Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Em tempo de
eleições, mas também noutros momentos de debate político, é muito comum
ouvirmos argumentações - de dirigentes dos partidos que nos têm governado ao
longo de quase 40 anos, de formadores de opinião e de vozes dominantes nos
grandes meios de Comunicação Social, de empresários e de outros atores do
sistema - que procuram restringir o leque das alternativas políticas, às
propostas e interpretações do que designam por "arco da governação".
Criou-se e tenta-se
perpetuar uma espécie de coutada para o exercício do poder: uma coutada que surge organizada no plano
económico, social e cultural. E essa perspetiva de domínio quase absoluto é
formulada quer para as políticas nacionais quer para as políticas europeias,
quer ainda, para o posicionamento de Portugal no contexto mundial.
Reconhecendo que há
diferenças entre as forças do "arco do poder", que uma significativa
parte do Partido Socialista não alinha nessa perspetiva e que até à Direita há
quem não se deixe fechar na conceção e objetivos desse "arco", chegou
a hora de pegarmos nessa apropriação exclusiva das "condições de
governação" e colocarmos, de forma clara e concreta, o problema da efetiva
responsabilização pela situação em que o país se encontra, pois, essa sim, tem
quase exclusividade.
Se formos observar
os avanços conseguidos no nosso país nos últimos 40 anos, no desenvolvimento de
infraestruturas básicas, de políticas de educação, ensino e formação, de saúde,
de proteção social, de afirmação da igualdade, de participação cívica, encontramos,
no plano da elaboração de leis e na ação social e política anterior e posterior
à sua entrada em vigor, a participação não só de forças do "arco do
poder", mas também das forças (partidos, movimento sindical e movimentos
sociais, estruturas académicas e de investigação e outras organizações
económicas, sociais e culturais) que estiveram fora desse arco, sendo verdade
que muitas vezes se avançou por ação destas.
Entretanto, quando
se analisa o que correu mal na sociedade portuguesa, nas políticas internas e
nos posicionamentos na União Europeia (UE) - desde a secundarização do setor
produtivo até aos negócios das swaps ou ao investimento excessivo em cimento
armado, à canalização de recursos para setores especulativos e rentistas, à
proliferação de compadrio e corrupção, ou ainda, às posições de apoio a
desastrosos caminhos trilhados pela UE -, encontra-se o dito arco da governação
aberto a interesses poderosos, mas fechado e hostil a todos os outros. Esse
arco da governação mais não é, então, do que o arco da responsabilização que
tem de ser feita.
Esta
"realidade" tem de ser transformada, pois a UE e especificamente
Portugal prosseguem a caminhada para o abismo.
Até há dias
diziam-nos que tudo corria pelo melhor. A Europa tinha virado a página. O
remédio estava a fazer efeito. Era o que ouvíamos e líamos, da Grécia a
Portugal, num coro que espantava pela afinação. Mas há dois dias uma estimativa
do INE baralhou o cenário: no primeiro trimestre deste ano, depois de alguns
trimestres anteriores de crescimento, tomado como efeito milagroso do
"ajustamento", o PIB caiu de novo em Portugal. Algo
semelhante aconteceu em toda a Zona Euro: apenas 0,2% de crescimento; França
estagnada; Itália em recuo; Finlândia em recessão...
Afinal a notícia da
cura era um pouco exagerada. Os "mercados", entidade demoníaca em
quem inculcaram características humanas, "irritaram-se" de imediato.
Os juros da dívida pública subiram, as bolsas agitaram-se. O sinal é claro. Na
economia europeia, e ainda mais em Portugal, tudo está preso por arames, dependente,
segundo o Governo, de refinaria que encerra para reparações, de linhas de
montagem que param alguns dias, ou do calendário de festividades religiosas. E
no plano social e político a situação do país continua a ser de enorme gravidade.
Para uma
alternativa consistente há diversos bloqueios a vencer à Esquerda mas, no atual
quadro político-partidário, a solução impunha a saída do PS do aprisionamento
àquela conceção de "arco da governação", sinal que a sua campanha
eleitoral não dá.
Com ou sem essa
alteração, é imprescindível, e acabará por se construir, um arco de
responsabilidade com projeto de futuro.