PORTUGAL
João Biscaia* | Setenta e Quatro
Quase uma centena de manifestantes antifascistas decidiram espontaneamente bloquear o trajeto da manifestação xenófoba. Sem qualquer aviso ou ordem de desmobilização, agentes do corpo de intervenção avançaram batendo indiscriminadamente. Pelo menos dez pessoas ficaram feridas, das quais sete tiveram de receber assistência hospitalar.
O mais provável era que os clientes que jantavam no Corpo Santo Hotel, na rua do Arsenal em Lisboa, não estivessem a perceber nada do que viam acontecer. Olhavam com expressão inquisitória, do outro lado da janela alta e entre garfadas e sorvos de vinho caro, para a confusão que se instalara naquela rua, rescaldo do que parecia ter sido um arraial de pancadaria.
Olhavam e viam agentes do Corpo de Intervenção da PSP a marchar em fila na direção da Praça do Município, batendo com os cassetetes nos escudos como os espartanos fazem nos filmes de ficção. Uma mulher lamuriava aflita as suas dores nas pernas, carregada em braços por dois homens — um deles sangrava profusamente da cabeça, deixando um rasto de largas pingas escuras no chão.
Viam meia dúzia de pessoas estiradas pelo passeio a meter gelo nas mais diversas partes do corpo; trabalhadores alheios a tudo, e que haveriam de querer ir ao Terreiro do Paço apanhar transportes públicos para casa, que abanavam a cabeça por terem de ir dar a volta à beira-rio; uma quadrilha de jovens rapazes de calças de ganga clara e cabelo à Peaky Blinders a fugir da cena depois de denunciados, virando-se para trás para lançar uma tímida saudação nazi sieg heil com o braço direito estendido. Viam tudo isto e um interminável jogo de luzes azuis cintilantes vindas das carrinhas de polícia.
Nem meia hora antes, um pouco mais à frente, na Praça do Município, a polícia tinha carregado sobre um grupo de manifestantes antifascistas e antirracistas que queriam bloquear a passagem da manifestação xenófoba, organizada pelo neonazi Mário Machado, e que a essa hora passava em frente aos Armazéns do Chiado, dirigindo-se para a Praça do Município.
A polícia carregou sem ter sido provocada e sem dar qualquer aviso ou ordem de desmobilização. Manifestantes, jornalistas e turistas que passavam foram agredidos. Três pessoas foram detidas e, segundo conseguimos apurar, pelo menos dez ficaram feridas, sete das quais tiveram de receber assistência hospitalar. Além de termos estado presentes, falámos com oito manifestantes feridos para termos uma melhor noção do que aconteceu.