamentam as perdas materiais e humanas, louvam a comovente fé e persistência desse tal povo brasileiro, que toma apanha, sofre, perde tudo e não desanima. Povo especialista em levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Enfrenta uma enchente aqui, um deslizamento ali: tudo superado, ano que vem tem mais.
 
Há em toda parte um esvaziamento do conteúdo político desses eventos e a consequente naturalização dessas situações. Joga-se a responsabilidade para as chuvas, a fúria da natureza. Quase sempre, a culpa recai sobre as próprias vítimas: afinal, “foi morar na beira do barranco (ou na margem do ribeirão), queria o que?”, “a natureza, quando agredida, dá o troco”. Etc., etc., etc. Ou seja, o que se vê é a contingência do risco ser atribuída à “falta de educação” ou “falta de consciência ambiental”, já que as situações de risco são vistas como consequência inevitável da ocupação predatórias do espaço urbano pelos pobres e da falta de iniciativas na preservação do ambiente
 
O poder público, em geral nas figuras das Coordenadorias de Defesa Civil ou Corpo de Bombeiros, assume uma visão técnica, lançando mão de determinados indicadores (a composição físico-química dos solos, o grau de declividade dos terrenos etc., enfim, o que possa ser mensurado pelo saber técnico) para classificar uma situação como de risco e calcular as probabilidades de que certos eventos indesejáveis ocorram: como deslizamentos, desmoronamentos, inundações, surtos de doenças relacionadas à precariedade das condições de saneamento… A partir desse diagnóstico técnico, os representantes do poder público geralmente aconselham determinadas medidas de prevenção, reparação e mitigação, que incluem, em quase todas as situações abandono temporário ou definitivo da área.
 
Muitas vezes o saber técnico, ao tomar uma perspectiva unívoca, oprime e se impõe sobre o saber leigo através de um discurso científico e institucionalizado, relegando outras falas à clandestinidade, conferindo-lhes status de irracionalidade e ignorância. Além disso, o poder público leva a cabo algumas ações de mitigação dos danos, nos momentos mais críticos. A implementação dessas ações (necessárias, mas não apenas) e concepções exerce um poderoso efeito de naturalização e normalização das situações de risco, ocultando os mecanismos sócio-econômicos e políticos responsáveis pela construção social dessas situações.
 
A questão é tratada como um “problema ambiental”, noção vaga e inconsistente (embora essencial à ideologia do desenvolvimento sustentável). Muitas vezes, a mesma situação que se mostra problemática para determinados atores, apresenta-se como cômoda ou funcional para outros. As diferentes visões e interesses que animam os conflitos ambientais e as situações de risco não resultam de processos aleatórios. Ligam-se a desigualdades sociais objetivas. Numa sociedade capitalista, as formas de propriedade vigentes determinam a primazia da apropriação das condições naturais como condição para a produção de mercadorias com vistas à acumulação de capital. Ou seja, a “necessidade” da acumulação faz com que a espacialização da economia capitalista[1] implique necessariamente a captura das condições naturais como condições de produção de mercadorias.
 
O espaço urbano não está isento dessa apropriação. Em tempos em que a cidade é tratada ao mesmo tempo como mercadoria e empresa, há uma crescente valorização do espaço na “cidade legal”. O planejamento das cidades excludentes não contempla as classes pobres. Essas, muitas vezes, habitam áreas carentes de infra-estrutura urbana, incluindo terrenos geotecnicamente inseguros ou próximos a leitos de rios, por exemplo: “[‘a cidade ilegal’] não cabe nas categorias do planejamento moderno/funcionalista, pois mostra semelhança com as formas urbanas pré-modernas” [2]. Portanto, o Plano Diretor está desvinculado da gestão urbana, não ultrapassa a dimensão do “plano discurso”, pois não ultrapassa os limites entre teoria e prática, permanecendo assim as áreas de periferia carentes dos equipamentos urbanos de infra-estrutura. Isto, do ponto de vista da política clientelista comumente observada nas cidades brasileiras é funcional, fomentando relações políticas arcaicas, um mercado imobiliário restrito e especulativo e uma forma de aplicação arbitrária da lei, de acordo com uma relação de favor. As obras de infra-estrutura urbana propiciam e sustentam a especulação fundiária, ao invés de promover a democratização do acesso a terra para a habitação. Proprietários de terras e capitalistas das atividades de promoção imobiliária e construção constituem grupos de poder determinantes das realizações orçamentárias das cidades.
 
Há o contexto de competição interlocal a nível global: as cidades competem entre si para atraírem os olhares dos investidores. Essa nova maneira de conceber a cidade como mercadoria a ser vendida, mas que deve ser gerida como uma empresa e que, para isto, deve contar com uma forte propaganda de modo a suscitar no “citadino” um forte sentimento patriótico[3], baseia-se numa tentativa de se aplicar à realidade brasileira (mais comumente nas grandes metrópoles) um modelo de planejamento importado, com todo um histórico de ineficiência no provimento democrático dos recursos urbanos.
 
Segundo Otília Arantes, esta idéia pode ser assim resumida: “(…) coalizões de elite centradas na propriedade imobiliária e seus derivados, mais uma legião de profissionais caudatários de um amplo arco de negócios decorrentes das possibilidades econômicas dos lugares, conformam as políticas urbanas à medida que dão livre curso ao seu propósito de expandir a economia local e aumentar a riqueza” [4]. É a utilização capitalista do espaço urbano que atribui um valor à propriedade privada da terra e é o fluxo do capital que dá à propriedade da terra urbana um conteúdo econômico. Portanto, o capital promove a existência de duas ordens urbanas: “A cidade formal, das elites e das camadas médias, cidade ‘urbanizada’ onde opera o setor imobiliário formal, ou as formas de produção capitalista da moradia; e a cidade informal, ilegal, irregular, das camadas populares, a cidade ‘desurbanizada’, onde operam os mecanismos informais de acesso à terra [...] ou as formas não capitalistas de produção da moradia. A oposição entre essas duas cidades (ou essa cidade partida) se acentua pela permanência de um padrão de urbanização com baixos níveis de investimento público e com alto grau de disputa entre os grupos sociais pelo acesso a esses recursos escassos, sejam de ordem material, sejam de ordem simbólica, permitindo, além da diferenciação das condições de vida, a reafirmação da ‘distinção social’ das elites[5]. A ausência de alternativas habitacionais, programas verdadeiros de habitação para classes de baixa renda, é o fator que cria o “solo”, o substrato da dinâmica de ocupações ilegais e, digamos, indignas de terras urbanas. Os reflexos de tudo isso estão representados pelo restrito quadro de oportunidades de localização para os mais pobres. Excluídos do acesso aos bens da urbanização e distribuídos pelo espaço segundo uma lógica sistêmica de inclusão/exclusão no mercado de terras urbanas, cada vez mais as pessoas se vêem na contingência de precisarem habitar áreas de risco.
 
Há, nos últimos tempos, um recorrente sentimento de “consciência de crise”. Nesse sentido, os “problemas ambientais” são tratados como óbvios, já que são todos conhecidos (do saber técnico, do poder público, entre outros, diga-se de passagem, nunca da população ignorante). Acontece que tal caráter de obviedade perde sentido diante das diferentes percepções, pois o que se configura como um risco para uns, para outros, que não o vivenciam, por exemplo, pode não o ser. Ou ainda, conforme aponta Ermínia Maricato[6], a desigualdade urbana frente a um forte mercado imobiliário e, com isso, a existência em grande número de áreas ilegais de habitação, são vistas mesmo uma solução, servindo para valorizar os imóveis inseridos no mercado legal e cumprir um papel que deveria ser do poder público, suprindo alternativas habitacionais para as populações mais pobres.
 
As pessoas não são iguais quanto ao seu acesso a “bens” ambientais, e essa forma de desigualdade pode ser notada pela observação de fenômenos comuns do meio urbano, como a localização de moradia em terrenos “geotecnicamente inseguros”, tais como encostas. A desigualdade ambiental não existe sozinha. A ela subjaz uma série de outras desigualdades tendo as populações economicamente fragilizadas que arcar com os prejuízos do processo civilizatório moderno em diferentes escalas, como a poluição industrial, ou mesmo a má alocação de suas moradias por serem desprovidas de capacidade econômica de acesso aos terrenos dotados de infra-estrutura básica e localizados em locais seguros.
 
Os riscos e, por conseguinte, as tragédias, são construídos socialmente, isto é, obedecem a regularidades que dizem respeito à ordem social vigente. Ou seja, construção do risco é um processo social e histórico. O desastre é a expressão mais de uma convivência vulnerável entre os grupos sociais e seu meio. A vulnerabilidade é caracterizada como a possibilidade de um grupo social antecipar, sobreviver, resistir e se recuperar do impacto de uma ameaça. Consiste em uma combinação de fatores sócio-econômicos, políticos, ambientais que determinam o grau a que um evento põe em risco a vida das pessoas. O risco encontra-se localizado no domínio das desigualdades e dinâmicas de vulnerabilização: pelas desigualdades ele é engendrado e ao mesmo tempo as fomenta, formando um círculo vicioso. O que se quer ressaltar são as dinâmicas de vulnerabilização geradas a partir do poder desigual, produzindo uma mobilidade social que também compreende a questão ambiental/territorial, em escala descendente.
 
As pessoas (e isso também inclui os pobres) produzem seus territórios no dia-a-dia, mas não o fazem em condições de sua escolha, posto que há uma lógica social econômica estrutural subjacente às suas escolhas. O movimento de produção dos territórios urbanos de classes populares orienta-se pelo movimento da acumulação de capital em nível estadual e, pela operação do mercado imobiliário a nível municipal. Processo que é sempre repetido e até incentivado pelas atuação seletiva do poder público na alocação de recursos. Contrariando tais mecanismos, os habitantes dessas periferias da cidade têm que se utilizar de práticas e ações comuns que marcam a longa e vagarosa trajetória de construção das condições de urbanização dos territórios ao mesmo tempo em que desfrutam os benefícios de laços de solidariedade e de uma territorialidade peculiar, marcada pela representação do território como um lugar onde sua identidade se expressa.
 
Ao contrário do que os meios de comunicação propagam de maneira cínica – e o senso comum desinformado repercute –, as situações tidas como de risco e as tragédias resultam da operação de mecanismos objetivos produtores de desigualdades urbanas. As populações de baixa renda são compelidas, pelo mercado imobiliário e pela especulação fundiária, a habitar os terrenos mais baratos, precisamente os mais expostos aos riscos, às degradações ambientais e à carência de infra-estrutura urbana. Além disso, por mediações complexas, a operação de tais mecanismos e as ações e omissões do poder público se reforçam mutuamente, num processo de circularidade funcional que aprisiona as populações de baixa renda, que não dispõem de recursos para se mudarem para áreas ambientalmente mais saudáveis e seguras.
 
Os moradores atingidos, por sua vez, consideram o risco a partir de uma perspectiva distinta, própria, condizente com seu lugar e sua condição. Eles avaliam e manejam as situações de risco de acordo com um conhecimento prático, que se constitui ao longo da convivência com a situação. Aquilo que Bourdieu chamou de senso de realidade das classes populares. Desenvolvem saberes, “teorias” e percepções a respeito dos fenômenos que os atingem e sobre as probabilidades de que algo de trágico aconteça efetivamente. Além disso, avaliam essas probabilidades e os possíveis prejuízos em relação a um conjunto maior de outros “riscos” a que se vêem sujeitados. Assim, por exemplo, a hipótese bastante incentivada pelos agentes do poder público, de mudança para outro local mais seguro implica, na visão dos moradores, riscos ainda maiores e de consequências mais dolorosas, tais como o abandono de uma moradia que foi construída, ao longo de muitos anos, por meio de enormes sacrifícios; a perda dos benefícios materiais e afetivos decorrentes do fato de morar próximo a amigos de muitos anos e parentes; o aumento dos gastos decorrentes de um provável aluguel (e o medo de não conseguir pagá-lo e se ver na situação humilhante de ser posto na rua com a família); a diminuição das chances de obtenção de trabalho remunerado etc..
 
Orientados por essas percepções, moradores atingidos desenvolvem práticas de manejo da situação de risco, que vão desde ações de prevenção e mitigação com recursos próprios (possivelmente incorporando visões naturalizadoras e fatalistas) às reivindicações de ações do poder público e, em certos casos, à resistência ao deslocamento compulsório.
 
Se quisermos uma compreensão efetiva dos problemas, objetiva (para além do simples cálculo técnico das probabilidades envolvendo fenômenos naturais), a fim de forjar soluções eficazes para essa mazela que assola as camadas pobres da população, é necessário que se rompa com esse modelo atual de gestão do espaço urbano. Há a necessidade de soluções técnicas para os problemas. Mas, para além dessas, o problema é político. São as opções políticas dos envolvidos e os posicionamentos tomados pelo estado na figura dos governantes que definem os termos do problema: de sua existência e das soluções possíveis. Hoje, isso diz respeito à atuação seletiva do poder público na alocação de recursos, privilegiando áreas nobres da cidade e negligenciando aquelas áreas que são economicamente “menos atraentes”. É preciso forjar políticas que deem conta de oferecer alternativas de moradia para as classes mais pobres. É preciso compreender melhor o problema e os mecanismos sociais envolvidos na produção dessas situações. Do contrário, a tragédia anunciada se repetirá indefinidamente.

Notas:
[1] HARVEY, David, A produção capitalista do espaço, São Paulo:
Annablume, 2005.
[2] MARICATO, Ermínia. As Idéias Fora do Lugar e o Lugar Fora das Idéias: Planejamento Urbano no Brasil. In: ARANTES, Otília B. Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único: Desmanchando consensos. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. p. 121–187.
[3] VAINER, Carlos B. Pátria, Empresa e Mercadoria: Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, Otília B. Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único: Desmanchando consensos. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. p.75-103.
[4] ARANTES, Otília B. Fiori. Uma Estratégia Fatal: A cultura nas novas gestões urbanas. In: ARANTES, Otília B. Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único: Desmanchando consensos. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. p. 11-71.
[5] CARDOSO, 2003 apud VARGAS, Maria Auxiliadora Ramos. Construção social da moradia de risco: trajetórias de despossessão e resistência – A experiência de Juiz de Fora/MG. Dissertação (mestrado em planejamento urbano e regional): Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
[6] MARICATO, Ermínia. As Idéias Fora do Lugar e o Lugar Fora das Idéias: Planejamento Urbano no Brasil. In: ARANTES, Otília B. Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único: Desmanchando consensos. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. p. 121–187.

FAMÍLIAS HAITIANAS CHEGAM A VENDER TUDO PARA TENTAR A SORTE NO BRASIL



Deutsche Welle

Imigrantes chegam a pagar 5 mil dólares aos "coiotes" que os levam até o Brasil. Segundo representante da Organização Internacional para Migração, são os haitianos "menos pobres" que se submetem à arriscada viagem.

Desde há exatos dois anos, um dos países mais pobres do mundo vem tentando se recuperar de um terremoto devastador. Com 77% da população considerada pobre, segundo o Banco Mundial, muitos haitianos optam pela fuga.

O Brasil passou a ser um destino atraente: o governo federal prometeu regularizar a situação dos 4.100 haitianos ilegais que chegaram ao país desde 2010, mas agora as fronteiras foram fechadas. A Organização Internacional para Migração (IOM, na sigla em inglês), acompanha esse movimento migratório. Para Jean-Philippe Chauzy, representante da organização não governamental sediada em Genebra, na Suíça, são os haitianos "menos pobres" que se submetem à arriscada viagem até o Brasil.

Deutsche Welle:Dois anos depois do terremoto no Haiti, há dados sobre o número de haitianos que resolveram deixar o país? Qual é o destino desses refugiados da catástrofe?

Jean-Philippe Chauzy: Logo depois do terremoto, cerca de 200 mil cruzaram a fronteira rumo à vizinha Republica Dominicana. Eles buscavam assistência médica, oportunidades de emprego, alguns procuravam membros da família que já estavam no país. Mas a própria República Dominicana também sofre com a pobreza. E, no Haiti, as condições continuam muito difíceis dois anos depois, com pouca criação de emprego.

Mas, depois do terremoto, os haitianos passaram a buscar rotas mais arriscadas. Muitos procuraram Cuba, por exemplo. No último Natal, por exemplo, um barco que transportava 120 migrantes naufragou na costa cubana. Quinze corpos foram encontrados, e há muitos desaparecidos. Na mesma semana, haitianos foram localizados na costa das Bahamas.

As ilhas do Caribe passaram a ser um destino para os haitianos: eles embarcam em pequenos barcos e tentam chegar aos Estados Unidos. O barco acaba indo para Cuba ou Bahamas. Mas não é um número muito grande de haitianos que tentam deixar o país pelo mar.

Há um número estimado de haitianos que migraram para Cuba?

Não temos essa informação. Se compararmos com o número total de haitianos migrantes, eu diria que a maioria deles opta pela rota mais fácil e segue para a República Dominicana. É a rota menos perigosa e há uma grande comunidade de haitianos vivendo naquele país. Poucos haitianos, comparando com o total, se lançam ao mar, por várias razões.

A mais convincente delas, provavelmente, se deve ao fato de que os haitianos, antes e depois do terremoto, continuam muito pobres. E eles não têm os recursos financeiros para pagar por um barco, pagar o combustível e sair para o mar.

Então podemos dizer que os haitianos que chegam até o Brasil têm uma situação um pouco melhor? Porque, segundo relatos, eles pagam até 5 mil dólares para entrar no país com a ajuda de "coiotes".

Sim, podemos dizer isso, em partes. Os haitianos que decidem procurar trabalho no Brasil não são os mais pobres. Porque, antes de chegar ao Brasil, eles precisam pagar uma passagem para o Equador, pagar por agentes que ajudem a cruzar a fronteira por meio do Peru e da Bolívia.

O que vemos em toda parte do mundo é que os imigrantes que gastam dinheiro com esses coiotes – se eles não têm dinheiro o suficiente – vendem toda e qualquer propriedade que têm. Em alguns casos, trata-se de uma porção de terra, uma casa, ou bens. Vemos que toda a família ajuda a levantar fundos para enviar um membro nessa viagem perigosa rumo ao Brasil.

A expectativa depois é que, uma vez que essa pessoa chegue ao Brasil e encontre um emprego, ela envie dinheiro para o Haiti para ajudar a família. Depois que o terremoto aconteceu, muitos haitianos que viviam no Canadá, nos Estados Unidos e na Europa contribuíram de forma significativa ao enviar dinheiro aos afetados pela catástrofe.

O governo brasileiro estima que pelo menos 4.100 haitianos se submeteram a essa viagem arriscada rumo ao Brasil.

A razão pela qual eles estão indo é relacionada ao fato de que o Brasil, obviamente, tem uma economia forte. Há uma demanda por força de trabalho, há vários projetos de infraestrutura em andamento e outros planejados.

Esses imigrantes estão indo para o Brasil também com a imagem de que o Brasil contribui com a missão da ONU no Haiti, a Minustah. E também há um entendimento entre os haitianos de que o Brasil é um destino com grande potencial de encontrarem emprego.

Entrevista: Nádia Pontes - Revisão: Roselaine Wandscheer

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