Vencedor das prévias, candidato
repete a ladainha de que o Estado, a justiça social e a “classe política” são
pesos nas costas do país. Mas por que milhões de argentinos pobres, que serão
duramente atingidos por suas políticas, podem vir a elegê-lo?
Antonio Jose Alves Junior e
Claudia Henschel de Lima* | Outras Palavras | # Publicado em português do
Brasil
Os resultados das primárias,
simultâneas e obrigatórias na Argentina, no dia 13 de agosto de 2023, revelam
um claro predomínio do voto de direita e indicam a derrota do peronismo,
possivelmente, já no primeiro turno, em outubro. O vencedor, Javier Milei, o “Bolsonaro
argentino”, do partido La
Liberdad Avanza, obteve mais de 30% dos votos, deixando para
trás Patrícia Bullrich, da ala direita do partido de direita Juntos por el
Cambio, com 17,0% das preferências, e o peronista e atual ministro da Economia,
Sergio Massa, do Union por la
Patria, com pouco mais de 21% dos votos. Reviravoltas podem
acontecer, mas o resultado, que emerge da triagem das Primárias, sugere que a
extrema-direita de Milei tem grandes chances ganhar ainda no primeiro turno se
puder atrair os votos de Patricia Bullrich e demais candidatos derrotados da
direita.
Esse resultado é parcialmente
tributário do insucesso do governo de Alberto Fernandez em lidar com a
crescente inflação, com a gravidade dos déficits de balança de pagamentos e com
as privações materiais cada vez mais agudas que impactam diretamente a vida da
população. Seu governo não demonstrou força política ou vontade para promover
mudanças radicais, como, por exemplo, a instituição do controle do movimento de
capitais para estabilizar o câmbio e conter a inflação. É nessa esteira da
crise e impotência do governo que Milei, autointitulado liberal libertário,
defensor radical do livre mercado e do amor livre (segundo declaração de
5/10/2017, ao programa do La
Nación, Terapia de Noticias), avança a passos largos.
Longe de propor uma correção de
rumos, sua campanha é recheada de “propostas radicais”, como o fim do Banco
Central e a dolarização da economia argentina, o fechamento de vários
ministérios, a instituição do sistema de vouchers para educação e
saúde, a liberação da venda de órgãos, a revisão dos direitos humanos para
bandidos, a revalorização das polícias e das forças armadas, bem como a
retirada da Argentina do Mercosul. Será, como diz, uma virada de 180 graus, uma
destruição do status quo do Estado argentino a partir de dentro, ou
seja, como presidente eleito. Sua formulação condensa a visão política
antissistema e essencialmente contra o Estado.
Milei vê no Estado argentino
populista de esquerda (sic), decadente há mais de 100 anos, a origem do
problema político e econômico central do país, i.e., o problema fiscal jamais
resolvido, grande mal econômico, responsável pela estagnação. Em sua opinião, o
erro de todos os programas de estabilização foi transferir o custo do Estado
ineficiente e gastador para o setor privado. Por isso, sua proposta de
destruição do status quo se materializa por meio de um programa de
estabilização em que os custos são pagos pelo Estado, por meio de sua redução
radical. A linha de ação será o cortes de gastos, com a extinção de ministérios
(Obras Públicas; Trabalho, Emprego e Segurança Social; Educação; Ciência,
Tecnologia e Inovação; Saúde; Cultura; Mulheres, Gênero e Diversidade; Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável) e as Privatizações.