quinta-feira, 25 de junho de 2015

PROVAS DE VIDA




1 – A União Europeia e a CELAC (“Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos”), estiveram recentemente frente a frente a fim de melhor concertar os assuntos de comum interesse para ambas as regiões.

Há um contraste gritante entre as opções sobre a mesa:

- Do lado da União Europeia adensam-se as que estão a formatar um estado de “democracia representativa”, cada vez mais referentes aos interesses das oligarquias europeias enfeudadas à aristocracia financeira mundial, detentora de processos de globalização caracterizados por uma acérrima cultura de hegemonia unipolar que inclui a opção da promoção de conflitos, tensões e guerras;

- A trilha da América Latina, CELAC incluída, está em processo de ruptura em relação aos processos típicos de “democracia representativa”, o que comporta o direccionamento da democracia para plataformas muito mais amplas, de integração, de emergência, mas também de participação popular, de luta apontada ao primado social, de aproximação a culturas que respeitam equilíbrio, justiça e solidariedade social, como de respeito pela Mãe Terra, que promove a paz (a América Latina declarou-se “zona de paz”)…

Olhos nos olhos, ainda que num nível tímido muito por culpa da União Europeia, as duas organizações sentaram-se à mesma mesa, havendo algum rescaldo público por via das mensagens que dois dos presidentes da CELAC deixaram via “Euronews”: Evo Morales e Rafael Correa.

Perante as provas de vida, não é por falta de mensagens construtivas, com todos os ensinamentos e experiências que elas comportam, que a União Europeia está “fora dos carris democráticos”!
  
2 – A mensagem do Presidente Evo Morales referiu-se ao seu país, à perspectiva de entrada da Bolívia no MERCOSUL, aos entraves dum melhor relacionamento do MERCOSUL com a União Europeia, às questões que se prendem com o tráfico internacional de droga, às estatísticas relativas ao assassinato de mulheres na Bolívia, aos problemas inerentes às migrações humanas e, por fim, à corrupção que afecta a FIFA, que ultimamente tem sido foco das atenções dos “mídia” globais.

O Presidente Evo Morales preocupou-se na transmissão das mensagens com interesse recíproco que a União Europeia precisa ouvir, com responsabilidade e coerência, até por que nada é embaraçoso para quem procura transparência em processos sustentáveis de democracia.

Eis o que ele disse em relação à migração:

"Eu não aceito a emigração. Discordo que se deva migrar porque, o mais importante para nós, é a forma como podemos construir, juntos, uma cidadania universal."

(…)
Sinto que nunca houve uma política de entendimento entre os dois continentes. Mas os tempos são outros, são tempos de mudança. Os nossos povos precisam de mudanças profundas, para o seu bem. Eu não aceito a emigração. Discordo que se deva migrar porque, o mais importante para nós, é a forma como podemos construir, juntos, uma cidadania universal. Segundo os últimos dados da Organização Internacional para as Migrações, há mais europeus a chegarem à América Latina e ao Caribe do que o inverso. Nós, latino-americanos, nunca aprovámos leis para expulsar os europeus, não construímos prisões para os mal-amados imigrantes. Mas não vemos a mesma resposta da Europa.”
  
3 – O Presidente Rafael Correa por seu turno debruçou-se sobre a situação económica no Equador e na Venezuela, assim como em relação ao “caso Assange”.

Eis os ensinamentos que transmitiu sobre as questões económicas e financeiras:

“O ano passado foi um ano difícil para a América Latina; a região cresceu 2,1% e o Equador cresceu 3,8%. A economia não petrolífera cresceu 4,3%, o que nos coloca numa posição de vantagem na região. Como o fizemos? Pois bem, conhecemos a economia, sabíamos que a chave está na protecção da nossa produção e dos postos de trabalho. Não fomos nas cantigas do salve-se quem puder e do mercado livre.

Privilegiámos a nossa produção, os nossos empregos com um programa de investimento público muito forte o que atrai investidores privados. Investimos em infra-estruturas, energia e educação.

Nós, latinos, somos peritos em crises. Passámos por elas e estamos preocupados com a Europa pois estão a cometer os mesmos erros que nós cometemos.

Falemos da Grécia, por exemplo. Falemos das condições a que o país está sujeito: pacotes do FMI, nós, latino-americanos, já por lá passámos. Todas estas medidas não servem para ultrapassar a crise, trata-se apenas de liquidar a dívida. Por um lado, eles oferecem dinheiro e fundos, por outro, impõem medidas duras: salários baixos, eliminação de subsídios, despedimentos em massa no setor público… tudo isto para ir buscar dinheiro a fim de liquidar uma dívida privada.

No fim de contas, os países endividam-se através de tratados multilaterais. Tudo isto apenas para garantir uma dívida privada. As pessoas não ganham nada. Não saem da crise. Vimos isto a repetir-se na Europa.

É a supremacia do capital sobre os seres humanos em nome do chamado liberalismo que de facto não é mais do que uma ideologia”.

Nós passámos por tudo isto. Foi a crise da dívida na América Latina nos anos oitenta.

Antes de 1976 os banqueiros não vinham à América Latina, nem mesmo de férias. Após 1976 eles começaram a chegar aos magotes e iam directamente ao ministério da economia com sacos cheios de dinheiro, subornos, oferecendo armas a ditaduras e não promovendo a democracia. Criaram a enorme dívida latino-americana e contaram com a ajuda da comunicação social. Eles diziam que era endividamento agressivo, que os projectos eram ultra lucrativos e iriam permitir o pagamento das dívidas etc… a realidade era totalmente diferente.

Graças aos choques petrolíferos, os países árabes obtiveram muito dinheiro que foram colocar nos bancos dos países desenvolvidos. O negócio dos bancos não é guardar o dinheiro mas investi-lo. Eles não sabiam o que fazer ao dinheiro e vieram investi-lo na América Latina. Eles não sabiam que os países também podiam falhar, até 1982 quando o México declarou que já não podia pagar mais a dívida. Foi então que os banqueiros chegaram à brilhante conclusão de que se tratava de uma questão de sobre endividamento, o que eles não disseram é que se tratava igualmente de um problema de excesso de empréstimos. Os bancos conheciam as condições económicas de vários países, existiam dívidas corruptas que serviam para comprar armas e perpetuar as ditaduras no poder.

Agora, poderá perguntar-me se os bancos não sabiam da situação na Grécia? Os enormes défices fiscais mascaravam outras dívidas. E agora querem responsabilizar apenas a Grécia por isso? Ao menos vamos partilhar responsabilidades. É daí que surgem as soluções.

Sou o primeiro presidente perito em economia deste país. O governo conta com uma boa equipa de peritos económicos. Somos muito cuidadosos com o nosso endividamento. A nossa constituição proíbe o endividamento para a construção de projectos sociais. Parece um paradoxo. Porquê? Porque por um lado eles pressionam-nos para pagarmos uma dívida ilegal dizendo que o país precisa de hospitais e escolas. A seguir vem o FMI e o Banco Mundial que nos oferecem dinheiro para desenvolvimento social, eles parecem sempre bem-intencionados. Os projectos sociais podem ser muito lucrativos mas mesmo assim são precisos dólares para se pagarem dívidas em dólares.

Agora só podemos endividar-nos quando os projectos geram lucros em dólares. Temos muito cuidado com o endividamento. E temos muito cuidado com o programa de investimento também e para onde vai o dinheiro. Podemos pagar dívidas mas queremos apenas projectos muito rentáveis”.
  
4 – As mensagens que ambos os Presidentes latino-americanos deixaram na Europa, não se prendem apenas às relações comuns entre a CELAC e a União Europeia, apesar dos seus focos.

Elas constituem lições universais e, no caso africano, constata-se que em relação a elas, há mesmo muito que aprender!

Foto: Intervenção do Presidente Rafael Correa durante a reunião UE-CELAC; mensagens que os europeus não querem ouvir?

A consultar: 

Moçambique 40 anos. O dia em que a palavra paz correu de boca em boca na Machava



Henrique Botequilha e Estêvão Chavisso - Lusa

As bancadas do estádio da Machava, nos arredores de Maputo, estiveram hoje, dia 25 de junho, quase repletas de pessoas no dia das celebrações dos 40 anos da independência de Moçambique, em que a palavra paz andou na boca de todos.

“Agora, Moçambique tem como principal desafio a consolidação da unidade nacional. Infelizmente, ainda há algumas diferenças entre as pessoas, mas acredito que com mais anos as coisas vão melhorar”, disse à Lusa o professor Sidónio Simão, que, em 1975, com apenas 15 anos, esteve no mesmo local a assistir à histórica proclamação de independência de Samora Machel.

Logo nas primeiras horas do dia, multidões concentraram-se às portas do estádio, entre pessoas para assistir às cerimónias e vendedores informais, numa festa que começou perto das 11:00 (10:00 em Lisboa), atrasada, como há 40 anos.

Agitando pequenas bandeiras moçambicanas, patrocinadas pela Igreja Universal do Reino de Deus, e muitas delas trajadas de vermelho, amarelo e verde, em alusão às cores da nação, os espetadores da cerimónia ouvidos pela Lusa enalteceram os progressos obtidos em 40 anos e reiteraram a necessidade da manutenção da paz, quando o país atravessa a ameaça de instabilidade política e militar provocada pela crise com a oposição da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana).

“Não queremos mais guerra e não queremos que surjam oportunistas com objetivos de nos colonizar. Que continuemos independentes”, declarou à Lusa Ilda Alberto, uma doméstica de 36 anos.

“Veja como estou vestido, estou de branco para reiterar a necessidade da paz no país. Queria que futuramente os moçambicanos pudessem andar sem problemas e que essas pessoas envolvidas nesses confrontos armados se entendessem para que os moçambicanos andem livres”, disse por seu lado Arifo Zacarias, 42 anos, comerciante.

Por oposição a um discurso todo ele orientado para a paz e unidade, incluindo o discurso do próprio Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, grande parte do espetáculo hoje oferecido na Machava foi protagonizado por eventos militares. Durante mais de meia-hora, centenas de elementos de todas as forças militares e policiais do país desfilaram à volta do estádio, em passo de ganso e depois disso as bancadas estremeceram com passagens rasantes sucessivas de caças aéreos MIG e outras aeronaves que libertavam fumaça colorida, representando as cores nacionais.

A chegada da chama da unidade nacional, que atravessou nos últimos dois meses todo o país, da província de Cabo Delgado, no norte, a Maputo, foi outro dos momentos mais marcantes da manhã. Após uma entrada triunfal na caixa aberta de uma “pick up”, saudando a assistência, o Presidente da República, Filipe Nyusi, recebeu a tocha de moçambicanos nascidos há exatamente 40 anos e acendeu uma pira instalada no ponto mais destacado do estádio, simbolizando a integridade territorial do país.

“Esta é uma data de grande alegria para o povo moçambicano. É um momento ímpar”, afirma João Raul, um alfaiate de 55 anos que, se fez ao estádio nas primeiras horas do dia levando um neto ao colo. “Espero que meu neto France Alberto comemore mais datas similares nos próximos tempos”, salientou, antes de tomar o seu lugar no estádio, onde também houve aterragens de paraquedistas com bandeiras moçambicanas e imagens dos “fundadores” Samora Machel e Eduardo Mondlane.

“O [primeiro]Presidente Samora Machel guiou-nos para a independência, mas também não podemos esquecer de Eduardo Mondlane [primeiro presidente da Frelimo]que arquitetou da nossa unidade nacional”, diz à Lusa o régulo Jorge Machava, que, à semelhança de todos os interlocutores, também sinalizou a paz como fundamental para os próximos 40 anos.

Além dos antigos chefes de Estado moçambicanos Joaquim Chissano e Armando Guebuza, membros do primeiro Governo criado em 25 de junho de 1975 e chefiado por Samora Machel, a cerimónia foi também testemunhada por vários estadistas da África austral, num contexto bem diferente de há quatro décadas, quando Moçambique nasceu ameaçado pelos “regimes segregacionistas da África do Sul e da Rodésia do Sul, atual Zimbabué.

Hoje marcaram presença na Machava os presidentes do Zimbabué, Robert Mugabe, Zâmbia, Edgar Lungu, Namíbia, Hage Geingob, Tanzânia, Jakaya Kikwete, e Malauí, Peter Mutharika. Portugal esteve representado pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete.

Foto. Milhares de pessoas estiveram presentes na cerimónia da celebração dos 40 anos de independência do país. Foto António Silva



LUSA LANÇOU SITE DIAS DA INDEPENDÊNCIA

Dias da Independência é uma iniciativa da agência Lusa para evocar as quatro décadas de autonomia política dos países que, até meados dos anos 1970, eram colónias portuguesas. Com conteúdos multimédia e interativos produzidos pela sua rede de correspondentes espalhados pelo mundo e pela sua Redação central, a Lusa procura fazer um retrato de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Ao longo dos próximos meses, cada um destes países terá, sucessivamente, destaque na página de abertura, à medida que se aproxima a data evocativa da sua respetiva independência. Em cada um desses momentos, a página do país em destaque incluirá igualmente, em acesso livre, as peças da linha da Lusa sobre esse território.

A direção de informação da Lusa – Agência de Notícias.

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Para informações comerciais: dmercado@lusa.pt

AS 6 CORDAS DA GUITARRA



Rui Peralta, Luanda

1° Corda - A (falsa) identidade

São complexos os tempos que correm perante nós. De tal forma complexos que nos deixam, muitas vezes, mergulhados numa perplexidade angustiante. Ocorrem fenómenos que parecem confirmar o Eterno  Regresso (desafiando a nossa percepção do Universo e contrariando a infinidade do espaço-tempo) como fossem produtos de um universo finito, que se repete até á exaustão.

O ópio da identidade é um  desses fenómenos das sociedades actuais. Regresso às origens, resgate de valores, etnicidade, tradição, raízes culturais sorumbáticas, que não são raízes, nem são culturais, mas apenas singelas mercadorias sujeitas á acção da oferta e da procura. Surgem estes fenómenos como reação às realidades nascentes num mundo que é  cada vez mais amplo e essa reacção comporta, também, outros fenómenos, uns induzidos pelas oligarquias dominantes, outros pela multidão excluída dos benefícios que as novas realidades produzem.

Um ponto comum a todas estas "identidades" é o facto de serem sempre sociais, colectivas, comunitárias, serem sempre etnia, povo, nação, classe, grupo, clube e nunca individuo, ou seja nenhuma é intrinsecamente humana, nenhuma tem algo que seja Eu (o principal elemento formador do Homem e o factor determinante da condição humana, o fio condutor do livre-arbítrio). A própria ética é sempre social (como se a única forma de manifestação da ética não fosse o Individuo, enquanto tal) a moral é sempre social (os "atentados" á moral são à "moral social" e nunca á moral do individuo e é curioso que, quanto muito, fala-se em "moral dos indivíduos", no plural e nunca no singular).

Ao recear o Eu, o Individuo, as "identidades" que por este pululam criam o medo de sermos, afinal, todos iguais, diferentemente iguais e igualmente diferentes. É esse medo que produz as carradas de identidades centradas nos umbigos próprios (quando se centram nos umbigos alheios geram fenómenos como a expansão territorial, o colonialismo e o imperialismo), fechadas, impenetráveis, convertendo a sociedade dos Homens em guetos sociais, habitados por diversas comunidades étnicas, com os seus espaços definidos, onde cada um está proibido de passar para o "outro lado", o "lado de lá", a "terra deles".

Fora deste contexto fica a identidade individual e o seu cosmopolitismo inato, própria do judeu errante, do tuaregue, do nómada, da transumância, da gente que circula pelo mundo, dos contadores de histórias e assimiladores de saberes e culturas que formam a pluridimensionalidade do universo. É uma luta épica travada através dos séculos contra os "profetas da identidade", os criadores de universos unidimensionais e concentracionários.

Neste conflito, que perdura desde os tempos míticos, a obsessão da pureza é confrontada com a maravilha da hibridação cultural, da mestiçagem, realidades do arco-íris...

2° Corda - A Magna Carta

800 anos. Foi assinada a 15 de Junho de 1215, em Runnymede, perto de Windsor, no Berkshire e guardada na Catedral de Lincoln, adjacente ao Castelo de Lincoln (hoje um estabelecimento prisional). A Magna Carta é um armistício que concluiu uma guerra civil que dilacerou a Inglaterra do século XIII e que opunha o poder real (o Rei João, que iniciou uma politica de expansão territorial em França, sendo essa expansão suportada pelos impostos e taxas pagas pelo povo) a uma aliança de interesses, constituída pela  nobreza, camponeses, comerciantes, artificies, banqueiros, comunidades florestais e largos sectores da Igreja, ou seja uma guerra entre o Estado e a Nação, ou entre o Estado e os cidadãos.

O texto foi redigido por Stephan Langton, arcebispo de Canterbury e o documento defende a soberania popular, revindica a abolição da pena capital, constitui a figura do "Habeas Corpus", os direitos das comunidades florestais, os direitos dos camponeses, o apoio às mulheres (por exemplo concedia às viúvas o direito aos bens da floresta, à manutenção da habitação, o direito a dispor das ferramentas e utensílios necessários à sua subsistência) e aos direitos individuais. Foi um alicerce dos actuais Estados de Direito, um percursor da Carta dos Direitos Humanos e um documento indispensável para a praxis democrática. 

Seculos mais tarde (1628) o parlamento britânico apresenta ao rei Carlos I a Petition of Right, que limitava os poderes da coroa e no qual se protesta contra as prisões arbitrárias e uso da lei marcial). Em 1689 Guilherme III é forçado a aceitar a Bill of Rights, que estabeleceu as regras a observar na sucessão dinástica e integra na ordem jurídica britânica a lista de imunidades e os direitos proclamados na Petition of Right de 1628, legitimando as suas revindicações com base na Magna Carta de 1215.

Para lá da ilha a Magna Carta está no cerne da Declaração da Independência dos USA, em 1776, na Revolução Francesa e na proclamação dos 17 artigos da I Declaração dos Direitos do Homem (um documento-base da Revolução Francesa), em 1789, na luta contra a escravatura e contra o tráfico de escravos, na criação da Liga das Nações em 1919, na Carta da ONU, em 1945 e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948.

Hoje, David Cameron, primeiro-ministro "torie", emite uns sons guturais e faz-se entender com algumas palavras onomatopaicas sobre uma "eventual reforma dos Direitos Humanos"...talvez cumprindo o sonho de Pinochet e de Pol-Pot...

3° corda - Os construtores de muros e muralhas

Cameron, ao contrário dos seus antepassados do século XII (Magna Carta) e do século XVII (Petition of Right e Bill of Rights) é um identitário, o que, no caso britânico, quer dizer que é um ilhéu assumido, daqueles que andam sempre à coca das malandrices dos preguiçosos do continente (que quando não são preguiçosos - como os francos, os vikings e os germanos - dão um "trabalho do caraças"). E os "conservatives" não hesitam em afirmar a sua identidade avançando para a fortaleza britânica que se os tipos do continente fossem espertos poderia ser um baluarte da "fortaleza europeia" uma espécie de Grande Muralha contra as hordas vindas do Médio-Oriente e da Núbia. E se a coisa fosse bem-feita juntava-se tudo até ao muro da Palestina e se o Donald Trump ganhasse as eleições nos "states", estendia-se a Grande Muralha ao Novo Mundo para travar os hispânicos e outros indígenas.

Neste sentido Cameron tem um pensamento de "skinhead", membro de uma claque de clube de bairro (aliás bem lá no fundo, num desvario freudiano, essa é a sua real identidade) que, aliás, partilha com outras figuras como Marine Le Pen, Netanyahu e Donald Trump, espíritos empreendedores que constroem muros e muralhas a baixo preço (juntar a estes personagens o Rei de Marrocos, pela construção daquele muro no Sahara e a titulo póstumo Estaline, pela construção e manutenção do muro de Berlim, podendo as credenciais serem entregues a Putin, que deve andar a magicar um muro que impeça os e as gays de circularem no sagrado território por ele administrado).

E quanto aos herdeiros da Magna Carta, David Cameron e os tories irão soterrá-los sob a muralha...e esse será com certeza o primeiro artigo da "cameroniana" reforma dos Direitos Humanos...

4° corda - A identidade racial e a identidade social

A identidade racial é um factor curioso e que pode criar algumas duplicidades. Vejamos dois exemplos: a Republica Dominicana e os USA. Na Republica Dominicana basta um negro ter um antigo descendente branco para ser "blanco". Nos USA os negros podem ter descendentes diversos em todas as gerações que são sempre negros, em termos raciais e sempre "afro" em termos socioculturais. Nem mesmo os mestiços livram-se da identidade racial negra e da identidade social e cultural africana.

O problema nos USA é que existem negros, racialmente identificados que não se consideram "afro-americanos" mas "apenas" norte-americanos, como qualquer cidadão branco dos USA. Aceitam a evidência biológica da melanina, mas não o critério de identidade social africana. O mesmo se passa com os mestiços. Podem não aceitar o epiteto "afro", porque consideram-se (e com toda a razão que os assiste) norte-americanos e não afrodescendentes (que podem não ser). Mas pode, nos USA, um branco ser afro-americano, ou seja, será que a sociedade norte-americana é verdadeiramente uma "open-society" para aceitar a prevalência da identificação social e cultural sobre a identificação racial? (Esta pergunta é válida, também, naquela parte  de Africa que é designada por África Negra  - conceito que é imposto como realidade factual, uma obra-prima do neocolonialismo, ignorando todos os factores migratórios pré-coloniais - e em sentido inverso no Magreb).

Na Republica Dominicana o "blanco" é um critério de descendência que provoca de imediato uma subida no escalão social, passando para segundo plano a identidade racial, que constitui um obstáculo à mobilidade social. Os mestiços são "blancos", os negros que ocupam determinadas posições sociais ou profissionais são "blancos", sendo negros os desempregados, os marginais e os muito pobres ou os haitianos e seus descendentes. Encontramos - se estivermos atentos - no período colonial em África, muitas mulheres negras que optaram por conceber filho de branco, porque assim o seu filho teria mais possibilidades de ter uma vida condigna (este fenómeno é ainda visível em muitos países da África pós-colonial e praticado em muitas sociedades, para permitir ter uma forma de educar o filho e dar cuidados médicos através do pai branco, ou da criança ir estudar para o pais de origem do pai).

Temos, pois, uma nova dimensão da identidade, que nunca surge no discurso identitário e que nos transporta para os mecanismos primários da aculturação, como um filtro que separa o assimilado do assimilador de culturas. O assimilado é um produto do domínio, um subserviente. O assimilador um resistente, que assimila e acultura de forma consciente, alimentado a sua resistência ao domínio...

5° corda - A "purga dominicana"

A Republica Dominicana prepara uma purga étnica. Centenas de milhares de dominicanos descendentes de haitianos (perto de meio milhão de pessoas) serão expulsos para o Haiti, às quais juntam-se cerca de 300 mil haitianos "ilegais". O governo dominicano justifica a medida dizendo que aplica uma lei de 1929 que permite desnacionalizar cidadãos dominicanos. Por sua vez o presidente haitiano Michel Martelly considerou que o governo dominicano está a cometer um "genocídio civil" e a ONU colocou o governo dominicano nas instâncias jurídicas internacionais.

Uma das mais importantes lições do Holocausto ensina que um dos indícios do fascismo é a paulatina institucionalização do  racismo e da xenofobia. A História do fascismo na Alemanha, Itália e Japão, nas décadas de 20 e 30 do século passado testemunha que um dos sintomas da decomposição da democracia é a legislação anti-migratória, a criação de obstáculos à legalização dos "ilegais" a expulsão de estrangeiros (sob a acusação, geralmente, de serem "espiões", agentes ao serviço de potências estrangeiras, ou com acusações menos elaboradas, como sejam as do desemprego, da "alteração dos costumes e valores", etc.) e a legislação que retira o direito da cidadania aos seus próprios cidadãos, por serem minorias étnicas, descendentes de estrangeiros, indígenas, etc.

Estas aberrações jurídicas, imbuídas do "espirito identitário" que caracteriza a barbárie fascista e que está por detrás de todo o totalitarismo (e da tentação totalitária que reside no Estado de Direito) foi recentemente denunciada pelo escritor peruano (e nobel da literatura) Vargas Llosa, num excelente texto sobre a Republica Dominicana, publicado na passada semana no jornal espanhol "El Pais". A extrema-direita e os grupos ultranacionalistas dominicanos responderam com um abaixo-assinado que exige a retirada dos livros de Vargas Llosa das livrarias dominicanas e a proibição de entrada do escritor na Republica Dominicana.

Purga dominicana, Fortaleza Europeia, Muralha norte-americana, muro de Israel, muro marroquino na Republica Árabe Sahari Democrática, os muros legislativos, invisíveis mas sentidos, são a expressão do terrorismo do Estado, dos mecanismos de acumulação e de reprodução de capital, de reprodução e renovação de elites oligárquicas que entram em contradição com os processos de desenvolvimento da Economia-mundo. A arena de combate não tem fronteiras, ultrapassa o conceito caduco de Estado-Nação e os mitos identitários. De um lado a submissão e a tirania, o Homem reduzido à sua condição de assimilado, do outro a inebriante sensação de estar vivo, de viver e de construir uma nova vida num mundo de liberdade e de  justiça social, do Homem projetado na sua condição de assimilador de culturas.

6° Corda - A necessária construção de uma Nova Cultura Politica

A Nova Cultura Politica só o será se avançar, se der os primeiros passos na construção de uma civilização distinta da produzida pelo capitalismo, ou seja, se ultrapassar as contradições do mundo actual e iniciar o processo de transformação social assente no fim da alienação economicista e na ruptura com a alienação do trabalho; liberta do patriarcado; que estabeleça novas relações com a natureza; que desenvolva e aprofunde a democracia; e que seja um mundo globalizado numa base e num marco que não só não reproduza a polarização, mas que acabe de vez com os processos que a originam.

As estratégias de luta têm de levar em conta quatro desafios fundamentais: 1) mercado, definindo os objectivos e os meios jurídicos, administrativos, organizativos, sociais e políticos que enquadrem o mercado e o transforme em espaço de reprodução social; 2) economia-mundo, utilizando as margens que permitem inverter a relação interior/exterior e ajustar o sistema mundial às exigências do desenvolvimento; 3) democracia, rejeitando o populismo, aprofundar os mecanismos participativos e harmonizá-los com os processos representativos e superar a aparente contradição liberdade/igualdade, fundamento da oligarquia liberal (assente noa direitos de propriedade e nas liberdades individuais) e das oligarquias socialistas-estatistas (que utilizam os direitos sociais como forma de estabelecerem o seu domínio e a sua forma de exploração do trabalho, asfixiando as liberdades individuais e sociais); 4) pluridimensionalidade, organizando a coexistência e a interação de comunidades na maior diversão possível, no quadro do mais amplo espaço político possível.

A vocação cosmopolita e internacionalista desta transformação tem, obviamente, um sentido contrário ao "culturalismo" e á "identidade", que criam uma suposta "diversidade" conducente, na prática, ao etnicismo e ao obscurantismo teocrático (por exemplo o Califado, a Ásia Resplandecente, as diversas formas xenófobas bantos fundamentadas nas supostas tradições de uma mítica era pré-colonial e refletidas no tribalismo e nos regimes neocoloniais, a extrema-direita europeia, ou a supremacia branca inerente às seitas fundamentalistas cristãs nos USA) respostas profundamente reacionárias e que, inclusive, representam um retrocesso em relação ao que o capitalismo (hoje um obstáculo ao desenvolvimento) já produziu de avanços para a Humanidade. A economia-mundo, dominada pelo modo de produção capitalista, não é apenas palco de intercâmbios comerciais, novas tecnologias e interdependências geoeconómicas, geoestratégicas e geopolíticas. É também cultura e produziu uma cultura dominante á escala mundial, a cultura capitalista e não a cultura Ocidental, historicamente cristã e europeia, dominada, também ela, pelo "modus" capitalista, ao ponto de ser o seu centro difusor.

A agonia da crucificação é a imagem da condição humana no presente e o enigmático rosto desconhecido do Profeta representa o estado actual de uma humanidade acorrentada à submissão. Desvendar, retirar os véus que escondem a realidade, retirar os pregos que aprisionam o Homem e sacudir os espinhos causadores dos sofrimentos que o atormentam, criar um mundo melhor, são históricas aspirações humanas, sempre presentes em cada novo trilho percorrido...

Fontes
Amin, S. Os desafios da globalização Ed. Dinossauro, Lisboa, 2000
 
Diaz, J. + Alvarez, Z. + Danticat, E. and Kurlansky, M. Two versions of a Dominican tale in New York Times - Archives, 2013/11/01 
New York Times 2015/06/17 
Cobb, J. Black like her http://www.newyorker.com 
Patton, S. Rachel Dolezal case leeves a campus bewildered and some schoolars disgusted http://www.chronicle.com 

EUA: PRECISAMOS FALAR DE TERRORISMO CONTRA OS NEGROS


Marina Terra, São Paulo – Opera Mundi

Ataque a igreja de Charleston na última semana é uma conduta estudada e praticada de terrorismo e perseguição aos negros desde o século XIX no país

Dylann Roof é um terrorista. E ele cometeu um dos maiores atentados contra os negros da história dos Estados Unidos, tornando-se a mais recente expressão de uma sistemática e antiga estratégia de terror e aniquilação da população negra norte-americana.

A importância de se analisar o fato como ele aconteceu, e o que o rodeia e provoca, se faz urgente conforme a narrativa branca e falsamente conciliadora começa a emergir no país. Mais do que debatermos a regularização das armas nos EUA e compararmos o abissalmente desigual tratamento dado na abordagem de negros e brancos por policiais, é preciso firmar o DNA desse ataque, chamá-lo pelo o que ele realmente é: terror. Uma conduta estudada e praticada de terrorismo e de perseguição aos negros desde o século XIX.

Dylann escreveu um manifesto eugenista, abriu um site onde colocou além do texto, fotos nas quais aparecia com a bandeira dos Estados Confederados da América -- símbolo do racismo no sul dos EUA -- e armas de alto calibre, planejou com frieza seu ataque e se dirigiu à igreja de Emanuel, em Charleston, Carolina do Sul, com uma só missão: matar negros. Chegando lá, tirou a vida de 9 pessoas. Segundo a investigação, Dylann quase não conseguiu cometer o atentado porque as pessoas foram “legais demais com ele”.

O que demonstra outro agravante. Dylann não escolheu por acaso essa igreja. Ele poderia ter ido a um bairro de maioria negra, os “guetos”, como são denominados nos EUA as diversas concentrações economicamente forçadas de população de raça negra por obra e responsabilidade do Estado. Porém, ele sabia que, na igreja, encontraria pessoas doces e indefesas, desarmadas, e que teria mais chances de sair vivo e escapar.

Um terrorista covarde, que está sendo retratado pelos meios de comunicação de massa como um “maluco” que infelizmente fugiu da jaula. Mas a leniência com a qual polícia, Justiça e meios tratam Dylann, que não é aplicada a outros criminosos, muito menos negros, e a rápida conclamação à “calma” e à “irmandade” entre os cidadãos do país, expõem uma problemática muito mais perturbadora do que a do assassinato dos 9 fiéis.

Para esses atores de poder, é preciso manter um “equilíbrio”, no qual o genocídio da população negra não pode sair à luz, ficar evidente demais, pois sabem que a explosão de uma revolta poderia ser incontrolável, conforme avisaram Ferguson e Baltimore. É preciso dominar o discurso, fazer parecer que mais uma vez um “lobo solitário” com problemas mentais decidiu descarregar em civis inocentes suas frustrações juvenis e horas de videogame violento. Além disso, “coitado”, ele cresceu cercado de lunáticos da Ku Klux Klan! A declaração do FBI (Agência Federal de Investigação) poucos dias após o ataque dizendo que não se tratava de terrorismo deixam clara a narrativa de mentira institucional escolhida.

A invisibilização do racismo e da revolta, o sequestro da dor e do ódio, nada mais tem como propósito a contenção sistemática de um medo latente na sociedade norte-americana: o da eclosão de uma rebelião negra. Conforme explica este artigo da revista Jacobin, dos EUA, desde que os negros foram libertados, os brancos desenvolveram leis e artifícios para não compartilhar a sociedade de forma igualitária. A partir do momento em que, não só essa conduta se tornou insustentável, mas também agrupações de cidadãos negros exigindo os mesmos direitos começaram a ser criadas, cresceu o “temor” entre os brancos de dividir seus espaços e decisões. A solução? Terror.

São inúmeros os atentados cometidos contra negros nos EUA, com destaque ao assassinato deMartin Luther King e Malcolm X, passando pelas centenas de enforcamentos em árvores, queima de igrejas e escolas, culminando no terror na perseguição aos Panteras Negras — com a prisão de diversos membros do grupo de resistência sob alegações de...terrorismo — e  o encarceramento em massa, em prisões que são máquinas de medo e também de lucro, como mostrou esta reportagem de Opera Mundi. O que seria terror, então?

Para entender a importância de se dar nome aos bois, basta refletir que, desde 2001, não há registros de campanhas para que se perdoem os terroristas da Al-Qaeda, ou, mais recentemente, do Estado Islâmico. Muito pelo contrário. O que se viu foi um aumento brutal da xenofobia contra árabes e muçulmanos nos EUA, na grande maioria das vezes acelerado pela atuação de meios de comunicação como a Fox News, que não fizeram qualquer esforço para separar o que é o islã dos autores de atentados. Por que com Dylann é diferente? A resposta é óbvia demais pra ser escrita.

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A UNIÃO EUROPEIA OPTA PELA ESPADA



 Martinho Júnior, Luanda

1 – O capitalismo exacerbado das últimas décadas está a esvaziar a “democracia representativa” na União Europeia

As oligarquias apossaram-se da “representatividade” em cada núcleo nacional de poder, de forma a instrumentalizar o sistema executivo e os “ensinamentos” recolhidos desse tipo de processos são“transferidos” para o “nó-cego” de Bruxelas.

O poder financeiro tornou-se vulnerável a processos especulativos, como à lavagem de dinheiro proveniente de todo o tipo de tráficos, à medida que se foi forjando a concentração do capital em poucas mãos e foram surgindo multinacionais, em alguns casos autênticos carteis.

É da “city” de Londres que se controlam todo o tipo de “offshores”.

Os “lobbies” tornaram-se omnipresentes na periferia imediata dos núcleos de poder, influenciando-os e moldando-os à conveniência dos mais poderosos, “até à medula”.

O poder legislativo é inerente à ”representatividade” e tornou-se emanação e espectro das oligarquias, conformando os estados europeus em “democracias burguesas” que excluem alternativas populares e participativas, como cada vez mais menosprezam o que é social.

Uma parte substancial das autarquias não conseguiu vencer o papel dos barões e caciques locais, reflectindo o “stato quo” de sociedades atávicas, com bastas dificuldades de abertura em relação a consensos dilatados, motivadores e que priorizem o social sobre o consumo.

O sistema judicial subsiste com motivações e rituais conservadores, reflectindo as velhas tradições que advêm do feudalismo, tornando-se uma autêntica muleta da orientação que está ser dada ao poder.

O “quarto poder”, a informação pública, foi tomado de assalto pelo capital e passou a fazer o exercício que reflecte o interesse e a conveniência das oligarquias e do espectro de instituições que actuam acima dos poderes de estado nacionais, que o transformaram em mais uma mercadoria.

O poder militar e os serviços de inteligência, que deveriam ser instrumentos do poder nacional, são transferidos por pacto anacrónico, sem qualquer recurso democrático e colocados ao serviço da aristocracia financeira global que compõe o poder dominante de 1% da população universal sobre os outros e instrumentalizados de facto na Organização do Tratado do Atlântico Norte, de forma a gerar doutrinas e ideologias adequadas, de tendência neofascista, ou mesmo neonazi e supra nacional.

2 – O quadro da União Europeia demonstra que a “democracia representativa” subsiste apenas por que serve ao domínio da aristocracia financeira mundial e das oligarquias que lhe são subsidiárias, pelo que o peso da doutrina e das ideologias da NATO condensa o essencial da orientação de recurso, moldando os conceitos ao serviço das oligarquias nacionais, tornando-os“correspondentes” e garantindo a tipologia de relacionamentos internos e externos reveladores do exacerbamento “euro-centrista” das opções.

Nesse sentido, “think tanks” elitistas como o Bilderberg, o Le Cercle, ou a Trilateral, desempenhando funções de estratégia “sublimadora”, implicadas no vértice da pirâmide construída por via do capitalismo pelo poder dominante, são “núcleos duros” que emanam até de algumas casas monárquicas europeias mais conservadoras enquanto residuais do feudalismo.

Num quadro desta natureza, não é de estranhar a polarização entre ricos e pobres, abrangendo regiões inteiras do espaço europeu.

O sul da União Europeia está subalternizado e os “PIGS” (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), sujeitos a uma depressiva austeridade de intensidade variável, quando poucas soluções se encontram para os novos membros dos 28, quase todos eles a Leste.

O primado da NATO, contra toda a expectativa democrática, tolhe os relacionamentos internacionais aos mais diversos níveis da União Europeia e até mesmo potências como a Alemanha e a França são obrigadas a avassalarem-se ao imperioso “diktat norte-americano”.

Um dos resultados é uma constante ambivalência nos procedimentos de relação com outros: os países europeus quando assumem uma linha, não se conseguem desenvencilhar do espectro doutrinário, ideológico e conceptual que é imposto via NATO.

O trabalho de constante lavagem cerebral dos europeus tem sido de tal ordem, que mesmo no exacerbamento das contradições sócio-políticas internas quase nada conduz os oprimidos que este“modelo de democracia representativa” tem engendrado, à consciência completa dos fenómenos repressivos que com a NATO têm sido desencadeados sobre as singulares sociedades nacionais.

As reivindicações públicas, quando as há, raramente se manifestam contra o papel das esferas de inteligência e militar enquanto instituições fora da democracia e eminentemente neo fascistas ou neo nazis, de tão injectadas de propaganda que estão as sociedades, por via da massiva presença dos media de conveniência, dos “vírus formatados” pela NATO.

Está a chegar-se a um empolamento com a Rússia próximo duma nova Guerra Fria, em rescaldo do “diktat norte-americano” e contra os interesses e conveniências europeias, no Árctico, no Báltico, no Mediterrâneo e no Mar Negro, como em relação à própria Rússia, enquanto na Ucrânia se levam a cabo, após o golpe de estado Euro-Maidan, medidas neo fascistas e neo nazis, com recurso até a mercenários, com uma guerra larvar, fruto dos critérios de exclusão que passaram a ser impostos. 

Assim sendo, a União Europeia está pronta à opção pela espada que caracteriza já uma nova Guerra Fria!

Grécia. SEM ACORDO, NEGOCIAÇÕES PROSSEGUEM ATÉ À DATA LIMITE




A reunião do Eurogrupo foi inconclusiva, mas as negociações com a Grécia continuam nos próximos dias. Os ministros das Finanças da zona euro voltam a encontrar-se no fim de semana, após a cimeira dos chefes de governo europeus.

À chegada à cimeira do Conselho Europeu, Alexis Tsipras disse estar confiante que as propostas entregues pela Grécia são “uma boa base para o entendimento” irão ajudar a “um compromisso que ajude a zona euro e a Grécia a ultrapassar a crise”.

“A história da Europa está cheia de desacordos, negociações e depois compromissos”, lembrou Tsipras. Quase ao mesmo tempo, a reunião do Eurogrupo chegou ao fim, após um debate inconclusivo das duas propostas em cima da mesa, apresentadas pelos credores e pela Grécia. Varoufakis afirmou que as propostas continuarão em debate nos próximos dias e que alguns ministros presentes não estavam de acordo com o documento apresentado pelo FMI, BCE e Comissão.

Na imprensa internacional são apontados vários motivos para as atuais divergências. O espanhol El País diz que é a exigência grega em restruturar a dívida que está a bloquear o acordo, com os credores a não quererem comprometer-se por escrito com promessas nesse sentido. Mas a maior parte dos jornalistas a cobrir a reuunião do Eurogrupo estão de acordo quanto aos dois principais pontos que separam as duas partes: os cortes nas pensões e o aumento do IVA.

As negociações irão decorrer nos próximos dias e têm como prazo limite o dia 30. Nessa altura acaba o prazo do atual acordo da Grécia com os credores e o das tranches de junho que o FMI repetiu esta quinta-feira querer cobrar nesse dia. Numa reunião que antecedeu a cimeira europeia, Angela Merkel disse aos governantes do Partido Popular Europeu que um acordo terá de ser fechado até à abertura dos mercados na segunda-feira.

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FILHOS DE IMIGRANTES CONQUISTAM DIREITO À NACIONALIDADE GREGA




O parlamento da Grécia aprovou o direito à nacionalidade por parte de filhos de imigrantes com frequência escolar a partir do 1º ano. A proposta do Syriza foi aprovada na generalidade com os votos do PASOK e do To Potami, a oposição da Aurora Dourada, Nova Democracia e Gregos Independentes e a abstenção do KKE.

A votação desta proposta foi separada de outras que estabeleciam as condições para a atribuição de cidadania ao fim de nove anos de escolaridade e no fim da frequência universitária, que só tiveram a oposição dos deputados neonazis.

“Optámos por seguir o caminho do maior consenso possível no parlamento”, afirmou a ministra da Imigração Tasia Christodoulopoulou, sublinhando que a proposta final não reflete a posição ideológica do Syriza e que outros países europeus têm leis mais abertas que a que foi agora aprovada.

“Para nós, a cidadania não é uma prenda, um privilégio ou um prémio, mas sim uma necessidade e uma obrigação do Estado para com as crianças que nasceram e cresceram aqui”, defendeu a ministra.

InfoGrécia

BARCELONA. TECNOLOGIA TRANSFORMARÁ PODER?




Posse de Ada Colau leva movimentos cidadãos a governar capital da Catalunha e atualiza pergunta crucial: redes horizontais, articuladas pela internet, substituirão um dia as instituições atuais?

Juliana Dias e Mónica Chiffoleau – Outras Palavras

A tarde do dia 13 de junho de 2015 ficou marcada como um acontecimento histórico para a democracia e os processos de participação social. Sob um céu azul, cortado por um sol brilhante e enormes bandeiras, cidadãos de Barcelona reuniram-se na praça Sant Jaume, no Bairro Gótico, para testemunhar e apoiar a posse da primeira mulher a assumir a prefeitura da cidade espanhola. Seu nome é Ada Colau, de 41 anos, dona de um sorriso vibrante e portadora de uma convicção inabalável a respeito de seu papel de cidadã.

Ela entrou no palácio do Ajuntamento por um corredor de aplausos e abraços calorosos de cidadãos que a apoiaram. Ada demonstrou ser uma mulher forte, que conjuga bem discrição e confiança. Sua alegria transparente evidenciou a harmonia entre elegância e simplicidade. Apesar de jovem, ela tem uma consistente trajetória de militância, que se intensificou com a crise de 2009, quando lutou para impedir a retirada de pessoas de suas casas por não conseguirem saldar a dívida da hipoteca bancária.

O clima era de esperança, solidariedade e cumplicidade. Os barceloneses encheram a rua com o som de um novo modelo de fazer política, que levou a plataforma Barcelona em Comum ao poder: “Si, se puede!” A prefeita foi celebrada e ovacionada pela população, que ocupou a praça durante as 4 horas de cerimônia. Jovens, crianças, idosos, homens e mulheres gritavam com o mesmo entusiasmo e emoção que torcem peelo time sagrado campeão da Copa dos Campeões, cada vez que Ada se pronunciava.

Sua chegada à prefeitura de Barcelona revelou a potência dos movimentos sociais para desencadear mudanças efetivas nos centros de poder. O grito da multidão traz uma mensagem poderosa e encorajadora para militantes e cidadãos em todo o mundo: é possível mudar a ordem hegemônica. As opções não são binárias e imutáveis, preto e branco. Existem outros tons, outros caminhos, outras vias, um caminho a ser construído, sem respostas prontas.

“É uma mudança de valores, não de gestores”, analisou o assessor de comunicação Antoni Gutiérrez-Rubí no jornal El Periódico de Catalunya. Segundo sua análise, o acontecimento representa a emergência de um novo ecossistema político que liberou energia democrática suficiente para alcançar a vitória nas eleições. O mérito, Gutiérrez-Rubí assevera, é triplo: o Barcelona em Comum não tem experiência de gestão; não forma parte – majoritariamente – da cultura dos partidos e do poder; e não é um partido político nem uma coalizão convencional. “Trata-se de uma confluência múltipla, cívica e política de experiências e vivências muito diversas. Estamos diante de uma novidade total”, escreveu em sua crítica publicada no dia 14 de junho. O Barcelona em Comum não se apresenta como um partido, mas como um instrumento político.

A posse de Ada é resultado de um processo coletivo de organização social. Nas palavras do psicólogo Javier Toret, ativista e membro do partido, “é a inteligência coletiva na cidade que tem permitido construir um grande movimento, herdeiro dos Indignados. Muita gente se agregou, permitindo agrupar uma noção coletiva que se expandiu por toda a cidade”, afirmou numa entrevista concedida às repórteres no meio do calor da multidão e convocou o Brasil para esta empreitada: “essa experiência servirá de referência para todo o mundo e deve ser levada para o Brasil”. Toret já esteve várias vezes no país, para apresentar as experiências da Espanha. O repórter Maurício Bernal, em matéria de capa do El Periódico da Catalunya, afirmou que o povo foi o protagonista da cerimônia de posse: “essa manifestação popular mostrou-se significativa porque é a essência do novo mandato: a rua existe, a rua fala, a rua atua. Ada Colau, de onde vens? Da rua”.

A ativista social Maria José Lecha, em sua fala no Salão de Cents, onde ocorreu a cerimônia de posse, destacou que a plena soberania é ativar e não punir a participação popular. “A ascensão de Ada é o começo da proximidade, da ruptura das políticas neoliberais”.

Um acontecimento inédito

O pensamento do filósofo francês Jaques Ellul é pertinente para iluminar a compreensão desse acontecimento inédito no cenário político internacional. Nos anos 50, Ellul sinalizava que as doutrinas democráticas tradicionais haviam se tornado obsoletas por causa da técnica. Visto como pessimista, ele descortinava um mundo material sustentado por uma base técnica, na qual a economia é considerada a ciência técnica das escolhas eficazes. A sociedade moderna seria cada vez mais dominada pela dimensão econômica, controlada pela técnica, anunciava o pensador.

Na visão do filósofo, o Estado torna-se organismo técnico, no qual as técnicas devem ser adotadas sem importar quem esteja no poder. Deve-se adotar os princípios técnicos do capitalismo. Esta análise permite explicar, em parte, o que tem ocorrido com os governos que chegam ao poder. Mesmo com promessas de mudanças estruturais, depois de assumir o mandato observa-se a continuidade das gestões anteriores. Como diz um ditado popular, é como trocar 6 por meia dúzia. Os novos gestores, impregnados por uma nova mentalidade e vontade política, ficam impossibilitados de fazer manobras mais ousadas diante do cumprimento das técnicas econômicas impostas pela primazia de uma gestão eficiente. Em primeiro lugar, devem atender os financiadores de sua campanha eleitoral.

No entanto, o imperativo da técnica é contraposto com o pensamento do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto ao afirmar que a tecnologia é patrimônio da humanidade. “O conceito de técnica mostra que este deve ser patrimônio da espécie. Sua função consiste em ligar os homens na realização das ações construtivas comuns. Constitui um bem humano que, por definição, não conhece barreiras ou direitos de propriedade, porque o único proprietário dele é a humanidade inteira”.

Ao acompanhar o processo político espanhol identificamos a apropriação da tecnologia como bem comum por meio do surgimento da Tecnopolítica. É justamente a apropriação da tecnologia como patrimônio da humanidade que tem permitido recuperar a essência da democracia. Ao invés dos engessados partidos políticos, cauterizados pelo domínio da técnica política, surge uma ferramenta política para fazer aflorar no cidadão o seu poder de reivindicar, atuar e fazer parte das tomadas de decisões de seu território. Não é apenas escolher um representante para assumir um cargo político, mas participar deliberativamente da condução dos processos políticos. A tecnopolítica usa as técnicas para trazer a verdadeira democracia, que vibrou na praça Sant Jaume, ao som emocionante e contagiante: Sim, é possível! E se é possível em Barcelona, é possível em outros lugares também. Nos juntamos à multidão captando a força e a esperança na real possibilidade de mudança no pensamento dominante e hegemônico de que as montanhas não se movem. Maria Jose Lecha sinalizou que a corrupção é a ponta do iceberg. O Barcelona em Comum conseguiu fazer uma ruptura nessa geleira.

Tecnopolítica

De acordo com o livro Tecnopolítica: a potência das multidões conectadas, a tecnopolítica é um padrão de auto-organização política na sociedade em rede. A cultura da internet e o desenvolvimento da subjetividade criam um ecossistema ideal para o desenvolvimento da inovação na vida geral e na ação política em particular. A partir daí os pensadores descrevem esses movimentos com diferentes nomes, tais como Comunidades virtuais (Rheingold), autocomunicação de massas (Castells) e inteligência coletiva (Levy). A potência das identidades coletivas na rede podem supor uma reorganização social em grande escala, aponta Toret.

A tecnopolítica é cada vez mais uma tendência da subjetividade política na sociedade em rede, é reaproximação das ferramentas e espaços digitais para construir estados de ânimo e noções comuns para empoderamento. Possibilita comportamentos coletivos nos espaços urbanos que levam a tomar assento nas decisões de assuntos comuns a todo cidadão. De acordo com o sociólogo espanhol Manuel Castells, a tecnologia, entendida como cultura material, é uma dimensão fundamental da estrutura da mudança social.

O protagonismo dos barceloneses na praça Sant Jaume revelou a esperança da mudança social. As primeiras palavras da Ada Colau foram de agradecimento para a cidadania: “Obrigada por ter feito possível o impossível”.

Outras cidades… outros países

A eleição de Ada Colau pode ser entendida como a herança dos movimentos Occupy, segundo explica Castells; são indivíduos que constituem uma rede conectando-se mentalmente com outros indivíduos. E por que são capazes de fazer essa conexão num processo de comunicação que, em última instância, leva a ação coletiva.

Essas redes negociam a diversidade de interesses e valores presente em cada uma delas para se concentrar num conjunto de objetivos comuns; essas redes se relacionam com a sociedade em geral e com muitos outros indivíduos; geram conexão que funciona em grande número de casos, estimulando indivíduos a ampliar as redes formadas na resistência à dominação e se envolver num ataque multimodal a uma ordem injusta.

Ao finalizar a entrevista com Javier Toret, ele sinalizou que esta vitória não só acontece em Barcelona, se não também em outras cidades da Espanha, como Madri, Coronha etc. Assim como aconteceu com os outros movimentos ocuppy, ele convida a fazer um processo similar em outras cidades do mundo. De acordo com o psicólogo, a mensagem da eleição da Ada Colau para o mundo é clara, a mudança pode ser possível.

As experiências que juntaram milhões de pessoas em áreas ocupadas, desafiando as normas burocráticas sobre o uso do espaço, podem evoluir numa mudança da realidade política. A tecnopolítica é real, representa a profunda capacidade política de nos organizarmos em rede mediados pelas tecnologias.

Será possível no Brasil?

Álvaro Viera Pinto afirma que “a tecnologia de origem externa serve de instrumento para a aceleração do desenvolvimento da nação retardada unicamente se for uma aquisição de livre escolha por parte de seu centro soberano de poder político”. Pelo que testemunhamos na Espanha, entendemos que é necessário primeiro mudar o centro soberano de poder, o qual deve passar primeiro pela construção de redes de contrapoder. Só assim poderíamos vislumbrar uma liberdade de escolha, como Barcelona está experimentando.

É grande a expectativa em relação à gestão dos 21 novos governos das cidades espanholas que assumiram no último dia 13 de junho. Foi vencido o primeiro passo, liberado o centro soberano de poder político. Os cidadãos estão com sua própria representação. Agora, o caminho está em definir políticas favoráveis para toda a população, vencendo o poder da técnica econômica, ao qual se referiu Ellul. O Barcelona em Comum tem a seu favor o fato de que a campanha foi financiada pelos cidadãos e não pelas grandes corporações, como de praxe. Esse foi um dos principais méritos desse instrumento político. Sim, é possível!

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