segunda-feira, 25 de junho de 2012

O (NEG)ÓCIO DOS OBSERVADORES EM ANGOLA




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

Aquilo que mais próximo estará de eleições livres e democráticas em Angola terá lugar a 31 de Agosto. Tirando a previsível confirmação de que até os mortos vão votar (no MPLA), e de haverá em algumas secções mais votos do que inscritos, tudo vai ser normal.

Aliás, a directora do Instituto Democrático para Assuntos Internacionais (NDI), em Angola, Isabel Emerson, já foi avisando que a presença de observadores estrangeiros deve obedecer critérios de ordem ética, pautando pelos princípios de imparcialidade, salvaguardando as leis e a soberania.

Isabel Emerson, que falava à Angop, explicou até que alguns organismos internacionais que se dedicam à promoção dos direitos democráticos, e que patrocinam missões de observação, elaboraram códigos de ética para os seus elementos.

Asseverou que os observadores devem manter a imparcialidade mais rigorosa no cumprimento dos seus deveres, e não devem em nenhum momento exprimir tendenciosidade ou preferência em relação às autoridades nacionais, partidos, candidatos, ou qualquer assunto que seja objecto da campanha eleitoral.

Salientou também que o interesse e a contribuição das organizações é importante para a criação de maior confiança no próprio processo, ao jogarem o seu papel com isenção e neutralidade, assim como respeitar as leis do pacote eleitoral.
Isabel Emerson referiu que a sua instituição está a trabalhar com organizações não governamentais angolanas, nas províncias da Huíla, Huambo, Benguela e Luanda, e com o Conselho das Igrejas Cristãs sedeadas no Uíge, Kwanza Sul e Benguela.

“Estamos aqui para apoiar as iniciativas das organizações angolanas neste papel de educadores cívicos eleitorais e de observadores, de forma a permitir eleições justas e transparentes no país”, disse a directora do Instituto Democrático para Assuntos Internacionais.

Só por uma questão de memória, recorde-se que a chefe da missão de observação eleitoral da União Europeia, Luiza Morgantini, esclareceu no dia 5 de Setembro de 2008 que só classificara como "desastre" as assembleias de voto que visitou e não todo o processo eleitoral das legislativas em Angola.

Se mais tivesse visitado...

Luiza Morgantini notou ainda que em Angola as pessoas pretendiam votar, "sem intimidações", por quererem "uma Angola diferente, a caminhar e pela democracia", o que considera "muito importante".

Pretendiam votar sem intimidações, disse ela. E isso, creio, é bem diferente de votarem sem intimidações. Ou não será?

Em relação ao desempenho da Polícia Nacional, que tinha então na rua 70 mil agentes para garantir a segurança do escrutínio, revelou ter informações dos partidos políticos de que a corporação estava a trabalhar com "imparcialidade".

É claro que Luiza Morgantini, para bem do MPLA, não visitou as secções de voto em que os polícias distribuíam votos e ensinavam a votar.

É claro que Luiza Morgantini, para bem do MPLA, não visitou as secções de voto em que os delegados do MPLA diziam aos eleitores que os atrasos se deveram ao facto de os angolanos não estarem todos a votar no mesmo partido.

É claro que Luiza Morgantini, para bem do MPLA, não visitou as secções de voto em que os delegados do MPLA, nas zonas afectas à Oposição, diziam que não vale a pena estar nas longas filas porque poderiam votar no dia seguintes.

Mas também é verdade que o relatório de Morgantini dizia, por exemplo, que a CNE “tomou decisões durante o período de eleições que demonstraram algum grau de parcialidade (...) sendo notória a falta de acesso dos representantes dos partidos políticos ao centro de apuramento central e a não acreditação de um número significante de observadores domésticos do maior grupo de observadores na capital”.

A Missão de Observação da União Europeia dizia ainda que “houve falta de transparência no apuramento dos resultados eleitorais, que não foi autorizada a presença de representantes dos partidos políticos nem de observadores para testemunhar a introdução dos resultados no sistema informático nacional e não foi realizado um apuramento manual em separado”, para além de “não terem sido publicados os resultados desagregados por mesa de voto e como tal não foi possível a verificação dos resultados”.

Em qualquer Estado de Direito críticas deste tipo, apesar de suaves e açucaradas, fariam com que as eleições fossem anuladas. Mas, tratando-se de um reino onde vale tudo, nada aconteceu.

Segundo o mesmo relatório, “desde o período pré-eleitoral notou-se uma manifesta superioridade financeira e organizacional do MPLA em comparação com outras forças políticas”.

O relatório dizia igualmente: “A Missão europeia assistiu a repetidos casos de abuso dos benefícios do partido no poder durante a campanha, de igual modo, também se registaram casos de uso de recursos do Estado assim como o envolvimento de autoridades tradicionais e de funcionários públicos em actividades relacionadas com a campanha a favor do partido dirigente, situações que colocaram todas as outras organizações políticas em desvantagem”.

Para a equipa de observadores da União Europeia, “o processo eleitoral revelou importantes lacunas e falta de clareza nos regulamentos que ordenam dois aspectos fundamentais no exercício do sufrágio: a utilização efectiva e obrigatória dos cadernos eleitorais em todas as mesas de voto assim como os procedimentos para o exercício, transmissão e contagem dos votos especiais. Para além disso, a falta de directrizes para o registo de angolanos residentes no estrangeiro, tal como previsto pela Lei Eleitoral, efectivamente excluiu um número significativo de cidadãos”.

Veremos agora se a Europa assume que os conceitos de democracia, transparência, legalidade e honorabilidade continuam a variar consoante os amigos…

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: DEPUTADO AMIGO DE ESPIÃO E NÃO SÓ

Timor/Eleições: Legislativas são oportunidade para mudar Governo "cheio de corrupção"



MSE - Lusa

Díli, 25 jun (Lusa) - A presidente do Partido de Unidade Nacional (PUN) de Timor-Leste, Fernanda Borges, afirmou em entrevista à agência Lusa que as eleições legislativas de 07 de julho são uma oportunidade para mudar um Governo "cheio de corrupção".

"Agora é o tempo da mudança. A alternativa tem de sair desta eleição. Nós não podemos continuar com um Governo cheio de corrupção", afirmou a deputada Fernanda Borges.

Nas eleições legislativas de 2007, o PUN obteve 4,55 por cento dos votos e conseguiu eleger 3 deputados para o parlamento nacional.

"É um Governo que não está a prestar serviços básicos ao povo para eliminar a pobreza, é um governo que não está a criar emprego porque não está a facilitar o setor privado de fora e de dentro para poder trabalhar num espírito de desenvolvimento", afirmou a ex-ministra das Finanças.

Segundo Fernanda Borges, a alternativa tem de ser realizada em 2012 e o PUN está a preparar-se para ajudar o "povo a sair da pobreza" através de um compromisso para "limpar o Estado da corrupção e facilitar o processo à justiça".

"O Estado de Direito tem de funcionar em Timor-Leste. Os direitos humanos que lutamos tantos anos para conseguir têm de ser promovidos continuamente e têm de ser respeitados em tudo o que fazemos", disse, destacando o direito à educação, saúde, habitação e água potável.

"Estas coisas formam-se nos direitos fundamentais de um povo que ainda não conseguimos", salientou.

Fernanda Borges é uma das 18 mulheres entre os 65 deputados que integram o parlamento timorense.

Questionada pela Lusa sobre o papel reservado à mulher na sociedade timorense, a deputada afirmou que há "atitudes paternalistas que precisam de ser reduzidas" e aumentar a confiança das mulheres.

"Jovens mulheres, mulheres timorenses têm muita força e é essa força de que Timor precisa para mudar", afirmou.

No programa que tem apresentado aos eleitores timorenses, o PUN defende um Governo com competência para acabar com a corrupção e a aplicação de programas de desenvolvimento para acabar com a pobreza e fomentar o crescimento económico.

"O nível e a qualidade de vida aqui em Timor é muito reduzido e não existe para as pessoas nas montanhas e é nisto que o PUN quer fazer a diferença", concluiu.

Às legislativas timorenses concorrem 21 partidos e coligações. A campanha eleitoral termina a 04 de julho.

Timor: Fernanda Borges, a primeira mulher líder de um partido com assento parlamentar



MSE - Lusa

Díli, 25 jun (Lusa) - Fernanda Borges, 43 anos, é a primeira mulher em Timor-Leste a liderar um partido político com assento no parlamento, onde também preside à comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais.

Nascida em 1969 em Díli, vivia na Austrália e trabalhava num banco, quando, em 1999, depois da realização do referendo em que os timorenses votaram pela independência, recebeu um telefonema para regressar ao país.

Licenciada em Economia e mestre na área da administração e gestão pública, as suas competências foram aproveitadas pela administração transitória das Nações Unidas de Timor-Leste, acabando por integrar o Governo de transição como ministra das Finanças.

Em 2005 funda o Partido de Unidade Nacional (PUN), tornando-se na primeira mulher timorense a liderar um partido político em Timor-Leste.

Nas eleições legislativas de 2007, o PUN consegue eleger três deputados para o parlamento, tendo nos últimos cinco anos estado na oposição política.

Em entrevista à Lusa, defendeu a "competência dos líderes" como fundamental para o desenvolvimento do país e o fim do "paternalismo" que ainda subsiste em relação às mulheres timorenses.

Para Fernanda Borges, as mulheres timorenses são essenciais a Timor-Leste, considerando-as como as "mensageiras da resistência".

"Elas tornaram-se nas mensageiras da resistência. Foram que levou a comida para as montanhas, as que correram riscos para sustentar o movimento da resistência e como consequência foram violadas, torturadas e tornadas escravas sexuais de militares indonésios", afirmou em 2010, na Cimeira Vozes Vitais na Ásia: Liderança e Treino.

Fernanda Borges defendeu ainda que as legislativas de 07 de julho são uma oportunidade para mudar um Governo "cheio de corrupção".

Além de ser deputada, Fernanda Borges representa também Timor-Leste na Organização Global dos Parlamentares contra a Corrupção (GOPAC, sigla em inglês) e é conselheira da Presidência da República para Assuntos de Defesa e Segurança.

Timor-Leste: Ministra da Justiça recorre da sentença de cinco anos de prisão



MSE - Lusa

Díli, 25 jun (Lusa) - A ministra da Justiça de Timor-Leste, Lúcia Lobato, recorreu da sentença de cinco anos de prisão decidida pelo Tribunal Distrital de Díli pela prática de um crime de participação económica em negócio, disse hoje fonte ligada ao processo.

"A ministra Lúcia Lobato interpôs recurso na sexta-feira no Tribunal Distrital de Díli", afirmou à Lusa a mesma fonte, alegando que a decisão se baseia no facto de o julgamento não ter sido isento.

No passado dia 08, o Tribunal Distrital de Díli condenou a ministra timorense da Justiça, suspensa de funções pelo parlamento timorense para poder ser julgada, a cinco anos de prisão pelo crime de participação económica em negócio.

O crime é relativo à aquisição de fardas para equipar guardas prisionais da Direção Nacional dos Serviços Prisionais e de Reinserção Social.

Na sentença proferida pelo tribunal, a ministra foi também condenada ao pagamento de 4.350 dólares.

A ministra foi absolvida de dois crimes de abuso de poder e de um crime de administração danosa.

Lúcia Lobato integra a segunda posição da lista do Partido Social-democrata (PSD) de Timor-Leste para as eleições legislativas de 07 de julho e tem estado afastada da campanha eleitoral, que termina a 04 de julho.

PAULO PORTAS: O NOVO LÍDER DO PSD?




João Lemos Esteves – Expresso, opinião, em Blogues

O Governo Passos Coelho comemorou um ano. Para assinalar o efeito, Paulo Portas e Passos Coelho realizaram uma declaração conjunta, após uma reunião alargada dos membros do Governo no Palácio da Ajuda. No geral, Paulo Portas melhor do que Passos Coelho - o que apenas comprova a enorme habilidade política do líder do CDS e a tibieza do líder do PSD e Primeiro-Ministro, Passos Coelho. Vejamos porquê:

a) Quanto à forma, surgiram os dois líderes partidários sem gravata - o que significa que concordaram em retirar a pressão solene da declaração e da própria reunião. Pretende-se transmitir a ideia de que a reunião serviu primacialmente para reforçar a coesão entre os membros governativos e não como acto solene, de definição de medidas ou das próximas grandes linhas de acção política do Governo. Por outro lado, o não uso da gravata é cada vez mais aconselhado, em certas ocasiões, pelos consultores de imagem e opinião políticos (os spinners), pois deixa os portugueses com a sensação de que os membros do Governo deitaram "mãos à obra", estão no terreno a trabalhar; e, por outro lado, permite uma identificação mais imediata e próxima entre os membros do Governo e os portugueses (ou, numa linguagem mais clássica, entre governantes e governados). Em termos de imagem política, uma outra curiosidade que a televisão permite realçar: Passos Coelho surgiu com uma camisa tradicional, branca, mais apagada; Paulo Portas apareceu com uma camisa mais exuberante, azul, televisivamente mais viva. Ou seja, em termos de imagem política, Passos Coelho apareceu como o conservador, mais morto; Paulo Portas, como o político moderno, mais dinâmico, mais jovem, mais irreverente.

b) Uma nota adicional sobre a forma do discurso: Paulo Portas discursou primeiro, terminando o seu discurso precisamente poucos minutos antes do início do jogo que opôs a Itália contra a Inglaterra, a contar para o Euro 2012. Já Passos Coelho falou aos portugueses rigorosamente enquanto decorria o jogo, coincidindo praticamente o início do seu discurso ao pontapé de saída do jogo de futebol. Ora, para quem ainda deseje ser naif ao ponto de considerar que Paulo Portas fez isto casualmente, sem intenção nenhuma, estes dados são irrelevantes. Sucede, porém, que Paulo Portas é um animal político, que domina como ninguém a comunicação política de massas, os tempos televisivos e jornalísticos - e percebeu que só tinha a ganhar se falasse primeiro. E impôs ao Primeiro-Ministro que iniciasse a conferência, ficando Passos Coelho incumbido de a encerrar. Conclusão: muitos portugueses ouviram Paulo Portas e desprezaram magistralmente Passos Coelho. Estranho é como Passos Coelho, líder do PSD, maior partido do Governo, permite que Paulo Portas, líder do partido que vale 10% dos votos, lhe enfie tamanho barrete...

c) Na forma de estruturação do discurso, julgo que Passos Coelho voltou a ser novamente demasiado escuro, demasiado lúgubre, num estilo excessivamente racional (direi pessimista?); enquanto Paulo Portas puxou pelos galões do patriotismo, num discurso mais motivacional, mais emocional. Numa frase: Passos Coelho aborrece; Paulo Portas (quase) convence.

d) Quanto ao conteúdo, quer Passos Coelho, quer Paulo Portas aproveitaram para enaltecer as medidas emblemáticas do Governo. Registou-se ou depreende-se alguma novidade no discurso de algum deles? Não. Contudo, há uma diferença significativa na abordagem que ambos fizeram à realidade portuguesa: o discurso social. Paulo Portas acolheu a necessidade de reiterar constantemente no discurso político os sacrifícios dos portugueses, apelando ao lado solidário de todos nós: os portugueses, esmagados pelas medidas de austeridade do Governo, são os verdadeiros Heróis de Portugal. Passos Coelho ignorou este aspecto social, pertencendo-lhe a frase mais infeliz da noite: "não há forma de ultrapassar a crise sem sofrimento social". Esta frase é de um mau gosto tremendo! Parece que os portugueses são o fardo - e as medidas pensadas pelos tecnocratas ultra-liberais amigos de Passos Coelho são a salvação da Humanidade! Os portugueses podem morrer - as medidas económicas da malta de Passos Coelho é que têm de vigorar a todo o custo! Dá a sensação que Passos Coelho vive noutro mundo! Noutra galáxia: parece que ficou perdido, a cirandar, na galáxia de Angela Merkel, de Sarkozy, dos tecnocratas mais radicais do FMI...mas não vive em Portugal! Pelo menos, não vive no nosso Portugal: quanto muito viverá no Portugal facilitado de José Luís Arnaut, de Miguel Relvas (que é ministro, empresário, relações públicas, ameaçador profissional de jornalistas, tudo!), de António Mexia...Devo afirmar que o que me choca mais é perceber que Paulo Portas se afirma como o líder do PSD, representante de uma linha social-cristã, própria da matriz fundacional do partido - enquanto Passos Coelho se assume como representante de um partido mais à direita economicamente do que o próprio CDS! Passos Coelho aprendeu na empresa de Ângelo Correia, onde trabalhou a vida toda, a só pensar em números em vez de pensar nas pessoas e nos problemas concretos dos portugueses! Tornou-se no político socialmente insensível que é hoje. Além disso, Paulo Portas falou no país que pretende para depois da crise, incorporando a dimensão de futuro no seu discurso; Passo Coelho limitou-se a exaltar os elogios internacionais (leia-se, da senhora Merkel) à política governativa.

Notas: Passos Coelho - 9 --- Paulo Portas - 12

Portugal - Marinho e Pinto: Reforma judiciária tem interesses privados "por detrás"



Diário de Notícias - Lusa

O bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho e Pinto, disse hoje que a reforma judiciária tem interesses privados "por detrás", tal como aconteceu na saúde, que querem lucrar com o mau funcionamento da justiça em Portugal.

Num protesto contra o fecho do tribunal de Valpaços, o bastonário avançou que a justiça não pode ser privatizada, tal como acontece com a saúde e educação, porque só o Estado Português é lícito de fazer justiça.

"A justiça é uma conquista civilizacional que tem milénios e que agora se quer destruir para criar negócios privados lucrativos", disse à agência

Neste momento, considerou, é legítimo suspeitar que existem interesses privados "por detrás" da reforma judiciária porque estão a querer criar-se centros de mediação e instituições privadas, muitas delas de legalidade duvidosa, para "beneficiar" com a proposta do novo mapa judiciário.

Esta nova proposta do Ministério da Justiça é, segundo Marinho e Pinto, um "absurdo" e uma política de "terra queimada" que estão a utilizar noutros setores.

"A justiça não é uma mercadoria que possa ser colocada no mercado segundo a lei da oferta e da procura", referiu.

O bastonário entende ser necessário poupar na justiça, mas considera que não é encerrando "cegamente" tribunais que se obtém benefícios.

Anualmente, salientou, "esbanjam-se dezenas de milhões de euros" em arrendamentos de tribunais no Porto e Lisboa, pelo que se a poupança começasse nos grandes centros urbanos era "mais fácil" pôr a justiça a funcionar melhor.

Marinho e Pinto considerou que o modelo anterior do mapa judiciário, apesar de ter muitos defeitos, era melhor do que o atual considerando que criava uma nova realidade tendo por base as especificidades da justiça.

Cada concelho do país deveria, segundo o representante da Ordem dos Advogados, ter um juiz de competência genérica.

As regiões do interior, considerou, estão a ser "altamente prejudicadas" e desprezadas pelo poder central.

Encerrar tribunais no interior é, segundo o bastonário, um convite à "justiça pelas próprias mãos".

"A justiça tem de estar em todo o território nacional, não pode só estar nos grandes centros urbanos", ressalvou.

Marinho e Pinto salientou que as reações de protesto pelo país contra o fecho de Palácios da Justiça eram esperadas e um sinal "claro" de que o país está a despertar.

Quase 40 anos após independência, Moçambique enfrenta pobreza e falta de liberdade




G. de Lima, Maputo – Opera Mundi

Governo é dominado pelo mesmo partido há 37 anos e chegada de grandes projetos aumenta contradições no país

Trinta e sete anos depois de sua declaração de independência, os moçambicanos ainda buscam o direito de ser verdadeiramente livres e exercer aquela que é uma das principais liberdades, a de expressão. Hoje, a nação que se livrou da colonização de Portugal e logo após passou por uma longa guerra civil ainda luta por seus direitos.

Nesta data, o partido que tem dominado a política local nas ultimas três décadas, a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), coloca faixa nas ruas com frases como “Mocambique livre da pobreza”. Porém, nas ruas a mensagem que circulou dentro do transporte público e nas mãos de trabalhadores foi sobre a forma com o presidente do país, Armando Guebuza, trata as riquezas da nação.

A carta diz: “Guebuza está dentro de quase todos os negócios multimilionários dos “mega-projects”, tocados pelo setor privado de Moçambique. Um exemplo é o envolvimento de Guebuza na construção da Barragem hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB) financiada pelos portugueses por 950 milhões de dólares. Deste montante, 700 milhões de dólares foram pagos por bancos privados, dos quais Guebuza recebeu uma comissão estimada entre 35 e 50 milhões de dólares”.

Segundo fontes locais, a carta foi proibida de ser divulgada nos meios de comunicação. A falta de liberdade segue como um dos principais desafios em Moçambique, o que faz boa parte da população acreditar que falta muito para a independência.

 “Os votos que a Frelimo conseguiu até hoje foram comprados. Além disso, as urnas de locais onde o partido não conseguiu comprar votos foram trocadas. Isso aqui é uma falsa democracia”, opina Eduardo Carvalho, 23 anos, fotógrafo.

Quem já esteve do lado do governo afirma que hoje não está mais porque os valores mudaram e limitaram a liberdade. “A luta inicial foi unicamente política porque o colonialismo era extremamente terrível. Havia coisas aqui que lembravam a escravidão. Existia um sistema que as pessoas eram presas sem motivo algum. Queríamos direitos iguais, uma nação melhor, porém o que temos hoje é um governo altamente corrupto que vende nosso petróleo e gás às empresas estrangeiras, e além disso, o dinheiro que entra não beneficia a nação”, explica o ex-sargento das Forças Armadas da Frelimo, Calane da Silva, 68 anos, que atualmente é professor de literatura na Universidade de Pedagogia de Moçambique.

De acordo com fontes ouvidas pelo Opera Mundi, hoje para acelerar o visto de trabalho em Moçambique o governo cobra 1.000 dólares

Em relação aos problemas sociais do país, a situação apenas se agrava. Segundo dados dos jornais locais, hoje cerca de 40% da população moçambicana tem HIV, não fala português (apenas dialetos) e possui um salário mínimo inferior a 70 doláres.

Após quase 40 anos da saída de Portugal só agora começam a ser levantados os primeiros prédios de nacionalidade moçambicana, que mesmo assim ainda são construídos por estrangeiros.“ Quando Portugal saiu dessas terras e a Frelimo ganhou o poder, foi necessário se pagar pelos favores de quem ajudou a combater os , e com isso, o país voltou a ficar sem dinheiro. Após isso, veio o Apartheid da Africa do Sul onde Moçambique teve que entrar em ação novamente e ajudar com armamento e soldados. Isso levou o país a falência”, explica o ex-combatente.

Oposição

Hoje quem canta a liberdade ainda é o músico e compositor Edson da Luz, 28 anos, mais conhecido como Azagaia, atualmente considerado o maior opositor do governo moçambicano. Com a música “Geração”, Azagaia fez duras críticas ao governo e ganhou a atenção da população.

“Estamos vivendo uma ditadura do capital, onde o dinheiro do governo está presente em todos os aspectos da vida dos moradores até no emprego que ele possui. Para se ter uma ideia, hoje um empregado quando é registrado em um empresa para trabalhar automaticamente é obrigado a descontar um valor do salário para contribuir com a Frelimo. O cidadão não tem o direito de escolher se deseja ou não fazer isso”, explica Azagaia.

Quando questionado se acredita em uma nova realidade para o país, Azagaia mostra otimismo: “Sim. É possível, pois hoje a minha geração que vem do pós-guerra se reúne e fala sobre política e quando os que estão no poder caírem será essa geração, que hoje tem 30 anos, que irá comandar este país e realizar a democracia”, disse.

Conflito armado

Porém, o músico vê um levante armado como a única forma de tirar a Frelimo do poder, o que pode ocorrer em um médio prazo, em sua opinião. “Existem muitas questões que podem fazer com que uma guerra civil seja desencadeada no país como: o custo do alimentos, o preço do transporte público e a briga pelo gás e petróleo que o governo continua a distribuir para as multinacionais sem que isso traga nenhum benefício para o povo”, explica o cantor.

Nos últimos três anos, Moçambique enfrentou greves gerais consecutivas que duraram em média uma semana. Nessas ocasiões, supermercados foram saqueados, pessoas foram proibidas de transitar nas ruas e a polícia usou força bruta contra os grevistas, que reivindicavam preços a alta dos preços de alimentos e transporte público.

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GOVERNO MOÇAMBICANO NÃO DÁ A DEVIDA ATENÇÃO ÀS ÁREAS SOCIAIS




Uma avaliação sobre o uso do dinheiro do Orçamento de Estado em Moçambique foi feita por algumas ONGs locais e a UNICEF. Eles constaram algumas coisas positivas, mas também muitas outras negativas.

A UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, em parceria com a FDC, Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade, o ROSC, Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança e o MASC, Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil, mais uma vez uniram-se numa ação de monitoria ao uso do dinheiro público nos setores sociais.

Eles interessam-se pela forma como o governo faz a priorização de políticas e recursos. O seu trabalho tem como objetivo simplificar a informação do Orçamento de Estado, que não é compreendida pela maioria da população.

De acordo com Marta Cumbi da FDC o grupo concluiu que as áreas sociais não estão a merecer a devida atenção. Ainda há muitas crianças sem acesso à educação, por exemplo os gastos na educação não estão de acordo com o número de alunos nas escolas. Por isso Cumbi apela para uma melhor distribuição dos recursos: "Sabemos que os recursos são escassos, mas os que existem devem ser alocados às necessidades básicas das pessoas."

Passo a frente, passos a trás

Por exemplo, a província da Zambézia é a mais prejudicada, o montante que é disponibilizado a ela é insignificante se comparado com as necessidades que tem. Esta província regista a maior taxa de natalidade do país, o maior número de crianças no ensino primário, e só recebe o menor orçamento de educação por estudante e habitante em termos de sáude.

Este grupo de ONGs informa ainda que a alocação dos recursos ao setor da saúde, de há cerca de dois anos até hoje, é regressiva. Só 2% do Orçamento de Estado é destinado a ele. Mas de uma forma geral a tendência para todos os setores é de melhorias. Mas o grupo considera que há ainda desafios a serem ultrapassados.

Albino Francisco, coordenador da ROSC, diz que, apesar de tudo o setor da educação é o mais privilegiado pelo governo na alocação de recursos. Mas há muitos desafios sob o ponto de vista da execução. Na componente de investimentos o governo tem tido um fraco desempenho ao longo dos últimos anos.

Como reagir a diminuição da ajuda externa?

O setor da ação social é o mais critico de todos. Mas outro setor chave problemático é o da água, que ainda depende na sua grande de financiamento externo. Albino Francisco explica que "cerca de 80% do dinheiro destinado a ele provem de fundos externos. Como o governo está a preparar-se para uma eventual redução de apoio a este setor?"

O grupo constatou que há uma tendência de diminuição de ajuda externa, mas por outro lado aumenta a capacidade interna de gerar recursos financeiros. Por isso Marta Cumbi exige uma atitude do governo: "É aí onde o governo pode tomar uma decisão de acordo com as necessidades das pessoas nas diferentes partes do país."

Outra observação das ONGs é que a maioria das verbas é destinada a salários ou outras áreas não muito claras. Elas criticaram ainda os gastos em subsídios do Estado moçambicano, por beneficiarem mais os privilegiados, enquanto a população mais pobre continua a receber apoios públicos insuficientes.

Autora: Nádia Issufo - Edição: António Rocha

O PURISMO E O VERDADEIRO MALUF




Gilson Caroni Filho - do Rio de Janeiro – Correio do Brasil, opinião

Ao firmar acordo com o deputado federal Paulo Maluf (PP), deixando-se fotografar com seu adversário histórico, o ex-presidente Lula produziu a perplexidade que dominou, no primeiro momento, setores do próprio campo progressista. O debate que se seguiu foi – e é da maior seriedade – e da maior gravidade.

O purismo tem que despertar da frívola ciranda para a dura realidade do mundo adulto, do universo das relações reais entre pessoas e partidos. O erro maior de quase todos os revolucionários brasileiros , do século XIX em diante, foi não apenas ter frequentemente cometido equívocos nas análises das condições objetivas, mas também no exame da condição subjetiva fundamental, que é o alheamento político a que um modelo de exploração desigual submeteu nosso povo. A exclusão de processos decisórios torna-o cético diante do que não sabe, enquanto a classe dominante dá o exemplo com sua atitude invariavelmente cínica.

Analistas políticos que não percebem bem o que acontece por um misto de má-fé e preguiça mental – resultante da partidarização da imprensa e da academia – pontificaram sobre a logística comandada por Lula. E, triste, foram endossados por setores que se apresentam como a ” esquerda autêntica”. O papel de um operador político do quilate do ex-presidente é semelhante ao do regente de uma orquestra. Não faz a música, mas dá o compasso, define a harmonia do conjunto e tira de cada instrumento o som mais adequado.

Não pode ser confundido com alguém ocupado em arranjos paroquiais para colocar seu candidato em uma posição mais confortável. Não deve ser tratado como bufão que faz parte do espetáculo, mas não é bem-visto na peça. Não lhe faz justiça a roupagem de um Moisés a quem cabia levar seu povo à terra prometida, mas terminou por preferir ser adorador de um bezerro de ouro.

Não houve vacilações ou atitudes opacas, mas perfeito tino da logística requerida pela dinâmica política. A estratégia era clara demais para comportar tergiversações: aliança com ex-prefeita Erundina e o PSB, à esquerda, para garantir o apoio dos socialistas e neutralizar os descontentamentos do grupo ligado à senadora Marta Suplicy. Aliança com Maluf, à direita, para neutralizar parte do PSD de Kassab. Um tabuleiro sobre o qual havia que se debruçar meticulosamente, sem pruridos de uma ética de algibeira.

Esses apoios levariam o candidato do PT ao segundo turno até por que o partido tem históricos 30% dos votos na capital e, à exemplo de Dilma, a rejeição do Fernando Haddad é muito pequena em São Paulo. Para isso seria necessária a manutenção das candidaturas de Russomano e de Netinho, até então provável candidato do PC do B no primeiro turno. No segundo turno, ainda teríamos agregado o apoio de Chalita, do PMDB. Apenas assim se conseguiria derrotar a máquina eleitoral do Estado e do município de São Paulo pró- Serra, que tem cerca de 30% de rejeição dos eleitores na capital.

Pelo visto , faltou combinar com uma geração que gosta do suicídio político para expirar culpas sociais. Faltou dizer que o Maluf atual, aquele que merece combate, aquele que é conhecido pelas falcatruas e pelos métodos fascistas de lidar com adversários e movimentos sociais, atende por outro nome: José Serra. Será preciso desenhar?

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.

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Despreparo da polícia deixa maioria dos crimes sem solução e aumenta insegurança




Correio do Brasil, com Rede Brasil Atual – de São Paulo

Aos 30 anos, Humberto Ramos é o que chamam de linha de frente da polícia civil paulista. Escrivão, trabalha no plantão policial com a arma na cintura no 49º Distrito, em São Mateus, o mais movimentado de São Paulo, e quiçá do Brasil. Desde janeiro até maio foram registradas nove mil ocorrências. Ali Humberto passa até mesmo as suas férias.

- Vim para ajudar, tem muito serviço – explicou. Naquele dia também estava ali para dar uma entrevista sobre o livro que está lançando, “Dê um novo poder ao policial”, o primeiro escrito por um policial brasileiro sobre neurolinguística, neurociências e as técnicas de Reid, processo desenvolvido pelo policial de Nova York, John Reid, que integra entrevista e interrogatório. É aí que o escrivão quer colocar o dedo. “A polícia não precisa usar a força desnecessária, basta usar o poder de persuasão. O verdadeiro poder policial está na habilidade de conquistar e influenciar pessoas”, diz ele, que garante querer ser escritor e palestrante “para melhorar a polícia brasileira”.

Não é uma tarefa fácil. Segundo diagnóstico da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), traçada pelo Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça e Ministério da Justiça com o objetivo de reduzir a impunidade dos crimes de homicídio no país, o treinamento técnico da polícia deve ser prioridade para melhorar a segurança pública. A Enasp realizou um mutirão nacional com as policiais estaduais para levantar os inquéritos de homicídios não solucionados até 2007 – 135 mil – e conseguiu denunciar suspeitos em 19% dos casos. A porcentagem parece pequena, mas é grande quando comparada à média nacional de elucidação de homicídios: de 5 a 8%. Os mais de 90% restantes ficam sem solução.

São 50 mil homicídios por ano no país, o maior do mundo em termos absolutos, segundo relatório da ONU de 2011, que colocou o Brasil no 3º lugar em violência na América Latina, e 26o do mundo. Desses, apenas 4 mil por ano têm seus autores presos, segundo estimativa de Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da pesquisa Mapas da Violência.

CSI brasileiro

A fragilidade das investigações policiais é regra do norte ao sul do país. Em Alagoas, o grupo de trabalho do Enasp descobriu o sumiço de mil dos 4.180 inquéritos instaurados entre 1990 e 2007 para apurar homicídios dolosos. No Rio Grande do Sul, o Relatório de Controle Externo da Atividade Policial, encaminhado à cúpula da Secretaria de Segurança Pública, constatou que delitos com “repercussão na imprensa” têm preferência nas delegacias da grande Porto Alegre, enquanto os demais permanecem parados. Em 2008, apenas 16% dos inquéritos tornavam-se processos judiciais em Porto Alegre. O restante era devolvido ou arquivado pelo Ministério Público por insuficiência de provas técnicas para denunciar os réus.

E por que o Ministério Público devolve e arquiva tantos inquéritos? Porque em muitos casos as investigações são insuficientes ou incompletas, diz a promotora de Justiça da área criminal e professora doutora em Ciências Penais, Ana Luiza Almeida Ferro. Ela explica que o Ministério Público só pode apresentar denúncia para o juiz – abrindo assim um processo judicial – se houver suporte “testemunhal, pericial ou documental” que mostre que houve um crime e indícios que apontam para o suspeito. Senão, o processo será rejeitado pelo juiz.

Em sua rotina de promotora, Ana Luiza raramente encontra inquéritos consistentes: “Enfrento esta realidade cotidianamente. Em expressiva parte dos casos, o inquérito chega incompleto, deficiente, sem provas suficientes para a formulação da denúncia e a fundamentação de uma futura condenação. Então o Ministério Público não tem outra escolha que não se manifestar pela devolução do inquérito à polícia para o cumprimento dessas necessárias diligências complementares. O Judiciário, de sua parte, nada pode fazer sem a denúncia. Se os inquéritos fossem mais fundamentados, menos incompletos, haveria maior rapidez”, diz.

O vai-e-vem de inquéritos entre Ministério Público e polícia acaba facilitando a vida dos autores dos assassinatos. “A prescrição lhes favorece. Fica mais difícil localizar testemunhas. Vestígios se apagam. Provas esmaecem. Por outro lado, denunciar sem dispor de provas suficientes para tal e, sobretudo, para alicerçar uma futura condenação também interessa aos criminosos e àqueles que torcem pela impunidade”, reconhece Ana Luiza, para quem “a Justiça tardia e, pior, a impunidade são negações da democracia”.

O sociólogo Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acredita que a divisão de funções entre Ministério Público e polícia civil entre investigação (feita pela polícia civil), e a denúncia (a cargo do MP, que é o titular da ação penal) é o principal problema: “É o chamado pingue-pongue, o vai e vem entre o delegado e o MP, um modo de o inquérito não ficar em lugar nenhum até que, passados meses e, em vários casos anos, ele venha a ser arquivado”.

Segundo a Constituição, a investigação também é atribuição do MP. “Apenas no Brasil encontramos uma solução ambivalente na persecução criminal”, diz Misse. Em qualquer outro país, diz, a fase destinada a apurar se houve crime e a identificar o autor pode ser exclusiva da polícia ou do Ministério Público. Ou seja, o Ministério Público pode investigar e apresentar a denúncia e não apenas encampar o inquérito policial ou devolver ao delegado.

A promotora Ana Luiza acredita que reforçar a capacidade de investigação da polícia também ajudaria a reduzir o “pingue-pongue” que favorece a impunidade: “Uma deficiência crônica, por exemplo, está na parte pericial, nos casos em que tal prova é exigida. E há casos complexos, particularmente aqueles que envolvem crimes do colarinho branco e de lavagem de dinheiro, além de atividades do crime organizado”, pondera.

“Não podemos viver numa tragédia e achar normal”

Apesar da ineficiência do sistema, os gastos do país em segurança atingem R$ 60 bilhões por ano. “Em relação ao PIB gastamos mais que a França e estamos no mesmo patamar da Alemanha”, compara Renato Sérgio de Lima, secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.“Só que o serviço é muito pior”, constata.

Renato, como a maioria dos especialistas ouvidos pela Pública, acredita que é preciso pensar em um novo modelo de segurança pública no Brasil. Porque este que está aí “é caro e ineficiente, com altas taxas de violência”, diz. O maior problema, diz, é que “a polícia que temos não está voltada para o cidadão, está preparada para defender os interesses do Estado”.

- Precisamos saber o que a gente quer – afirma o secretário do Fórum. “O governo, o Estado tem que ter responsabilidade, não é só punir quem está na ponta. Tem que punir quem autoriza, quem delega poderes. Não podemos viver numa tragédia e achar normal, precisamos de política pública”.

O relatório da Enasp enfatiza a necessidade de contratar mais peritos e obter mais equipamentos para os órgãos periciais de algumas regiões do país – a distribuição de recursos e expertising é bastante desigual, já que os Estados têm capacidade financeira e prioridades políticas diferentes. Mas dá maior ênfase à necessidade de treinamento dos que participam da elucidação dos crimes, de estimular a meritocracia na carreira policial e estabelecer o controle externo das investigações nos crimes de homicídio.

Uma conclusão parecida à que chegou em seu dia-a-dia na polícia o escrivão Humberto, que investiu as economias dos nove anos de carreira em cursos de treinamento. Nos últimos dez anos, ele diz, os investimentos que viu na polícia civil paulista ficaram concentrados em armamentos e tecnologias digitais. “Nesse mesmo tempo quase nada foi aplicado em desenvolvimento humano”, lamenta.

63% da população não confia na polícia

A curva ascendente da violência acompanha a da impunidade. Entre 1992 e 2009, a taxa de homicídios cresceu 41% de acordo com pesquisa divulgada pelo IBGE em junho. Os números de 2009, os mais recentes, mostram uma média de 27,1 mortes para cada 100 mil habitantes. De acordo com parâmetros internacionais, a violência em um país pode ser considerada endêmica a partir de 10 mortes para cada 100 mil.

Números que contribuem para a má imagem da polícia junto à população. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas realizada no primeiro trimestre de 2012 apontou que 63% da população de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Distrito Federal não confia na polícia. Conforme o levantamento, coordenado pela professora Luciana Gross Cunha, a população com renda inferior a dois salários mínimos (R$ 1.244) é a que mais desconfia dos policiais: 77% disseram-se “muito insatisfeitos” ou “um pouco insatisfeitos” com os policiais. “São as pessoas que sofrem mais discriminação e preconceito da polícia”, diz ela.

São as mais frequentes vítimas da violência policial que fez o Conselho de Direitos Humanos da ONU pedir a extinção da PM e a Anistia Internacional denunciar a tortura como “método” de interrogatório nas delegacias paulistas e as execuções extrajudiciais praticadas por forças policiais.

- Precisamos urgentemente discutir que tipo de polícia a gente tem – diz a professora.

As conclusões do relatório mais recente da Anistia Internacional convergem para a percepção da violência policial entre os mais pobres. A prática da tortura, afirma a entidade só joga mais lenha na fogueira; é usada nas ruas, em delegacias, presídios, centros de recolhimento de adolescentes “como meio de obter confissões, subjugar, humilhar e controlar pessoas sob detenção, ou com frequência cada vez maior, extorquir dinheiro ou servir aos interesses criminosos de policiais”.

Como agravante, relata a Anistia, “a grande maioria das vítimas é composta de suspeitos criminais de baixa renda, com grau de instrução insuficiente, frequentemente de origem afro-brasileira ou indígena, setores da sociedade cujos direitos sempre foram ignorados no Brasil”.

Já o Conselho de Direitos Humanos da ONU pediu ao Brasil maiores esforços para “combater a atividade dos esquadrões da morte” (compostos por policiais civis e militares) e que trabalhe para “suprimir a Polícia Militar, acusada de numerosas execuções extrajudiciais”.

O relatório também pediu que o Brasil garanta que “todos os crimes cometidos por agentes da ordem sejam investigados de maneira independente”.

Seguir essa recomendação significa mexer em outro ponto crítico do sistema de segurança pública: o corporativismo que substitui a rivalidade entre as polícias e departamentos policiais quando o réu é agente do sistema de segurança. No estado de São Paulo, por exemplo, a Secretaria de Segurança Pública determinou em abril de 2011 que mortes em confrontos com PMs fossem investigadas pelo departamento de homicídios da Polícia Civil. De lá para cá, nenhum policial foi punido. Dos 500 casos analisados, todos na região metropolitana, 40% foram esclarecidos e em nenhum deles constatou-se desvio de conduta, ou seja, em todos os casos os PMs teriam tido motivo para atirar.

O que fez o relatório da Enasp incluir como medida a ser adotada imediatamente a “definição de parâmetros específicos para o controle externo nas investigações dos crimes de homicídio”.

Armas que vão e voltam

A corrupção também está entre os ingredientes que enfraquecem a segurança pública e multiplicam os homicídios. Armas de criminosos recolhidas pela polícia voltam a circular e o comércio ilegal de armas raramente é investigado, menos ainda punido. Policiais fazem bicos, aceitam propinas e vendem proteção para comerciantes, o que dá origem à formação de esquadrões da morte e à circulação ilegal de armas, como aponta o relatório da Anistia. Mais de 80% das armas apreendidas em situação ilegal é de fabricação brasileira, ou seja, foram comercializadas aqui.

- O debate da segurança pública é frequentemente contaminado por considerações de ordem ideológica, impedindo a implementação de medidas importantes nessa seara. Falta a sensibilidade de entender que deve haver um equilíbrio entre o interesse da garantia dos direitos dos cidadãos (e dos investigados) e o interesse da segurança pública – defende a promotora Ana Luiza.

Junte-se a isso o apelo à força policial, a ideia de que “bandido não tem direitos humanos”, rotineiramente defendidos por uma parte da sociedade, também são vistos como fatores que enfraquecem a segurança pública de acordo com especialistas e estudiosos do tema.

Em março de 2012, confrontado com os índices de homicídio haviam aumentado 50% em comparação com o mês anterior, o coronel Josiel Freire, subsecretário de operações da secretaria de segurança de Brasília – cuja polícia é a mais bem paga do país –declarou à imprensa: “Quase 70% das vítimas de homicídios estão envolvidas com crime e tráfico. O transeunte mesmo não está sendo vítima”. É digno de nota que a declaração não tenha causado escândalo – e nem mesmo muitas críticas.

Para o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, que há mais de uma década vem fazendo mapas de violência no Brasil, a situação da violência chegou a um ponto do que ele chama de pandemia. “É um problema estrutural, mais difícil de cuidar. A violência está incorporada”.

- A identificação do brasileiro como ‘homem cordial’ não se sustenta mais – lamenta ele.

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Direto da Redação*

Lembro perfeitamente daquele dia em que Fátima Bernardes olhou soturnamente para a câmara e disse, na sua melhor voz de velório: “Hoje faz quatro meses que começou o escândalo do mensalão!” Penso que em seguida ela deve ter tido um orgasmo, depois daqueles quatro meses conseguindo levar o povo de cabresto, quase todo o país de olhos, narizes e emoções concentrados em Brasília e no Jornal Nacional, sem a menor chance de conseguir olhar para nada que se passasse um pouco além das nossas fronteiras.

Este é um dos grandes males de nosostros, brasileños: para a esmagadora maioria da nossa população, o mundo começa e acaba em Brasília, e o que acontecer além de Brasília não existe, o que quer dizer que coisas assim também não existam em outros países – vi um livro didático do Canadá que dava vontade de chorar: as crianças das escolas canadenses descobrem que há o Canadá – ao redor existem animais selvagens e alguns poucos homens ”selvagens” – portanto, para elas, nosostros sequer existimos.

Portanto, lá no começo do milênio ficamos quatro meses tão fascinados pelo escândalo do mensalão que sequer nos demos conta do que ele queria esconder: no nosso vizinho tão próximo, encostadinho, o Paraguai, naqueles quatro meses foram aprovadas leis que permitiam a instalação de uma base estadunidense naquele país, que concordavam que os soldados estadunidenses podiam roubar, matar, estuprar, torturar, em território paraguaio, sem sofrer sanções – e naqueles quatro meses a tal base foi devidamente instalada em Mariscal Estigarribia, ao norte do Paraguai, pertinho pertinho do Brasil, e tem lá um aeroporto IMENSO (4.000 m de pista – 3,85 m de espessura, em concreto), capaz de receber todo o tipo de aeronave, e eu fui lá vi tudo isso com estes olhos que a terra há de comer, e meu amigo que estava junto até tirou fotos de tudo! Portanto, a qualquer momento qualquer aeronave pode subir, lá, e encher de bombas lugares como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília ou Porto Alegre, sem contar que fica facilzinho facilzinho bombardear, também, lugares como La Paz, Caracas ou Buenos Aires. E nós, aqui, bobos, a gemer de raiva orquestrados pela voz melíflua e fúnebre de Fátima Bernandes, sem dar a mínima para o que acontecia do lado de lá da fronteira. Alguém importante deve ter dado os parabéns à Fátima Bernardes, elogiado sua atuação ao fazer um país inteiro ficar surdo e mudo para o mundo por conta do fascínio dela, enquanto se armava a grande arapuca para a nossa área!

(Em tempo: acabo de consultar São Google, e lá tem de tudo sobre a tal base e o aeroporto – embora também tenha gente lá dizendo que é tudo mentira. Mas que vi, vi, e, inclusive, junto com outros passageiros de um ônibus, fui bastante humilhada pelos tais soldados estadunidenses numa estrada ao norte do Paraguai, ali por perto.)

Então, agora, andava me coçando: o que é que estava acontecendo, DE VERDADE, por detrás do caso Cachoeira, que há meses mantém, de novo, os brasileiros de cabresto, a olhar para Brasília? Algo havia que ter, e coisa séria – cheguei a comentar tal coisa com algumas pessoas. Procurava ver, mas não clareava – mas para o público do Jornal Nacional estar tão fascinado pelo Cachoeira que acho que já nem se importa mais com futebol, coisa grossa estava à vista, mas eu ainda não conseguia enxergar. Ontem, então, a coisa ficou clara, claríssima: num sórdido golpe de estado que eu assisti passo a passo via Telesur (facilzinho de pegar via Internet: WWW.telesurtv.net – clicar senal en vivo), o presidente Lugo, do Paraguai, foi deposto pelo Congresso daquele país, e um títere foi colocado no seu lugar. Lugo acatou, saiu – não quis ver sangue inocente derramado nas praças de Assunción, aquela cidade tão linda e tão querida, que é um bálsamo para o meu coração e um tesouro na minha vida , impedindo, assim, o massacre de milhares de pessoas que já lá estavam para defender a legalidade da democracia e que já estavam levando bala de borracha e gás lacrimogêneo.

O Condor volta a voar nas Américas. Faz três anos devorou Honduras; agora, foi a vez do Paraguai – amanhã ou depois será a nossa vez. Se você ainda não sabe o que é a Operação Condor, sugiro que se informe, pois muito sangue e muita lágrima já correu aqui na nossa Terra de Santa Cruz e em outros lugares por causa dela, e parece que tudo se repete. Com São Google, hoje, não há como se manter ignorante de coisas assim, das quais depende o nosso futuro. E quando o Jornal Nacional começar a falar demais no mesmo assunto, ligue as antenas: alguma maldade MUUUUITO maior está para acontecer.

Aqui, choro, como chorei tanto ontem, pelo nosso irmão Paraguai que está tão dentro do meu coração. Assunción, a linda e a doce, onde estão as flores das árvores pejadas de História das tuas praças? Ainda haverá primavera para ti, minha querida Assunción, ou só te restará ser o ninho podre daquele Condor de voos baixos e rasantes, ao contrário dos livres voos dos condores das altas montanhas?

Ah! Assunción, minha querida, fico aqui torcendo pela tua primavera. Ao se despedir, ontem, Lugo disse que o povo era forte, forte, forte... Quem sabe possa voltar a primavera? Por enquanto, é tempo de chorar, e choro.

*Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR.

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