sábado, 7 de dezembro de 2013

Ucrânia: NÃO É UM CONVÍVIO SOCIAL, É UMA REVOLUÇÃO

 


Süddeutsche Zeitung, Munique – Presseurop – imagem AFP
 
O jovem poeta ucraniano Taras Malkovich fala das manifestações contra Yanukovych, as verdadeiras relações de força que operam no seu país e o papel fundamental atualmente desempenhado por Vitali Klitschko.
 
 
“A propósito, já lhe contei a verdadeira origem dos episódios de violência que se deram nos protestos contra Yanukovych? Não? É importante que fique bem esclarecido. Porque tudo, hoje, tem a ver com isso. Queremos derrubar o chefe de Estado, mas somos pacíficos.” Nascido em 1988, em Kiev, onde mora, Taras Malkovich é um jovem poeta ucraniano, atualmente bolseiro da [associação cultural internacional] Villa Decius, em Cracóvia. Em breve, vai para Nova Iorque, com o pai, Ivan, também ele poeta, um dos mais importantes da Ucrânia.
 
Mas o que preocupa principalmente Tara Malkovich, hoje, é o destino do seu país. Há poucos dias, houve um encontro de escritores, integrado numa manifestação na Praça da Independência, em Kiev. Perante 50 mil espetadores, Taras Malkovich apresentou o seu mais recente poema. É sobre a história de uma família de carrascos, que oficia há várias gerações. Mas eis que o mais novinho se desvia da linha familiar. O filho do carrasco não brinca sequer às lutas com os filhos do vizinho e não suporta ver sangue. O pai tenta, por todos os meios possíveis, puxá-lo para o bom caminho.
 
Língua supérflua
 
“Estava extremamente nervoso, por me encontrar diante de tantas pessoas. Mas quando disse, a concluir, que não devíamos esquecer que não estávamos num convívio social, mas numa ‘revolução’, a multidão exultou. Até pessoas pouco politizadas percebem, finalmente, o que a Rússia representa para nós: a permanência do status quo, simples alternância de períodos de opressão e de submissão da Ucrânia sob diversas formas. Muitos aperceberam-se disso em 21 de novembro, no dia da primeira vaga sangrenta de repressão das manifestações. Mas já era evidente há muito tempo. O campo pró-russo não o esconde, sequer.”
 
Culturalmente, basta ver a atitude de Dimitri Tabachnik, o ministro da Educação e Ensino. “Durante a sua volta à Ucrânia, neste verão, deu uma entrevista em que explicou textualmente que o ucraniano é ‘uma língua supérflua’. E é isto um ministro da Educação da Ucrânia?”
 
No entanto, para Taras Malkovich, o verdadeiro perigo vem de outro lado: o empresário Viktor Medvetchuk, que há décadas influencia a política ucraniana, apesar de se manter nos bastidores há alguns anos. Quando Vladimir Putin visitou a Ucrânia, neste verão, esteve apenas um quarto de hora com Yanukovych e muito mais com Medvetchuk, a quem por aqui chamam o Cardeal ou o Padrinho. Aliás, Putin é padrinho da sua filha, são compadres.
 
“Medvetchuk já era conhecido do mundo literário antes do meu nascimento”, explica Taras Malkovich. Em 1980, jovem advogado, Medvetchuk foi nomeado defensor do poeta ucraniano, politicamente empenhado, Vasil Stus (nascido em 1938), num processo que lhe moveram. Quarenta anos depois de Varlam Chalamov, Stus seria enviado para um gulag siberiano perto de Magadan, onde morreu na sequência de uma greve de fome, em 1985. “Ele fez tudo para Stus ser condenado à morte.”
 
Viktor Medvetchuk, que não seria melhor do que Yanukovych no poder, tem uma esposa que condiz com o seu caráter. É a apresentadora de televisão Oksana Marchenko, de 30 anos, que anima programas como a versão ucraniana de “Dança com as estrelas”. “Durante a dispersão de manifestações pacíficas, homens da berkut – as forças especiais do regime, conhecidas pela sua brutalidade – saíram de uma carrinha com o logótipo do programa. É difícil acreditar em simples ironia do destino”, conta Taras Malkovich.
 
Símbolo de união
 
É durante períodos de instabilidade política, marcados pela manipulação da informação, que o princípio de independência da literatura se manifesta em toda a sua importância. O conceito de “literatura comprometida”, que há muito é desdenhado no Ocidente, assume aqui pleno significado. Desde que chegou às ruas tranquilas de Cracóvia, Taras Malkovich, que já traduziu uma antologia de poesia irlandesa, bem como poemas alemães de Heine, Goethe e Brecht, só pensa numa coisa: regressar a Kiev para apoiar os amigos.
 
“Um deles telefonou-me às quatro da manhã da catedral de São Miguel, onde se refugiou com outros feridos. Mas talvez eu possa atuar daqui e garantir que o resto do mundo não seja inundado com mentiras. Durante a semana de 30 de novembro a 3 de dezembro, o Procurador-Geral da Ucrânia recebeu 53 queixas contra manifestantes pacíficos, alguns dos quais estavam hospitalizados por terem atacado os vândalos recrutados para provocar a berkut e desaparecer. Não muito longe desses arruaceiros pagos, havia muitas vezes uma câmara de televisão russa, para exibir a brutalidade dos manifestantes.”
 
Para Taras Malkovich, não se pode subestimar a importância fulcral de Vitali Klitschko para a Ucrânia. “Ainda não chegámos ao ponto em que podemos escolher qualquer um para nosso líder. O que mais causa impressão é ver Klitschko pegar num ‘hooligan’ pelo colarinho, durante uma manifestação, e pedir explicações. Um democrata convicto é o melhor símbolo de união de que dispomos.”
 
Leia mais em Presseurop
 

O CUSTO DA LIBERDADE

 

Jornal de Angola, editorial - hoje
 
Morreu na quinta-feira Nelson Mandela, o primeiro Presidente da África do Sul democrática e tido por muitos sul-africanos como “o pai da nação democrática” e símbolo da tolerância e reconciliação que inspira muitos homens e mulheres em todo o mundo.
 
O mundo testemunha a partida de uma figura que sacrificou toda a vida à causa da liberdade, tornando-se num exemplo não apenas para os sul-africanos mas para toda a humanidade. A trajectória de Mandela confunde-se com a História da luta pela emancipação da maioria negra sul-africana que, sob a liderança do movimento nacionalista ANC, foi bem sucedido no desmantelamento do sistema de segregação racial.

Muitos países contribuíram positivamente para que a libertação de Mandela e o desmantelamento do sistema do apartheid fosse uma realidade. Os angolanos solidarizaram-se com a luta dos sul-africanos e a História regista com sangue e luto o papel que Angola teve na derrota militar do então regime racista do apartheid. As várias batalhas heroicamente travadas pelas forças armadas angolanas, nomeadamente a Batalha do Kuito Kuanavale, em finais da década de oitenta, transformaram-se no ponto de viragem que acelerou a libertação de Nelson Mandela e o fim do regime segregacionista.

Os angolanos podem orgulhar-se de ter contribuído para que toda a região sul do continente se visse livre de um dos regimes mais odiados dos últimos sessenta anos. Sendo um renomado advogado, Mandela enfrentou o famoso processo de Rivónia, no qual correu o risco de pena de morte, na companhia de uma dezena de camaradas. Muitos ainda se lembram do momento mais comovente do processo, quando, em sua defesa, disse que “o ANC passou metade de um século a lutar contra o racismo. Quando triunfar, não vai mudar essa política. A sua luta é verdadeiramente nacional. É uma luta do povo africano, inspirado pelo seu próprio sofrimento e pela sua própria experiência. É uma luta pelo direito de viver. Durante a minha vida tenho-me dedicado a esta luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, e eu lutei contra a dominação negra. Eu estimo o ideal de uma sociedade democrática e livre na qual todas as pessoas convivam em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal que espero viver e alcançar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”.

Transformou o poder da não-violência como força inquebrantável para vencer o apartheid e tornar a África do Sul um país aberto para todos os seus filhos. O mundo e a África perdem assim aquele que o Bispo da Igreja Anglicana e igualmente Prémio Nobel da Paz disse que representava a reconciliação e tolerância. Com a morte de Nelson Mandela comprova-se, mais uma vez, a máxima que se populariza a cada dia de que os homens passam e as obras ficam. A trajectória de Nelson Mandela fala por si na medida em que acreditou sempre numa África do Sul multirracial. Abdicou da sua liberdade, em plena era do apartheid, quando a oferta visava igualmente o abandono da luta pela emancipação. Preferiu manter-se encarcerado em Robben Island como condição para que o sistema de segregação racial fosse destruído e a abertura democrática se efectivasse.

Quando muitos pensavam que Mandela ia substituir o apartheid branco pela ditadura da maioria negra, estendeu a mão a todos os sul-africanos sem excepção, convidando-os a erguer um país bom para todos os sul-africanos. Disse no seu discurso de tomada de posse, no dia 9 de Abril de 1994, em Cape Town: “Embora nos devamos manter totalmente comprometidos com o espírito de um Governo de unidade nacional, estamos determinados a produzir a mudança que o nosso mandato recebido do povo exige. Nós concentramos a nossa visão numa nova ordem constitucional para a África do Sul, não como conquistadores, ditando regras aos conquistados. Falamos como concidadãos para curar as feridas do passado com a intenção de construir uma nova ordem baseada na justiça para todos”.

Mandela terminou o seu discurso assinalando que garantir a justiça social, a igualdade de oportunidades e o bem-estar a todos os sul-africanos era o maior desafio de que, como ele acreditava, todos os seus compatriotas iam sair vitoriosos. Sendo um símbolo moral e referência universal, o desaparecimento físico de Nelson Mandela não apaga a presença e o impacto de um herói dos tempos modernos. Para a frente, fica o desafio a todos os sul-africanos que vão saber preservar e manter a mesma chama da liberdade, da democracia e do compromisso para a solução dos muitos problemas da maioria negra sul-africana. É válido o apelo do Presidente Zuma para os sul-africanos se comprometerem com dignidade a dar continuidade ao legado de Mandela, cultivando a tolerância, reconciliação e manterem-se unidos. Nelson Mandela deixa um legado de liberdade e tolerância, duas ferramentas importantes num continente que luta ainda para tornar aqueles dois factores instrumentos indispensáveis para estabilizar e pacificar as relações entre os povos africanos e entre os Estados.

PR Taur diz a jovens que reclamam soberania do mar de Timor que "nada é impossível"

 


Díli, 07 dez (Lusa) - O Presidente timorense, Taur Matan Ruak, disse hoje aos jovens que se têm manifestado em frente da embaixada da Austrália a reclamar a soberania do mar de Timor que "nada é impossível".
 
"Nada é impossível no mundo se alguém se atreve a chegar às alturas. E Timor tem cara para isso. Nós estamos unidos e haveremos de ultrapassar todos os desafios", afirmou à agência Lusa Taur Matan Ruak.
 
O chefe de Estado timorense falava no final da cerimónia de trasladação dos restos mortais de 147 antigos guerrilheiros para o Jardim dos Heróis, em Metinaro, a cerca de 30 quilómetros a leste de Díli, que assinalou também o 39.º aniversário do início da ocupação indonésia do território timorense.
 
Dezenas de jovens timorenses têm realizado protestos em frente da embaixada da Austrália em Díli para reclamar contra o que consideram ser uma ocupação ilegal do Mar de Timor e lutarem pela soberania do país.
 
"Estamos aqui para defender a nossa soberania e para mostrar que mesmo que Timor-Leste seja um país pequeno nós temos a nossa dignidade e a nossa credibilidade como Nação", afirmou Juvinal Dias, representante do Movimento Contra a Ocupação do Mar de Timor, que tem organizado os protestos.
 
Hoje, o mesmo grupo de jovens juntou-se durante a manhã num jardim no centro da capital timorense para assinalar o 39.º aniversário do início da ocupação indonésia.
 
Na terça-feira, a secreta australiana fez uma rusga ao escritório do advogado que representa Timor-Leste no processo de acusação de espionagem contra a Austrália durante as negociações de um tratado sobre o Mar de Timor.
 
A secreta australiana confiscou ficheiros eletrónicos e documentos, apreendendo também o passaporte a um antigo espião, uma testemunha chave do processo.
 
O primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, rejeitou a justificação de "segurança nacional" dada pelo seu homólogo australiano, Tony Abbott, para a rusga realizada ao escritório do advogado.
 
Timor-Leste acusou formalmente, junto de um tribunal arbitral de Haia, a Austrália de espionagem quando estava a ser negociado o Tratado sobre Certos Ajustes Marítimos no Mar de Timor, em 2004.
 
MSE // ZO - Lusa
 

Vinte organizações timorenses enviam carta a PM australiano a condenar rusgas

 


Vinte organizações timorenses entregaram ontem (06/12) uma carta na embaixada da Austrália em Díli dirigida ao primeiro-ministro australiano, Tony Abbott, a condenar a rusga ao escritório de advogados que defende Timor-Leste nas acusações de espionagem contra australianos.

"O Movimento Contra a Ocupação do Mar de Timor (que agrega 20 organizações timorenses) está profundamente preocupado e condena a ação realizada pelos Serviços de Inteligência Australiana contra o escritório do advogado e a testemunha do processo de arbitragem internacional sobre espionagem em Haia", pode ler-se na carta distribuída aos jornalistas.

A carta foi entregue durante o protesto que reuniu em frente da embaixada da Austrália em Díli cerca de seis dezenas de jovens para protestarem contra os alegados atos de espionagem feitos por aquele país durante a negociação de um tratado sobre o Mar de Timor.

"Foi uma atitude que desrespeitou o cumprimento da lei e as normas internacionais de resolução de conflitos e fere a imagem da Austrália de grande país", salientam no documento as organizações.

Na terça-feira, a secreta australiana fez uma rusga ao escritório do advogado que representa Timor-Leste no processo de acusação de espionagem contra a Austrália durante as negociações de um tratado sobre o Mar de Timor.

A secreta australiana confiscou ficheiros eletrónicos e documentos, apreendendo também o passaporte a um antigo espião, uma testemunha chave do processo.

Hoje o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, rejeitou a justificação de "segurança nacional" dada pelo seu homólogo australiano, Tony Abbott, para a rusga realizada ao escritório do advogado.

Timor-Leste acusou formalmente junto de um tribunal arbitral de Haia a Austrália de espionagem quando estava a ser negociado o Tratado sobre Certos Ajustes Marítimos no Mar de Timor, em 2004.

Lusa 

Xanana Gusmão rejeita desculpa da "segurança nacional" dada por australianos…

 

… para rusga a escritório de advogado
 
O primeiro-ministro timorense rejeitou quinta-feira a justificação de "segurança nacional" dada pelo seu homólogo australiano, Tony Abbott, para a rusga realizada ao escritório do advogado que defende Timor-Leste no processo de acusações de espionagem contra a Austrália.
 
"Infelizmente, há dois dias, a Austrália utilizou a desculpa da segurança nacional para fazer uma rusga às instalações do nosso advogado e para deter a nossa testemunha. Rejeitamos a desculpa da segurança nacional, uma vez que esta questão refere-se apenas a interesses comerciais e à negociação de um tratado petrolífero", afirmou Xanana Gusmão, num discurso proferido no Sudão do Sul e enviado hoje à agência Lusa.
 
O primeiro-ministro falava quinta-feira em Juba, no Sudão do Sul, onde se deslocou para participar numa conferência sobre investimento naquele país.
 
"No tribunal arbitral de Haia, as duas partes irão reunir-se com uma equipa de arbitragem para discutir os procedimentos relativos a este processo de arbitragem, sendo que iremos solicitar proteção para a nossa testemunha", disse Xanana Gusmão.
 
Na terça-feira, a secreta australiana fez uma rusga ao escritório do advogado que representa Timor-Leste, tendo confiscado vários ficheiros eletrónicos e documentos, e apreendeu também o passaporte a um antigo espião, que é uma testemunha chave do processo.
 
Timor-Leste acusou formalmente junto do tribunal arbitral de Haia, a Austrália de espionagem quando estava a ser negociado o Tratado sobre Certos Ajustes Marítimos no Mar de Timor, em 2004.
 
Com a arbitragem internacional, Timor-Leste pretende ver o tratado anulado, podem assim negociar a limitação das fronteiras marítimas e, assim, tirar todos os proveitos da exploração do Greater Sunrise.
 
No discurso, proferido em Juba, Xanana Gusmão, aconselhou também o Sudão do Sul garantir que futuros contratos sobre exploração de recursos sejam feitos de forma "ética".
 
"O Sudão do Sul tem a sorte de possuir recursos naturais consideráveis. O meu conselho para o Governo e para o povo do Sudão do Sul é que encorajem a exploração desses recursos, mas assegurando que os contratos e acordos são elaborados de forma ética", afirmou Xanana Gusmão.
 
"Em Timor-Leste aprendemos isto às nossas custas, tendo estabelecido acordos internacionais injustos com a Austrália que estamos atualmente a procurar retificar em tribunal", salientou.
 
O primeiro-ministro timorense salientou que já alertou o Banco Mundial para a "necessidade dos contratos e acordos internacionais serem justos e transparentes e de constituírem uma parceria verdadeira que assegure que não há aproveitamento em relação aos Estados frágeis".
 
O Sudão do Sul, rico em petróleo, tornou-se independente a 14 de julho de 2011
 
RTP - Lusa
 

Jovens timorenses voltam a protestar em frente à embaixada da Austrália

 


Dezenas de jovens timorenses juntaram-se hoje em frente à embaixada da Austrália para protestar contra a alegada espionagem feita durante a negociação de um dos acordos sobre o mar de Timor.
 
Os manifestantes, entre 50 e 60, gritam palavras de ordem como "Timor não é a Austrália", "parem de nos espiar", "a Austrália é um mosquito que está a chupar os nossos recursos" ou "Quem é o ladrão?", constatou a agência Lusa.
 
No local, estão sete polícias, um dos quais a controlar o trânsito. Outros três encontram-se posicionados em frente à embaixada da Austrália, do outro lado da estrada, incluindo um com uma pistola de gás lacrimogéneo.
 
Até ao momento, o protesto, que atraiu também vários curiosos e jornalistas, decorria sem o registo de qualquer incidente.
 
Hoje o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, rejeitou a justificação de "segurança nacional" dada pelo seu homólogo australiano, Tony Abbott, para a rusga realizada ao escritório do advogado que defende Timor-Leste no processo de acusações de espionagem contra a Austrália.
 
Na terça-feira, a secreta australiana fez uma rusga ao escritório do advogado que representa Timor-Leste e confiscou ficheiros eletrónicos e documentos, apreendendo também o passaporte a um antigo espião, uma testemunha chave do processo.
 
Timor-Leste acusou formalmente junto do tribunal arbitral de Haia, a Austrália de espionagem quando estava a ser negociado o Tratado sobre Certos Ajustes Marítimos no Mar de Timor, em 2004.
 
RTP – Lusa
 

TIMOR-LESTE QUER “DESPEDIR” JUÍZES PORTUGUESES

 

Ana Paula Azevedo e Felícia Cabrita - Sol
 
O Ministério da Justiça de Timor-Leste decidiu cessar as comissões de serviços de dois juízes portugueses que desempenham funções no Tribunal Superior e que são acusados de terem sido permeáveis a pressões para condenar e prender uma antiga ministra daquele país. Mas a situação está num impasse, uma vez que o Conselho Superior de Justiça de Timor quer renovar os contratos aos dois magistrados.
 
Este é mais um episódio de uma guerra envolvendo os juízes portugueses em Timor, que se arrasta desde o início do ano, tendo no centro a conduta dos referidos magistrados, Rui Penha e Cid Geraldo, denunciada aos conselhos superiores da magistratura (CSM) português e timorense. Em Portugal, o CSM tem em curso há vários meses uma averiguação disciplinar, segundo informação que confirmou ao SOL.
 
Em causa está a actuação daqueles magistrados no processo em que é arguida Lúcia Lobato, ex-ministra da Justiça de um anterior Governo de Xanana Gusmão, condenada em Junho de 2012, no Tribunal Distrital de Díli, a cinco anos de prisão, por crime de participação económica em negócio, no âmbito de uma compra de fardas para a guarda prisional. A arguida recorreu da condenação para o Tribunal de Recurso - onde um colectivo integrado por Cid Geraldo e outros dois juízes, Guilhermino da Silva e Deolindo dos Santos, manteve a condenação.
 
A defesa de Lúcia Lobato interpôs então um recurso, invocando inconstitucionalidades - recurso que veio a ser apreciado e indeferido pelos mesmos juízes, quando deveria ter sido convocado outro colectivo. Sem que tivesse passado o prazo do recurso, foram emitidos mandados de captura e a ex-ministra presa de imediato, a 22 de Janeiro deste ano.
 
'Erros técnicos graves’ e 'independência em causa'
 
Lúcia Lobato avançou então com um habeas corpus, alegando prisão ilegal - que foi apreciado e indeferido por um colectivo composto pelos juízes José Luís Goia (português), Natércia Gusmão Pereira e Cláudio Ximenes (português). Este, que é também presidente do Tribunal de Recurso, votou vencido, invocando que a prisão da ex-ministra é ilegal precisamente por lhe ter sido negada a apreciação das eventuais inconstitucionalidades por um colectivo diferente.
 
A meio do folhetim, Margarida Veloso, uma juíza-desembargadora portuguesa que esteve em Timor como inspectora judicial, recebeu um e-mail de um dos intervenientes no processo. Rui Pena, amigo da magistrada, narrava-lhe um complô judicial, que a fez denunciar o esquema ao Conselho Superior de Magistratura. Nesse e-mail, Penha revelava que o juiz José Goia (que seria inicialmente a favor da arguida) decidira indeferir o habeas corpus “sob ameaça de não ver o seu contrato renovado”. Além disso, relatava que ele próprio redigira a decisão do habeas corpus e que Goia a assumiu como sua. E a outra juíza do colectivo, Natércia Pereira Gusmão, “acabou por integrar o colectivo por influência de Cid Geraldo e José Góia”, para que a decisão não fosse tomada apenas por juízes internacionais.
 
Por detrás da alegada congeminação haveria a intenção de afastar o presidente do Tribunal de Recurso. O autor do e-mail - que apesar de este ter sido enviado do seu computador negou que tenha sido por si redigido - dirá mesmo que “foi uma novela com final feliz” e que “foi pena que o Dr. Cláudio (Ximenes) esteja cada vez mais isolado dos juízes nacionais”. “Mas eu e o Cid estamos mais credibilizados sendo esta a parte boa da situação” acrescentou.
 
Foi após a leitura da missiva e, depois do balanço entre a ética e a amizade que unia Margarida Veloso a Rui Penha, que a magistrada terá decidido escrever a carta aos conselhos das magistraturas dos dois países, denunciando que no processo de Lúcia Lobato foram cometidos “erros técnicos graves”, em que a “independência dos tribunais é posta em causa”. Margarida Veloso relatou então o que qualifica como “um comportamento inadmissível” por parte dos juízes Cid Geraldo e Rui Penha. Tudo “decisões ao revés da independência e livre arbítrio dos julgadores” e que “comprometem de forma irremediável o sistema judicial no seu todo, sobretudo num país em que o sistema judicial está numa fase embrionária”.
 
A denúncia de Margarida Veloso acabou também por chegar às mãos da defesa de Lúcia Lobato - que, desde Julho, a tem aproveitado para fazer sucessivos pedidos de revisão da sentença, invocando a falta de independência dos magistrados. Todos os incidentes de suspeição que suscitou contra os juízes em causa têm sido indeferidos pelo Tribunal de Recurso - mas pelos mesmos magistrados visados pela suspeição e que já antes se tinham pronunciado no processo.
 
Factos 'fantasiosos'
 
Nos acórdãos, estes consideram os argumentos de Lúcia Lobato “considerações fantasiosas”, “sem consistência” e sem provas. Mas estas decisões mereceram também o voto de vencido do presidente do Tribunal de Recurso, Cláudio Ximenes, que, em vão, lembrou aos seus colegas que estão impedidos de decidirem um incidente de suspeição em que são visados, além de terem “violado os deveres deontológicos” e “praticado crimes de coação sobre magistrado e denegação de justiça”.
 
Cláudio Ximenes foi, por seu turno, também alvo de um incidente de suspeição por parte do Ministério Público, tendo sido proibido de apreciar mais alguma questão que surja no processo de Lúcia Lobato, devido a declarações públicas que fez - o que foi decidido pelos juízes denunciados por Margarida Veloso.
 
O inquérito do CSM português, que já nomeou um inspector, está a avaliar a conduta de todos os juízes portugueses envolvidos nestes acontecimentos: “Essa exposição foi objecto de apreciação no plenário de 7 de Maio de 2013 e foi deliberado proceder a inquérito sobre todos os factos relatados”, diz ao SOL fonte oficial do CSM. O inquérito “ainda se encontra em curso e, até ao momento, o senhor inspector nomeado não se deslocou a Timor-Leste”. Segundo o SOL apurou, motivos financeiros estarão a atrasar esta diligência.
 

Moçambique: TENTATIVA DE RAPTO EM MAPUTO

 

O País (mz) - ontem
 
A polícia da República de Moçambique abortou hoje uma tentativa de rapto no bairro do Triunfo, na cidade de Maputo. A vítima é o gestor do condomínio Casa Jovem, localizado na zona da Costa do Sol e terá sido interpelada esta manhã quando ia para mais uma jornada laboral.
 
Os meliantes faziam-se transportar em duas viaturas, sendo que uma delas terá simulado um acidente ao bater num dos espelhos do carro em que se fazia o alvo, como forma de obrigar o condutor a imobilizar a viatura e iniciar a operação de crime. Toda cena foi vista por agentes da polícia à paisana, que intervieram quando notaram que a vítima estava para ser arrastada.
 
Os agentes bloquearam a tentiva de rapto e conseguiram neutralizar três indivíduos, sendo que outros, em número não especificado, conseguiram escapulir numa das viaturas usadas para a operação. Esta viatura, curiosamente com duas matrículas, é a que se faziam transportar os miliantes detidos pela polícia.
 
Um dos indivíduos detidos terá sido atingido por uma bala, quando tentava fugir segundo avança a polícia e foi encaminhado para uma unidade sanitária. Os outos dois encontram-se detidos na décima terceira esquadra da PRM, na cidade de Maputo.
 

NOVO LIVRO DE MIA COUTO SERÁ INSPIRADO EM MOÇAMBIQUE

 


"Terra, Guerras, Enterros e Desterros" é o título que o escritor e biólogo Mia Couto escolheu, provisoriamente, para o próximo livro, inspirado na situação histórica de Moçambique de 1890 a 1895, disse à Lusa o próprio autor.
 
Em entrevista à Lusa, em Lisboa, no final da cerimónia de homenagem pelos seus 30 anos de vida literária, Mia Couto, Prémio Camões-2013, disse que está a escrever um novo livro, em que vai procurar perceber as razões que conduzem as pessoas para uma guerra.
 
Mas, o poeta e romancista moçambicano está igualmente a produzir um romance que aborda "as construções mitológicas sobre o império de Gaza", que se localizou no sul de Moçambique, em que pretende questionar o personagem do Imperador Ngungunhana, segundo anunciou à Lusa no início do ano.
 
"Fui superado por uma outra ideia ligada à situação histórica de 1890-95", disse, referindo-se a um período que ficou marcado pelo ultimato inglês ao regime colonial português sobre a posse de territórios em África, e da prisão de Ngungunhana.
 
"Mas esta parte do livro do Ngungunhana emancipou-se, autonomizou-se. Estou a tratar dela, mas, antes do livro do Ngungunhava, eu vou fazer uma coisa sobre guerra em Moçambique, uma guerra no mundo. O que leva as pessoas a se conduzirem para uma guerra, a sentirem que existem para uma guerra", afirmou Mia Couto, a propósito do futuro livro.
 
A 11 de janeiro de 1890, Inglaterra exigiu a retirada imediata de Portugal da zona do Lago Niassa, no norte de Moçambique, pondo fim a um ambicioso projeto português de unificação das ex-colónias (Moçambique e Angola).
Portugal cumpriu integralmente a exigência britânica expressa num documento em forma de um memorando e, com isso, evitou o rompimento das relações diplomáticas e um confronto direto entre os dois países.
 
O ano de 1895 marca a queda de Ngungunhana, após a sua detenção, a 28 de dezembro, por Mouzinho de Albuquerque, oficial de cavalaria português que ficou famoso em Portugal por ter protagonizado a captura do imperador Nguni, em Chaimite, na região de Gaza.
 
O livro no prelo "é inspirado numa situação em que há um conflito interno. A situação de Ngungunhana era uma situação de conflitos que não eram só com portugueses, havia conflitos internos de povos que em Moçambique resistiam contra essa ocupação dos Nguni", explicou o romancista.
 
Mia Couto, o escritor mais lido e traduzido de Moçambique, é biólogo de profissão, por isso avisou sobre a abordagem que fará das obras a serem publicadas, inicialmente no próximo ano, inspiradas numa realidade histórica.
 
"Quero tratar isso com muito cuidado para não ressuscitar fantasmas. Em Moçambique, as coisas têm sempre leituras (diferentes). Eu quero respeitar isso. Não quero nunca que um livro meu possa prejudicar alguma coisa que para mim é sagrada, que é a construção de uma nação sem sobressalto", disse.
 
Na entrevista que concedeu à Lusa em fevereiro a propósito da obra que vai tratar das "construções mitológicas sobre o império de Gaza", Mia Couto considerou que "há pinturas que são feitas (à volta da figura do imperador Ngungunhana) e a pergunta é essa: quem era esse verdadeiro personagem do Ngungunhana?".
 
Lusa – em Notícias ao Minuto
 

Crescimento da economia abranda e preocupações sociais aumentam na África do Sul

 


A economia sul-africana ainda faz parte do grupo dos ‘BRICS’, mas é o país que cresce mais devagar, tem uma taxa de desemprego que ronda os 25%, padece de profundas desigualdades de rendimento, e enfrenta eleições no próximo ano.

O termo BRIC foi originalmente apresentado num estudo de 2001 pelo chefe de pesquisa da Goldman Sachs, Jim O’Neill, para descrever os países em desenvolvimento económico - Brasil, Rússia, Índia e China, sendo acrescentado, quatro anos depois, o S de África do Sul.
De acordo com a análise anual, que o Fundo Monetário Internacional fez há menos de dois meses, a economia sul-africana não vai crescer mais que 2% neste ano e 3% ou pouco mais nos anos seguintes, o que é insuficiente para fazer descer o desemprego e, assim, consequentemente, abrandar a contestação social, alicerçada em estatísticas como a que mostra que as famílias negras ganham, em média, menos seis vezes que as famílias brancas.

A mesma opinião geral tem a agência de notação Fitch, que esta semana emitiu um relatório onde refere que a economia vai crescer só 1,8% este ano e 2,8% no próximo e considera que "as greves nos setores mineiro e da produção continua a afetar negativamente as perspetivas de investimento externo não só para estes setores, mas também para a economia, em geral".

Já este ano a Fitch desceu o 'rating' da África do Sul para BBB lembrando a "deterioração nas perspetivas de crescimento, o avolumar do défice e o adiamento da consolidação orçamental, bem como as incertezas políticas associadas ao desemprego, as desigualdades sociais" e a incapacidade de implementar o Plano Nacional de Desenvolvimento, que "mesmo com apoio político, ainda não começou a árdua tarefa da sua implementação".

Junte-se a isto a possível desagregação do ANC, agora que perdeu a 'cola Mandela', e percebe-se que a maior economia africana pode caminhar muito rapidamente para uma situação muito pouco desejável para os quase 500 mil portugueses que vivem no país.

No ano passado, o ex-Presidente sul-africano Frederik de Klerk disse que o seu país permanece em transição e considerou que uma “cisão no ANC” poderá originar um grande “centro moderado” que não se baseie em critérios raciais.

“Acredito que o grande centro moderado, que atravesse todas as linhas raciais, negros, brancos, indianos, forme em conjunto uma grande maioria, dê as mãos e marginalize os radicais de esquerda e de direita, para que exista a certeza que o nosso país seguirá em frente”, afirmou em entrevista à Lusa aquele que foi o último Presidente branco sul-africano.

Jornal da Madeira - Lusa
 

MANDELA CONTRA A ESCRAVIDÃO

 


A figura de Mandela permanece como a do maior líder popular africano, porque tocou no tema essencial de todo o período histórico da colonização: a escravidão.
 
Emir Sader – Carta Maior, em Blog do Emir
 
A escravidão foi o maior crime de lesa humanidade cometido ao longo de toda a história humana. Tirar milhões de africanos dos seus países, do seu mundo, da sua família, para trazê-los para a América, para trabalhar como escravos, como “raça inferior”, produzindo riquezas para os brancos europeus foi um crime incomensurável, do qual nunca se compensou, sequer minimamente, a África.

O “apartheid” foi uma sobrevivência da escravidão na África do Sul. Como relata o Museu do Apartheid, em Joanesburgo, impressionante testemunho do mundo do racismo, os brancos consideravam essa politica uma “genial arquietetura” para conseguir a convivência entre brancos e negros. Nas mais escandalosas condições de discriminação, de racismo, de opressão.

Por detrás estava a super exploração da mão de obra negra nas minas sul-africanas, fornecedor essencial para os países europeus, sob comando da Holanda. As pessoas eram legalmente declaradas brancas ou negras, com todas as consequencias de direitos para uns e exclusão de direitos para os outros. Uma declaração da qual se poderia apelar todos os anos, mas que, ao mesmo tempo, se corria o risco de alguém questionar a condição de branco de qualquer outra pessoa, que poderia recair na condição de negro.

O cinismo das potências coloniais e dos próprios EUA estava na postura de não aderir ao boicote à Africa do Sul, alegando que isso isolaria ainda mais esse pais e dificultaria negociações politicas. Na verdade, a África do Sul do apartheid era um grande aliado dos EUA – junto com Israel – em todos os conflitos internacionais, alem de fornecedor de matérias primas estratégicas.

Não foi essa via de negociações que o apartheid terminou, mas pela luta, conduzida por Nelson Mandel, mesmo de dentro da cárcere, por 27 anos. Como reconheceu o próprio Mandela, o país que desde o começo apoiou ativamente, sem hesitação, a luta dos sul-africanos foi a Cuba de Fidel, o que forjou entre os dois lideres uma relação de amizade e companheirismo permanente.

A libertação de Mandela, o fim do apartheid e sua eleição como o primeiro presidente negro da Africa do Sul, foram a conclusão de décadas de lutas, de massacres, de prisões, de sacrifícios. Mandela aceitou ser eleito presidente, para concluir esse longo caminho, com a consciência de que estava longa de ser conseguida a emancipação dos sul-africanos. O país manteve a mesma inserção no sistema econômico mundial, as estruturas capitalistas de dominação não foram atingidas. A desigualdade racial foi profundamente afetada, mas não as desigualdades sociais.

Por esta via, os negros sul-africanos continuaram a ser vítimas, agora da pobreza, que os segue afetando de maneira concentrada. Os governos posteriores foram impotentes para mudar o modelo econômico e promover os direitos sociais da massa da população. Os ideias de Mandela se realizaram, com o fim do apartheid, da discriminação racial legalmente explicitada, mas não permitiu aos negros saírem da sua condição de massa super explorada, discriminada, agora socialmente.

Mas a figura de Mandela permanece como a do maior líder popular africano, porque tocou no tema essencial de todo o período histórico da colonização – a escravidão. Ele soube combinar a resistência pacifica e violenta, para canalizar a força acumulada dentro e fora do país, para negociações que terminaram com o apartheid.

O historiador marxista britânico Perry Anderson considera Nelson Mandela e Lula como os maiores líderes populares do mundo contemporâneo, não apenas pelo sucesso das lutas a que eles se dedicaram – contra a discriminação racial e contra a fome -, mas também porque tocam em temas fundamentais das formas de exploração e de opressão do capitalismo. O apartheid terminou, fazendo com que Mandela ficasse como um dos maiores lideres do século XX. Lula projeta sua figura no novo século, na medida em que a sobrevivência do capitalismo e do neocolonialismo reproduzem a fome e a miséria no mundo.
 

Mandela: AQUI JAZ UM HOMEM QUE CUMPRIU SEU DEVER NA TERRA

 


A nação perdeu seu maior filho. Mandela deve receber a lápide que pediu em vida: aqui jaz um homem que cumpriu o seu dever na Terra.
 
Antonio Lassance – Carta Maior
 
"A nação perdeu seu maior filho". Essa foi a mensagem do presidente sul-africano, Jacob Zuma, ao anunciar a morte de Nelson Mandela.

É praticamente impossível encontrar alguém que jamais tenha ouvido falar em Nelson Mandela, prova de sua importância histórica. É igualmente notável quantos conhecem bastante sua história, pelo menos, os fatos essenciais. O fato de ter sido ele o líder da luta contra o racismo e o sistema de apartheid, a segregação entre brancos e negros, na África do Sul. O fato de ele ter ficado preso por décadas e, depois, ter sido eleito presidente da República.

Menos pessoas, porém, sabem que Mandela era formado em Direito, tendo começado sua militância como advogado de presos políticos.

Esse foi o primeiro passo pelo qual se aproximou dos ativistas, acabando por tornar-se um deles. Como ativista, ele conheceu os militantes do principal partido da luta anti-apartheid, o Congresso Nacional Africano (CNA). Pelas mãos dos militantes do CNA, ele passou a organizar manifestações de massa de defesa dos direitos da população negra. Uma dessas primeiras manifestações foi, vejam só, contra o aumento de tarifas de ônibus.

Em 1960, após a chacina na localidade de Sharpeville, na qual a polícia dizimou uma multidão de manifestantes, os militantes do CNA passaram a viver na clandestinidade e ingressaram na luta armada. Mandela foi preso em 1962. Quase 20 anos depois, diante da pressão internacional por sua libertação, o presidente Peter Botha propôs soltá-lo, desde que Mandela renunciasse à luta armada como instrumento político. Mandela recusou. Em sua resposta, disse que só sairia da prisão quando todos os negros da África do Sul também estivessem livres.

A britânica Margaret Thatcher, primeira-ministra naquela época, se recusou a aderir à pressão mundial pelo boicote à África do Sul. Dizia que Mandela era um terrorista, o que nos ensina a que, toda vez que alguém for acusado de terrorista, é bom entendermos um pouco da história do país e das pessoas que sofrem esse tipo de acusação, antes de tirarmos conclusões apressadas.

Mandela saiu da cadeia em 1990. Em 1993, recebeu o prêmio Nobel da Paz. Em 1994, foi eleito presidente da África do Sul, em uma política de conciliação entre negros e brancos. Sua autobiografia está contada em “Longa Caminhada para a Liberdade”. Em 5 de dezembro de 2013, sua longa caminhada chegou ao ponto final.

Mandela deve receber a lápide que pediu em vida: "aqui jaz um homem que cumpriu o seu dever na Terra".

(*) Antonio Lassance é doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB).

Leia mais em Carta Maior
 

Mandela: ÁFRICA DO SUL VIVE DOR COM ORGULHO

 


Tristes, mas orgulhosos de Nelson Mandela, os sul-africanos prepararam-se para uma semana de exéquias, naquele que prevêem seja o mais concorrido funeral da história e um pesadelo logístico superior ao Mundial de Futebol que organizaram em 2010.
 
A morte de Madiba está em todo o lado: nos avisos eletrónicos das autoestradas, em cartazes publicitários pagos por bancos e grandes multinacionais, nas mãos dos ardinas, nas estações de rádio, que, praticamente, não passam música e nos obsessivos debates nas televisões.
 
E, é por isso desconcertante que o Hospital Militar de Pretória, onde se encontra o seu corpo seja um local sem pessoas nas suas imediações e moderadamente vigiado por polícias - um ramo de flores preso numa cerca de arame de um campo de golfe é tudo o que evoca a presença no estabelecimento do antigo presidente sul-africano.
 
"Não, aqui não vem ninguém", confirma uma mulher-polícia que sugere que em Union Buildings (a sede do governo sul africano em Petória) poderão estar pessoas a homenagear Mandela.
 
Mas é no Soweto, em Joanesburgo, que finalmente, se veem homenagens públicas ao primeiro Presidente negro do país, junto da casa onde viveu, agora transformada em museu, diante da qual dezenas de jornalistas de todo o Mundo atrapalham os muitos que vão ali recordar o combatente.
 
"Já se esperava a morte de Nelson Mandela nas não deixou de ser um choque para nós. Não creio que haverá uma crise, Mandela sempre disse que era parte de um coletivo e, por isso, os valores que tinha continuarão a ser os valores do ANC", disse à Lusa Peter Fisher.
 
O pastor na Igreja Oásis de Esperança está acompanhado da mulher e os dois sobem lentamente a rua Vilakasi, passando diante de um batalhão de fotógrafos e operadores de câmara, das repletas esplanadas dos restaurantes e das bancas ambulantes, que vendem camisas, bonés e capulanas com o retrato de Mandela, à mistura com bonecos japoneses e peças de artesanato.
 
Freesa Mogadi acabou de vender um chapéu com o retrato de Madiba a um japonês, por 120 rands (cerca de 8.50 euros) e admite que o negócio "está bom, melhor do que na semana passada" mas o porteiro da casa-museu de Mandela não vai pelo mesmo caminho e garante que o número de visitantes nos últimos dias não ultrapassou "os 250, 300 de sempre".
 
A vender coisas que não têm nada a ver com o caso, o moçambicano Félix Pascoal, que chegou à África do Sul ainda no tempo do 'apartheid' e não esconde a admiração pelo antigo líder do país que adotou.
 
"Há 26 anos que estou aqui e mudou muita coisa. Mandela deu liberdade a outras pessoas e eu continuo a fazer dinheiro e a fazer qualquer coisa que quero na minha casa. Já tenho três filhos", diz o vendedor, natural do bairro do Infulene, em Maputo.
 
No centro da rua, sucedem-se as danças e canções de grupos de militantes, vestidos com camisas da mesma cor e que descem a rua Vilakasi, seguidos pelos fotógrafos e pelos gravadores das estações de rádio.
 
A meio da manhã há um ambiente de festa moderada, de luto e também de esperança, resumiu Anna Balui, uma ativista do ANC: "É um dia triste mas também um dia em que podemos celebrar Madiba".
 
Ao lado, um companheiro de partido, Kabila Mukangane, acrescenta uma fé inabalável na nação arco-íris idealizada por Mandela.
 
"Todos os nacionalistas devem unir-se: negros e brancos, castanhos, cremes e dourados, chineses, indianos e de cor, isto é o que queremos abraçar e levar para a frente", diz.
 
Lusa, em Notícias ao Minuto
 

CAVACO SILVA HOJE E QUANDO ERA DIFÍCIL ESTAR DO LADO DE MANDELA

 

Daniel Oliveira – Expresso, opinião
 
Sobre Nelson Mandela e a sua história, escreverei na edição impressa do Expresso. Com a mais profunda das admirações, não será apenas, nem sobretudo, um panegírico. Isso deixo para o "jornalismo comemorativo" e para os discursos de circunstância. Hoje fico-me por uma história paralela, que envolve Nelson Mandela e Portugal, duma forma que não nos fica muito bem.
 
Li ontem que o Presidente da República português, Cavaco Silva, enviou uma mensagem de condolências ao seu homólogo sul-africano, Jacob Zuma, pela morte de Nelson Mandela. Nela, recorda Mandela como "figura maior da África do Sul e da História mundial" e o seu "extraordinário legado de universalidade que perdurará por gerações". E, acima de tudo, a sua "coragem política" e "estrutura moral". O habitual.
 
É da estatura moral e de coragem política que quero falar. Estávamos em 1987, e o mundo pressionava a África do Sul para libertar Nelson Mandela. Um homem que o Departamento de Estado norte-americano considerava "terrorista" e que Portugal não via com especial simpatia. Por essa altura, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, com 129 votos a favor, uma resolução de solidariedade com a luta do ANC e dos sul-africanos, que incluía um apelo para a libertação incondicional de Mandela. Alguns, poucos, países estragaram a festa, faltando com o seu voto. Um deles foi os Estados Unidos, então presididos por Ronald Reagan. Outro foi o Reino Unido, que tinha ao leme a amante da democracia e da liberdade, Margaret Thatcher. E o outro foi Portugal, que tinha como primeiro-ministro o mesmíssimo Cavaco Silva que hoje se comove com as "verdadeiras lições de humanidade" do homem que, por pressão internacional, saiu, sem rancor, de 20 anos de cativeiro sem a ajuda de quem hoje tanto celebra o seu legado.
 
Ontem, Ana Gomes recordou outro episódio. Quando a antiga diplomata estava em Genebra, houve, em 1989, uma votação das Nações Unidas sobre as crianças vítimas do apartheid. As instruções que vieram de Lisboa, do governo de Cavaco Silva, foram, mais uma vez, para votar contra. E foi esta, em geral, a posição portguesa.
 
Bem sei que havia, como ainda agora há, uma enorme comunidade portuguesa na África do Sul. Tal como hoje, em Angola, isso, ou os nossos interesses comerciais imediatos, ou as relações estratégicas, ou qualquer outra posição interesseira, foram sempre razão última para a nossa diplomacia jogar pelo seguro e calar a sua solidariedade com quem sofre. Postura com que muita gente concorda. Estão no seu direito. Escusam é de, no dia em que os heróis se finam, fazer telediscos comentados sobre a coragem de quem nunca mereceu a sua solidariedade.
 
O que é irónico é ver o mesmo homem que desalinhou com quase todo o mundo no momento em que Mandela precisava da nossa voz, vir, neste momento, falar da coragem política, da estatura moral e das lições de humanidade de Mandela. Como se viu em 87, nem nascendo mil vezes as poderia aprender.
 

Portugal: MAS AINDA TEMOS DE PAGAR AOS BANCOS?

 

Henrique Monteiro – Expresso, opinião
 
Já não consigo imaginar a vida sem Multibanco. Tínhamos de planear bem um fim de semana ou umas curtas férias para não sermos apanhados a meio sem dinheiro para um restaurante ou um lanche. Íamos ao banco e trocávamos um cheque por notas. Havia sempre uma fila e uma boa mão cheia de caixas que despachavam os clientes como podiam.
 
O multibanco acabou com isto. Foi benéfico para os utentes? Claro! E nós pagamos anuidades pelos cartões. Mas foi ainda mais benéfico para a banca, por muito que tenha de pagar pela rede e sua manutenção. Os bancos são hoje desertos comparados com o que eram... Por que razão insistem em cobrar-nos serviços? Os bancos têm o nosso - sublinho nosso - dinheiro. Quando o dinheiro é deles cobram juros infinitamente mais elevados do que aqueles que nos dão. Vir argumentar que um serviço que agilizou a banca, permitiu-lhes ter menos funcionários e menos custos fixos precisa de ser pago por quem o utiliza não lembra a ninguém.
 
Ou melhor, lembra! Às gasolineiras, que levam o mesmo preço sendo um empregado a pôr a gasolina ou sendo self-service. Qualquer dia pagamos para trabalhar para os outros!
 

CAVACO – A HIPOCRISIA PERTO DE MANDELA

 

Balneário Público
 
Mandela morreu? Não. Ele perdurará em tudo que nos ensinou. O seu legado será eterno enquanto a memória da humanidade explorada e oprimida, relegada por uns quantos para a sub-humanidade sob a bandeira de falsa democracia, justiça e liberdade, se justificar. Talvez Mandela viva enquanto no planeta existirem dois seres humanos: um explorador e opressor, outro explorado e oprimido. Portanto, Mandela não morreu, o seu legado não se decompôs nem se vai decompor facilmente. Mandela vive em cada um de nós, os explorados e oprimidos globais. É certo que agora ocorrerão os seus funerais com pompa e circunstância, recheados de hipocrisia. Os inimigos e adversários de Mandela de ontem vão estar alinhados nesses mesmos funerais, querendi aparentar admiração e respeito. Vão tecer palavras elogiosas, vão mentir, vão soltar as suas altas doses de hipocrisia, vão inventar peripécias das suas privacidades com aquele grande ser humano, vão tecer teias de falsidade encobertas em emganadoras palavras sobre o gigante que é Mandela, procurando ocultar que tal grandeza os fez soçobrar mas que nem por isso deixaram de ser seus inimigos e adversários. A comprová-lo estão presentes as suas atitudes. As suas decisões e opções políticas e económicas. A comprová-lo está a exclusão (apartheid) a que votam os seus povos. A comprová-lo estão as políticas que advogam e que se resumem a uma frase batida mas que não deixa dúvidas da sua terrível correspondência à realidade: “Os ricos cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres”. E ali se alinharão os pseudo venerandos e pseudo amigos de Mandela, na África do Sul, nos seus funerais. Chefes de Estado e primeiros-ministros de quase todo o mundo. Uma passarela de hipócritas onde sobresaírá Obama e outros norte-americanos que têm imposto ao mundo inteiro a submissão e desgraça dos povos em troca, dizem eles, da (pseudo) liberdade e democracia quando na realidade os seus objetivos têm sido e são no presente (será no futuro) explorar e oprimir. Roubar as potencialidades dos povos e dos países que ocupam através de falsidades ou da imposição da guerra. Também Portugal terá a sua cota parte de representação hipócrita nos funerais de Nelson Mandela. Foi escolhido Cavaco Silva, representante das políticas segregacionistas vigentes em Portugal. Adepto fervoroso do apartheid entre pobres e ricos. Da exploração e opressão de uns quantos sobre milhões de portugueses. Cavaco Silva insere-se perfeitamente no corropio da hipocrisia que por estes dias vai desfilar na África do Sul. A grandeza de Mandela ficará indiferente ao desfile fúnebre desses funestos dirigentes da elite mundial e a Cavaco também. Sorrirá, isso sim, para os que aprenderam a visão da liberdade, justiça e democracia por que lutou e que lhes ensinou e por que continuarão a lutar até derrubarem os mentores e executores dos apartheids que aquelas elites presentes e não presentes representam, incluindo Cavaco Silva.
 
Ana Castelar
 
Leia mais em Balneário Público
 

OS CAMINHOS INESPERADOS DE NELSON MANDELA

 


Recusou papel de santo. Viveu intensamente. Enfrentou inferno sem perder humanidade. Poderá inspirar outros projetos de mundo, no século 21?
 
Achille Mbembe, no Le Monde Diplomatique francês - Tradução: Cristiana Martin – em Outras Palavras
 
Só quando Nelson Mandela morrer, teremos o direito de declarar o fim do século XX. O homem que hoje encontra-se no crepúsculo de sua vida terá sido uma figura emblemática. Com exceção de Fidel Castro, é provavelmente o último de uma linha de grandes líderes em extinção, já que vivemos numa época apressada em terminar, de uma vez por todas, com os mitos.
 
Mais do que o santo – algo que ele próprio afirma jamais ter pretendido ser –, Mandela terá sido um mito vivo antes, durante e depois de sua longa prisão. Nele, a África do Sul, este acidente geográfico que é difícil conceituar, encontrou sua Ideia. E se não houve pressa em se separarem, é porque, em sua nova vida pós-apartheid, a sociedade sul-africana não pode conviver, sem riscos, com o mito de uma sociedade sem mitos.
 
Mas se é preciso aceitar em Mandela a recusa da santidade, que ele não deixou de proclamar – às vezes, com certa malícia –, deve-se reconhecer que ele esteve longe de ser um homem banal. Por não ter sido uma forma comum de opressão colonial ou racial, o apartheid provocou o surgimento de uma classe de mulheres e homens incomuns, sem medo, que ao preço de sacrifícios incríveis, precipitaram a abolição do regime. Se Mandela tornou-se um nome entre eles foi porque, em cada encruzilhada de sua vida, soube percorrer, mesmo sob a pressão das circunstâncias e frequentemente de maneira voluntária, caminhos inesperados.
 
No fundo, sua vida se resume a algumas palavras: um homem constantemente em vigília, sentinela na hora do toque de partida e cujos retornos, todos tão inesperados quanto miraculosos, apenas contribuíram para que se transformasse em mito.
 
Nos alicerces de um mito, não há somente o desejo do sagrado e a sede de segredo. Ele floresce pela primeira vez na proximidade da morte, esta forma primeira de partida e separação. Muito cedo, Mandela teve essa experiência, quando seu pai, Mphakanyiswa Gadla Mandela, morreu quase diante de seus olhos. Tinha o cachimbo na boca e tossia de maneira tão irreprimível que mesmo o tabaco, do qual ele gostava tanto, pouco serviu para consolá-lo. É então que esta primeira partida provoca uma outra. Acompanhado de sua mãe, o jovem Mandela sai de Qunu, o lugar de sua infância e do início de sua adolescência e que ele descreve com uma infinita ternura em sua autobiografia. Ele voltará à cidade apenas no fim de seus longos anos na prisão, depois de construir uma casa, toda ela uma réplica da última prisão em que esteve antes de obter novamente sua liberdade.
 
Recusando-se a se conformar com os costumes, ele vai partir uma dúzia de vezes até o final da adolescência. Príncipe fugitivo, vira as costas para uma carreira como chefe dos Thembus, seu clã de origem. Ele partirá então para Johannesburgo, cidade dos minérios então em plena expansão e expoente das contradições sociais, culturais e políticas engendradas pela semelhança barroca entre capitalismo e racismo, que em 1948 tomou forma e nome de apartheid. Chamado a se tornar chefe da ordem e do costume, Mandela se converterá ao nacionalismo como outros se convertem à religião, e a cidade das minas de ouro tornar-se-á o teatro principal do reencontro com seu destino.
 
Começa então um longa e dolorosa via sacra, feita de privações, de repetidas prisões, de perseguições intempestivas, vários comparecimentos diante do tribunal, de passagens regulares pelos presídios com sua prática de torturas e rituais de humilhação, períodos mais ou menos prolongados de clandestinidade, de inversão da vida noturna e diurna, de disfarces mais ou menos espontâneos, de uma vida familiar deslocada, de casas abandonadas – um homem em luta, rastreado, fugitivo contantemente de partida, guiado unicamente pela certeza de um dia futuro, o dia do retorno.
 
Mandela assumiu enormes riscos. Em sua própria vida, que viveu intensamente, como se tudo fosse sempre um recomeço e cada vez fosse a última. Mas também com a vida de muita gente, a começar pela de sua família, que inevitável e consequentemente pagou um preço inestimável às custas de seu engajamento e convicções. Ela o vinculou a uma dívida insondável que ele nunca sentiu-se capaz de reembolsar, o que apenas agravou seu sentimento de culpa.
 
Ele evitou a pena de morte. Foi em 1964. Junto a outros acusados, estava preparado para ser condenado. “Nós previmos essa eventualidade”, afirma ele em entrevista com Ahmed Kathrada, muitos anos depois de sair da prisão. “Se tínhamos que desaparecer, que fosse com um ar glorioso. Nos agradou muito saber que nossa condenação à morte representava a última oferta ao nosso povo e à nossa organização.”(1) Essa visão eucarística, no entanto, estava longe de ser desejo de martírio. E, contrariamente a todos os outros, de Ruben Um Nyòbe a Patrice Lumumba, passando por Amilcar Cabral, Martin Luther King e até Mohandas Karamchand Gandhi, ele escapou falsamente.
 
É na prisão de Robben Island que ele colocará em prova esse desejo de vida, no limite do trabalho forçado, da morte e do banimento. A prisão tornou-se o lugar da extrema provação, a do confinamento e do retorno do homem à sua expressão mais simples. Nesse lugar de destituição máxima, Mandela aprendeu a habitar a cela na qual passou mais de vinte anos como um ser vivo forçado a viver num caixão (2).
 
No decorrer de longas e atrozes horas de solidão, empurrado à beira da loucura, ele redescobrirá o essencial, aquilo que gira em torno do silêncio e do detalhe. Tudo para ele falará de novo: uma formiga que corre para não sei onde, a semente enterrada que morre e ressuscita dando a ilusão de um jardim, um pedaço de coisa, não importa qual; o silêncio dos dias sombrios que parecem não se mover, o tempo que se estende indefinidamente; a lentidão dos dias e o frio das noites; a fala rara; o mundo exterior do qual não se ouvem senão murmúrios, o abismo que foi Robben Island, e os traços da penitenciária agora na sua face esculpida pela dor, em seus olhos apertados pela luz do sol refletida no quartzo, nas suas lágrimas que não vertem mais, a poeira sobre a face transformada em espectro fantasmático e em seus pulmões, na ponta dos pés, e acima de tudo este sorriso alegre e brilhante, esta postura altiva, ereta, de pé, o punho cerrado, pronto a abraçar novamente o mundo e fazer sussurrar a tempestade.
 
Privado de quase tudo, ele lutará passo a passo para não ceder o resto de humanidade que seus carcereiros queriam a todo custo extrair dele e exibir como o último troféu. Reduzido a viver com quase nada, ele aprende a economizar tudo, mas também a cultivar um profundo desapego das coisas da vida profana, inclusive os prazeres da sexualidade. Até o ponto em que, prisioneiro de fato, confinado entre pouco mais que dois muros, ele não é, contudo, escravo de ninguém.
 
Homem de carne e osso, Mandela viveu no entanto próximo ao abismo. Ele penetrou na noite da vida, o mais perto da escuridão, à procura de uma ideia, de como aprender a viver livre da raça e da dominação do mesmo nome. Suas escolhas o levaram à beira do precipício. Ele fascinou o mundo por ter saído vivo do país das sombras, jorrando vigor ao anoitecer de um século envelhecido e que não soube mais sonhar.
 
Tudo, como os movimentos operários do século XIX, ou ainda as lutas das mulheres, nossa modernidade enfrentou pelo sonho da abolição que antes sustentou os escravos. É este sonho que prolonga, no início do século XX, os combates pela descolonização. A práxis política de Mandela se inscreve nesta história específica das grandes lutas africanas pela emancipação humana.
 
Tais lutas assumiram, desde as origens, uma dimensão planetária. Seu significado jamais foi unicamente local. Ela foi sempre universal. Mesmo quando mobilizaram atores sociais em um país ou território nacional bem circunscrito, elas tiveram como ponto de partida a solidariedade forjada em escala planetária e transnacional.
 
Estas são as lutas que, a cada vez, permitiram a extensão ou ainda a universalização de direitos que, até então, haviam sido o privilégio de uma raça. É o triunfo do movimento abolicionista ao longo do século XIX que dá fim à contradição que representavam as democracias escravagistas modernas. Nos Estados Unidos, por exemplo, as lutas pelos direitos civis abrem passagem ao aprofundamento da ideia e da prática de igualdade e cidadania.
 
Encontramos a mesma universalidade no movimento anticolonialista. Que visa ele, de fato, senão tornar possível a manifestação de um poder próprio de gênese – o poder de colocar-se de pé, de viver numa comunidade, de se autodeterminar? Tornando-se o símbolo de uma luta global contra o apartheid, Mandela prolonga essas significações. Aqui, o objetivo é fundar uma comunidade para além da raça. Ainda que o racismo retorne a formas mais ou menos inesperadas, o projeto de igualdade universal encontra-se mais do que nunca à nossa frente.
 
É preciso ainda dizer algo sobre a África do Sul que Mandela deixa para trás. A passagem de uma sociedade de controle a uma sociedade de consumo representa, sem dúvida, uma das transformações mais decisivas desde sua libertação e o fim do apartheid. Sob o apartheid, o controle consistia em rastrear e restringir a mobilidade dos negros. Passava pela regulação dos espaços nos quais eles eram confinados, o objetivo era extrair deles a maior quantidade de trabalho possível. Foi esta a razão pela qual surgiram micro ambientes que serviam tanto como recintos quanto como reservas. O contato entre os indivíduos eram ou proibidos, ou regidos por leis estritas, sobretudo se esses indivíduos pertencessem a categorias raciais diferentes. O controle passava pela modulação da brutalidade ao longo de linhas raciais que o poder queria rígidas.
 
No apartheid a brutalidade tinha três funções. De um lado, ela visava diminuir a capacidade dos negros de assegurar sua reprodução social. Eles não estavam jamais capacitados para reunir os meios indispensáveis a uma vida digna, com acesso a alimentação, moradia, educação, saúde ou ainda direitos elementares de cidadania.
 
Esta brutalidade tinha, por outro lado, uma dimensão somática. Ela visava a imobilizar os corpos, a paralisá-los e feri-los se fosse necessário. Enfim, ela atingia o sistema nervoso e tendia a exterminar a capacidade de suas vítimas de criar seu próprio mundo simbólico. Sua energias estava, a maior parte do tempo, voltada para as tarefas de sobrevivência. Eles eram forçados a viver suas vida sempre no modo da repetição. Este era, na verdade, o trabalho que o racismo devia supostamente cumprir.
 
Essas formas de violência e de brutalidade foram objeto de uma internalização mais profunda do que gostaríamos de admitir. Elas são, desde 1994, reproduzidas de maneira molecular no nível da existência comum e pública. Elas se manifestam em todos os níveis de interação social cotidiana, quer se trate das esferas íntimas da vida, das estruturas do desejo e da sexualidade, ou ainda da irreprimível vontade de consumir todos os tipos de mercadoria.
 
O desejo frenético de consumir é tomado pela essência e substância da democracia e da cidadania. A passagem de uma sociedade de controle a uma sociedade de consumo tem lugar num contexto marcado por diversas formas de privação pela maioria dos negros. Extrema opulência e extrema privação coexistem, e o fosso que separa os dois estados tende mais e mais a ser negociado pela violência e pelas diversas formas de apropriação.
 
A democracia pós Mandela é composta em sua maioria por negros sem trabalho e outros desempregados, que não exercem o direito de propriedade sobre quase nada. A longa história do país é ela própria marcada pelo antagonismo entre dois princípios, o governo do povo para o povo e a lei dos proprietários.
 
Até pouco tempo atrás, estes últimos eram quase que exclusivamente brancos e era isso que dava às lutas a conotação racial. Este não é mais inteiramente o caso. A classe média negra emergente, no entanto, não está na posição de desfrutar com toda segurança dos direitos de propriedade recentemente adquiridos. Eles não estão certos de que a casa comprada a crédito não será retomada amanhã, seja pela força, seja por circunstâncias econômicas desfavoráveis. Este senso de precariedade constitui uma das marcas da sua psicologia de classe.
 
O velho movimento de liberação, o Congresso Nacional Africano (African National Congress, ANC), acaba preso nas armadilhas de um processo de mutação ainda mais contraditório. O cáculo feito pelas classes no poder e pelos proprietários do capital é que a pobreza da massa e os níveis elevados de desigualdade poderiam, em determinadas condições, conduzir a problemas, a greves episódicas e numerosos acidentes violentos. Mas isso não resultou senão numa grande contracoligação capaz de questionar o compromisso fundamental de 1994, que transferiu o poder político ao ANC, e consagra a supremacia econômica e cultural da minoria branca.
 
A África do Sul entra em um novo período de sua história, no qual os modos de acumulação não operam mais por meio da desapropriação direta como nas guerras de despossessão do século XIX. Elas passam pela captura e apropriação privada dos recursos públicos, pela modulação da brutalidade e por uma relativa instrumentalização da desordem. A constituição de uma nova classe dirigente multiracial se faz então por uma síntese híbrida dos modelos russo, chinês e africano pós-colonial.
 
Nesse meio tempo, o espaço público se rebalcaniza progressivamente. A geografia demográfica do país se fragmenta. Abandonando o interior do país, inúmeros brancos se aglutinam nas costas, notadamente na província de Cabo-Oeste. Eles têm medo do processo excessivo de africanização do país e sonham em reconstruir aqui o alicerce de uma república branca, livre das armadilhas do apartheid mas dedicada à proteção dos privilégios de outros tempos.
 
O paradoxal apego aos padrões psíquicos da época da segregação racial constitui uma resposta parcial ao processo de transformação do país em uma nação de cidadãos armados, uma espécie de nação-organização dotada de uma polícia profundamente corrompida e militarizada. Os ricos se beneficiam de uma aparência de proteção comprada de milhares de guardas e empresas de segurança privada, propriedade em parte dos barões no poder e de seus comparsas (3).
 
Este novo regime de controle da mercadoria se consolida ao fundo de uma redistribuição drástica dos recursos da violência. Uma sociedade armada é tudo, menos uma sociedade civil. É ainda menos uma verdadeira comunidade. Ela é um aglomerado de indivíduos autônomos, isolados face ao poder, separados pelo medo e pela suspeição, incapazes de integrar uma massa, mas prontos a colocar-se sob o domínio de uma milícia ou de um demagogo, ao invés de construir organizações disciplinadas essenciais para o funcionamento de uma sociedade democrática.
 
No mais, da vida como a prática de Mandela, duas lições merecem ser aprendidas. A primeira é que só existe um mundo, ao menos por enquanto, e esse mundo abarca tudo o que ele é. O que, consequentemente, é comum a nós é o sentimento ou, ainda, o desejo de sermos seres humanos inteiros. Este desejo de plenitude na humanidade é alguma coisa que todos partilhamos.
 
Para construir este mundo que nos é comum, será preciso restituir àquelas e àqueles que sofreram um processo de abstração e de coisificação na história, a parte de humanidade que lhes foi roubada. Não haverá consciência de um mundo comum enquanto os que foram imersos em uma situação de extrema pobreza não escaparem das condições que os confinam à noite da infravida. No pensamento de Mandela, reconciliação e reparação estão no coração da própria possibilidade de construção de uma consciência comum do mundo, ou seja, da conquista de uma justiça universal. A partir de sua experiência carcerária, ele conclui que há alguma humanidade intrínseca de que é depositária cada pessoa humana. Esta parte irredutível pertence a cada um de nós. Ela faz com que, objetivamente, nós sejamos talvez distintos uns dos outros e, ao mesmo tempo, semelhantes. A ética da reconciliação e da reparação implica, consequentemente, o reconhecimento daquilo que poderíamos chamar “a parte do outro”, que não a minha, da qual sou portanto o fiador, quer queira quer não. Desta “parte do outro” eu não poderei me furtar sem consequências pela ideia de si mesmo, da justiça, do direito e até da humanidade inteira, ou ainda pelo projeto de universalidade, se for este, realmente o destino final.
 
Nestas condições é inútil erguer fronteiras, construir muros e cercas, dividir, classificar, hierarquizar, procurar refúgio no rebaixamento da humanidade daqueles que tínhamos subjugado, errado, como se não parecessem conosco ou com os quais pensamos que não nos entenderíamos jamais. Há um só mundo, e todos nós somos herdeiros dele, mesmo que as maneiras de habitá-lo não sejam as mesmas – donde, justamente a real pluralidade de culturas e de modos de vida. Dizer não significa absolutamente ocultar a brutalidade e o cinismo que ainda caracterizam o reencontro de povos e nações. É simplesmente relembrar um dado imediato, inexorável, cuja origem se situa sem dúvida no início dos tempos modernos: o irreversível processo de mestiçagem e de entrelaçamento de culturas, povos e nações.
 
Frequentemente, o desejo de diferenciar-se emerge precisamente ali onde se vive de maneira mais intensa a experiência de exclusão. A proclamação da diferença é então a linguagem reversa do desejo de reconhecimento e de inclusão. Para os que sofreram a dominação colonial ou para aqueles cuja humanidade foi roubada em um dado momento da história, a recuperação desta humanidade passa frequentemente pela proclamação da diferença.
 
Mas, como vemos numa parte da crítica africana moderna, este não é senão um momento de um projeto maior: o projeto de um mundo em devir, de um mundo à nossa frente, cuja destinação é universal; um mundo desvencilhado do fardo das raças e do ressentimento e do desejo de vingança que domina toda situação de racismo.
 
(*) O autor é professor de história e de ciência política na Universidade de Witwatersrand em Johannesburgo. Autor de Crítica da razão negra, das edições La Découverte, lançado em outubro 2013.
 
(1) Nelson Mandela, Conversações comigo mesmo, Seuil, coleções “Points”, Paris, 2011.
(2) Cf. Nelson Mandela, Um longo caminho para a liberdade, Le Livre de Poche, Paris, 1996
(3) Ler Sabine Cessou, “Três tumultos por dia na África do Sul”, Le Monde Diplomatique, março 2013.
 

Mais lidas da semana