domingo, 6 de novembro de 2011

Grécia: DO OLIMPO AO INFERNO




Apostolis Fotiadis – IPS – Carta Maior

A capital da Grécia vê multiplicarem-se os problemas sociais derivados da grave crise econômica. Desnutrição, Aids, prostituição, drogas e suicídios são ameaças crescentes. A economia teve uma contração de 5% este ano, enquanto o desemprego chegou a 20% da população economicamente ativa. Em consequência, muitos enfrentam a ameaça da extrema pobreza pela primeira vez nas suas vidas. Muitos ficaram sem teto e, apesar de se aproximar o inverno, reúnem-se em massa nas principais praças do país.

Apesar de o governo insistir em dizer que o ajuste fiscal é necessário para melhorar a posição do país frente aos mercados internacionais, os cidadãos vão se convencendo de que o custo social é muito alto.

Desde o ano passado, o governo vem aumentando impostos e reduzindo pensões e salários de funcionários públicos. No mês passado, as autoridades anunciaram que reduziriam o salário de 30 mil funcionários públicos como medida prévia à suspensão dos seus contratos, e também que diminuiria as pensões de quase meio milhão de aposentados do setor.

Além disso, o governo impôs um “imposto de solidariedade”, que varia de 1% a 4% do rendimento, lançando, dessa forma, sobre os contribuintes a carga dos apoios aos desempregados. Também introduziu taxas adicionais aos trabalhadores independentes. E, ainda, elevou o imposto sobre valor acrescentado da maioria dos bens e serviços. O dos alimentos subiu de 13% para 23%. Apesar de todas estas medidas, Atenas não conseguiu controlar a crise.

Na semana passada, a União Europeia concluiu o Acordo de Bruxelas, destinado a reduzir a metade a dívida grega. A economia teve uma contração de 5% este ano, enquanto o desemprego chegou a 20% da população economicamente ativa. Em consequência, muitos enfrentam a ameaça da extrema pobreza pela primeira vez nas suas vidas. Muitos ficaram sem teto e, apesar de se aproximar o inverno, reúnem-se em massa nas principais praças do país.

A organização sem fins lucrativos Médicos do Mundo realiza um programa voluntário para ajudar os sem-teto e também administra uma policlínica em Perama, distrito de Atenas, onde a maioria da população economicamente ativa dependia da construção e reparação das docas. O colapso dessa indústria nos últimos anos levou à pobreza centenas de famílias do distrito.

Nikitas Kanakis, director da Médicos do Mundo, disse que Atenas está à beira de uma crise humanitária. “Dos 40 meninos e meninas que o nosso pediatra examinou há duas semanas, 23 estavam desnutridos”, disse à IPS. “Há alguns anos pensávamos que este país havia passado a fase em que a falta de comida era um relevante problema social. Agora estamos a fazer pedidos públicos de abastecimento, para poder dar aos que necessitam rações secas e roupa, juntamente com os nossos medicamentos”, acrescentou Kanakis.

Segundo Giorgos Apostolopoulos, chefe do Centro de Atenas para Pessoas Sem Tecto, a falta de alimentos está a chegar a um ponto crítico. O centro, que distribui refeições várias vezes ao dia para pessoas necessitadas, experimentou um aumento de 30% nas visitas desde o começo deste ano. “Oferecemos três mil refeições diárias no nosso Centro, e a Igreja Ortodoxa Grega outras 3.200, por meio das nossas instalações”, disse Apostolopoulos à IPS. Há alguns dias, o Centro fez um pedido público de doações de macarrão e molho de tomate em lata para cobrir as rações do final de semana, que foram afetadas pela falta de recursos.

Cerca de 12 mil refeições são oferecidas em Atenas diariamente aos necessitados. “Embora tenha havido aumento no número de visitantes, é extremamente difícil calcular a quantidade exata de pessoas que sofrem carências, já que os que experimentam essa condição pela primeira vez tendem a ser muito reservados”, acrescentou Apostolopoulos.

Este ativista destacou que ele e os seus colegas atravessam sérias dificuldades diárias para manter o Centro a funcionar. “Consideramos que a crise econômica e política exerce enorme pressão nas estruturas administrativas, temos que lutar para sobreviver a cada dia. Acredite, é uma realidade muito difícil que temos de enfrentar”, contou à IPS.

Outro problema é o abuso de drogas, que agora tomou conta dos espaços públicos, sobretudo nas proximidades de universidades, sem que haja vigilância ou esforços de prevenção. Evvagelos Liapis, médico do Centro para o Controle e a Prevenção de Enfermidades, disse que as policlínicas móveis do instituto examinaram oito mil pessoas desde Junho.

“Embora ainda não possamos apresentar números exatos, já podemos constatar uma óbvia correlação entre a deterioração económica e as condições de saúde de grupos sociais específicos. Os impactos da crise são sentidos sobretudo pelas pessoas sem tecto, pelos imigrantes ilegais e os viciados em drogas no centro de Atenas”, ressaltou Liapis à IPS.

“Notamos um significativo aumento das doenças transmitidas por contacto da pele ou sexualmente, como a sífilis. Também estudamos um possível aumento nos casos de hepatite e do vírus HIV (vírus da deficiência imunológica humana, causador da Aids) entre esses grupos de pessoas”, acrescentou o médico.

Liapis acredita que a deterioração das condições de saúde é o resultado direto do colapso dos programas sociais, como os de troca de seringas para viciados em drogas. “Um viciado sem dinheiro seguramente prefere economizar um euro para a sua dose do que comprar uma nova seringa”, o que o deixa sob o risco de contrair o HIV. “Além do aumento das doenças sexualmente transmissíveis, também temos fortes indícios de aumento da prostituição nas ruas”, acrescentou. E, em Setembro, o ministro da Saúde, Andreas Loverdos, informou que os suicídios aumentaram 40% nos primeiros meses de 2011. (Envolverde/IPS)

Chile: Onda de perseguição a jornalistas, com prisões, espancamentos e atentados a bomba




João Paulo Charleaux, Santiago – Opera Mundi

A tropa de choque avançava pela direita, disparando escopetas de gás lacrimogêneo. Do lado oposto, manifestantes atiravam paus e pedras. No fogo cruzado, o fotógrafo da IPS (International Press Service) Fernando Fiedler engolia seco e apertava o obturador da câmera. Daquela vez, ele esperava ser atingido.

Fiedler só não podia imaginar que o alvo principal da polícia chilena naquela operação fosse ele mesmo, não os manifestantes. O fotógrafo foi arrastado pela Rua Pio IX e brutalmente espancado por um grupo de policiais. Em seguida, foi atirando dentro de um camburão e levado à 6ª Delegacia de Polícia, no bairro Recoleta, em Santiago.

O fotógrafo perguntou diversas vezes onde estava e qual o motivo da detenção. Mas ninguém respondeu. Um dos guardas calou Fiedler com uma chave no pescoço. O fotógrafo ajoelhou, de dor. A câmera foi arrancada e todas as imagens que mostravam a polícia disparando as escopetas de gás lacrimogêneo na direção do corpo dos manifestantes – e não para o alto, como diz a norma – foram apagadas do cartão de memória da máquina. “É para preservar o meu trabalho”, disse um deles, cuja identificação no uniforme dizia “Andrade”.

O caso de Fiedler converteu-se no primeiro “sequestro” de um repórter por agentes do Estado chileno desde o fim da ditadura Pinochet (1973-1990) e, longe de ser um episódio isolado, revelou a existência de uma política sistemática de agressão aos jornalistas que trabalham no Chile. A acusação é negada pelo governo e pela polícia.

Desde março de 2010, 12 repórteres que registravam manifestações de rua a serviço de agências internacionais de notícias foram vítimas de ameaças, agressões, torturas, detenções arbitrárias e atos de censura cometidos pela polícia chilena. Pelos menos cinco jornalistas de emissoras, jornais e produtoras locais sofreram agressões semelhantes no mesmo período.

A maioria dos casos está concentrada nos últimos seis meses, período que os estudantes chilenos foram às ruas pedir educação pública e de qualidade. O recrudescimento da repressão também ocorre no momento que o presidente do Chile, Sebastián Piñera, atinge a pior avaliação entre todos os presidentes das Américas, apenas 22%.

Fotógrafo perdeu um olho

Embora a violência contra a imprensa no Chile tenha aumentado durante o mandato de Piñera – primeiro presidente de direita eleito democraticamente no país nos últimos 50 anos –, a polícia local já atuava com a mesma brutalidade antes disso.

Em maio de 2008, o fotógrafo da agência espanhola de notícias Efe Victor Salas perdeu o olho direito depois de ser agredido com um golpe de cassetete por um policial da cavalaria que reprimia um protesto de rua, na cidade de Valparaiso.

Na madrugada de 1 de novembro, uma bomba montada dentro de um extintor de incêndio explodiu na frente do edifício onde fica o jornal La Tercera, um dos principais do Chile, rompendo os vidros da fachada.

As agressões são noticiadas brevemente pelas agências de notícias onde os jornalistas agredidos trabalham, como foi o caso do jovem fotógrafo Hector Retamal, da AFP (Agence France Presse), espancado pela polícia chilena quando cobria uma manifestação de estudantes, no dia 18 de outubro, em Santiago.

Retamal conta que apanhou tanto que ainda é incapaz de lembrar exatamente como as coisas aconteceram. Ele só pode entender o que sofreu depois de ouvir outros colegas fotógrafos contando o que viram.

O Opera Mundi conversou com ele um dia depois do episódio. O fotógrafo estava abatido. Disse que ainda sentia dor na mandíbula e no ouvido esquerdo, mas trabalhava normalmente. “Fui surrado pela polícia dentro de um camburão, com chutes e socos na cara, nas costelas e nas costas. Também usaram cassetetes e escudos para me agredir. Depois de apanhar muito, fui liberado. A acusação foi de ter obstruído o trabalho da polícia”, disse.

O caso de Retamal é semelhante a muitos outros, como o do fotógrafo Jorge Veillegas, da agência de notícias chinesa Xinhua. No dia 18 de agosto de 2010, policiais capturaram o fotógrafo, que cobria uma manifestação de rua, e pressionaram contra o rosto dele uma granada de gás lacrimogêneo, antes de soltá-lo. A inalação do clorobenzilideno malononitrilo pode ser fatal, dependendo da concentração e do tempo de exposição.

Flagrantes da violência policial

A disponibilidade de celulares com câmeras tornou mais fácil flagrar episódios de agressão contra a imprensa. Diversos vídeos podem ser encontrados hoje na internet, mostrando excessos da polícia chilena. A novidade fez com que a polícia também incorporasse na tropa de choque um policial responsável por gravar imagens.

Num desses flagrantes, Luis Narváez, do canal local de televisão Chilevision, aparece sendo detido no dia 6 de outubro, depois de defender seu câmera, Gonzalo Barahona, capturado na mesma ação. O repórter da CNN Nicolás Oyarzún e o jornalista de outra emissora local de TV, a Megavision, Jorge Rodríguez, também foram agredidos por policiais no mesmo dia.
Num dos casos mais grotescos, o fotógrafo independente Francisco Maturana, que fazia imagens de uma manifestação estudantil em Santiago, no mês passado, teve um fuzil enfiado dentro das calças por um membro da tropa de choque, enquanto era segurado por outros dois policiais. Maturana está processando a polícia por detenção ilegal e tortura.

Não há sequer a quem pedir direito de reprodução pela foto que mostra Maturana sendo agredido, porque o autor não se identifica, temendo represálias da polícia.

“Venha ver o exemplo que nós somos”

Depois de colher várias histórias de repórteres agredidos, a reportagem do Opera Mundi foi convidada para um encontro com o ministro da Secretaria Geral de Governo, Andrés Chadwick, no Palacio de La Moneda, sede da Presidência, em Santiago, no dia 21 de outubro.

Chadwick negou categoricamente que haja uma política de perseguição sistemática à imprensa. “Venha ver de perto o exemplo de liberdade de expressão que nós somos hoje”, disse o ministro, apenas um dia depois de o governo ter invocado a Lei de Segurança Nacional, do tempo da ditadura, para reprimir os manifestantes. Na véspera, um tanque lança-água da tropa de choque havia apontado o canhão na direção da reportagem do Opera Mundi, um braço de distância do veículo. Não queriam fotos.

* * *
Andrés Chadwick - Em todos os países, os jornalistas podem ter problemas, de repente, com a polícia. Imagino que o Brasil não seja uma exceção.

Opera Mundi - No Brasil, não há nenhum fotógrafo processando o Estado por sequestro cometido pela força policial, como acontece com o sr. Ferando Fiedler.

Chadwick - É um exagero. É preciso dar o nome correto às coisas. Uma detenção irregular não é um sequestro.

Opera Mundi - Só que, no Chile, quem vai julgar isso é a Justiça Militar. O sr. pensa que esses jornalistas agredidos podem confiar no resultado desse julgamento? É correto que um militar seja julgado por outro militar?

Chadwick - Se não estiverem satisfeitos com a sentença, podem recorrer à Suprema Corte de Justiça.

* * *
O pronunciamento de Chadwick é parco e raro. Marcelo Castillo, presidente do sindicato nacional dos jornalistas do Chile (Colegio de Periodistas) tenta ouvir isso da boca do ministro há meses. “Fizemos inúmeras denúncias sobre detenções de jornalistas que estavam trabalhando nas ruas, mas nunca obtivemos uma resposta”, disse Castillo.

O Opera Mundi também teve acesso ao documento enviado pela Associação dos Correspondentes Estrangeiros no Chile ao governo. O Ministério do Interior, responsável hierarquicamente pela polícia, nunca deu resposta.

Leia a íntegra do documento aqui.

O processo movido por Fiedler é precisamente por “sequestro”, como caracterizado no artigo 141 do Código Penal do Chile. Veja a integra nesse link.

A repressão e a aparente conivência do Estado levou o relator da ONU (Organização das Nações Unidas) para Liberdade de Expressão, Frank La Rue, a pedir acesso ao país no mês passado. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) também incluiu o assunto em sua última sessão, em São José da Costa Rica. Mas – com exceção da ONG Repórteres Sem Fronteiras – nenhuma outra organização de jornalistas ou de empresas de comunicação fez qualquer pronunciamento a respeito.

Silêncio internacional

No dia 18 de outubro, a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) esteve reunida em Lima, com representantes dos principais jornais das Américas. A organização emitiu um comunicado alertando para os ataques contra a imprensa, mas não no Chile – em Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador, principalmente. O principal jornal do Chile, El Mercurio, publicou na sequência um editorial intitulado “assédio à imprensa na América Latina”, mas tampouco deu destaque às agressões sofridas pelos jornalistas dentro do Chile.


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Iraque: AMARGO REGRESSO DOS EUA




Immanuel Wallerstein - Outras Palavras - Tradução: Daniela Frabasile

Wallerstein analisa nova derrota internacional de Washington. E antevê um avanço dos xiitas que, paradoxalmente, pode não interessar ao Irã

Agora é oficial. Todas as tropas norte-americanas — com uniforme dos Estados Unidos — serão retiradas do Iraque em 31 de dezembro de 2011. Podemos interpretar essa decisão de duas maneiras. Uma delas segue a visão do presidente Barack Obama: é o cumprimento de uma promessa eleitoral feita em 2008. A segunda é a interpretação dos candidatos republicanos à Presidência. Eles condenaram Obama por não ter feito o que dizem que o Exército dos Estados Unidos queria, que é manter alguns soldados depois de 31 de dezembro para treinar o exército iraquiano. De acordo com Mitt Romney, a decisão de Obama é “o resultado de um cálculo político ou simplesmente inaptidão nas negociações com o governo iraquiano”.

As duas explicações não têm sentido, e são meras justificativas para os eleitores. Obama tentou ao máximo — e em total conjunção com os comandantes do exército e com o Pentágono — manter as tropas norte-americanas depois de 31 de dezembro. Mas falhou, não pela inaptidão, mas porque os líderes políticos do Iraque forçaram os Estados Unidos a sair. A retirada marca o final da derrota americana, que pode ser comparada à derrota dos Estados Unidos no Vietnã.

O que realmente aconteceu? Nos últimos dezoito meses, as autoridades de Washington realmente tentaram negociar um acordo com os iraquianos. Esse acordo iria se sobrepor ao termo assinado pelo presidente George W. Bush, que se comprometia com a retirada total das tropas em 31 de dezembro de 2011. Eles falharam — e não é que não tenham se esforçado.

No Iraque, os grupos mais favoráveis aos Estados Unidos são os grupos sunitas liderados por Ayad Allawi, um homem com relações notoriamente próximas à CIA, e o partido de Jalal Talebani, o presidente curdo do Iraque. Os dois homens disseram — relutantes, sem dúvida — que seria melhor as tropas americanas deixarem o país.

O líder iraquiano que se trabalhou duro para chegar a um acordo que mantivesse as tropas norte-americanas foi o primeiro-ministro Nouri al-Malaki. Obviamente, ele acreditava que a pouca habilidade do exército iraquiano em manter a ordem levaria o país a novas eleições, nas quais sua posição política estaria muito enfraquecida e ele, provavelmente, colheria maus resultados nas urnas. Enfim, deixaria de ser primeiro-ministro.

Os Estados Unidos fizeram concessão atrás de concessão, reduzindo constantemente o número de soldados que manteriam no Iraque. No fim das contas, o ponto de atrito foi a insistência do Pentágono em garantir a imunidade jurídica dos soldados americanos (e dos mercenários), liberado-os da acusação de qualquer crime que cometessem no país. Maliki estava pronto para concordar com isso, mas ninguém mais estava. Os sadristas chegaram a dizer que iriam retirar seu apoio ao governo, se Maliki aceitasse as condições de Washington. Sem os votos dos sadristas, Maliki não obteve a maioria necessária no parlamento.

Então, quem ganhou? A retirada foi a vitória do nacionalismo iraquiano. E a pessoa que veio para encarnar o nacionalismo iraquiano é Muqtada al-Sadr. É verdade que al-Sadr lidera um movimento xiita que sempre foi violentamente contrário ao partido de Saddam Hussein, o Baath — o que, para seus seguidores, costuma significar ser contra muçulmanos sunitas. Mas al-Sadr afastou-se de sua posição inicial, para converter a si próprio e a seu movimento nos grandes defensores da retirada dos Estados Unidos. Ele estendeu uma mão para líderes sunitas e líderes curdos na esperança de criar uma frente nacionalista pan-iraquiana, centrada na restauração total da autonomia do Iraque. Foi ele quem ganhou.

É certo que al-Sadr — assim como Maliki e outros políticos xiitas — passou uma grande parte de sua vida exilado no Irã. Sua vitória seria o triunfo do Irã? Sem dúvida, Teerã ampliou sua credibilidade no Iraque. Mas seria um erro analítico enorme acreditar que o Irã substituiu o domínio dos Estados Unidos sobre o cenário político iraquiano.

Existem tensões fundamentais entre os xiitas iranianos e os xiitas iraquianos. Por um lado, os iraquianos sempre consideraram o Iraque — e não o Irã — como centro espiritual do mundo xiita. É verdade que, nos últimos 50 anos, as transformações no cenário geopolítico permitiram que os aiatolás do Irã parecessem dominar o universo do xiísmo. Mas isso é parecido com o que aconteceu na relação entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental depois de 1945. A força geopolítica dos Estados Unidos provocou um deslocamento na relação cultural entre dois lados do Atlântico. A Europa Ocidental teve que aceitar o novo domínio dos Estados Unidos — mas nunca gostou disso. E agora tenta retomar a hegemonia cultural. O mesmo acontece com o Irã e o Iraque. Nos últimos 50 anos, os xiitas iraquianos tiveram que aceitar o domínio cultural do vizinho, mas nunca gostaram disso. E agora irão trabalhar para retomar o predomínio cultural.

Apesar das declarações públicas, tanto Barack Obama quanto os republicanos sabem que os Estados Unidos foram derrotados. Os únicos norte-americanos que não acreditam nisso encontram-se entre o pequeno grupo marginal de esquerda que de algum modo não pode aceitar que os Estados Unidos não são capazes de ganhar sempre, em todos os lugares. Esse pequeno grupo, atualmente em declínio, está tão obcecado em denunciar os Estados Unidos que não tolera o fato de que o país está em sério declínio.

Para esse grupo marginal, nada mudou. Agora, o representante dos interesses dos Estados Unidos no Iraque não é mais o Pentágono, e sim o Departamento de Estado, que está fazendo duas coisas: deslocando mais fuzileiros para providenciar segurança à Embaixada dos Estados Unidos e contratando especialistas para treinar as forças policiais iraquianas. Mas levar mais soldados é um sinal de fraqueza, não de força. Significa que até mesmo a bem guardada embaixada norte-americana não está suficientemente segura dos ataques. Pela mesmíssima razão, os Estados Unidos cancelaram os planos de abrir mais consulados no país.

Quanto aos especialistas, estamos falando em aproximadamente 115 conselheiros policiais que precisam ser “protegidos” por milhares de seguranças privados. Eu garantiria que os conselheiros policiais serão muito cautelosos ao sair do território da embaixada — e que isso irá dificultar a contratação de seguranças privados em número suficiente, dado que não terão mais imunidade jurídica.

Ninguém deve se surpreender se, depois das próximas eleições no Iraque, se o primeiro ministro for Muqtada al-Sadr. Nem os Estados Unidos nem o Irã vão gostar.


O HOMEM DAS CAVERNAS




JOSÉ INÁCIO WERNECK*, Bristol – DIRETO DA REDAÇÃO

Bristol (EUA) – Meus caros, se algum americano aparecer por aí na Copa do Mundo de 2014 ou na Olimpíada de 2016 queixando-se da falta de infraestrutura no Brasil, não o levem muito a sério. Nos últimos anos, desde que passei a residir no Estado de Connecticut, já passei por três emergências que me levam a considerar que não estou realmente em um país do Primeiro Mundo, mas numa Somália sem calor e sem piratas (quanto aos piratas, por sinal, não estou muito seguro, pois desconfio que se instalaram nos grandes bancos.)

Moro nas colinas de Bristol. Aliás, todo o estado de Connecticut é dominado por colinas. Nada de muito elevado, suaves ondulações. Outra característica da região foi definida numa frase famosa de Mark Twain, que morava em Hartford, a capital do estado: “You don’t like our weather? Wait a minute.” (Você não gosta de nosso tempo? Espere um minuto”.

Em outras palavras, Connecticut é um estado de bruscas mudanças de temperatura e umidade, exposto que está tanto às ondas de calor que vem do sudoeste, desde o Golfo do México, quanto a massas polares que chegam do noroeste, através do Canadá.

Nos últimos anos já fiquei três vezes sem luz, sem força, sem aquecimento, sem ar condicionado, sem água (nem para dar descarga) dias a fio, pelas seguintes causas: uma tempestade de gelo, o furacão Irene e uma inesperada nevasca durante o outono, dois meses antes da chegada oficial do inverno.

A tempestade de gelo é um fenômeno curioso e belíssimo. Ocorre quando há uma inversão térmica em que a camada de ar junto ao solo está abaixo de zero e a camada superior acima de zero. A chuva cai mas, ao tocar no chão ou nos objetos próximos ao chão, transforma-se em gelo. Toda a paisagem, todas as árvores, todos os objetos deixados ao relento ficam parecendo uma alegoria de cristal. Mas há o aspecto negativo: as ruas e estradas, recobertas do que se chama “gelo negro”, tornam-se pistas de patinação. As árvores caem, sob o peso do gelo, ocorrem acidentes seriíssimos.

O furacão é aquilo que se sabe: derruba tudo ou quase tudo em sua passagem. Lá se vão as árvores de novo e, com elas, os fios aéreos de energia.

Mas esta nevasca no outono, quando as árvores estão ainda cheias de folhas, foi a mais traiçoeira. Ninguém esperava que chegasse com tanta rapidez e tanta ferocidade. Para tornar curta uma história longa, nem sei como consegui voltar para casa com meu carro. As árvores caíram outra vez e outra vez romperam os cabos de energia. Oitocentas e trinta e uma mil residências foram afetadas

Para tornar pior a situação, há alguns anos a Prefeitura havia oferecido colocar encanamentos para dar água da cidade em nossa subdivisão (um local muito simpático, sossegado, cheio de bosques, meio rural) mas a maioria dos vizinhos recusou, dizendo que (é incrível, mas verdadeiro), a necessidade de cavar ia estragar a beleza de seus gramados. Resultado, sem a pressão de água que vem da rua e sem energia, a água do poço não sobe e ficamos sem água até para a descarga na privada.

Tudo isto, acoplado a casas enregeladas pela falta de aquecimento e noites com temperaturas abaixo de zero, nos leva a apreciar como devia ser pitoresca a vida do homem de Neanderthal.

Para além do pitoresco, há o trágico: gente que morre por intoxicação com monóxido de carbono ou por incêndios provocados por geradores ou queima de lenha em locais impróprios.

No Rio de Janeiro, morei na Barra da Tijuca, na estrada que vai para Jacarepaguá, num local muito semelhante ao que é aqui nossa “subdivision”. Mas lá, apesar das tremendas tempestades de verão, nunca fiquei tantos dias de minha vida tão desprovido das necessidades mínimas da civilização, tão longe do que se supõe ser o Primeiro Mundo, tão próximo da vida que nossos ancestrais levavam nas cavernas.

*É jornalista e escritor com passagem em órgãos de comunicação no Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. Publicou "Com Esperança no Coração: Os imigrantes brasileiros nos Estados Unidos", estudo sociológico, e "Sabor de Mar", novela. É intérprete judicial do Estado de Connecticut.

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E A EXPANSÃO DO AUDIOVISUAL NO BRASIL




Glauber Piva (*) – Carta Maior

O Plano Nacional de Educação quer garantir a conexão à internet de todas as escolas públicas por meio de banda larga até 2016. Este processo será simultâneo à ampliação do tempo escolar que pode chegar a 7 horas diárias em metade das escolas públicas de educação básica do país em 10 anos. A ampliação do acesso abre uma grande oportunidade para a cadeia produtiva do audiovisual brasileiro que atua com foco em materiais pedagógicos para os públicos infantil e juvenil. O artigo é de Glauber Piva.

O Plano Nacional de Educação - PNE - é um grande programa de expansão educacional que foi apresentado pelo Ministério da Educação e está em debate no Congresso Nacional. Uma de suas metas é de garantir a conexão à Internet de todas as escolas públicas do país por meio de Banda Larga até 2016. Este acesso, além de ser um oportuno instrumento pedagógico, também vai ampliar a integração de crianças e jovens ao mundo digital e o primeiro e principal impacto será nas regiões de interior do norte, nordeste e centro-oeste. Vale lembrar que este processo será simultâneo à ampliação do tempo escolar que pode chegar a 7 horas diárias em metade das escolas públicas de educação básica do país em 10 anos. A expansão das Universidades Públicas e dos Institutos Federais de Educação Tecnológica de Ensino Médio também aponta nesta mesma tendência.

Observando mais especificamente a proposta de conexão rápida à internet nestas instituições educacionais, vemos que ela ampliará a circulação de conteúdos audiovisuais e será um gigantesco espaço para as obras brasileiras. O consumo prioritário será o de obras educacionais em todas as suas dimensões, como portais especializados, games educativos e materiais didáticos das mais diferentes temáticas e metodologias, mas o acesso regular ao audiovisual nas instituições escolares também estimulará a demanda por todos os tipos de conteúdo.

A rede digital que integrará toda a infância e juventude do país também será um espaço privilegiado de fruição cultural, permitindo o acesso à cinematografia, fotografia, artes visuais, dramaturgia, música e literatura, constituindo-se, também, num importante e necessário instrumento de formação e exercício de cidadania cultural.

Em 2016, a dimensão estimada da população escolar entre 4 e 24 anos em instituições públicas será de mais de 43 milhões, sendo que mais de 4 milhões terão entre 4 e 5 anos, 23 milhões entre 6 e 14 anos, 9 milhões entre 15 e 17 anos e 6 milhões entre 18 e 24 anos. E, destes, mais de 18 milhões dos que terão menos de 17 anos estudarão em escolas com computadores e em tempo integral.

A ampliação do acesso abre uma grande oportunidade para toda cadeia produtiva do audiovisual brasileiro que atua com foco em materiais pedagógicos para os públicos infantil e juvenil. Ao mesmo tempo em que é uma oportunidade para as empresas brasileiras de produção independente, pela perspectiva econômica óbvia e, também, pela possibilidade de formação de platéia e o que isso representará a médio e longo prazos, é também uma contingência estratégica, já que o consumo audiovisual nestes segmentos afetará diretamente a afirmação de nossas identidades.

O poder público, em particular o Ministério das Comunicações, o MEC, o MINC e a Ancine, mas também governos estaduais e prefeituras, deve fomentar programas de estímulo a pesquisas e desenvolvimento, produção e circulação de obras audiovisuais na internet para crianças e adolescentes, principalmente nos segmentos educacionais, possibilitando oferta de obras de interesse nacional, brasileiras e de produção independente.

É urgente que se ofereça aos professores, de maneira continuada, a oportunidade de domínio da linguagem audiovisual e formação de um repertório de referências estéticas. O acesso qualificado aos conteúdos audiovisuais será ampliado na medida em que os professores os conhecerem e os utilizarem. Por outro lado, os milhões de estudantes também serão autores/produtores de seus próprios conteúdos audiovisuais e estarão disponibilizando textos, vídeos, ilustrações e fotografias de todos os tipos.

Esta é uma situação ímpar. Precisamos agir rápido para ocupar um espaço necessário e que é estratégico para os interesses nacionais. Mas é possível ir além.

Devemos estimular o debate sobre a regulamentação do artigo 27 da MP 2.228-1/2001. Este artigo prevê a disponibilização gratuita para fins educacionais, em canais educativos mantidos com recursos públicos nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e nos estabelecimentos públicos de ensino, das obras financiadas com recursos públicos, desde que respeitados os contratos existentes. A regulamentação deste artigo é importante, pois, numa perspectiva crítica, é no encontro da educação com a cultura que a democracia se sedimenta e a cidadania cultural se torna vetor de transformação.

A consolidação e visibilidade de nossa diversidade cultural se darão na medida em que o audiovisual que produzimos transite como linguagem, como oportunidade e experiência estética e social entre nossas crianças e jovens. Além disso, esta perspectiva também alimentará novas economias e novos ambientes de negócio. Assim, diversidade cultural e oportunidade econômica dialogarão habilmente com a consolidação do modelo democrático e de cidadania cultural que estamos construindo no Brasil.

(*) Glauber Piva, sociólogo, é Diretor da Ancine – Agência Nacional do Cinema.

Brasil: DOBRA O NÚMERO DE VÍTIMAS QUE SOFREM QUEDAS EM CONSTRUÇÕES E LAJES




CORREIO DO BRASIL, com ABr- de São Paulo

Levantamento feito pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) mostra que um em cada três pacientes internados com fratura na coluna sofreu queda de locais altos. Segundo o hospital, 60% ficam com lesão neurológica permanente.

A maioria das quedas ocorre em obras autônomas ou de pequenas empreiteiras, ou ainda em atividades recreativas nas lajes. O levantamento é feito a cada dois anos e mostra que o número de pessoas internadas vítimas de quedas quase dobrou.

-Todos os que dão entrada com lesão medular e são operados perdem, no mínimo, a mobilidade da coluna na área da cirurgia e a grande maioria evolui com alguma sequela neurológica, limitando a força dos braços e pernas e o controle da urina e da evacuação-, explica o médico ortopedista do Hospital das Clínicas, Alexandre Fogaça.

Mais de 80% das vítimas de quedas são homens entre 18 anos e 45 anos. A média de permanência de pacientes com lesão medular no hospital é três meses – passam por uma ou duas cirurgias e levam no mínimo um ano para concluir a reabilitação. Apenas 30% retornam ao mercado de trabalho, mesmo assim, com algum tipo de comprometimento leve.

-A gente acha importante chamar a atenção para o aumento desse tipo de lesão, até porque está aumentando a construção em São Paulo, mas também porque está aumentando muito a atividade recreativa em lajes ou as pequenas construções, que as pessoas fazem em casa mesmo, sem a aparelhagem de segurança adequada-, destaca o médico.

Segundo Fogaça, a fratura da coluna é cada vez mais comum. Ele ressalta a necessidade de campanhas para orientar sobre o uso dos equipamentos de segurança e para que as pessoas não usem as lajes como área de recreação.

-Quando as pessoas forem fazer qualquer obra, autônoma ou de empreiteira, é preciso usar o material de proteção adequado, como o capacete, o cinto de segurança quando for subir em algum lugar alto, enfim, é preciso ter todos os dispositvos de segurança e não fazer atividades recreativas em lajes que não tenham muros ou grades de proteção-, afirma.

Presidente da Colômbia confirma ajuda de membros das Farc na ofensiva contra Cano




CORREIO DO BRASIL, com BBC Brasil- de Bogotá

Em visita ao acampamento onde o líder das Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc), Alfonso Cano, foi morto em uma ação do governo colombiano, o presidente Juan Manuel Santos confirmou que houve colaboração de membros da guerrilha para se chegar até o local.

Falando do acampamento, no Estado de Cauca, sudoeste do país, Santos declarou que a “Operación Odiseo”, nome dado pelo Exército ao trabalho de busca e abatimento de Cano, não foi resultado de sorte ou de coincidência.

-Isso não foi fruto de um único dia de ação, e, sim, produto de um trabalho cuidadoso realizado durante este último ano. E para isso contamos com a ação do Exército, de diversas fontes de inteligência de gente de dentro das Farc-, afirmou o presidente.

Santos voltou a classificar a morte de Cano como o mais duro golpe que a guerrilha sofreu em seus 47 anos de existência. Em seu pronunciamento, ele apresentou alguns detalhes da operação, que consistia na perseguição ao líder e a outros chefes do grupo para tirá-los da zona onde tinham estrutura militar e logística.

-Nossa estratégia foi sendo melhorada, mas a ideia sempre foi de obrigá-los a ir a um território novo onde não tinham apoio e cometeriam erros. Com esses erros, nós chegamos a Cano-, disse.

Diálogo

Ao fim do discurso, ele chamou novamente as Farc a abandonar as armas: “Se não se desmobilizarem a alternativa dos guerrilheiros é o cárcere ou a tumba. Aos cabeças das Farc eu digo: há uma mão generosa que lhes pode incorporar a vida civil.”

Além disso, o Exército da Colômbia declarou que a operação contra os guerrilheiros continua, com 17 helicópteros patrulhando a área.

Santos também parabenizou o Exército Nacional e chamou os soldados de “heróis da pátria”, mas voltou a dizer que esse momento não é de triunfalismo, mas sim de perseverança.

O ministro da Defesa colombiano, Juan Carlos Pinzon, informou que o Exército bombardeou o acampamento e que, em seguida, os soldados chegaram de helicóptero na área e mataram Cano e vários outros integrantes do grupo em um tiroteio.

Fotos do líder das Farc morto, já sem a tradicional barba que costumava exibir, foram mostradas por canais de televisão colombianos.

Cano, um ex-professor universitário de 63 anos cujo nome verdadeiro é Guillermo León Saenz, assumiu a liderança das Farc após a morte de Manuel Marulanda, em 2008. Ele modificou estratégias da guerrilha, com ataques mais agressivos, especialmente contra a população civil.

FARC – MORTE DE CANO GERA CLIMA DE “TRIUNFO” EM OPINIÃO PÚBLICA COLOMBIANA




CORREIO DO BRASIL, com BBC - de Bogotá

Poucas horas depois do anúncio da morte de Alfonso Cano, número um das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o assunto se transformou no principal destaque da imprensa colombiana.

Jornais, agências de notícia e emissoras de televisão exibem fotografias e imagens do corpo do guerrilheiro morto e especulam sobre o impacto de sua morte para o grupo armado e possíveis nomes para assumir o lugar deixado por Cano.

Nas redes sociais, o tema também é o mais comentado deste sábado. No Twitter o assunto está no topo das discussões dos internautas. Grande parte das manifestações é de comemoração.

- Parabéns ao Exército pela cabeça de Cano-, ou “um terrorista a menos no mundo” estão entre as comemorações postadas. Outros, mais cautelosos, lembram que “ainda existem vários sequestrados em poder da guerrilha” e que “as Farc não acabam enquanto não houver negociação de paz”.

Analistas ouvidos pela BBC Brasil avaliam que a postura triunfalista, tanto na cobertura da imprensa como nas manifestações da opinião pública refletem os conceitos que foram construídos pela política de segurança no governo anterior, de Álvaro Uribe, e mantida por Juan Manuel Santos.

- Desse ponto de vista cimentado por Uribe, de que as FARC são um grupo terrorista que precisa ser eliminado, a morte de Alfonso Cano é muito significativa. Representa o triunfo da política de segurança e da força militar do governo- , disse o escritor e especialista em conflitos, Victor de Currea Lugo.

Segundo ele, outro fator que contribui para que a opinião pública comemore a queda de Cano é o fato de a guerrilha ter se afastado de seus ideais políticos e se envolvido com o narcotráfico e ações terroristas.

- A ideia das FARC como movimento de esquerda e de libertação tinha simpatizantes. Existia um diálogo entre eles e a sociedade. Mas com o distanciamento da guerrilha desses valores, o envolvimento com o narcotráfico, sequestros, uso de granadas e minas terrestres contra civis, a sociedade civil passou a vê-los de maneira negativa- , afirmou.

O líder das Farc, Alfonso Cano, foi morto em uma operação militar realizada em um acampamento do grupo.

Cautela

O analista afirma que apesar da sensação de vitória que a sociedade vive, o governo de Santos tem o desafio de tirar proveito dessa conquista sem desqualificar o potencial de reação das FARC.

- A morte de Cano é uma resposta de Santos a setores da sociedade que esperavam por resultados da política de segurança e também seu fortalecimento diante de seus opositores que o criticavam por falta de resultados nesta área. Mas ele tem que ser hábil também para conter a ideia de que a batalha foi vencida e que as FARC vão acabar- , comenta.

- Santos foi ministro de Defesa e conhece bem as FARC. Ele sabe que morte de Cano pode ser um duro golpe, mas não significa que eles não tem mais o poder militar. O presidente sabe que virão retaliações e ataques. O que ele não quer é ser cobrado por isso depois- , acrescentou Victor de Currea Lugo.

Comando

Outro ponto que deve ser observado agora, segundo os analistas ouvidos pela BBC Brasil, é a nova configuração que as FARC irão definir. De um lado, a guerrilha pode, hierarquicamente, escolher um novo líder, ou não conseguir chegar a um consenso e se fragmentar.

- Dentro da hierarquia das FARC há alguns nomes que podem chegar ao comando. Mas são muitas tendências regionais e frentes que atuam de maneira autônoma, por isso existe o risco de que o grupo se fragmente e se aproxime cada vez mais da criminalidade comum- , alerta Currea.

A mesma opinião é compartilhada pela vice-diretora da Fundação Rázon Pública, Maria Victória Duque, que analisa o conflito armado na Colômbia e negociações pela paz.

- Se as FARC não conseguirem manter sua coesão e ocorrer a fragmentação, vai ficar ainda mais difícil dialogar e realmente iniciar um processo de paz- , afirmou a analista.

Segundo ela, nos últimos meses, tanto o governo como as próprias FARC vinham dando demonstrações de possibilidade de negociação pela paz. Com a morte de Cano, esse diálogo pode ou não ser estabelecido.

- Ambos os lados demostraram que havia disposição para dialogar, mas o processo de paz não foi iniciado. Agora temos que esperar para saber se a morte de Cano será ou não favorável a este processo, ou se irá desencadear uma reformulação mais radical da guerrilha- , disse Duque.

As mais acessadas do CdB

Colômbia: VICE-PRESIDENTE SOB SUSPEITA DE RELAÇÃO COM AS FARC




CORREIO DO BRASIL, com Vermelho.org - de Bogotá

A Justiça da Colômbia abriu uma “investigação preliminar” contra o vice-presidente Angelino Garzón por conta de uma suposta reunião que manteve há anos com guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), revelou nesta quinta-feira a procuradora-geral Viviane Morales.

Em entrevista à rádio RCN, a procuradora-geral explicou que o processo foi aberto por um dos juízes da Corte Suprema de Justiça (CSJ), a partir do testemunho de um desertor do grupo rebelde.

A suposta reunião ganhou destaque após ser denunciada por Diego Hernández Trejos, um ex-guerrilheiro da Frente 30 das Farc, em uma audiência livre aos promotores da União Nacional de Justiça e Paz, jurisdição de transição para atender rebeldes e paramilitares que deixaram os grupos armados.

Parte da versão de Hernández foi revelada pela rádio La FM, de Bogotá. Na entrevista, o desertor garantiu que a reunião ocorreu no dia 19 de fevereiro de 2002 e que contou com comandantes insurgentes conhecidos como “J”, “Freddy” e “Richard”, que entregaram, segundo a fonte, uma quantia de US$ 84,6 mil.

Viviane disse que um dos juízes da CSJ recebeu cópias da versão recolhida pelo instrutor do caso e decidiu abrir uma investigação preliminar. Segundo o desertor, Garzón se reuniu com comandantes das Farc na zona rural de Dagua, região do departamento de Valle del Cauca, onde o vice-presidente foi governador entre 2003 e 2007.

Viviane observou que, apesar de o desertor ter dito que Garzón exercia o cargo de governador nessa época, na realidade ele era ministro do Trabalho. Garzón foi ministro do Trabalho no Governo do agora ex-presidente conservador Andrés Pastrana (1998-2002) e, depois de cumprir seu mandato no Governo de Valle del Cauca, foi designado como representante permanente da Colômbia na ONU.

A procuradora-geral disse que o agora vice-presidente já respondeu as acusações do ex-rebelde em carta ao procurador-geral, Alejandro Ordóñez, com cópia para ela. Na mensagem, “há evidentes circunstâncias que confirmam em princípio certas inconsistências na versão do acusado”, acrescentou Viviane, que defende requisitos mais rígidos para este tipo de investigações, que podem ficar sem comprovação ou se tratar de mentiras.

– Aqui o normal é iniciar uma investigação preliminar – destacou a procuradora geral. Viviane também observou que o caso de Garzón é um dos mais de 9 mil que possuem origem em acusações de ex-paramilitares e ex-guerrilheiros.

Conhecido sindicalista e jornalista formado, Garzón fez parte da campanha que levou ao poder o presidente Juan Manuel Santos, no cargo desde agosto de 2010. Até esta sexta-feira, o vice-presidente não estará no país, já que faz uma visita oficial à Suíça e Noruega.

Democracia de barriga vazia ou ditadura de barriga cheia? A escolha parece e é simples!




ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA*

Em Portugal há muita gente, cada vez mais gente, que nem sabe se tem barriga...

Rui Boavida, da Lusa, escreve que “dois académicos da universidade espanhola Pompeu Fabra concluíram pela historia, pela matemática e pela economia o que muitos políticos aprendem na pele -- que a austeridade provoca contestação social, e que mais vale subir impostos do que cortar benefícios”.

"Quanto mais corto nos benefícios sociais, mais agitação social tenho. O nível expectável de agitação aumenta maciçamente à medida que cai a despesa do Estado", disse à Agência Lusa, Hans-Joachim Voth, um dos autores do estudo, resumindo a investigação que fez com Jacopo Ponticelli, com o título "Austeridade e Anarquia: Cortes Orçamentais e Agitação Social na Europa, 1919-2009".

No estudo, os dois investigadores olharam para os movimentos de contestação social, incluindo motins, manifestações, greves gerais, assassinatos políticos, crises governamentais e tentativas de revolução, ao longo de 90 anos, em 26 países, incluindo Portugal.

Um período que envolveu uma guerra mundial, assassinatos de presidentes e líderes políticos, nascimentos e mortes de nações, o fim da colonização e inúmeras revoltas e revoluções.

Ponticelli e Voth, investigador de História Económica, concluíram que os países que escolheram aumentar os impostos em vez de reduzir as prestações e serviços sociais enfrentaram menos contestação nas ruas.

"Subir impostos quase não teve efeitos, em comparação com os cortes na despesa. Quem paga impostos tem emprego e portanto, tem muito a perder, enquanto quem recebe transferências sociais - grande parte da despesa pública nos países observados - tem pouco a perder e sente que não é parte interessada na sociedade", explica o investigador.

"Ao ver o Estado cortar a despesa, ao dizer aos mais pobres que eles não têm prioridade, um número significativo vai decidir que este não é o género de sociedade em que querem viver", acrescenta Voth, que compara o fenómeno a um fogo - o fósforo pode ser uma causa exterior, mas o combustível são as razões que levam "tantas pessoas dispostas a assumir o pior e a decidir invadir as ruas" e partir para as formas mais extremas de contestação.

O investigador admite que, extrapolando para o futuro as conclusões do passado, é possível recear que o espectro da contestação aumentada ameace a Europa nos próximos anos, até porque, diz Voth, a revolta "tem a ver com as expectativas" e a classe média, que se habituou a esperar do Estado muito mais, deverá engrossar a massa contestatária.

"Se tudo desabar na agitação social, haverá um segundo ciclo em que nos vamos deparar com menos crescimento e receitas fiscais ainda mais baixas. Depois tem que se cortar outra vez e vamos acabar numa espiral, vamos acabar por destruir grande parte do tecido social e político que mantém a estabilidade na Europa", prevê Voth.

O investigador, nascido na Alemanha há 43 anos, diz mesmo que, no caso da crise na Grécia, a Europa vai "olhar para trás e ver que perdeu uma oportunidade gigante" para reforçar o continente e corrigir uma política económica e financeira que Voth compara mesmo àquela que levou à ascensão de Adolf Hitler.

"É o que os alemães viveram no início da década de 1930. A cada ano, o governo tomava novas medidas orçamentais, reduzia os salários da função pública, tentava equilibrar o orçamento e sempre que fazia isto a economia contraía ainda mais, as receitas fiscais era ainda mais baixas, o governo tinha de cortar mais e, no final, destruiu a democracia alemã.

"Repetir este erro é completamente imperdoável, em 2011", concluiu Voth.

No caso português, todos sabem (embora uns mais do que outros) que a economia entrou, mais uma vez e sempre para o lado dos mais fracos, em derrapagem e que, a todo o momento, pode fazer mais um buraco no fundo.

Se calhar o país ainda está a tempo de evitar que o povo saia à rua para, ao estilo recente da Grécia, dizer que não podem ser sempre os mesmos a pagara crise.

Numa coisa, reconheço, Pedro Passos Coelho, como antes José Sócrates, tem razão. Agora não são exactamente os mesmos a pagar a crise. Ou seja, são os mesmos de sempre e mais uns milhares que até agora tinham escapado. Do outro lado, aí sim, continuam sempre os mesmos (banqueiros, administradores, gestores, empresários, políticos).

Chegados a esta fase negra, já não adianta mudar de ministros. E para mudar as políticas é necessários mudar de Governo. Mas qual é a alternativa? Não há. E se não há, o melhor é mudar de políticos (os que há são – quase - todos farinha do mesmo saco) ou, quem sabe, até de sistema político.

É que entre um sistema em que poucos roubam e um em que muitos roubam, não me parece difícil escolher.

E para a economia voltar a funcionar é urgente dar oportunidade ao primado da competência e não, como o fez este Governo, ao da filiação partidária, do compadrio, da corrupção e de outras virtudes horizontais.

Como diz o meu amigo Gil Gonçalves, e a pensar como ele há cada vez mais gente, é preciso que haja outro 25 de Abril daqueles a sério: “Não para tirar uns e pôr outros e continuar tudo pior... para roubarem”.

Isto porque, diz ele e cada vez mais boa gente, nem no tempo do Salazar faziam essas coisas. “Agora rouba-se democraticamente. Aliás, cada vez mais me convenço, que a democracia inventou-se para se poder roubar à vontade”.

E a vida tem destas coisas. Depois admirem-se que entre uma ditadura de barriga cheia e uma democracia com ela vazia, os portugueses não tenham dúvidas em escolher. E, note-se, já há muita gente que nem sabe se tem barriga...

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: ENTRE A LONGA POBREZA E A POBREZA LONGA

Fome em Portugal: ESCOLAS TÊM CADA VEZ MAIS ALUNOS MAL ALIMENTADOS A QUEM AJUDAR




JORNAL DE NOTÍCIAS

Chegam sem a refeição da manhã, rondam sistematicamente o bar, mas nada compram. As escolas identificam assim cada vez mais alunos com carências alimentares, aos quais procuram dar resposta, apesar de os seus orçamentos também estarem em crise.

De acordo com a Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), as receitas de bufetes e papelarias das escolas estão a sofrer uma quebra de 30 por cento.

"Tanto no bar dos alunos, como na papelaria há efectivamente uma quebra. Ainda não quantifiquei, mas é uma redução substancial", confirmou à agência Lusa o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira.

Os alunos têm cada vez menos dinheiro para gastar na escola e em muitas situações chegam mal alimentados.

O professor dirige uma escola em Cinfães, onde grande parte da mão de obra masculina estava associada à construção civil, agora estagnada.

Mesmo famílias que conseguem manter o emprego, vêem reduzido o rendimento e a escola é o primeiro lugar onde as evidências não podem ser negadas.

"Reflecte-se se na quantidade de suplementos alimentares que estamos a dar aos alunos identificados pelos directores de turma", conta o docente.

Ao perceber que há alunos mal alimentados, a escola oferece um lanche ao início da manhã e outro a meio da tarde: um pão com queijo ou fiambre e um sumo ou leite.

"Temos vários sinais para poder tomar este tipo de decisões. Um deles tem a ver com a não utilização do cartão (electrónico) por falta de dinheiro", relata o dirigente, que conta também com o director de turma para perceber se o aluno toma o pequeno-almoço ou se "anda sistematicamente à volta do bar dos alunos e não compra nada". A situação é facilmente identificada pelos funcionários e analisada com uma assistente social.

A escola, classificada como Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP), já presta este apoio há vários anos, mas nos últimos tempos teve necessidade de o reforçar.

"Estamos a falar neste momento de um universo de oito a 10 por cento dos alunos da escola", indica o director do estabelecimento, com 650 estudantes.

Presentemente são 50 a 60 alunos que recebem o suplemento alimentar, mas estão constantemente a ser identificados "mais alunos" nestas circunstâncias.

Manuel Pereira conta receber verbas para estes apoios, mas quando não as tinha, utilizava todos os lucros do bar dos alunos e dos professores para prestar este auxílio.

Nos contactos que faz regularmente com directores de outras escolas, constata situações semelhantes.

Também o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) nota que os alunos já não levam "notas grandes" para a escola.

"As quebras são em tudo, como não hão-de chegar aí também", questiona Adalmiro Botelho da Fonseca.

"Aquela época em que os alunos levavam muito dinheiro para a escola, que era uma coisa que me incomodava imenso! - de famílias às vezes com dificuldades -, o aluno que queria umas sapatilhas de marca e tinha não sei quantas, isso está a passar", atesta.

Agora, diz, "é que toda a gente começa a aperceber-se que estamos em crise".

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* Título original foi parcialmente editado por Página Global.

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