União Africana condena
"fortemente" situação no país que se tornou independente da França há
63 anos e é liderado há 55 pela mesma família. Presidente tinha sido reeleito
no sábado.
O general Brice Olingui Nguema,
líder da poderosa guarda presidencial do Gabão, anunciou ontem a
"reforma" de Ali Bongo e assumiu o poder. Horas depois de a Comissão
Nacional Eleitoral confirmar o terceiro mandato consecutivo do chefe de Estado,
após a vitória eleitoral de sábado, os militares anularam o escrutínio e
puseram Ali Bongo em prisão domiciliária. Nas ruas, a população aplaudiu a
queda da família que governa há 55 anos o país, mas a União Africana condenou
"fortemente" o golpe militar, tal como a França (antiga potência colonial).
Mas quem é o general Nguema? A
primeira pista de que seria ele o novo homem forte do Gabão surgiu quando os
membros da Guarda Republicana (a guarda presidencial) o ergueram em braços aos
gritos de "Nguema presidente". Filho de um antigo oficial,
Nguema entrou ainda novo para a guarda que atualmente lidera, tendo sido
ajudante de campo de um antigo comandante. Após a morte em 2009 de Omar Bongo,
pai do atual chefe de Estado, ocupou os cargos de adido militar nas embaixadas
no Mali, Marrocos e Senegal.
Em 2018, regressou ao Gabão,
assumindo a liderança dos serviços de informação da Guarda Republicana. Meses
depois, passou a chefiar esta mesma força, procedendo à sua reforma e à
incorporação de mais membros - são reconhecidos pelas boinas verdes. Segundo
uma investigação jornalística de 2020 do Projeto de Denúncia de Crime
Organizado e Corrupção, será também milionário, tendo comprado a dinheiro
várias propriedades nos EUA em 2015 e 2018. Quando confrontado com estes casos,
escudou-se no direito à privacidade.
Ontem, foi o rosto do golpe,
apesar de não ter sido ele a ler o comunicado dos oficiais: "Nós, as
forças de segurança e defesa reunidas no Comité para a Transição e Restauração
das Instituições, em nome do povo do Gabão e enquanto garantes da proteção das instituições,
decidimos defender a paz pondo fim ao atual regime." O general foi depois
confirmado como presidente de transição.
Em declarações ao Le Monde,
Nguema garantiu que Ali Bongo será tratado como outro qualquer cidadão
gabonês e que "goza de todos os direitos" enquanto ex-chefe de Estado
"reformado". Questionado pelo jornal francês sobre se o golpe
tinha sido planeado ou precipitado pelas eleições - Ali Bongo foi declarado
vencedor com 64% dos votos num escrutínio sem observadores internacionais -, o
general alegou que o presidente não tinha direito a um terceiro mandato. E
mencionou o acidente vascular cerebral (AVC) que ele sofreu em outubro de 2018,
obrigando-o a passar dez meses no estrangeiro em recuperação.
"Vocês sabem que no Gabão há
descontentamento e, além deste descontentamento, há a doença do chefe de
Estado. Toda a gente fala sobre isso, mas ninguém assume a responsabilidade.
Ele não tinha direito a um terceiro mandato, a Constituição foi violada. Por
isso o exército decidiu virar a página, assumir as suas responsabilidades",
disse o general Nguema ao Le Monde. Durante a convalescença de Ali Bongo,
em janeiro de 2019, tinha havido uma primeira tentativa de golpe, resolvida no
próprio dia.
O presidente, de 64 anos, chegou
ao poder em 2009 após a morte do pai, que estava aos comandos do país rico em
petróleo desde 1967 e amealhou ao longo dos anos uma fortuna
considerável. O Gabão tinha declarado a independência de França apenas
sete anos antes, mas com Omar no poder os laços com Paris foram reforçados a
nível económico, político e militar. Um cenário que não se alterou com Ali.
A França mantém uma presença
militar no Gabão, com pelo menos 370 soldados destacados em permanência, e este
golpe representa outro revés para os seus interesses em África. Paris condenou
ontem a tomada do poder pelos militares, dois dias após o presidente Emmanuel
Macron ter lamentado a "epidemia de golpes" no continente.
Ali Bongo surgiu entretanto num
vídeo partilhado nas redes sociais em que que apelava aos "amigos em todo
o mundo" para que "fizessem barulho", revelando que tinha sido
detido. O presidente encontra-se em prisão domiciliária, mas um dos seus
filhos e conselheiro, Noureddin Bongo Valentin, foi detido por traição, desvio
de fundos, corrupção e por falsificar a assinatura do pai. Outros próximos de
Ali Bongo também foram detidos.
Além da União Africana e de
França, que condenaram o golpe, os EUA disseram que a situação é
"profundamente preocupante". As mesmas palavras foram usadas pela
Rússia, enquanto a China apelou a "todos os lados" para que garantam
a segurança de Ali Bongo. Portugal apelou "ao rápido restabelecimento da
normalidade e da ordem constitucional no Gabão".