segunda-feira, 10 de junho de 2013

Turquia: A PRIMAVERA DO DIREITO À CIDADE

 

Revolta dos jovens turcos foi resposta à privatização de Istambul. Levante revela emergência das lutas pelo Comum urbano e ambiental
 
Bernardo Gutierrez - Tradução: Bruna Bernacchio - Imagens: Jamie Bowlby-WhitingOutras Palavras
 
Taksim é nosso, Istambul é nossa!”. Os gritos não pertencem a algum dos jovens que ocuparam o Parque Taksim Gezi, da capital turca, na virada do mês. Tampouco é um mote que esteja correndo o mundo no Twitter, sob a tag #OccupyGezi. “Taksim é nosso” está sendo pronunciado por um cidadão anônimo no vídeo Tkasim Square (Istambul Commons), durante uma manifestação celebrada no outono passado. “Taksim é nosso” – continua a voz no megafone – “não importa as opções políticas que tenham as pessoas”.
 
O vídeo foi produzido no âmbito do projeto Mapeando o Comum [Mapping the Commons], idealizado pelo estúdio sevilhano Hacktitetura e desenvolvido pelo ativista Pablo de Soto, em Atenas e Istambul. E contextualiza com perfeição a vertiginosa insurreição que está vivendo Istambul e toda a Turquia. O centro comercial planejado pelo governo de Recep Tayyip Erdogan, que incendiou #OccupyGezi, é apenas a ponta de um iceberg maior: um duro plano neoliberal para privatizar bens comuns (águas, bosques) e espaço público. Até que ponto o ataque ao comu, e concretamente a privatização dos espaços urbanos deflagraram a Primavera Turca?
 
O projeto Mapeando o Comum — definido por seus próprios autores como uma performance que pode tornar-se reflexão, uma obra de arte ou uma ação social — é um verdadeiro passeio pelas raízes de #OccupyGezi. A cartografia, realizada na plataforma Meipi, organiza o comu de Istambul em quatro categorias: bens naturais, cultura, espaço público e digital. Os vídeos publicados, todos com falas parcialmente em inglês, resumem os ataques que o o espaço público sofre na era Erdogan.
 
“Communication space”, por exemplo, revela, por meio dos protestos dos estudantes universitários, a luta pelo conhecimento e comunicação livres. Em “Water as a commons”, o assunto central é a privatização da gestão da água na região. “For-rest” denuncia que a terceira ponte sobre o estreito de Bósforo, que o governo de Erdogan planeja, implicaria na desaparecimento do bosque Belgrado, pulmão verde da cidade. A repressão no espaço público de manifestações sócio-culturais como festas nas ruas ou o fim da única praça de pedestres (Galata Square) de Istambul são tema os vídeos Cultural expressions in public space e o Galata Tower Square.
 
Até que ponto a privatização selvagem dos bens comuns naturais e urbanos de Istambul incendiou a revolta de #OccupyGezi? O ativista Pablo de Soto, em declarações ao jornal espanhol El Diario, sustenta que os fatos estão intrinsecamente relacionados: “O corte das árvores para construir um centro comercial para a elite e os turistas foi o pavio de incêndio, o catalizador final dos protestos por justiça social e econômica”.
 
A arquiteta turca Pelin Tan, em seu artigo Um relato de Gezi Park reforma a tese: “Para o governo turco, as novas políticas urbanas são a desculpa para atos de segragação, para incentivar estilos de vida neoliberais, o progressivo endividamento dos seus cidadãos, exploração, racismo, corrupção, e a instalação de um estado de exceção que viola os direitos humanos”. Por sua vez, a prestigiosa plataforma Architizer também situa os bens comuns urbanos como claro estopim da revolta.
 
#OccupyGezi é muito mais que um grito ecologista para salvar os árvores de Taksim. Mas não exclusivamente é apenas uma revolta antagonista contra a arrogância macropolítica do governo turco ou a suposta tentativa de islamização da Turquia que, segundo a imprensa ocidental, Erdogan conduz.
 
Em A Catedral e o Bazar, o hacker Eric S. Raymond contrapunha dois modelos na elaboração de software. A Catedral representa o modelo de desenvolvimento hermético e vertical do software proprietário. O bazar, com sua dinâmica horizontal e barulhenta, representaria a Linux e outros projetos de software livre, baseados no trabalho comunitário. Nenhum lugar como Istambul, com seu barulhento Gran Bazar, encarna melhor a metáfora urbana da tese de Raymond. De um lado, a catedral de receitas top down e privatizantes, do Governo de Erdogan. Do outro, o grande bazar humano de Istambul, seu espaço público, a tradição comunal das comunidades da cidade. #OccupyGezi e sua convivência humana resumem o choque de trens da história, entre dois modelos incompatíveis.
 
Derya Calik, estudante e ativista, descreve em uma entrevista a estratégia da catedral neoliberal contra os manifestantes de Taksim. “Na Turquia, não temos uma boa conexão 3G. Quando muito usada, a rede entra em colapso. Além disso, muitas pessoas foram informadas do uso de inibidores de sinal, por parte da polícia. Por isso, começamos a utilizar uma conexão VPN (Rede Virtual Privada). E, além disso, as lojas, restaurantes, hotéis e os residentes da zona cederam Wi-Fi aos manifestantes, abrindo as senhas de suas redes”. O bazar colaborativo de Istambul, no momento, driblou a aprisionadora catedral de Erdogan.
 
É possível fazer alguma comparação entre #OccupyGezzi e a acampada da Porta do Sol de Madri do 15M ou do Occupy Wall Street em Zuccotti? Pelin Tan, no texto já citado, destaca que “a ocupação de Gezi é um símbolo de estar juntos no comum (a arquiteta emprega a quase intraduzível palavra commoning), apesar de nossas diferenças”. Em #OccupyGezi, continua ela, envolveu-se “gente de diferentes classes, bairros e movimentos culturais — mais que organizações políticas e grupos de oposição”. Uma auto-organização transversal do bazar colaborativo, que a violência policial multiplicou até limites não esperados. Da praça ao mundo. Do hiperlocal à geopolítica.
 
Já o ativista Orsan Selap, habitual nas listas de correios de TakeTheSquare.net criadas no início do 15M espanhol, ressalta a El Diario a importância das redes na incipiente Primavera Turca: “O pensamento peer-to-peer (P2P) e em favor do comum nos dá uma alternativa clara ao capitalismo. Nesses momentos, nas redes sociais, as ruas e as lutas de Istambul estão convertendo-se em algo com muitos vínculos internacionais”.
 
De Taksim ao mundo. Do hiperlocal ao global. Do urbano à geopolítica. Em seu aclamado livro Cidades rebeldes, o sociólogo David Harvey afirma que a “revolução será urbana ou não será”. E adapta ao século XXI “o direito à cidade”, um velho grito dos anos sessenta, título de um mítico livro de Henry Lefebvre. O direito à cidade seria um “espaço social com interações e práticas onde a produção social tem lugar”.
 
A metrópole moderna tem um papel importante na produção do comum. Curiosamente, os movimentos sociais de Istambul estão remesclando o grito de Lefebvre-Harvey. No texto “O movimento pelo Direito à Cidade e o verão turco”, a jornalista independente Jay Cassano faz um detalhado repasse dos ataques neoliberais que Istambul está sofrendo nos últimos tempos, além do projeto de centro comercial para Gezi Taksim.
 
Jay cita em seu artigo a conversão do histórico cine Emek em shopping center. Menciona a terceira ponte sobre o Bósforo. E destaca o forte processo de segragação que Istambul está sofrendo, especialmente nos “bairros históricos de Sulukule, Tarlabasi, Tophane e Fener-Balat, onde vivem os imigrantes e a minoria curda”. Precisamente, Mapeando os Comuns dedica um vídeo ao distrito de Fenet-Balat-Ayvansaray, onde os vizinhos resistem ao plano urbanístico do Ajuntamento pela Associação Febayder.
 
O coletivo Reclaim Istambul, inspirado no coletivo britânico Reclaim the streets, que lutava pelo espaço público, faz uma verdadeira lista dos horrores urbanísticos planejados para a capital turca: “Centenas de edifícios gradeados, torres de escritórios, centros comerciais e projetos multiusos crescendo como flechas em toda a cidade”. Entre a penca de projetos de corte neoliberal, destacam Via Port Venezia (“redesenhamos Veneza e a trouxemos a Istambul”) ou Mall of Istambul (“aproveite de perto de um dos maiores shoppings da Turquia”). Em certo sentido, #OccupyGezi nasceu como grito coletivo para evitar que a milenária Istambul acabe se convertendo em Las Vegas ou Dubai.
 
O Reclaim Istambul é responsável por um dos documentários mais polêmicos dos últimos tempo, Ekümenópolis. Com um verdadeiro coquetel de imagens, entrevistas, músicas, gráficos e animações, Ekümenópolis desenha o selvagem ataque ao comum urbano e natural que sofre a cidade. A contundência de sua sinopse dá uma ideia da dureza de seu conteúdo: “Há alguns anos, Istambul tinha 3,5 milhões de habitantes. Hoje somos 15 milhões e em 15 anos seremos 23. Foram ultrapassados os limites ecológicos e de população. Perdeu-se a coesão social. Aqui surgiu uma imagem do urbanismo neoliberal: Ekümenópolis”.
 
“É mais que uma revolução tecnológica: é uma revolução cultural. Os rígidos modelos verticais para intensificar os sistemas de produção de massa do século passado estão sendo substituídos por flexíveis redes peer-to-peer, que nos levam até uma nova estética de códigos”. A frase é do arquiteto Joseph Grima, diretor da última edição da Bienal de Desenho de Istambul, celebrada ao final de 2012. Adhocracy, o título da Bienal, não foi casual. A adocracia, outro termo recentemente ressuscitado, é um novo modelo de organização flexível, intuitiva, transversal. A adocracia é horizontal, rotativa. Por isso, Adhocracy foi muito mais que uma exposição. Foi um laboratório.
 
Uma de suas comissárias, Ethel Baraona (dPr-Barcelona), respondendo a um questionário sobre #OccupyGezi, destaca o vínculo da Bienal com o comum urbano: “Uma grande parte dos projetos estava relacionada com o ativismo urbano, com a intenção de chamar a atenção do espaço público como espaço de intercâmbio de conhecimentos e de ação”. A Bienal adocrata espalhou por Istambul o dinamismo de coletivos-projetos como Crafting Neigborhoods, Recetas Urbanas, Open Structures, Maker Faire Africa, Arduino ou Zuloark (representando o madrilenho El Campo de Cebada).
 
Especialmente metafórico foi o projeto Drone Shade, da artista James Bridle. Depois de polvilhar de sombras de “drones” (aviões não tripulados) a Faixa de Gaza ou Londres, James desenhou com linhas brancas, no coração urbano de Istambul, a suposta sombra dos drones que os Estados Unidos utilizam da Turquia. O espaço público como tabuleiro do mundo. Como metáfora geopolítica. A metralhadora top down e neoliberal de Erdogan, representada em uma forma de contornos brancos. A aliança militar estadounidense-turca, que persegue o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) no norte da Turquia e no norte do Irã, como uma verdade ao rés do chão. A cidade como campo de batalha.
 
Será #OccupyGezi é a primeira revolução incendiada pelo comum urbano? Talvez a primeira, mas não a última. O modelo da catedral neoliberal de Istambul replica-se em todo o mundo. Os desalojamentos e a especulação imobiliária no Rio de Janeiro pré-olímpico são um exemplo. O projeto EuroVegas de Madri, como destaca Pablo de Soto, “é um escândalo de privatização e exceção da legalidade com mesmo grau destrutivo do parque Gezi em Taksim”.
 
Chegou a era das Cidades Rebeldes de David Harvey? Veremos uma sequência de revoluções urbanas em um planeta que esgota seus recursos naturais a um ritmo assustador? Ainda que não haja respostas, existem intuições. O antropólogo e ativista do 15M Adolfo Estalella, em seu provocador texto El procomún no es un commons vaticina uma forte politização dos núcleos urbanos: “O pró-comum é a figura que permite politizar a cidade. Se há dez anos a globalização era o objetivo de ativismo, agora é a cidade. Por isso, o comum é, para o ativismo atual o que a globalização era para este há dez anos”.
 
*Bernardo Gutierrez (@bernardosampa) é jornalista, escritor e consultor digital. Pesquisa o mundo P2P e as novas realidades da cultura open source. Fundador da rede de inovação Futura Media.net.
 

O CORSÁRIO E A PRESA – MARK THATCHER E A “EXPERIÊNCIA” NA GUINÉ EQUATORIAL

 

Martinho Júnior, Luanda
 
1 – A família Thatcher, oficialmente e na vida privada, esteve (e está) ligada a questões que se prendem à energia (petróleo) e às finanças, neste caso seja àquelas que nas “offshores” fogem ao fisco, seja aquelas de carácter especulativo, o que contraria de certo modo o nome de “dama de ferro” por que foi conhecida Margaret Thatcher…
 
A história moderna das Malvinas enquanto colónia britânica tem que ver, entre outras coisas e conforme tive oportunidade de antes abordar, com a oportunidade de explorar o petróleo na sua enorme plataforma marítima e nas 200 milhas para leste, além da disponibilidade existente ao redor dos territórios insulares da Geórgia do Sul, de Tristão da Cunha e das Sandwich…
 
A guerra pela posse das Malvinas (travada entre 2 de Abril e 14 de Junho de 1982) é também uma guerra pela posse do petróleo, para lá das contradições históricas: quem vencesse teria a oportunidade de ter nas suas nãos as rédeas e as condutas da futura exploração numa região Atlântica praticamente virgem e com uma reserva estimada em cerca de 8 biliões de barris...
 
O império contudo reagiu de forma inequívoca: o seu domínio no Atlântico Sul e em direcção à Antárctida era para ser preservado numa geo estratégia a muito longo prazo.
 
Significativamente a Grã Bretanha – Reino Unido respondia à invasão da ditadura da Argentina, por via do Governo de Margaret Thatcher, com a “Operation Corporate”!
 
2 – Enquanto Margaret Thatcher completou um “respeitável” percurso político oficial (“respeitável” para com a aristocracia financeira global), a sua família e em especial o seu turbulento filho “Sir” Mark Thatcher, fruto de sua educação e do conservadorismo ideológico de seus pais, foi vivendo uma vida de aventureiro “play boy”, com episódios que foram tocando a raia dos escândalos públicos.
 
É evidente que ele estava à vontade para tal e sempre que foi necessário o socorro não lhe faltou, pois o seu exacerbado e irreflectido egoísmo, compreensível apanágio das elites capitalistas, é típico de quem procura a todo o transe alcançar lucros, mesmo seguindo trilhas menos ortodoxas e como tal “desculpável”…
 
A determinada altura da sua vida “Sir” Mark Thatcher instalou-se na cidade do Cabo, entre 1996 e 2004, onde se inspirou decerto no elitismo característico do império britânico conforme “a visão africana” de Cecil John Rhodes.
 
Do Cabo partia-se e parte-se para o Cairo ou Jerusalém e também para a Antárctida, onde a África do Sul possui uma estação de presença e de investigação há mais de 50 anos…
 
A África do Sul aliás, cruza interesses com os restos do império britânico no Atlântico Sul e a cidade do Cabo desempenha nesse sentido o papel de sempre pronta base de retaguarda e porto de abrigo para as operações de logística, para as actividades de pesca, para a reparação naval (Simonstown) e para vigilância das rotas entre o Índico e o Atlântico.
 
A cidade do Cabo, na encruzilhada marítima entre o ocidente e o oriente, entre as rotas do norte e as do sul, possui aliás um ambiente e um carácter próprio capaz de, com a sua história e nostalgia, influenciar marinheiros, guerreiros, oficiais de inteligência, aventureiros, mercenários e piratas refractários do império entre os quais se colocou “Sir” Mark Thatcher…
 
3 – Numa altura em que os Governos da Guiné Equatorial eram indexados a uma oligarquia perdulária e sanguinária, que cometia constantes atropelos aos direitos humanos, conforme propaganda ocidental com os Estados Unidos à cabeça, “Sir” Mark Thatcher tentou a sua sorte em Março de 2004, integrando um grupo que levou os seus interesses e condutas à realização dum golpe de estado naquele pequeno país do Golfo da Guiné.
 
Aqueles que tentaram realizar o golpe foram infiltrados pelas inteligências conjugadas de estados como a África do Sul, o Zimbabwe, Angola e a própria Guiné Equatorial, ficando a descoberto a sua acção e intenções pelo que se registaram prisões de muitos intervenientes na África do Sul, no Zimbabwe e na Guiné Equatorial, entre eles “Sir” Mark Thatcher!
 
O herdeiro Thatcher encontrava assim forma de responder às vocações marítimas e sobretudo Atlânticas do império, com os olhos postos num pequeno país que regurgita de petróleo, como um moderno corsário à procura de tomar uma riquíssima presa, no seguimento “em privado” da “experiência oficial” das Malvinas.
 
Em relação à tentativa de tomar o petróleo da Guiné Equatorial o “plano Thatcher” funcionou com a mesma indexação ideológica radical e prática duma qualquer corrente radical islâmica, só que com relativamente mais curta longevidade!
 
Salvou-o do abismo a sua fortuna e a influência de sua mãe, a “dama de ferro”, defensora acérrima das elites poderosas do império anglo-saxónico e de sua globalização neo liberal vencedora da Guerra Fria!…
 
4 – Perante esse infortúnio cuja fama correu mundo com a cobertura mediática da muito britânica BBC, “Sir” Mark Thatcher abandonou Constância, na cidade do Cabo e foi-se instalar noutro antigo ninho de piratas, passando a saltar de ilha em ilha em função dos seus interesses nas “offshores” financeiras das Caraíbas.
 
As épocas que se sucederam na vida do herdeiro Thatcher, intercalavam as “offshores” das Caraíbas, (Barbados, ilhas Cayman, Antilhas Holandesas) e os lugares dilectos dos “play boys” no sul da Europa: Marbela, Nice, Mónaco…
 
Quando a 8 de Maio morreu sua mãe, ele estaria nos Barbados, de onde partiu para assistir às exéquias…
 
5 – A tentativa do corsário em tomar a presa pode ter saído gorada, passando para a história como um episódio singular em que alguns ficaram longe de alcançar os seus objectivos pessoais, mas o sinal é evidente: com ou sem “Sir” Mark Thatcher, os interesses das grandes corporações multinacionais do petróleo inscrevem-se nos dispositivos que em função das potências ocidentais dominam o Atlântico e moldam as elites “parceiras” em África na arquitectura neo colonial contemporânea...
 
A Guiné Equatorial mantém a sua elite, que em 1979 se instalou no poder através dum golpe de estado sangrento e agora se converteu à democracia representativa, enquanto sua escassa população vive ainda em crónico subdesenvolvimento, face aos enormes desequilíbrios locais, tal como acontece no figurino africano.
 
Para além do petróleo a Guiné Equatorial passou a ter um valor geo estratégico no Golfo da Guiné que antes não possuía a mesma relevância.
 
Sob a sombra do império anglo-saxónico no Atlântico, poucas diferenças há, no que diz respeito à geo estratégia, entre o caso das Malvinas e da Guiné Equatorial, entre a situação colonial de uma e a neo colonial de outra, ou as corporações anglo-saxónicas do petróleo e do gás, instrumentos da aristocracia financeira mundial, não tivessem tão fortes argumentos “moderadores”!
 
Mesmo que os pequenos corsários tenham cada vez mais dificuldades em tomar as presas, aos grandes corsários corporativos nada nem ninguém os impede, por que são eles os promotores mais decisivos da formatação a contento das elites africanas afins aos interesses e influência do império e… como (favoravelmente à aristocracia financeira global) mudou o carácter do poder da Guiné Equatorial durante os últimos anos!...
 
Se para o norte Margaret Thatcher foi a “dama de ferro”, não há dúvida que ela e sua família, para o sul, foi mais que isso: uma inveterada “dama do petróleo”, mesmo que as coisas não tivessem corrido tão bem quanto desejariam os Thatcher!
 
Nota: A Guiné Equatorial ocupa o 136º posto no quadro dos Índices de Desenvolvimento Humano (Desenvolvimento Humano Médio); em termos comparativos Cabo Verde ocupa a 133ª posição, São Tomé e Príncipe a 144ª e Angola a 148ª.
 
Mapa: O território continental e insular da Guiné Equatorial é crucial para o controlo geo estratégico do Golfo da Guiné, um factor que joga com os apetites das potências para além da “atracção” à exploração de suas ricas jazidas de gás e petróleo “offshore” – (“Equatorial Guinea coup plot” – http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/3597450.stm).
 
A consultar:
.Guinea Equatorial comprou apoio nos EUA com dinheiro público – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/guine-equatorial-comprou-apoio-nos-eua.html
.Militarization of energy policy: US Africa Command and Gulf of Guinea – http://rickrozoff.wordpress.com/2011/01/08/militarization-of-energy-policy-u-s-africa-command-and-gulf-of-guinea/
.Oposição pressiona Governo Português para rejeitar adesão da Guiné Equatorial – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/cplp-oposicao-pressiona-governo.html
.Coup plotters jailed in E. Guinea – http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/4044305.stm
.Zimbabwe jails UK coup plotter – http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/3643250.stm
.Thatcher fined over coup plot – http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/4169557.stm
 

Portugal-Brasil: GOVERNOS PEDEM ELEIÇÕES “LIVRES E JUSTAS” NA GUINÉ-BISSAU

 

Visão - Lusa
 
Lisboa, 10 jun (Lusa) -- Portugal e Brasil apelaram hoje ao fim do conflito na Síria e acolheram com satisfação a formação de um governo "inclusivo" na Guiné-Bissau que deve promover eleições e subordinar os militares ao poder civil.
 
A Declaração Conjunta da XI Cimeira Portugal-Brasil, no final do encontro entre o primeiro-ministro português e a chefe de Estado brasileira hoje em Lisboa, formula votos para que o governo da Guiné-Bissau "se concentre na preparação de eleições gerais livres, justas e transparentes até ao final do período de transição contribuindo para a restauração da ordem constitucional e democrática na Guiné-Bissau e para a uma solução consensual e sustentável para instabilidade que tem vindo a afetar o país".
 
Os dois países, sublinharam ainda a importância da subordinação dos militares guineenses ao poder civil e a "luta" contra a impunidade e respeito pelos Direitos Humanos.
 

Dilma deseja fim da crise na Europa, Cavaco alerta para potencialidades de Portugal

 

Nuno Ribeiro – Público – foto Miguel Manso
 
Em público, não houve referências à privatização da TAP ou dos CTT
 
Em duas intervenções de escassos minutos, foram definidos estilos e propósitos. Ao fim desta tarde, em Belém, a Presidente Dilma Rousseff não se esqueceu onde estava e desejou o fim da crise da Europa. O anfitrião Cavaco Silva prometeu os bons ofícios de Portugal no relacionamento do Brasil e do Mercosul [Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela] com a União Europeia, e alertou para as potencialidades do nosso país ainda desconhecidas dos empresários brasileiros.
 
“O Brasil tem sempre um olhar de preocupação na crise da Europa, a crise social e o desemprego, desejamos que esteja mais próxima a retoma para os povos europeus”, disse a Presidente brasileira. “Esta visita contribui para alertar os empresários brasileiros para as potencialidades de Portugal”, admitiu o Presidente da República.
 
Se Dilma mostrou compreensão solidária para com as crises que afectam os países da Europa, a sua intervenção sobre as relações entre Portugal e Brasil mostrou idêntica acuidade. Não ficou pela “parceria estratégica” enunciada por Cavaco Silva e ousou uma nova formulação: “Mudar de patamar no relacionamento.” Ou seja, ir para além das trocas comerciais dos tradicionais produtos manufacturados, e preferir novos produtos e de maior valor acrescentado.
 
Os exemplos a que a Presidente brasileira recorreu são de negócios já em curso: a Embraer em Évora, a Galp Energia nos campos petrolíferos brasileiros. E comentou, em tom muito favorável, os acordos celebrados entre o Ministério de Ciência e Tecnologia brasileiro e as autoridades de Portugal e Espanha responsáveis pelo Instituto de Nanotecnologia de Braga. “São símbolos de um novo patamar”, insistiu. Neste âmbito, concretizou, ainda, outras áreas de cooperação, as das indústrias criativas de produção cultural.
 
Em público, não houve pela Presidente nem nenhum dos seis ministros que a acompanharam durante a visita de 48 horas a Lisboa qualquer referência à privatização da TAP ou dos CTT. No entanto, os jornalistas brasileiros não escondiam o interesse sobre o tema.
 
Na comitiva presidencial brasileira, para além do chefe da diplomacia, António Patriota, da ministra para a área da Comunicação Social, e dos titulares da Educação, Cultura e Saúde, estava o responsável do Desenvolvimento e do Comércio Externo. A agenda deste membro do Governo de Brasília não foi conhecida e os passos divulgados de Dilma em Lisboa nada revelaram sobre o interesse de participar na corrida à privatização da companhia aérea portuguesa. Ao fim da tarde, decorria em São Bento o encontro com o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Por motivos protocolares e de agenda – a seguir seguia-se a cerimónia da entrega do Prémio Camões 2013 no Palácio de Queluz –, Dilma falou após o encontro com Cavaco. Daí, a importância da definição do “novo patamar”, que defendeu com exemplos para o relacionamento entre os dois países.
 
Entre as novas oportunidades, o ministro da Educação brasileiro, Eloizio Marcadante, destacou o aprofundamento da parceria no domínio aeroespacial. Foi esta tarde no Ministério dos Negócios Estrangeiros, após a assinatura do reconhecimento dos cursos de engenharia e arquitectura portugueses, que Marcadante apontou novos caminhos, como a parceria também subscrita neste domingo para o centro Biocante de Cantanhede. Aliás, foram estes os dois únicos documentos assinados no Âmbito da visita da Presidente Dilma Rousseff. Os efeitos visíveis de dois dias de jornada em Lisboa.
 
O ministro brasileiro explicou que o desbloqueamento dos “engenheiros portugueses” no Brasil tem uma lógica de mercado: por ano há a necessidade de 70 mil engenheiros, enquanto o país forma 44 mil. “O acordo celebrado relativamente aos títulos académicos significa o triunfo da persistência”, disse o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Paulo Portas não deixou de dar um recado às ordens profissionais, apelando a que tenham um espírito idêntico aos dos Governos português e brasileiros que levaram a uma solução.
 
Apesar da aridez técnica dos discursos, uma característica aliás definidora da personalidade de Dilma Rousseff, a Presidente brasileira surpreendeu: “Aqui, em Portugal, em cada esquina a gente vê um parente”.
 

O CHARLATANISMO ECONÔMICO POR TRÁS DAS AGÊNCIAS DE RISCO

 

 
Hoje, a maior influência das agências de risco é exercida através da grande mídia, sobretudo no plano ideológico, para forçar mudanças na política econômica. No caso atual, elas exigem juros altos, câmbio valorizado e superávit primário elevado, em nome de uma suposta austeridade na gestão econômica. Por J. Carlos de Assis
 
J. Carlos de Assis* - Carta Maior
 
Uma agência de risco diz que pode rebaixar a nota brasileira. A grande mídia faz disso o maior estardalhaço. É como se fôssemos alunos de escola primária ameaçados de reprovação. Algumas autoridades do próprio governo, por sua vez, intimidadas, passam a dar justificativas no sentido de atenuar a previsão - o que resulta, em última análise, num procedimento de legitimação de espúria intervenção de uma entidade privada internacional na condução da política econômica do país.

As agências de classificação de risco não conseguiram prever a maior crise da história do capitalismo iniciada em 2008. Classificaram como bons créditos, hipotecas e bancos podres. Interrogados por representantes de uma comissão especial do Congresso norte-americano, seus gestores alegaram que apenas emitiam opiniões. Foi a maior confissão de subjetivismo jamais feita por parte de instituições que influem em grande parte do movimento de crédito do mundo. Puro charlatanismo econômico.

Para compreensão da atividade atual dessas agências, é preciso recuar não propriamente a sua criação, mas ao papel que passaram a ter, sobretudo em relação a países em desenvolvimento, depois da crise da dívida externa dos anos 80. Até então, o papel de xerife das políticas econômicas dos países em desenvolvimento era exercido pelo FMI. Com a crise da dívida, esse papel tomou dimensões exorbitantes na forma de condicionalidades para financiar nações em dificuldade.

Entretanto, na medida em que os países, por conta própria, ou auxiliados pelo boom de exportações de commodities para a China a partir do início do anos 2000, começaram a constituir grandes reservas internacionais em relação ao tamanho de suas economias, sua dependência do FMI caiu até desaparecer completamente. O Brasil, por exemplo, pagou ao Fundo a dívida de US$ 30 bilhões feita no fim do governo FHC dele herdada e acabou no Governo Lula tornando-se credor ele por um empréstimo de US$ 10 bilhões.

Diante desse contexto, quem assumiu o papel de xerife da política econômica dos países em desenvolvimento? O FMI, naturalmente, não poderia mais exercê-lo através de condicionalidades, pois os países já não precisavam de seus empréstimos. Foi então que entrou em cena, com todo o seu peso bancado pela ideologia neoliberal, as agências de risco. Embora sendo privadas, elas se arrogam a prerrogativa de fiscalizar e avaliar a atuação de governos a pretexto de estabelecer escalas de risco dos países. Com isso, influem nas decisões de investimento dos fundos e dos bancos.

Nos países em crise da zona do euro a situação permanece sob o controle tríplice da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do FMI (a troika). Este último acaba de emitir relatório reconhecendo que a política de austeridade imposta a países como Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha trouxe conseqüências em termos de queda de crescimento e alta do desemprego bem mais altas que as previstos. Isso apenas acentua o caráter regressivo das políticas neoliberais que, agora, entre nós, fora do âmbito do FMI, querem nos exigir via agências de risco privadas.

Agências de risco existem há décadas. Em tese, seriam úteis a investidores que não têm, eles próprios, departamentos de acompanhamento de performance para avaliação de risco de países, créditos e títulos. Os grandes atores do sistema financeiro internacional, contudo, dispõem internamente de seus analistas. Pelo que as agências de risco assumiram crescentemente um papel ideológico, infelizmente corroborado, no caso de países, por governos que pagam, eles próprios, pela avaliação. Com isso, o pais abre mão de soberania economia em favor do mercado.

Que, nos tempos heroicos do desenvolvimento brasileiro, o papel das agências de risco era irrisório ou ineficaz pode ser aquilatado pelo governo, que rompeu com o FMI confiante nos créditos do setor bancário privado, os quais, por sinal, não pediram permissão às agências para concedê-los. Hoje, a maior influência das agências de risco é exercida através da grande mídia, sobretudo no plano ideológico, para forçar mudanças na política econômica. No caso atual, elas exigem juros altos, câmbio valorizado e superávit primário elevado, em nome de uma suposta austeridade na gestão econômica. Resta saber se o governo agirá de acordo com os interesses do desenvolvimento nacional ou segundo os ditames de agências corrompidas pelo interesse privado imediato e pelo interesse eleitoral que se seguirá.

*Economista e professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros de economia política, de “O Universo Neoliberal em Desencanto” (co-autoria com o matemático Francisco Antonio Doria) e “A Razão de Deus”, pela ed. Civilização Brasileira.

Delator de esquema de espionagem dos EUA pode não escapar da extradição

 

Deutsche Welle
 
Edward Snowden escolheu Hong Kong como refúgio, mas território assinou com Washington um tratado de entrega de suspeitos de crimes. Risco de intervenção de Pequim ameaça gerar imbróglio entre chineses e americanos.
 
Ao escolher Hong Kong como refúgio, o técnico de computação Edward Snowden, que se diz responsável por revelar o largo esquema de espionagem do governo americano na internet, pode ter conseguido adiar sua extradição, mas não evitá-la. A situação ameaça criar um imbróglio – e com possíveis implicações também para as relações entre China e Estados Unidos.
 
Em 1996, um ano antes de ser devolvida à China, Hong Kong, então colônia britânica, assinou um tratado de extradição com os EUA que permite a troca de suspeitos de cometerem crimes. E especialistas apostam que Snowden terá dificuldades para driblar o acordo caso o governo americano realmente decida processá-lo e solicitar sua extradição.
 
"Hong Kong não vai colocar em risco sua relação com os EUA por causar de Snowden. E poucas pessoas já descobriram ter influência para persuadir outro país a mudar de rumo por sua causa", disse à agência de notícias Reuters o advogado americano Robert Anello, que já lidou com vários processos de extradição.
 
A questão, no entanto, pode se tornar ainda mais complicada. Hong Kong tem significativa autonomia em relação ao resto da China, mas é de Pequim a responsabilidade por questões de defesa e política externa. E uma lei do território prevê que a China pode emitir uma "instrução" determinando se Hong Kong deve acatar ou não o pedido de extradição.
 
A intervenção se justificaria no caso de os interesses chineses em questões de defesa ou assuntos internacionais estejam significativamente ameaçados. Os EUA, por outro lado, já disseram que tratarão do assunto diretamente com Hong Kong.
 
“Todos os casos serão tratados de acordo com as leis de Hong Kong”, disse o governo americano, em breve comunicado.
 
Vigilância em larga escala
 
Edward Snowden, de 29 anos, revelou no domingo (09/06) ser o homem que fugiu com documentos secretos da Agência Nacional de Segurança dos EUA do Havaí para Hong Kong, entregando-os em seguida à imprensa.
 
O ex-funcionário da CIA (agência de inteligência americana), que mais recentemente trabalhava no serviço de monitoramento da NSA, fez a revelação em entrevista ao jornal britânico Guardian. Ele afirmou que o objetivo das revelações foi tornar público o excesso de controle por parte do governo americano.
 
Até agora, no entanto, Snowden ainda não teria entrado com pedido de asilo. Segundo o repórter do Guardian, que o entrevistou num hotel em Hong Kong, ele também não teria entrado em contato com o governo dos EUA e com as autoridades de Hong Kong. Snowden declarou que, nos últimos quatro anos, trabalhou como funcionário de empresas externas para a NSA.
 
De acordo com os documentos revelados pelo técnico de computação, os EUA praticaram o monitoramento em grande escala dos dados de usuários de internet de serviços como Google, Facebook, Microsoft, Apple e Yahoo. Esse programa de monitoramento leva o nome "Prism".
 
Ao jornal britânico, Snowden declarou que não quer viver num mundo onde "tudo que faz e fala é gravado".
 
"A NSA montou uma infraestrutura que lhe permite captar quase tudo", afirmou. "Quando eu queria interceptar o e-mail ou o telefone de sua esposa, eu só precisava pedir os dados interceptados. Eu posso conseguir e-mail, senhas, dados de conversas, informações sobre cartões de crédito", disse Snowden ao repórter do Guardian.
 
Pressão republicana
 
De acordo com Snowden, ele trabalhou primeiramente como assistente técnico na CIA e depois passou a atuar na NSA, que é especializada na vigilância de infraestrutura de comunicação, como funcionário de várias companhias externas, como a empresa de assessoria Booz Alllen Hamilton e a fabricante de computadores Dell.
 
Booz Allen confirmou que Snowden era um funcionário alocado no Havaí – por menos de três meses. A empresa distanciou-se de Snowden, afirmando que os relatos sobre a revelação de segredos seriam "chocantes" e uma "violação dos valores fundamentais da empresa."
 
A princípio, a Casa Branca não quis fazer nenhum comentário. Em declaração, o escritório do diretor dos serviços secretos dos EUA, James Clapper, explicou na noite de domingo que "Prism" não seria nenhum programa secreto de coleta ou interceptação de dados. "É um sistema interno de computação do governo". O programa permitiria apoiar a coleta de informações de esclarecimento no exterior.
 
O escritório de Clapper afirmou que o Departamento de Justiça já teria sido acionado e que os serviços secretos já estariam avaliando os prejuízos provocados pelas revelações. "Qualquer pessoa com acesso a documentos secretos sabe que tem a obrigação de proteger informações confidenciais e respeitar as leis vigentes", diz o comunicado.
 
Em Washington, as primeiras vozes já se levantaram pedindo a extradição de Edward Snowden. O republicano Peter King, membro da Comissão de Serviço Secreto da Câmara dos Representantes, exigiu que fossem tomados os primeiros passos para a transferência de Snowden para os Estados Unidos. Além disso, ele também pediu "uma ação penal com a maior dureza da lei", caso as investigações correntes confirmem Snowden como o informante.
 
CA/dpa/afp
 

Do 11 de setembro ao PRISM: a escalada de espionagem do governo norte-americano

 

Charles Nisz, São Paulo – Opera Mundi
 
Programa de grampos a dados de milhões de pessoas foi legalizado por George W. Bush e referendado por Barack Obama
 
Há exatos 64 anos, era lançado 1984, a mais famosa das obras do escritor britânico George Orwell. No livro, Orwell faz o retrato de um governo repressivo e totalitário, cujo poder está baseado no controle e na vigilância sobre os cidadãos. Muitos dos termos usados pelo autor entraram para a cultura popular – o mais famoso deles é justamente o “Grande Irmão”, responsável pela vigilância dos cidadãos no mundo criado por Orwell.

O vazamento de documentos sobre a espionagem feita pelo governo norte-americano a seus cidadãos por meio do programa PRISM suscitou muitas críticas a Barack Obama. Principalmente porque o governo dos EUA obrigou operadoras de telefonia e empresas de tecnologia como a Verizon, a Apple, o Yahoo, o Google e o Facebook a fornecerem dados sigilosos sobre seus usuários. É impossível não fazer o paralelo com o “Grande Irmão”.

A divulgação do PRISM em matéria do jornal britânico Guardian chocou a opinião pública mundial. Os documentos obtidos são de abril de 2013. No entanto, o PRISM não é causa, mas sim consequência de uma escalada da vigilância do governo norte-americano. Conforme os documentos vazados pelo grupo hacker Annonymous, o programa foi iniciado em 2007, ainda na administração de George W. Bush.
 
Segundo o governo dos EUA, a proposta do PRISM é filtrar comunicações e dados sensíveis ou perigosos transmitidos por servidores localizados no país. Mas como a maioria das empresas de tecnologia e de Internet está baseada em território norte-americano, o alcance do PRISM é muito maior. Segundo matéria do jornal Washington Post, um em cada sete relatórios da inteligência dos EUA é elaborado com dados obtidos pelo PRISM. Ainda segundo o jornal, 98% dos dados do PRISM provêm de Yahoo, Google e Microsoft.

O diretor da NSA (Agência de Segurança Nacional, na sigla em inglês), James Clapper deu uma entrevista nesta quinta-feira (06/06), na qual afirmou que os dados obtidos pelo PRISM (local, horário e duração dos telefonemas ou chats) não permitem o acesso ao conteúdo dos arquivos. Segundo Clapper, a coleta de dados faz parte do programa norte-americano de contraterrorismo e as informações não serão usadas contra nenhum habitante do território norte-americano.

Um pedido do procurador-geral ou do diretor da NSA dava início ao processo de coleta de dados. Os dados obtidos nos servidores das empresas de tecnologia eram retrabalhados pela Unidade de Interceptação de Dados do FBI e, então, reenviados para a NSA. Não apenas a coleta de dados é assustadora, mas o tipo de dado obtido.

Conversas via Skype usando um telefone convencional, mas também áudios, vídeos e chats feitos no programa de telefonia recém-adquirido pela Microsoft. Já o Google entregava os emails, chats, documentos armazenados no Google Drive e até mesmo as buscas feitas em tempo real. Em suma, o governo norte-americano tem acesso a quase toda atividade online dos usuários das grandes empresas de tecnologia. O Twitter parece ser a única dessas companhias a não colaborar na empreitada.

Basicamente, as empresas são pressionadas a fazer isso. Elas temem ações judiciais movidas pelo governo e também regulações federais mais duras contra seus serviços. As empresas de tecnologia citadas na matéria do Guardian negam participação no PRISM. A Apple e o Facebook dizem nunca ter ouvido falar da iniciativa do governo em coletar dados pessoais dos cidadãos.

No entanto, o cenário agora exposto já havia sido previsto por especialistas em liberdade de expressão e segurança digital. No livro Cypherpunks (Boitempo, 2013), Julian Assange, editor-chefe do site Wikileaks, discute com outros especialistas o seguinte fato: “a nova alavanca da geopolítica mundial consiste nos dados privados de milhões de cidadãos mundo afora”. Assim como o controle de reservas de gás permitiu à Rússia influenciar a Europa, o controle dos cabos de fibra ótica da infraestrutura global da Internet permitirá aos EUA influenciar cidadãos dentro e fora do seu território.

Legalidade da espionagem

Judicialmente, não há nada de ilegal na execução do PRISM. Após os atentados de 11 de setembro, ainda no primeiro mandato de George W. Bush , foi promulgado o Patriot Act. Assinado por Bush em 26 de outubro de 2001, o dispositivo permite a invasão de lares, espionagem, interrogatórios e torturas de cidadãos em caso de ameaça real ou hipotética de terrorismo contra os Estados Unidos.

Por conta da forte pressão da opinião pública, o governo Bush foi obrigado a abandonar o programa de vigilância eletrônica. A solução encontrada foi viabilizar uma maneira de continuar essa coleta eletrônica de dados. O Ato de Proteção da América, de 2007, tornou possível vigiar alvos caso fosse comprovável de que eles eram ameaças externas. A legislação foi renovada por Obama em dezembro de 2012.
 
A colaboração das empresas foi possível a partir de 2008, com emendas na FISA (Lei para Vigilância de Inteligência Estrangeira, na sigla em inglês). Com a emenda, as empresas de tecnologia não seriam mais processadas por danos morais caso tivessem que fornecer os dados dos usuários ao governo dos EUA. Foi a brecha legal para que as gigantes tecnológicas se sentissem “livres” para colaborar com o governo norte-americano.

De acordo com o jornalista australiano, a privacidade dos dados dos usuários é um problema que transcende a geografia. Muitos governos mundo afora compram soluções de criptografia para não serem espionados pelo governo dos EUA. Mas muitos dos CEOs das empresas que vendem essas soluções de tecnologia são engenheiros da NSA, justamente a agência norte-americana envolvida na coleta dos dados.

Outros membros do Wikileaks foram assediados e interrogados por autoridades norte-americanas. Jacob Applebaum, cientista da computação e um dos fundadores do projeto Tor, sistema que permite navegação anônima na Internet, foi interrogado em aeroportos, submetido a revistas invasivas e teve seus equipamentos confiscados por conta do seu envolvimento com o vazamento de documentos feito pelo Wikileaks.

Em 14 de dezembro de 2010, o Twitter foi intimado pelo Departamento de Justiça dos EUA para revelar informações que poderiam ser relevantes para investigar o Wikileaks. A intimação era baseada na seção 2703(d) da Lei de Comunicações Armazenadas. Na prática, a intimação forçava a revelação de registros privados sem a necessidade de um mandado judicial de busca. Isso criou uma base legal para contornar a Quarta Emenda da Constituição dos EUA contra buscas e investigações arbitrárias.
 
Para Assange, a solução contra a vigilância está no desenvolvimento de novas tecnologias de criptografia, independentes das soluções tecnológicas criadas pelo governo e por empresas norte-americanas. A intenção do movimento cypherpunk, como salienta Assange, era a de proteger os usuários contra a vigilância do Estado, mas a tecnologia também pode ser usada para manter a autonomia de outros Estados ou, nas palavras de Assange, combater a “tirania do império contra a colônia”.

O paralelo entre a distopia prevista por Orwell e a vigilância realizada pelo governo dos Estados Unidos se mantém: a Internet, uma ferramenta da emancipação humana, está sendo transformada no mais perigoso facilitador do totalitarismo, sublinha Assange. A ideia do fluxo de informações é degradada pelas origens físicas da Internet. Quem controla as estruturas físicas da web detém também as suas informações. Para lutar contra esse domínio, só resta desenvolver novas ferramentas criptográficas, diz o hacker australiano.

Fazendo uma analogia com a estratégia de Mahatma Gandhi, Assange diz que a criptografia é a última forma de ação direta não-violenta. Ainda que um Estado impusesse uma violência física sem limites, seria incapaz de descriptografar os dados e ter acesso às informações. Com isso, seria possível aos cidadãos manter segredos e escapar da vigilância dos Estados.

Segundo os especialistas ouvidos por Assange no livro Cypherpunks, ao mesmo tempo que a Internet permite mais comunicação, ela também abre portas para mais vigilância. A tecnologia permite a coleta massiva desses dados. Ao divulgar nossas ideias na Internet, viramos informantes de nós mesmos.
 
Imagem: Carlos Latuff/Opera Mundi - O cartunista e ativista Carlos Latuff é colaborador do Opera Mundi. Seu trabalho, que já foi divulgado em diversos países, é conhecido por se dedicar a diversas causas políticas e sociais, tanto no Brasil quanto no exterior. Para encontrar outras charges do autor, clique aqui.
 
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Portugal: DE NOVO ALCÁCER-QUIBIR

 

Tomás Vasques – Jornal i, opinião
 
Até os deputados da maioria que têm dado lastro à destruição do país conduzida por Vítor Gaspar, e benzida por Passos Coelho, tentam agora sacudir a água do capote
 
Com o devido respeito às instituições consagradas na nossa Constituição (respeito devido mais por razões democráticas e regras de boa educação, do que por merecimento), desde o Presidente da República, ao governo, passando pela tão nobre Assembleia da República, e sem cometer o abuso de chamar palhaço ou qualquer outro nome similar que melindre a sensibilidade de quem quer que seja, o bom senso exige que se diga que o destino dos portugueses está, por ora, entregue a um bando de fanáticos, irresponsáveis, a raiar a loucura, como poucas vezes aconteceu na História milenar de Portugal. Que me ocorra, desastre de proporções semelhantes, conduzido com a mesma insânia, só mesmo no tempo de D. Sebastião, um louco varrido, também muito crente na protecção concedida por todos os santos do nosso imaginário religioso, feito rei de Portugal, que começou a governar o país aos catorze anos de idade, e dez anos depois foi morrer, sepultando consigo muitos milhares de portugueses, debaixo do inclemente sol de Agosto marroquino, em Alcácer-Quibir, arruinando o país e afundando Portugal e a nossa independência por muito tempo.
 
Vítor Gaspar, alcandorado pelo primeiro-ministro a cérebro do aventureirismo político que fez dos portugueses cobaias de opções ideológicas mal assimiladas e de desmedidas subserviências externas, a quem foi entregue a governação do país, apadrinhado por Belém e amparado por uma maioria de deputados no parlamento, não desarma do rumo em que nos imola. Atarantado e sem tino, depois de falhar todas as metas e objectivos a que se propôs, desde o défice à dívida externa, desde o desemprego à recessão; depois do fiasco de todas as suas previsões, as quais se tornaram motivo de chacota nacional, e sinal do desvario, veio agora, no seu tom monocórdico, dizer que a chuva deste Inverno, que a ministra Assunção Cristas tão insistentemente pediu a São Pedro, para encher as barragens e ajudar à agricultura, foi um dos motivos do seu insucesso, porque afastou o investimento necessário à reanimação económica. O fanatismo ideológico do todo-poderoso ministro das Finanças não lhe permite entender que as exportações não podem crescer numa Europa que se contrai; que a carga fiscal à bruta e a austeridade cega fazem cair a pique a procura interna, provocando o encerramento de milhares de empresas e aumentando o desemprego, diminuindo as receitas e aumentando as despesas. Nem sequer entende que chove no Inverno. Apesar de dizer, com trejeitos aluados, para aliviar a pressão, citando Bismarck: “tenho amplo material para aprender com os meus próprios erros”, para de imediato os esquecer e zurzir nas decisões do tribunal Constitucional e na herança do anterior governo.
 
Alcácer-Quibir está tão próximo que até os deputados da maioria que, nestes dois anos, submissos e reverentes, têm dado lastro à destruição do país conduzida por Vítor Gaspar, e benzida por Passos Coelho, tentam agora sacudir a água do capote, sobretudo por saberem que o próprio FMI dá sinais de entender que este é o caminho directo para o inferno, para uma pobreza injustificável, para uma dívida externa impagável, para a saída do euro. Pela voz de João Almeida, do CDS-PP, e Miguel Frasquilho, do PSD, na sexta--feira, no parlamento, ouvimos dizer que “lançar austeridade sobre austeridade, como foi imposto pela troika, não resultou como estava previsto no memorando. Portugal precisa de mais tempo da parte dos credores” ou que “é preciso falar grosso à troika”. Isto dito pelos mesmos deputados que, na primeira fila do hemiciclo, batiam palmas, em pé, a Passos Coelho quando este, não há muito tempo, dizia que prosseguiria o seu programa de austeridade “custe o que custar”, que não precisava de “mais tempo, nem mais dinheiro” ou que “iremos além da troika”, só pode significar o reconhecimento da falência das políticas deste governo e a inutilidade da maioria dos sacrifícios exigidos aos portugueses nestes dois anos. No fundo, um cântico fúnebre ao governo.

Jurista - Escreve à segunda-feira
 

Portugal: SOARES DESAFIA CAVACO A DEMITIR O GOVERNO

 

Ana Paula Correia – Jornal de Notícias
 
Após o encontro com a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, ao fim da manhã desta segunda-feira, Mário Soares comentou as vaias ao primeiro-ministro e ao chefe do Estado, nas cerimónias do 10 de Junho, desafiando Cavaco Silva a demitir o Governo.
 
"A popularidade do presidente da República baixa todos os dias, nas sondagens, está cada vez mais impopular, por isso ele tem de tomar uma posição. Não pode admitir que um Governo, que não se entende entre si e que está a destruir Portugal, continue para arruinar o país", afirmou o antigo presidente da República aos jornalistas portugueses e brasileiros.
 
Após cerca de uma hora de reunião com Dilma Rousseff, Soares ainda comentou a ideia transmitida pelo presidente da República e pelo primeiro-ministro de os portugueses não podem vacilar e têm de aguentar.
 
"Para ele talvez seja fácil aguentar, mas o povo é que não se quer aguentar, como se prova, vaiando-o a ele e aos ministros", afirmou.
 
Sem adiantar os assuntos que abordou com Dilma, o histórico socialista revelou que o encontro se realizou a seu pedido e salientou a convergência de posições "entre camaradas", bem como a "inteligência" da presidente brasileira, que, admitiu, ainda não conhecia pessoalmente.
 
Soares também não quis tomar posição sobre a possibilidade de entrar capital barsileiros nas empresas portuguesas, nomeadamente na TAP, mas aproveitou para criticar uma vez mais o Governo de Passos Coelho, que, disse, "querer vender o país a retalho".
 
Questionado sobre o que faria se fosse primeiro-ministro agora, nas circunstâncias atuais do país, o antigo chefe do Governo lembrou o tempo em que governou com a intervenção do FMI.
 
"Já fui primeiro-ministro num país arruinado e resolvi o problema num ano e o FMI nunca falou em público. Pagámos tudo, recebemos tudo e tudo se passou lindamente", afirmou, criticando a troika por "falar demais", mas o pior, acentuou, é a "subserviência do Governo à troika". "Isso é que é insuportável", concluiu.
 
A presidente brasileira não falou com os jornalistas após o encontro com Mário Sores, estando apenas previsto que faça declarações públicas após a reunião com Cavaco Silva, no Palácio de Belém, marcada para as 17 horas.
 

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