sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

PORTUGAL ESTÁ MESMO A SAIR DA CRISE? (ou o conto de Natal de Passos)

 

Henrique Monteiro – Expresso, opinião
 
Há um discurso oficial que diz que chegámos ao ponto de viragem. Não vou desmentir, porque em qualquer crise há sempre um ponto de viragem. Mas também não vou alinhar na festa, porque o ponto de viragem, a ter-se dado, foi num patamar muito diferente daquele de onde viemos.
 
A ver se, de uma forma esquemática, nos entendemos.
 
1 - É impossível a economia contrair sempre (isso devia ter levado alguns teóricos que hoje falam muito a ter a conclusão contrária, aqui há anos, que era impossível à economia crescer sempre). Na velha Universidade de Salamanca lia-se uma frase assim: o que a natureza não dá, Salamanca não ensina. Ora, na natureza nada cresce e nada diminui indefinidamente. Por isso, depois de uma brutal contração como a que tivemos, algum dia voltaremos a subir. Podemos já ter começado esse movimento, mas podemos estar ainda a descer, embora mais suavemente;
 
2 - Se cairmos 20% e depois aumentarmos 20% mantém-se uma queda real de 4%. Isto parece estranho à primeira vista, mas partindo da base 100, é fácil explicar. Uma queda de 20% da base 100 leva-nos a 80. Um aumento de 20% desses 80 leva-nos a 96, ou seja 4% abaixo da base inicial. Por isso, a recuperação da economia tem de ter uma taxa bastante superior à da sua queda;
 
3 - O desemprego tem vindo a baixar em relação ao auge, mas está muito acima do que era. Além das considerações anteriores, há que contar com o efeito emigração. Na verdade, se todos os desempregados emigrassem, não haveria desemprego.
 
4 - Os saldos comerciais são a diferença entre o que exportamos e o que importamos. Não é preciso exportar muito mais para colocar esse saldo em positivo. Basta importar muito menos (que é o que estamos a fazer);
 
5 - A política de austeridade (ainda que haja algum crescimento) não acaba com o equilíbrio das contas, como por vezes se dá a entender, mas sim quando a dívida for sustentável. Ou seja, bastante abaixo dos 80%, ou melhor, à volta dos 60% do PIB. Neste momento ela é mais do dobro. Precisamos de vários anos de crescimento do PIB (o que por si faz baixar a taxa da dívida) e de austeridade, para mantermos os saldos primários. Há quem diga que é impossível haver austeridade e crescimento. Não vejo motivo para serem incompatíveis. Podemos consumir menos bens e exportar bens com mais valor acrescentado. Sobretudo podemos não gastar o dinheiro em bens não transacionáveis (tipo estádios, autoestradas, etc.) e sim em bens que se possam vender com mais valor. Podemos, como em casa, ser frugais sem passar fome, não desperdiçar dinheiro e aplicar o que tivermos criteriosamente.
 
Não sei se o discurso de Passos foi, como diz o PS, "uma espécie Conto de Natal". Sei que é possível, como sempre, olhar as coisas de duas maneiras distintas. Uma é compararmos com o modo como vivíamos (e nos prometiam íamos viver) há cinco anos, constatando que estamos muito pior. Outra é olhar para o que já passámos e ter a ideia de que a tormenta está a amainar.
 
A única verdade insofismável é que, seja qual for a convicção, convém remarmos para o mesmo lado.
 

DEFENSORES DA AUSTERIDADE SOFREM DE AMNÉSIA

 

Jorge Nascimento Rodrigues - Expresso
 
Os governantes responsáveis pela austeridade ignoram o que ensina a história de crises anteriores, dizem Ken Rogoff e Carmen Reinhart num artigo publicado esta semana pelo FMI.

"Em nenhum lado o estado de negação é mais agudo do que no caso da amnésia coletiva sobre as experiências anteriores de desalavancagem nas economias desenvolvidas - especialmente, mas não exclusivamente, antes da 2ª Guerra Mundial - que envolveram uma variedade de reestruturações de dívida soberana e privada, bancarrotas, conversões de dívida e repressão financeira", dizem Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, dois académicos especialistas em história das crises, num artigo publicado, esta semana, nos Working Papers do Fundo Monetário Internacional (FMI).

"A fase atual do ciclo de negação é marcada por uma abordagem oficial baseada na suposição de que o crescimento normal pode ser restaurado na base de uma mistura de austeridade, resignação e crescimento", escrevem os dois académicos em "Financial and Sovereign Debt Crises - Some Lessons Learned and Those Forgotten". Rogoff e Reinhart publicaram, em 2009, com um título irónico "Desta vez é diferente" (tradução pela Actual/Almedina, 2013), uma volumosa obra sobre "Oito Séculos de Loucura Financeira".
 
Os dois académicos foram criticados este ano por um outro trabalho, académico publicado em 2010, em que pretendiam que se verificaria historicamente um limiar na dívida pública (90% do PIB) a partir do qual a economia cairia em recessão, uma conclusão cujos fundamentos empíricos se relevaram errados. Esse pretenso limiar foi uma das justificações para a austeridade defendida na Europa nomeadamente pelo Eurogrupo e pelo Banco Central Europeu a partir dessa altura.
 
Em estado de negação
 
Rogoff e Reinhart sublinham, neste novo artigo, que o estado de negação dos governantes e de outras autoridades das economias desenvolvidas leva-os a defender que "não é preciso recorrer à caixa de ferramentas usada pelas economias emergentes, que incluiu reestruturações de dívida, inflação mais elevada, controlo de capitais e repressão financeira significativa" em décadas recentes, "esquecendo" inclusive que esses instrumentos foram "parte integrante da resolução de situações de sobre-endividamento" nas próprias economias desenvolvidas em diversas alturas no século XX.
 
Baseados na história das crises desde 1900, os dois autores apontam para cinco elementos de gestão das crises de sobre-endividamento que foram usados em separado ou em alguma combinação: crescimento económico; austeridade; reestruturação de dívida ou bancarrota; inflação inesperada; e repressão financeira com alguma dose constante de inflação. O crescimento económico como cura para o endividamento foi "relativamente raro". As restantes ferramentas implicam, sem dúvida, "uma dose de impopularidade ou de dificuldade prática", referem os autores.
 
Mas o que é grave é que os atuais governantes nos países desenvolvidos tendem a "esquecer" as reestruturações de dívida e a repressão financeira conjugada com alguma dose de inflação, argumentando que isso são "coisas" para as economias emergentes. Na verdade, as reestruturações de dívida foram frequentes nas economias desenvolvidas no período entre as duas Guerras Mundiais e a repressão financeira com inflação foi usada extensivamente após a 2ª Guerra Mundial.
 
Perdões de dívida
 
Rogoff e Reinhart recordam os perdões de dívida concedidos pelos EUA em 1934 às economias desenvolvidas. A França e a Inglaterra beneficiaram de reduções de dívida na ordem de 22 a 24% do PIB e a Itália ficou perto dos 20%. No caso das dívidas de outras economias ao Reino Unido, na mesma altura, nunca foram pagas ou entraram em situação de bancarrota. Estas operações "desempenharam um papel substantivo na redução do sobre-endividamento derivado quer da 1ª Guerra Mundial como da Grande Depressão".
 
Apesar do discurso "moral" atual contra as mexidas na dívida soberana na Europa, dois acontecimentos recentes ilustram o seu papel: a reestruturação da dívida grega na mão de credores privados - o que foi designado pelo acrónimo em inglês PSI, para envolvimento do sector privado - concluída em abril de 2012, que ajudou a afastar o medo de saídas de membros do euro e a esfriar o sobreaquecimento no mercado secundário da dívida dos periféricos; e a operação de troca na Irlanda das notas promissórias no valor de 25 mil milhões de euros com uma maturidade de 10 anos por dívida de muito longo prazo com uma maturidade média de 34,5 anos e com juros mais baixos, o que permitiu ao governo de Dublin aligeirar o fardo anual da dívida no pós-troika.
 
"Dada a magnitude da dívida atual e da probabilidade de um período sustentável de crescimento económico médio abaixo do par, é duvidoso que a austeridade orçamental seja suficiente, mesmo que combinada com repressão financeira. Pelo contrário, a dimensão dos problemas sugere que reestruturações [de dívida] serão necessárias, em particular para a periferia da Europa, muito para além do que tem sido discutido em público, até ao momento", concluem os autores.
 
Repressão financeira
 
Quanto à repressão financeira depois da 2ª Guerra Mundial, os dois académicos dizem que atuou, por exemplo, através de taxas de juro reais negativas sobretudo nos EUA e no Reino Unido ou por via da inflação, como nos casos de Itália e Austrália.
 
O conceito de repressão financeira foi desenvolvido pelos académicos John Gurley e E. Shaw nos anos 1960 e por Ronald McKinnon duas décadas depois. Pretende caracterizar as políticas governamentais tendentes a reduzir a remuneração obtida por aforradores e canalizar recursos para os emissores de dívida (como os próprios Estados sobre-endividados); é uma forma de redistribuição de capital. Incluem, os empréstimos diretos ao Estado por parte de entidades domésticas (como os fundos de pensões), tetos explícitos ou implícitos nas taxas de juro, regulamentação de movimentos de capitais e, em geral, uma ligação estreita entre os governos e os bancos locais.
 
Duas propostas recentes podem ilustrar um mecanismo típico de repressão financeira via impostos: a imposição de um imposto extraordinário progressivo sobre os depósitos bancários que foi rejeitado pelo parlamento cipriota, no âmbito do resgate daquele país pela troika em março; e a hipótese colocada, no "Fiscal Monitor" de outubro, por técnicos do FMI de um imposto extraordinário (de 10%) sobre a riqueza das famílias. Este tipo de medidas necessita, em geral, de controlo de capitais para poder ter eficácia.
 
Segundo Rogoff e Reinhart, um contexto de políticas desse tipo permitiu às economias desenvolvidas manter um rácio médio da dívida pública em relação ao PIB inferior a 30% entre 1970 e 1980, contrastando com níveis acima de 80% logo após a 2ª Guerra Mundial e em 2010 ou ligeiramente acima de 70% no início dos anos 1920 e 1930 e na última década do século XIX.
 

Moedas, geopolítica, imobiliário, finanças... 2014: a "grande retirada" americana

 

GEAB [*]
 
O ano de 2013 acaba com o mundo de ontem totalmente gretado; o de 2014 será impiedoso para este mundo do qual restarão apenas as suas ruínas. Mas "pode-se também construir algo de belo com as pedras que estorvam o caminho" [1] e, neste caos, o mundo do porvir já deu os seus primeiros passos como antecipámos no GEAB nº 70 de Dezembro de 2012 [2] . Quer se trate dos reveses económicos ou políticos dos Estados Unidos, do Japão e da União Europeia, das vitórias diplomáticas russas na Síria, Arménia ou Ucrânia, ou ainda das veleidades chinesas no mar da China Oriental, as potências de amanhã preenchem rapidamente o vazio geopolítico deixado pelas potências de ontem.

Ora, 2014 vai experimentar uma aceleração dramática desta tendência profunda graças à convergência de numerosos factores: perda de controle do mundo pelos Estados Unidos, fim da eficácia dos métodos desesperados de salvaguarda (quantitative easing principalmente), nova implosão do mercado imobiliário... sem esquecer o lodaçal de fundo que é a reforma forçosa do sistema monetário internacional. Para adopar a imagem da roleta, até recentemente houve a fase "façam vossos jogos) na qual os jogadores puderam preparar e desenvolver suas estratégias; estamos agora na fase "nada mais" em que os jogadores vão em breve poder verificar seus ganhos – ou suas perdas.

Plano do artigo completo:

1. O novo sistema monetário internacional à espera do Euro
2. A tentação solitária da China
3. Vazio geopolitico estado-unidense
4. A realidade apita o fim dos prolongamentos

Apresentamos neste comunicado público a parte 1.

O NOVO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL À ESPERA DO EURO

As coisas mexem-se incrivelmente rápido na frente monetária e todos os esforços empreendidos até o momento vão tentar concretizar-se em 2014. Os cinco exemplos seguintes são reveladores das evoluções em andamento.

O Kuwait, o Qatar, o Bahrein e a Arábia Saudita lançam no fim de Dezembro a sua moeda comum
[3] . Esta vai ser no momento "ligada" ("peggée") ao dólar; ora o comércio destes países é cada vez menos importante com os Estados Unidos. Neste caso, porque ligá-la ao dólar? Simplesmente para evitar que os Estados Unidos lhes ponham paus nas rodas, sabendo que uma simples decisão política permitirá num futuro próximo comutar para a solução mais robusta de um cabaz de moedas desligado da moeda americano [4] . Notemos igualmente que cinco países africanos (Quénia, Uganda, Tanzânia, Ruanda e Burundi) também acordaram acerca de uma moeda comum [5] ...

O bitcoin desperta cobiças
[6] , enlouquece os mercados e os bancos centrais que tentam regulá-lo [7] . Se estes movimentos recentes são em grande parte devidos à especulação, como analisámos no GEAB nº 79 não há dúvida de que o seu êxito é muito revelador das evoluções em andamento: desconfiança para com as moedas fiduciárias (em primeiro lugar das quais está o dólar), necessidade de uma moeda "não manipulável) pelos bancos centrais, descentralizada, não dominada por um país ou uma entidade, desmaterializada... Esta experiência é uma primeira tentativa, imperfeita, com forte volatilidade (devido aos baixos volumes e à criação monetária fixa), que se confronta com as reticências dos diferentes legisladores e que se arrisca portanto a desaparecer ou ser marginalizada num futuro próximo. Contudo, as características desta moeda virtual são de levar em conta nas reflexões sobre a invenção de uma nova moeda de troca internacional.

O ouro, como já se viu numerosas vezes, passa do Ocidente para o Oriente a um ritmo desenfreado
[8] , vindo pouco a pouco a apoiar a legitimidade internacional do yuan. Ainda que não haja dúvida de que o padrão ouro não retornará, pois mal adequado às necessidades da nossa época, ainda que o novo sistema monetário internacional, qualquer que venha a ser, não terá qualquer ligação ao ouro [9] , a posse deste metal permanece uma importante marca de confiança no actual caos monetário.

Agências de classificação realmente internacionais (ou "multipolares") vêem à luz
[10] com o objectivo de romper o monopólio das agências anglo-saxónicas. Isto é tudo menos anódino pois as agências influenciam os mercados, nomeadamente sobre a avaliação das economias nacionais... Naturalmente este factor não é directamente monetário mas ele também contribui para por em causa a hegemonia do dólar. [11]

A utilização do yuan nos pagamentos de importações a crédito acaba de duplicar os do euro e figura agora no segundo lugar mundial... – o que é simbólico
[12] . Acordos swap que permitem comerciar em moedas locais foram concluídos com praticamente todas as regiões do mundo. Em consequência, a proporção do comércio com a China paga em yuan passou, em menos de um ano, de 12% para 20% [13] e o total do comércio internacional denominado em yuan deveria ter um aumento de 50% em 2014 [14] ... Esta corrida fulgurante é tanto mais impressionante quando se considera que a moeda chinesa ainda não é livremente convertível e é o sinal da atracção irresistível da economia do país.
 
Entretanto, se se excluir os Estados Unidos que estão escorado num status quo que lhe é favorável [15] , um verdadeiro sistema internacional não pode ser feito sem a zona euro, cuja moeda representa cerca de 30% das trocas internacionais e das reservas mundiais [16] , segunda moeda internacional muito adiante daquelas que a seguem. Ora, como já se analisou longamente no último número do GEAB, o euro permaneceu mais como um apoio do dólar do que como uma alternativa, em particular pela sua incapacidade para se impor nos seus próprios intercâmbios internacionais ao invés do dólar, o que levou a este paradoxo: a enorme dinâmica comercial europeia serve directamente a perenidade do dólar [17] . A comutação para um sistema monetário multipolar ainda depende por enquanto da decisão da Eurolândia de abandonar o dólar e tomar o comboio em marcha da actual transformação monetária inelutável, conduzida em primeiro lugar pela China.

A união bancária, que progride pouco a pouco
[18] é a ocasião de reforçar a moeda única e de lhe fazer desempenhar o verdadeiro papel ao qual pretendia quando os decisores europeus de outrora [19] a inventaram; assim como o choque saudável das eleições europeias de 2014 que desconectará ainda mais um pouco a zona euro da UE. O fim de 2014 ou o mais tardar 2015 é portanto a data em que o euro desempenhará finalmente a sua parte no projecto de fazer o sistema monetário internacional sair dos trilhos do dólar. [NR]

[...]
 
Notas:
1 Citação de Goethe.
2 Intitulávamos na época: 2013, os primeiros passos num "mundo de depois" em plano caos.
3 Fonte: Gulf News, 01/12/2013.
4 Com efeito, o artigo anterior explica que já há economistas que desejam cortar a ligação ao dólar....
5 Fonte: Business Day, 01/12/2013.
6 Na China nomeadamente: CNBC, 29/11/2013.
7 Fonte: Caixin, 10/12/2013. Ver também Le Monde, 13/12/2013.
8 Alguns pensam mesmo que o Ocidente não poderá manipular por muito mais tempo as cotações do ouro... pois não dispõem suficientemente deste metal. Fonte: Peak Prosperity, 06/12/2013.
9 O ouro pode servir para escorar uma moeda em curso de (re)legitimação internacional mas desde que esta acede a este estatuto internacional, ela recria de facto a confiança nas moedas. O ouro é então relegado à sua categoria de "relíquia bárbara", deixando as moedas apoiarem-se sobre as verdadeiras riquezas dos tempos modernos: energias, produção quantificada de riquezas, etc... O colapso da produtividade efectiva da economia estado-unidense sobre a qual estava fundamentada a moeda internacional (dólar) explica a enorme crise monetária que o mundo atravessa e à qual a emergência do yuan responde amplamente, proporcionando a base de uma re-vinculação das moedas às economias. O problema é que, ao aceder ao estatuto internacional, o yuan vai precipitar o colapso do dólar e da economia virtual americana, o que não deixará de ter efeitos sobre o resto do planeta. Eis porque, ainda nesta etapa, o LEAP continua a aconselhar seus leitores a diversificar uma parte dos seus haveres em ouro físico a fim de amortecer os choques antevistos em 2014, mas também será preciso saber vendê-lo a tempo.
10 Nós o notávamos no GEAB nº 79. Fontes: The BRICS Post (29/06/2013), The BRICS Post (12/11/2013).
11 Acerca deste dossier, na sequência dos ataques das agências de classificação americanas às notas europeias, a Europa fora dos primeiros a propor a criação de uma agência alternativa. Infelizmente, em Abril de 2013, ela concluiu pela impossibilidade de financiar uma agência de classificação europeia: demasiado caro, demasiado complicado! Desde então, os chineses, os russos, os africanos (com WARA, etc), todos eles criaram suas agências de classificação que se estruturam em redes mundiais (por exemplo no quadro da UCRG) para constituir um sistema de classificação adaptado ao mundo multipolar... sem que a Europa possa dele participar: a Europa não faz parte do sistema de classificação multipolar que está em gestação desde há algum tempo. Isto é aflitivo e coloca, ainda e sempre, esta pergunta: quem impediu a criação de uma tal agência na Europa? Provavelmente os mesmos que tentam sorrateiramente nos fazer passar o Tratado Transatlântico, as zonas de livre comércio anti-russas com a Ucrânia, a Moldávia, a Arménia, a integração da Turquia na UE, etc – e que esperam ansiosamente ver a Europa tomar definitivamente a porta de saída dos negócios do mundo. Dirigindo-nos a dirigentes europeus, reiteramos nossa recomendação de criar o mais rapidamente possível uma tal agência! E que não se diga que a Europa não tem os meios e as competências para conduzir a bom porto este género de projecto...
12 Fonte: Reuters, 03/12/2013. Atenção: ao contrário do que é geralmente subentendido, o yuan não é (ainda) a segunda divisa do comércio internacional e de longe: trata-se aqui apenas de um certo tipo particular de operações e não de todos os intercâmbios comerciais (Fonte: Le Monde, 03/12/2013). Contudo, não há dúvida de que a ascensão do yuan é muito impressionante.
13 Fonte: Reuters, 03/12/2013.
14 Fonte: CNBC, 11/12/2013.
15 Na verdade eles não têm realmente opção uma vez que o seu poder repousa na sua capacidade de manter a supremacia do dólar.
16 Cf. GEAB n°62 (Fevereiro 2012).
17 É certo que esta aberração tem como vantagem notável evitar à moeda comum europeia ganhar demasiado valor. Mas esta é realmente a única vantagem... portanto pode-se perguntar se ela compensa aquelas que haveria em tornar o euro independente.
18 E que põe cada vez mais a UE de lado... Fonte: EUObserver, 11/12/2013. Aprofundamos este assunto na secção Telescópio.
19 Os Mitterrand, Kohl e outros no fim dos anos 80, princípios de 90.

[NR] Resistir.info não endossa necessariamente tudo o que publica. No caso em apreço, considera que a ruína do dólar será acompanhada pela do euro.

[*] Global Europe Anticipation Bulletin.

O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...

Este comunicado público encontra-se em
http://resistir.info/

O BRASIL E O SEU “MAR INTERIOR”

 
 
 
Além do petróleo, país vê no Atlântico Sul espaço para projetar-se rumo à África. Mas EUA e Grã-Bretanha querem controlar militarmente oceano
 
José Luís Fiori – Outras Palavras
 
Situado entre a costa leste da América do Sul e a costa oeste da África Negra, o Atlântico Sul ocupa um lugar decisivo do ponto de vista do interesse econômico e estratégico brasileiro: como fonte de recursos, como via de comunicação e como meio de projeção da influência do país no continente africano. Além do “pré-sal” brasileiro, existem reservas de petróleo na plataforma continental argentina e na região do Golfo da Guiné, sobretudo na Nigéria, Angola, Congo, Gabão e São Tomé e Príncipe. Na costa ocidental africana, também existem grandes reservas de gás, na Namíbia, e de carvão, na África do Sul; e na bacia atlântica, acumulam-se crostas cobaltíferas, nódulos polimetálicos (contendo níquel, cobalto, cobre e manganês), sulfetos (contendo ferro, zinco, prata, cobre e ouro), além de depósitos de diamante, ouro e fósforo, entre outros minerais relevantes. Já foram identificadas grandes fontes energéticas e minerais, na região da Antártica. Além disto, o Atlântico Sul é uma via de transporte e comunicação fundamental entre o Brasil e a África, e é um espaço crucial para a defesa dos países ribeirinhos, dos dois lados do oceano.
 
A Argentina tem 5 mil quilômetros de costa, sustenta uma disputa territorial com a Grã-Bretanha, e tem uma importante projeção no território da Antártida e nas passagens interoceânicas do canal de Beagle e do estreito de Drake. Do outro lado do Atlântico, a África do Sul ocupa o vértice meridional do continente africano, e é um país bioceânico, banhado simultaneamente pelo Atlântico e pelo Índico, com 3 mil quilômetros de costas marítimas, e cerca de 1 milhão de km² de águas jurisdicionais. Ocupa uma posição muito importante como ponto de passagem entre o “ocidente” e o “oriente”, por onde circula cerca de 60% do petróleo embarcado no Oriente Médio, na direção dos EUA e da Europa. Finalmente, a Nigéria e Angola têm 800 e 1,6 mil quilômetros de costa atlântica, respectivamente, e as reservas de petróleo do Golfo da Guiné estão estimadas em 100 bilhões de barris. Mas não há duvida de que o Brasil é o país costeiro que tem maior importância econômica e geopolítica dentro do Atlântico Sul, com seus 7490 quilômetros de costa, e seus 3,6 milhões de km² de território marítimo, que podem chegar a 4,4 milhões – mais que a metade do território continental brasileiro – caso sejam aceitas as reivindicações apresentadas pelo Brasil perante a Comissão de Limites das Nações Unidas. É quase o dobro do tamanho do Mar Mediterrâneo e do Caribe, e quase 2/3 do Mar da China. O interesse estratégico do Brasil nesta área vai além da defesa de seu mar territorial, e inclui toda sua Zona Exclusiva Econômica (ZEE), por onde passa cerca de 90% do seu comércio internacional; e onde se encontram cerca de 90% das reservas totais de petróleo do Brasil, 82% de sua produção atual e mais de 67% de suas reservas de gás natural. Além disto, o Brasil possui três ilhas atlânticas que têm uma importante projeção sobre o território da Antártida e que são altamente vulneráveis do ponto de vista de sua segurança.
 
Apesar disto, o controle militar do Atlântico Sul segue em mãos das duas grandes potências anglo-saxônica. A Grã- Bretanha mantém um cinturão de ilhas e bases navais através desta parte do oceano, que lhe conferem uma enorme vantagem estratégica no controle da região. E os EUA dispõem de três comandos que operam na mesma área: o USSouthCom, criado em 1963, o Africom, criado em 2007, e a sua IV Frota Naval, criada durante a II Guerra Mundial e reativada em 2008, com objetivo explícito de policiar o Atlântico Sul.
 
Além disto, as duas potências anglo-saxônicas controlam em comum, a Base Aérea da Ilha de Ascenção, onde operam simultaneamente a Força Aérea dos EUA, a Força Aérea do Reino Unido e forças dos países da OTAN. Na mesma Ilha de Ascenção, estão instaladas estações de interceptação de sinais e bases do sistema de monitoramento global, denominado Echelon, que permite o monitoramento e controle de todo o Oceano Atlântico. Caracterizando-se uma enorme assimetria de poder e de recursos entre as forças navais e aéreas das potencias anglo-saxônicas e da OTAN, e a dos demais países situados nos dois lados do Atlântico Sul.
 
Neste ponto, o Brasil não tem como enganar-se: possui a capacitação econômica e tecnológica para explorar os recursos oferecidos pelo oceano, mas não possui atualmente a capacidade de defender a soberania do seu “mar interior”. A capacitação naval do Brasil foi inteiramente dependente da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, pelo menos até a década de 70, e o Brasil segue sendo um país vulnerável do ponto de vista da sua capacidade de defesa de sua costa, e de sua plataforma marítima. E este panorama só poderá ser modificado no longo prazo, depois da construção da nova frota de submarinos convencionais e nucleares que deverão ser entregues à marinha brasileira entre 2018 e 2045, e depois que o Brasil adquira capacidade autônoma de construção de sua própria defesa aérea. De imediato, entretanto, o cálculo estratégico do Brasil tem que assumir esta assimetria de poder como um dado de realidade e como uma pedra no caminho de sua política de projeção de sua influência no continente africano, e sobre este seu imenso “mar interior”.
 
 

MANDELA: DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA Á CONTRA-REVOLUÇÃO LIBERAL

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Poucos homens tiveram uma homenagem tão “unificadora de boas vontades e melhores intenções” como Nelson Mandela no seu funeral. Os mesmos que fecham fronteiras, que deportam imigrantes, que impedem a cidadania através de processos obscuros de controlo e segurança, os que andam sempre com o credo do “estrangeiro” na boca, os mesmos que deixam milhares e milhares de crianças sem registo, de adolescentes sem identificação, os criadores de “não-Homens”, os que apoiaram o apartheid na Africa do Sul, que o apoiam em Israel e que cultivam o apartheid social, os que bradam em rouquidão pela pena de morte, os que bloqueiam Cuba, criminalizam a Venezuela, a Bolívia e o Equador, que privatizam os recursos, a educação, a saúde, a habitação, a cultura, que legitimam golpes de Estado nas Honduras, estiveram todos presentes no ultimo adeus a Mandela.  
 
Mandela, que durante anos foi considerado “terrorista” por muitos dos que hoje emocionam-se com o seu nome, terminou os seus dias como “assimilado”. Foi como revolucionário que combateu o apartheid, vitoriosamente. A sua epopeia foi a epopeia dos povos sul-africanos contra a aberração racista. A sua importância nesse campo de batalha foi incomparável e o seu papel, fundamental. Assim como o foi na implantação da Democracia Politica na Africa do Sul, o marco essencial para que as novas elites necessitavam para a sua expansão. Do apartheid institucional, forma desgarrada de domínio das oligárquicas elites bóeres, eliminou-se a exclusão racial e a segregação, mantendo-se os compartimentos estanques a nível social. 
 
A imagem de Mandela, trabalhada pelos círculos elitistas do capital global, metamorfoseou-o num “antirracista abstracto”, numa “mente aberta ao mercado”. Esta ficção tronou-se economicamente rentável (o capitalismo tem destas coisas, fizeram o mesmo com o Gandhi – o pacifista abstracto – e até com o Che – o guerrilheiro abstracto – cujas estampas em t-shirts, estampilhas, boinas, autocolantes etc., tornaram-se uma rentável exploração comercial). Este é um fenómeno que ocorre em virtude de, no capitalismo, tudo ser reduzido á realidade económica, a mercadoria, a realidade única do universo unidimensional. Reduzidos a essa realidade ficam todos os Homens, independentemente do seu papel e da sua posição social. Os Homens tornam-se ficções, porque vivem num alienatório universo onde apenas se afirmam como mercadorias.
 
A ficção começa no “período revolucionário” de todos os processos. É o processo de formação dos mitos: os “fundadores de nações”, os “grandes e queridos líderes”, os “pais dos povos”, os “grandes timoneiros”, as “figuras históricas”, os “Homens que morrem, mas cujo pensamento permanece”. No continente africano esses mitos surgem durante os tempos áureos, marcados pelas “grandes epopeias”, onde os poderes aparecem diluídos, embora possam manifestar-se de uma forma brutal. É neste período que gera-se o processo de acumulação de capital, iniciado através do Estado, que aos poucos afirma-se no processo, reforça-se, abandona a sua função instrumental e torna-se cada vez mais absoluto.
 
A nova elite (vinda da clandestinidade, dos compromissos, das cadeias ou da luta armada) inicia uma nova fase da metamorfose. O Estado cumpre, agora, em pleno a função de instrumento de acumulação. O aparelho repressivo (forças armadas, policia e segurança) encontra-se estabilizado. O poder é único e não aceita esferas de actuação (nesta fase os três poderes são inexistentes, tudo está submetido ao estado. Os mecanismos judiciais e legislativos formam um amalgama com o executivo, sendo o partido-estado o aglutinador de interesses).
 
A fase seguinte é a fase de abertura. Os mecanismos de acumulação necessitam de um maior espaço para cumprirem a sua função. Já não lhes basta o estado. Os seus interesses necessitam de ser assumidos através de outras formas. Nova metamorfose. Termina a fase de acumulação.
 
Na Africa do Sul nada disto aconteceu. O fim do apartheid originou um processo de transição directa para a Democracia Politica. A razão deste factor prende-se com uma particularidade: a África do Sul foi a única região do continente africano onde a Revolução Industrial atingiu uma fase de maturidade que permitiu o desenvolvimento das elites industriais no terreno. O sector mineiro conduziu esse processo. O capitalismo instalou-se, de armas e bagagens. As elites bóeres, não foram nenhuma anomalia neste processo, mas no início do século XX a sua única possibilidade residia na tomada do poder, retirando-o às elites anglófonas. Os bóeres foram levados a essa atitude pelas elites britânicas. O isolamento, a que os bóeres foram sujeitos pelos seus concorrentes de origem britânica, a marginalização a que foram submetidos, já tinham gerado duas guerras anglo-bóeres, nas quais estes últimos saíram vencidos, mas não derrotados.
 
Como acontece neste tipo de comunidades de assentamento (caso dos judeus, por exemplo) os bóeres agarraram-se á sua identidade (nos guetos o elemento identitário torna-se dominante e preenche o imaginário). Ao assumirem o poder politico, as elites bóeres, condenadas a mais de um seculo de marginalização nos processos de renovação dos mercados (exclusivo para as elites anglófonas) assumiram uma estrutura oligárquica.
 
Mas os mecanismos de concorrência, deixados pela revolução industrial, prevaleceram. O capitalismo ali não se poderia expandir através dessa forma. Era necessário que as elites africanas reassumissem a sua importância, neste novo enquadramento. Para as elites anglófonas essa era uma condição essencial, não apenas para a sua expansão, mas também para a sua sobrevivência no país e para a oligarquia bóer tornou-se, também, evidente que o apartheid já não servia os seus interesses e diluiu-se nos mecanismos de mercado, perdendo peso político em troca de um lugar ao sol na economia. De qualquer forma as actuais elites bóeres são o elo mais fraco no capitalismo BRICS sul-africano. O seu sector principal continua a ser a agropecuária, agora paulatinamente convertida ao capitalismo pós-industrial através do agro-negócio e da agro-indústria. Por outro lado a burguesia comercial, industrial e financeira bóer ganhou algum peso, embora continue a ser de pouca expressão, quando comparada com as elites brancas anglófonas ou com as elites negras, asiáticas (islâmicas ou hindus) e judaicas.
 
Mandela tem de ser contextualizado em todo este cenário interno. Por outro lado no factor externo, o fim da guerra fria, a derrocada da União Soviética, a metamorfose da Europa de Leste, fizeram o resto. Um outro factor internacional, mas de contexto africano foi a libertação nacional das ex-colónias portuguesas (principalmente Angola e Moçambique) e o papel assumido por estes países na Linha da Frente (Angola em particular). Outro factor a ter em conta: o papel de Cuba.
 
Assumida que foi a forma de transição, um ponto deve ser retido: a Mandela - e ao ANC - couberam os papéis de actores principais. E cumpriram-no na perfeição.   
 
II - Para a direita de largo espectro (desde a dita cuja até aos centros dela mesma e da esquerda) este assunto é perfeitamente compreendido (basta ver as lágrimas de crocodilo que rolaram pelas faces dos lideres ocidentais). Já aquela esquerda que está fora do âmbito centrista (fora do largo espectro da direita) esta questão não é compreendida (excepto pelos aparelhos dos partidos comunistas, que exploraram muito bem a questão, de forma estratégica).
 
A esquerda radical burguesa ficou “chocada” com a “hipocrisia” do capitalismo ocidental, sentiu-se “roubada” e brada aos céus (sempre chorando, como os seus comparsas direitistas) que tem de fazer-se como a direita, assumindo a palavra de ordem: “eles roubam os nossos e nós roubamos os deles” (quando caem na idiotia absoluta os burgueses ultrapassam todas as escalas utilizadas para medir a debilidade mental e a burrice). Com uma lágrima no canto do olho (será alergia?) a esquerda radical burguesa ameaça - de dedo em riste - a direita de que roubará a esta algumas figuras do seu património, desde católicos a liberais e outros mais.
 
Nem o Locke, o Kant, ou o Chesterton, escapam e nas vozes mais “desesperadas” até o Roosevelt é preciso “resgatar” (á medida que os processos de decadência se intensificam e tornam-se cada vez mais vertiginosos, as elites e as forças da situação aplicam com cada vez mais amplitude este termo. O “resgate” é hoje usado como pau para toda a obra e colher de sopa para todo o prato: de valores, de culturas, de figuras históricas, de pensamento, etc.).
 
Atendendo a um recente exemplo português, esta esquerda não só resgatou Mário Soares – que recordou-se da gaveta onde escondera o socialismo democrático – como figuras da direita portuguesa, que assumiram atitudes “patrióticas” contra a troika. Só resta saber se esta “esquerda do resgate” transformar-se-á numa “esquerda resgatada” ou em mais um dos múltiplos “resgates da esquerda”.
 
III - Cuba, Angola, a Linha da Frente, jogaram um papel histórico fundamental no fim do apartheid e na independência da Namíbia. Nas palavras de Mandela a Revolução Cubana “destruiu o mito da invencibilidade do opressor branco (…) inspirou a luta de massas na África do Sul” e em Angola, “Kuito Canavale foi um ponto de viragem para o nosso continente e para o meu povo (…).” 
 
Em Fevereiro de 1976, num período em que as tropas sul-africanas ocupavam parte do território do sul de Angola (Republica Popular de Angola, na época) mas em que as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e as forças internacionalistas cubanas empurravam os invasores e os seus agentes para fora do território, tendo-os já expulso da região centro do país, um editorial do jornal sul-africano The World, próximo ao ANC, referia: "Black Africa is riding the crest of a wave generated by the victory in Angola. Black Africa is tasting the heady wine of the possibility of achieving total liberation".
 
A primeira grande contribuição de Cuba na libertação da África do Sul foi, como referiu Mandela na prisão, em 1975, quando teve conhecimento da presença das forças internacionalistas cubanas em Angola). Pela primeira vez na História do continente africano existiu uma efectiva e solidária ajuda externa. Por sua vez as vitorias militares obtidas em Angola representaram a primeira grande derrota militar do apartheid. Em Angola, Moçambique (outro grande contributo para a luta do povo sul-africano, a solidariedade prestada pela Republica Popular de Moçambique, pela FRELIMO e pelo Presidente Samora Machel) e nos países da Linha da Frente o ANC encontrou a solidariedade dos respectivos povos.
 
Este contexto solidário não saiu do nada. Foi construido através de décadas, na luta de libertação nacional. Iniciou-se quando Che Guevara, como representante do governo revolucionário cubano, visitou a África subsariana e estabeleceu relações com diversos movimentos de libertação nacional africanos, entre deles o MPLA, que tinha uma delegação em Brazzaville. Depois foi a grande epopeia do Congo, onde as forças internacionalistas cubanas participaram directamente nos combates, ao lado das forças patrióticas congolesas, lideradas por Patrice Lumumba, contra os mercenários europeus, norte-americanos, sul-africanos e rodesianos. Egipto, Argélia e Tanzânia, Cuba e os patriotas congoleses, travaram um combate conjunto no Congo. Estes são momentos históricos da grande epopeia que é a luta de libertação nacional dos povos africanos, sempre apoiadas pela solidariedade internacionalista dos povos do mundo.  
 
IV - Os USA, em 1975, estavam preocupados com a “Questão Angolana” e a presença das forças cubanas em Angola. Na época o Secretário-de-Estado norte-americano, Henry Kissinger, explicava: “We thought, with respect to Angola, that if the Soviet Union could intervene at such distances, from areas that were far from the traditional Russian security concerns, and when Cuban forces could be introduced into distant trouble spots, and if the West could not find a counter to that, that then the whole international system could be destabilized.”
 
Em resposta a estas afirmações de Kissinger, Fidel Castro explicou que a presença cubana em Angola era uma questão de “globalização da nossa luta, em resposta às pressões e agressões mundiais dos USA e neste caso a nossa opinião não coincide com a da União Soviética. Actuamos sem a sua cooperação, embora a URSS esteja presente e activa na ajuda ao povo angolano.”
 
Na sua intervenção Kissinger esqueceu-se de referir que Cuba interveio a pedido do Governo da Republica Popular de Angola, em resposta á invasão Sul-Africana, respaldada pelos USA. Mas alguns anos depois nas suas memórias, Kissinger reconhece a omissão desse facto, não apenas na sua intervenção, mas na política externa dos USA e vai mais longe: “Why did Castro take this decision? Fidel Castro was probably the most genuine revolutionary leader then in power." Esta observação fica-lhe bem e não é gratuita, vinda de quem vem (Kissinger é um homem conhecido pela sua arrogância). Claro que “the old Henry” não conhece o valor intrínseco da solidariedade. Da sua boca não poderão sair afirmações plenas de humanismo como as de Fidel em 1998, na África do Sul, efusivamente aplaudidas por Mandela: “Deixem África do Sul ser um modelo de justiça e de um futuro mais humano”.   
 
O respeito com que Cuba sempre tratou Angola, a decisiva solidariedade cubana no combate deste país pela sua soberania nacional, a assistência técnica e humana prestada por Cuba, são factores históricos, solidários, que no continente africano jamais serão esquecidos. E essa foi outra das questões que “a velha raposa” Henry Kissinger nunca compreendeu. Aliás que os USA não entendem, se observarmos a forma como os norte-americanos tratam os seus aliados: “Boys”         
 
V - Mandela foi comandante em chefe do Umkhonto we Sizwe (MK, Lança da Nação), quando o ANC optou pela luta armada. Até lá a luta de massas desenvolvia-se através de demonstrações mais ou menos pacíficas. Mandela era conhecido por “Black Pimpernel”, por ter conduzido uma grande greve nacional, em Maio de 1961, brutalmente reprimida pela polícia. Os acontecimentos de Sharpeville e a repressão cada vez mais brutal a que as forças do apartheid submetiam as acções de protesto, levaram ao abandono da luta não-violenta, substituída por novos métodos de combate e por uma nova organização.  
 
As primeiras operações de sabotagem foram realizadas com meia tonelada de dinamite desviada de uma construtora e grande parte dos explosivos utilizados eram baseados numa leitura obrigatória para os guerrilheiros: “The Anarchist Cookbook”. A preparação teórica era também retirada de livros como “Farewell to Arms” de Hemingway (sobre a Guerra Civil de Espanha), relatos da resistência francesa á invasão nazi, obras do Che, relatos escritos pelos combatentes soviéticos e pelos “partisans” jugoslavos, nos registos dos combatentes quenianos do Kenyan Land Freedom Army (conhecidos por Mau-Mau) e da Argélia, para além das leituras de Mao, ou da luta vietnamita.  
 
As operações de guerrilha desta fase, usualmente acções de sabotagem, preencheram o vazio deixado pela legislação que baniu, primeiro, o Partido Comunista (SACP) e depois o ANC e o PAC (Congresso Pan-Africano). Nesse ano (1961), Mandela apelava aos militantes para “estudar a resistência africana. Conhecer a luta em África em particular a luta armada contra o colonialismo e nela inspirarmo-nos e motivarmo-nos. Conhecer os seus sucessos, os seus problemas e os seus erros”.
 
Este foi um período em que as relações entre o ANC e o SACP (históricas e sempre próximas) estreitaram-se ainda mais, no seio do MK. Formado na década de vinte do século passado, o SACP, era formado por ingleses, vindos do movimento sindical britânico, judeus, trabalhadores imigrantes russos e do Leste da Europa. Durante a década de trinta muitos trabalhadores africanos aderiram ao SACP. Lideres sindicais negros como Moses Kotane, J.B.Marks, Duma Nokwe, eram também militantes do ANC, de Mandela e de Oliver Tambo.
 
Este relacionamento não foi isento de tensões, particularmente nas décadas de 40 e 50. Mandela reflectiu essas tensões, nesse período, preocupado com o papel dos comunistas, maioritariamente brancos, mas já com muitas ramificações nos mineiros negros. Para grande parte dos nacionalistas africanos dessa época o marxismo era visto como um factor alienígena. Por sua vez a oposição ao apartheid por parte dos brancos era ainda dominada pelo Partido Liberal, liderado por Alan Paton, profundamente anticomunista e que nunca aceitou sentar-se às mesas das negociações com o ANC, para estabelecer um movimento oposicionista que englobasse a comunidade branca. Os laços históricos com o SACP acabaram por prevalecer e os comunistas levaram para o interior do ANC grande número de trabalhadores mineiros e de sindicalistas, alterando a composição inicial do ANC e o seu carácter organizativo. O ANC tornou-se popular entre as camadas urbanas, saiu da ruralidade e cresceu entre as classes trabalhadoras das principais cidades do país. A repressão e as prisões fizeram o resto e em finais dos anos 50 os líderes do ANC entenderam o importante papel do SACP e dos comunistas brancos e a dupla clivagem da Africa do Sul do apartheid: a raça (a divisão branco/negro) e a de classe (da divisão trabalho/capital). Durante este período Mandela e Sisulu ficaram impressionados com líderes brancos comunistas, como Joe Slovo (mais tarde, secretário-geral do SACP), Mick Harmel e Ruth First. A aproximação entre os dois sectores tornou-se desde então, efectiva e esta influência marxista está reflectida em vários documentos do ANC, inclusive na orientação socialista da Carta das Liberdades, documento que refere o controlo das minas, dos bancos e da indústria.  
 
Esta orientação é completamente abandonada em Julho de 1992, durante a conferência de Davos, onde Mandela rejeita, publicamente, a nacionalização dos sectores estratégicos da economia e declara-se adepto de uma política macroeconómica que privilegia o sector privado. É bom no entanto não esquecer que Mandela não seguiu sozinho nesta opção, tendo a ala esquerda do ANC (Ronnie Kasrils, por exemplo) e o SACP (naquele momento ainda liderado por Joe Slovo), apostado na mesma via.
 
Estes sectores apontam como principal razão para esta cedência, o ambiente de guerra civil que se vivia naqueles tempos. A instabilidade que o Inkata (partido zulu da extrema-direita) e a extrema-direita bóer introduziram, ameaçavam profundamente o processo democrático e as reformas em curso. Da tentativa em obter consensos alargados, para fugir ao confronto directo com as forças fascizantes bantus e bóeres, os líderes do ANC (e os do SACP) atiraram o país para os braços da continuidade capitalista, desta vez possibilitando às elites capitalistas os mecanismos de reprodução proporcionados pela Democracia politica. As elites negras sul-africanas aplaudiram, as elites brancas (as anglófonas e as bóeres) agradeceram e as restantes elites (indianas, judaicas, islâmicas) tiraram os chapéus e curvaram a cabeça, colando-se ao ANC.
 
Hoje predomina a corrupção, a pobreza, o desemprego e uma economia que recusa em arrancar. Talvez porque falte ao mecanismo de ignição da economia sul-africana o combustível da Justiça Social.     
 
VI - Mandela reflecte as contradições inerentes ao nacionalismo africano. Só que, ao contrário de alguns dos seus congéneres no continente, estas contradições são ampliadas pelo facto de a Africa do Sul ser a única economia capitalista assumida durante o período colonial e ter-se assumido como Estado – exactamente porque as relações capitalistas eram muito mais desenvolvidas e necessitavam do Estado-nação para se expandirem - muito mais cedo do que a maioria dos países africanos (exceptuando a Libéria e os diversos protectorados espalhados pelo continente, que nunca perderam o seu papel de Estado, pelo menos em termos de administração interna, quase sempre no âmbito da “administração dos assuntos indígenas”).          
 
Um dos episódios que é merecedor de ser referido na biografia combatente de Mandela é a sua captura em 1962 (um período em que a sua radicalização ideológica e a aproximação ao marxismo estava efectuada e em que as relações com o SACP assumiram um laço permanente) pelos serviços secretos do apartheid, numa operação em que a CIA colaborou. Este envolvimento foi admitido pela própria agência norte-americana, poucas horas depois da captura de Mandela, através de um operativo sénior desta agência, Paul Eckel, que afirmou num relatório efectuado após a operação: "We have turned Mandela over to the South African security branch. We gave them every detail, what he would be wearing, the time of day, just where he would be. They have picked him up. It is one of our greatest coups." Os operacionais da CIA nesta operação foram comandados por Donald Rickard, um oficial superior da agência, destacado em 1960 para a Africa do Sul e o tema só surgiu na imprensa norte-americana em 1986, no New York Times, pela mão de Andrew Cockburn, actualmente editor do “Harper´s magazine”, de Washington. Actualmente um grupo activista, o “Roots Action” lançou uma campanha que exige á CIA que liberte os ficheiros de Mandela e da África do Sul.  
 
As relações com o apartheid não foram apenas feitas através da CIA. A NSA, durante os finais dos anos 70 e a década de 80, mantinha rotineiramente contactos com os serviços secretos do apartheid e interceptava informação e movimentos de militantes do ANC. Mas as coisas não se ficavam apenas por aí. Um ex-operacional dos serviços secretos sul-africanos, Mike Leach, trabalhou com a CIA em algumas operações conjuntas, que envolveram a produção e utilização de um gás, que depois de inalado provocava morte por problemas nas coronárias e que foi utilizado em vários militantes sul-africanos, principalmente líderes mineiros, activistas sindicais, activistas universitários ou militantes de estruturas organizativas da guerrilha urbana. O mesmo operacional colaborou na produção e distribuição de T-shirts com estampas anti-apartheid, feitas de uma de uma solução de fibra de vidro, que produzia irritações na pele e convulsões nos seus utilizadores, na maioria jovens estudantes. 
 
As relações entre a CIA, a NSA e outras agências norte-americanas e o apartheid estreitaram-se durante o bloqueio imposto á Africa do Sul, recorrendo inúmeras vezes aos corredores israelitas. Para além dos projectos acima descritos, durante este período foi iniciado um projecto de criação de uma “bomba étnica”, baseada no estudo da pigmentação da pele e que produziria efeitos nocivos nas pigmentações pré-definidas nos laboratórios.
 
O relacionamento foi extremamente activo durante a guerra de agressão a Angola e mesmo após a retirada das forças sul-africanas no terreno, em acções de apoio e suporte logístico á UNITA. O mesmo factor foi valido para Moçambique e a RENAMO e encontram-se elementos de cooperação na operação lançada contra as Seychelles e nas diversas campanhas de instabilidade lançadas nos países da Linha da Frente e outros países africanos.  
 
Que deste relacionamento nasceram pontes que possibilitarem as negociações também é um factor a levar em conta, uma vez que a manutenção do apartheid ficou fora de questão e que era necessário conduzir um processo de reformas, que proporcionasse uma transição pacífica (pretendida, por diferentes motivos, por ambas as partes) e garantisse que, após a transição, o controlo dos aparelhos económico e político seriam assegurados. Com estas premissas ficou traçado o perfil da África do Sul pós-apartheid.
 
Da Revolução Democrática (preconizada no programa do ANC e na Carta das Liberdades) restou a Democracia Politica e a separação de poderes (o que apesar de limitativo é um espaço importante de actuação da soberania popular). Da Democracia Económica, Social e Cultural é que nem sombras, apenas o reflexo multicolorido (como um arco-íris) do imenso casino que a “liberalização” ergueu, não sob as ruinas do apartheid (que não ruiu) mas sim sob a pele tratada com os cosméticos aplicados.      
 
Fontes
Gleijeses,Piero Visions of Freedom: Havana, Washington, Pretoria, and the Struggle for Southern Africa, 1976-1991, University of North Carolina Press, 2013.
The Guardian, June, 24, 2013
 

LÍDER DA UNITA DEFENDE NOVO “CONTRATO SOCIAL” PARA ANGOLA

 


O presidente da UNITA, Isaías Samakuva, defendeu no seu discurso de fim de ano um "contrato social" para Angola, para substituir o que considerou ter "ruído e falido" devido às violações da Constituição pelo Governo.
 
"Quando a Constituição é pisada todos os dias por quem a devia proteger, quando o futuro dos filhos da nação é sequestrado por quem o devia proteger, quando o Governo entra em conflito aberto com o povo e passa a violentar a dignidade da pessoa humana, quando o executivo se torna o epicentro da corrupção, então a nação precisa de celebrar um novo contrato social", disse Samakuva na sua mensagem distribuída à imprensa.
 
Para o líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), nenhum dos diversos acordos assinados para a paz de Angola teve o mérito de produzir o contrato social angolano.
 
"Parece haver um consenso nacional sobre o diagnóstico dos passivos históricos, das debilidades estruturais e dos problemas mal resolvidos que enfermam a conspeção no nosso país e a génese do nosso Estado", sublinhou Samakuva na sua mensagem.
 
O líder do maior partido da oposição angolana referiu que o novo contrato social deve ser "pacífico, livre, consensual e democrático", visando "reformas ou transformações culturais e estruturais profundas, que, pela sua natureza e dimensão, configuram uma revolução democrática.
 
"Revolução no conceito de Angola, revolução na forma de participação política dos cidadãos, revolução na forma de gerir a economia, revolução nas políticas públicas para a educação, emprego, saúde e habitação, revolução na administração da justiça, revolução na descentralização do poder", definiu.
 
Segundo o líder da UNITA, "a paz militar está consolidada, mas a paz civil tarda a chegar", demonstrando os acontecimentos de 2013 que "ela ficou mais longe".
 
"Algo está errado. Sim, algo está errado, porque quando há crescimento regular da riqueza nacional, ou seja do Produto Interno Bruto, e não há crescimento do bem-estar dos nacionais, ou seja, da Felicidade Interna Bruta, algo está errado", considerou.
 
O aumento das despesas militares em detrimento da despesa pública social no Orçamento Geral do estado para 2014, é uma demonstração para a UNITA de que "o ano de 2014 será pior" que o ano que termina.
 
"Tal como nos anos anteriores, o ano de 2013 foi também uma combinação perversa de imensas oportunidades de crescimento para uns poucos, com o estado de miséria, ignorância e sofrimento da grande maioria dos angolanos. E tudo indica que o ano de 2014 será pior", disse Isaías Samakuva.
 
Notícias ao Minuto com Lusa – foto cache da Lusa
 

José Eduardo dos Santos: Liberdade e democracia não são livre-trânsito para calúnia

 


O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, considerou hoje em Luanda que a «liberdade e a democracia» não são um «livre-trânsito» para o insulto gratuito e a calúnia.
 
Na mensagem presidencial de Ano Novo, transmitida em direto pela rádio e televisão públicas, José Eduardo dos Santos sublinhou que «sem respeito e aceitação do outro não há tolerância nem existem condições para o exercício da cidadania».
 
«A liberdade e democracia garantidas pela Constituição não constituem um livre-trânsito para o insulto gratuito, para a ofensa moral e para a calúnia de quem quer que seja. Aqueles que utilizam esta prática com a intenção de colher dividendos políticos e projetar a sua imagem perdem tempo e também perdem prestígio e consideração diante dos seus compatriotas», enfatizou.
 
José Eduardo dos Santos rejeitou ainda que o Estado angolano implemente a «cultura da morte ou do assassinato por razões políticas», atos que considerou contrários à Constituição, e recordou que a pena de morte foi abolida em 1991.
 
«Em conformidade com a Constituição incumbe ao Estado proteger e garantir o direito à vida dos cidadãos e tudo tem sido feito e continuará a ser feito nesse sentido», assegurou.
 
O Presidente angolano exprimiu ainda o seu «apreço» aos responsáveis políticos, religiosos e de organizações da sociedade civil, que se manifestam «sempre contra o incitamento ao ódio, à violência ou ao desrespeito pela legalidade estabelecida e promovem campanhas de educação a favor da paz e a harmonia» na sociedade angolana, apesar das diferenças de opiniões.
 
No discurso de pouco mais de dez minutos, José Eduardo dos Santos abordou igualmente questões ligadas à juventude angolana, relativamente à formação profissional e ao acesso à habitação condigna, não esquecendo ainda o papel da mulher na sociedade angolana, com destaque a do meio rural.
 
O censo geral da população, marcado para maio de 2014, foi igualmente focado pelo Presidente angolano, que apelou para a participação da população.
 
Segundo José Eduardo dos Santos, o censo vai permitir que, no momento da materialização das autarquias de modo faseado e progressivo, como recomendou o Conselho da República em 19 de dezembro de 2011, os seus gestores estejam mais capacitados para dar resposta aos problemas concretos das comunidades sob sua responsabilidade.
 
A finalizar, reafirmou o compromisso de o Governo continuar a dar o seu melhor contributo para que Angola continue a crescer e as famílias tenham uma vida cada vez mais condigna, num clima de paz, harmonia e tolerância.
 
TSF - foto em cache da Lusa
 

BANDEIRA DE LONGOS RESGATES!

 


Viemos de longe,
dos tempos das trevas
quando era arredio o sol
e os monstros
disputavam o espaço
da vida!!!

Viemos de longe,
atravessámos rios,
florestas,
savanas imensas
e mares
que nunca quisemos navegar…

exilaram-nos
onde era mais doce
a cintura do açúcar
para que velhos rituais
mantivessem de pé
os moinhos de Quixote!

exilaram-nos agrilhoados
em ilhas longínquas,
onde se acoitavam
fantasmas e piratas,
mas também, quem diria,
os sonhos antigos…

Um dia houve,
em que um brado
pôs fim
às dores seculares
que atravessaram
os tempos…

Uma inaudita vontade
se levantou do chão
e houve
que semear luz
com amor perene
entre as trevas!

Confesso que estamos aqui,
onde foi erguida
esta bandeira
e sabemos
que os desvarios passados
não há que repetir!

Por isso ao olhar a luz
queremos repartir
pão, trabalho, amor,
e a dignidade da torrente
que transformou os escravos
em homens iguais!

 Martinho Júnior, Luanda
 

EXÉRCITO ANGOLANO ACUSADO DE VIOLAÇÕES EM MASSA

 


«Os militares angolanos cometem atos coletivos de violência sexual, segundo os testemunhos das vítimas», lê-se num comunicado dos Médicos Sem Fronteiras.
 
Novecentas e cinquenta refugiadas da República Democrática do Congo em Angola foram violadas entre janeiro e novembro deste ano durante o processo de deportação, denunciou hoje em comunicado a secção belga da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), que desde agosto de 2012 apoia as congolesas expulsas de Angola que são vítimas de violações.
 
A organização não-governamental dá apoio às vítimas das violações nas zonas de Luamno e Kamoni, na província do Kasai-Ocidental, na zona oeste da RDCongo, onde a MSF auxilia refugiados congoleses deportados dos países vizinhos. .
 
Apesar das medidas adotadas pelas autoridades angolanas e congolesas contra a violência sexual, este tipo de casos continua a registar-se.
 
A MSF considera «inaceitável» a falta de atenção dada às vítimas de violação pelas autoridades angolanas e exige ao Governo de Luanda que proteja os refugiados e persiga os responsáveis pelos abusos.
 
Não é a primeira vez que as forças de segurança angolanas são acusadas por organizações internacionais de violarem mulheres do Congo.
 
TSF, em 24 dezembro 2013
 

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