Bocas
do Inferno
Mário
Motta, Lisboa
Os
mais antigos decerto que têm por conhecimento que se dizia dos algarvios que
tinham uma gaveta para esconder o prato da comida se alguém durante as refeições
lhes batesse à porta para assim não verem que estavam a comer sem oferecerem. Era
a avareza, era a ganância, chamem-lhe o que quiserem. Até podia ser uma atitude
causada pelas dificuldades miseráveis em que muitos sobreviviam. Nunca tive a
confirmação da veracidade desta versão sobre os algarvios. O que não impede que
no Algarve, como em qualquer outra região de Portugal e do mundo existam avaros
e gananciosos que escondem nas gavetas de facto e nas gavetas da memória ou da
omissão e da mentira determinadas verdades que consideram não lhes ser favoráveis
nos perfis ou até prejudiciais. Por isso reservam o segredo para que não lhes
caiam as paredes na lama. Ou reservam-no porque sim. Porque é de sua convicção
e postura na vida.
O
presidente da República, Cavaco Silva, é algarvio. Um algarvio que transparece
no seu semblante de mouro (provavelmente até tem talacémia). E é Silva. Como se
sabe, pela história, os cristãos novos foram batizados com nomes de plantas, árvores
fruteiras, arbustos, etc. Digamos que é um algarvio dos quatro costados. Talvez
que pudesse esclarecer sobre a “história” da gaveta em que escondiam o prato da
comida se visitas os surpreendessem quando consumiam a refeição. Mas
conhecendo-o, como o conhecemos, para ele isso é um segredo guardado a sete
chaves. Provavelmente porque consideraria que isso lhe mancharia o perfil na
qualidade de algarvio. E daí talvez não. Pode ser que a “história” nem
corresponda à realidade de então.
O
que podemos é ficar cientes de que segredo é mesmo segredo para Cavaco Silva. É
algo reservado que nunca será tornado público. Ele pode falar, falar, referir
vacas que riem e até meter os pés pelas mãos com o propósito de ficarmos a
saber o mesmo: nada.
Aparentemente
nem todos os portugueses estão conscientes de como Cavaco Silva “funciona”. Só
por essa falta de conhecimento é que deputados na comissão de inquérito ao BES se
propõem que Cavaco, o PR, revele o que foi conversado nas duas visitas de
Ricardo Salgado à Presidência da República. Qual o propósito? Senhores
deputados, o melhor é tirar o Cavaco da chuva… Perdão. O melhor é tirarem o
cavalo da chuva. O que querem saber está na gaveta de facto ou na da memória e
dali não sai. É segredo. É reservado.
Pouco
importa a Cavaco Silva que representantes dos portugueses, deputados eleitos democraticamente,
queiram inquirir sobre um vigarista que era Dono Disto Tudo (Salgado) e que
mantinha conversas com o presidente da República. Segredo é segredo e dá jeito
que assim seja. Aliás, Cavaco e banqueiros são unha com carne. Vimos por
Ricardo Salgado – que doava milhares e milhares para as campanhas eleitorais de
Cavaco – assim como vimos no caso do banqueiro BPN que vendeu ações a Cavaco e à
sua filha. Ações que depois lhes comprou por um valor muito superior, com prejuízo
próprio, mas que para Cavaco e filha representou um lucro de muitos milhares de
euros. Porquê? É segredo. É reservado. Afinal, o banqueiro, Oliveira Costa
(outro cristão novo) era e é seu amigo de longa data. O facto de estar
envolvido em crimes de burla e de branqueamento de capitais nada tem de
depreciativo numa amizade. Muito menos quando se é presidente da República e se
foi primeiro-ministro por uma década e esse banqueiro secretário de estado do
seu governo. É crime? Não. Isso não. Nada disto é crime. Só que há certas coisas
que são segredo.
Não
por acaso, Cavaco já declarou o que tinha a declarar aos jornalistas. Leia na
prosa retirada da TSF que se segue. Cavaco Silva afirmou não ter “esclarecimentos
adicionais a prestar”. E pronto. Disse. Agora só deve falar lá para a Páscoa
sobre os coelhinhos e os ovinhos da quadra. Os deputados, os representantes dos
portugueses que se lixem. E até os portugueses que lhe querem violar os
segredos. Esse ato de violação é considerado tão grave quanto violarem a gaveta
com a açorda à algarvia e exclamarem: “Ah! Afinal estavas a comer e não
convidavas, não partilhavas.” Lá se ia o perfil imaculado. Fiquem com Cavaco na
TSF.
Cavaco
Silva diz não ter mais esclarecimentos a dar sobre BES
O
Presidente da República, Cavaco Silva, reiterou hoje que todas as audiências
que concede são reservadas e considerou não ter esclarecimentos adicionais a
dar sobre o Banco Espírito Santo (BES).
Questionado
sobre a carta endereçada pelo antigo presidente executivo do BES Ricardo
Salgado à comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES e do GES, onde
revela que se reuniu duas vezes em 2014 com o Presidente da República tendo
alertado Cavaco Silva sobre os «riscos sistémicos» envolvendo o Grupo Espírito
Santo (GES) e o BES, o chefe de Estado repetiu inúmeras vezes que tudo o que se
passa nas audiências que concede «é reservado».
«Sempre
foi regra na Presidência da República e hei de mantê-la que tudo o que se vai
dizer ao Presidente da República é reservado», afirmou Cavaco Silva.
Notando
que sempre que «o presidente de um grande banco» pede uma audiência ela é
concedida, à semelhança do que acontece com outras entidades, Cavaco Silva
relevou que já recebeu «os presidente de todos os grandes bancos e várias
vezes».
«Faz
parte da função do Presidente da República e seria mau se não o fizesse, porque
senão estaria a desprezar o conhecimento que deve ter da realidade nacional»,
disse, sublinhando que ao longo dos seus dois mandatos em Belém já concedeu
mais de 2.500 audiências e, em todas, é mantida «a reserva total do que ali se
passa».
Interrogado
sobre se vai responder às questões dos deputados do PS, do PCP e do BE da
comissão de inquérito BES/GES sobre as reuniões tidas em 2014 com Ricardo
Salgado, Cavaco Silva afirmou não ter «esclarecimentos adicionais a prestar»,
desde logo porque o chefe de Estado «não tem nenhuma competência executiva, não
toma nenhuma decisão em relação ao sistema financeiro ou outras áreas».
Reiterando
nunca revelar o que se passa nas audiências que concede, quer sejam privadas ou
públicas, o Presidente da República adiantou ainda que as informações mais
importantes que recebe são do Governo e que em primeiro lugar é informado pelo
executivo.
Sobre
a possibilidade de lhe terem sido entregues documentos «por parte dos bancos»,
Cavaco Silva insistiu que não tem poderes executivos, mas que, caso tenham sido
deixados alguns documentos, eles vão para os arquivos da Presidência da República
ou estão junto dos assessores de Belém.
Cavaco
Silva, que falava aos jornalistas no final de uma cerimónia na Gare Marítima de
Alcântara, onde se assinalou o 30.º aniversário da empresa de navegação
Transinsular, lembrou ainda afirmações de jornalistas e políticos sobre as
declarações que fez em Seul, na Coreia do Sul, em julho, quando questionado
sobre o caso do BES.
«Na
Coreia do Sul não fiz nenhuma declaração sobre o BES, fiz três afirmações sobre
o Banco de Portugal», frisou, notando que é o único político em Portugal que
«tudo o que diz» é depois colocado no site da Presidência da República.
Na
ocasião, o Presidente da República referiu que o Banco de Portugal tinha atuado
«muito bem» a «preservar a estabilidade e a solidez» do sistema bancário português
e disse considerar que os portugueses podiam confiar no BES «dado que as folgas
de capital são mais do que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem
à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa».
Um
mês de depois de ter proferido estas declarações, a Presidência da República
divulgou, «por uma razão de transparência», a transcrição na íntegra das
respostas de Cavaco Silva aos jornalistas a propósito do Grupo Espírito Santos.
Para
além do BES, o Presidente da República escusou-se a especular sobre o futuro na
Grécia depois da vitória do Syriza, mas lembrou que a política económica de
cada Estado da União Europeia é «matéria de interesse comum».
«O
resultado de umas eleições livres e democráticas tem de ser respeitado. O
Presidente da República em público não deve especular sobre aquilo que pode
acontecer no futuro».
«Devemos
esperar pelas entidades competentes europeias que irão analisar essas políticas
anunciadas ou que vão ser aprovadas pelo Governo grego e se elas se conformam ou
não com regras comunitárias», referiu o chefe de Estado, que falava aos
jornalistas no final de uma cerimónia na Gare Marítima de Alcântara, onde se
assinalou o 30.º aniversário da empresa de navegação Transinsular.
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