Artigo
de Rui Peralta escrito em 25 de Abril último e que devido a dificuldades
em manter a atualização do Página Global nestas últimas três semanas somente
agora procedemos à sua publicação. Em consciência consideramos que o artigo não
peca por desatualização, antes pelo contrário.
Aproveitamos para deixar nota
sobre algumas dificuldades na atualização do Página Global, que estamos a
procurar superar de modo a que recuperemos a normalidade e ritmo de publicação
anterior e que mais agradava aos nossos estimados leitores. Apresentamos as
nossas desculpas pela irregularidade que contamos superar em breve. (Redação PG)
Rui
Peralta, Luanda
I
– Abril e a Universidade
Os Primaveris ares de Abril percorreram
a Universidade, mas terminaram a vaguear pelos imensos corredores kafkianos,
perdendo o odor fresco da Primavera, não sendo hoje, mais do que um bafo
bolorento. Aconteceu aos Primaveris ares de Abril, aos odores dos cravos
vermelhos, o que acontece á imaginação quando confrontada com a lógica
dominante: o poder de subversão da imaginação penetra a lógica e ao defrontar-se
com os seus mecanismos orgânicos absorve os princípios da lógica dominante,
contamina-se, submete-se e transforma-se, com o passar do tempo, numa
mercadoria bem empacotada, produzida em grandes quantidades, com diferentes
sabores, odores, linhas e formas, para melhor agradar a um consumo vasto.
Afastados que foram os ares de Abril
através das condutas de escoamento dos labirínticos corredores burocráticos,
destronados os cravos vermelhos do livre pensamento e do livre arbítrio,
acorrentadas que foram as ideias e a sua pluridimensionalidade, a Universidade
deixou escapar a oportunidade de transformar-se numa estrutura flexível de
aprendizagem, que fosse permeável às liberdades do pensamento e aos caminhos
alternativos. Tornou-se num problema da Economia, logo uma estrutura asfixiada.
Esta asfixia conduz a Universidade a um modelo educativo que privilegia o
sector privado, que impede a intelectualidade subversiva e produz alienados em
demanda quixotesca pelo Mercado fora.
Como
consequência surge a universidade homofila, espaço de ausência de diálogo e de
inexistência da liberdade de pensamento, onde sucedem-se os monólogos
monossilábicos cujo objectivo é fazer esquecer o não e incutir o sim. Este é um
espaço cujo objectivo é instruir a docilidade da submissão, o reacionarismo da
atitude subserviente face ao escalão hierárquico superior e arrogante perante o
subordinado, a incompreensão dos detalhes na sua relação com o todo e a ilusão
do mérito e do empreendedorismo. A universidade converte-se, assim, num não-lugar
onde tudo é transformado numa massa disforme certificada, através do processo
mitológico do êxito e do sucesso. Daqui entra-se e sai-se como num aeroporto
(com as revistas ás malas, as atitudes discriminatórias á entrada e os olhares
desconfiados á saída) ou num centro comercial (com os sacos carregados de
compras).
A máxima valorização deste espaço
desumanizado e alienante em que se converteu a universidade (uma antecâmara do
espaço concentracionário da empresa) é a certificação, factor que dá forma aos
Currículos Vitae normalizados, estandardizados e aos inúmeros certificados de
qualificações despersonalizadas e de curto prazo, tudo expedientes manipulados
e manipuláveis. Uma carreira universitária imaculada, cheia de menções
honrosas, quadros de honra, grandes notas, não significa nada, nem é indicativo
de que o estudante alguma vez se tenha interrogado sobre o mundo em que vive,
ou sobre a sua condição. A ausência de sentido crítico, o facto de nunca ter
adquirido mecanismo de racionalização critica, leva-o á condição de mineral.
O bom estudante é hoje um depositário
de conteúdos que aprendeu a memorizar e que os vomita (sem nunca os ter
digerido) quando é chamado a expressar uma opinião. É um cavalo adestrado que
supera os obstáculos melhor do que os outros e que não tem dúvidas, não se
interroga, não questiona. É obcecado pela qualificação e estuda, memoriza e
ensina num sistema meritocrático, baseado na tirania da avaliação, onde a
ausência dos valores comuns e dos bens públicos são preenchidos pelo fetiche da
competitividade. Cada um ganha o seu posto em concorrência com os demais, é
esta a ética empreendedora e meritocrática, que exclui todos os “inadaptados”
que não entrarem neste jogo. Quanto aos perdedores, terão próximas
oportunidades mas nos escalões mais baixos. Se continuarem a perder é porque
também eles (iguais aos que recusaram a entrada no jogo) são inadaptados e têm
de ser excluídos.
Na universidade pós-Abril, ou de Abril
normalizado, é isto que se aprende: o outro é o teu inimigo, nunca o teu
companheiro. Aqui não se pode falar em regresso ao passado. A universidade
salazarenta era vocacionada para a submissão a valores retrógrados (Deus,
Pátria, Autoridade, Nação, Estado, Ordem Hierárquica, Militarismo). Na
Universidade pós-Abril, a universidade da austeridade, em que o controlo
financeiro foi promovido a direito e obrigação constitucional (num contrato
social que não foi referendado), os valores são menos “heroicos e épicos” destruindo
o individuo, também, mas desta feita em nome de um pretenso individualismo, que
mais não é do que uma atitude alienada, consequência da impotência dos
indivíduos face á espada de Démocles que pende sobre a sua cabeça.
Perdida fica a aproximação ao mundo e a
sua compreensão, transformando-se a universidade num antro dominado pela
mediocridade colectiva. Estudantes obedientes e professores cumpridores, de
preferência ligados ao “tecido empresarial” ou às “instituições financeiras”
eis a característica principal de uma instituição universitária de “sucesso”.
Excluídos desta estrutura ficam o livre-pensamento e os dissidentes deste
espaço doutrinário pré-fabricado, ficando aberto o caminho á interiorização
acrítica do conhecimento, aos valores e objectivos concentracionários
previamente fixados pela hierarquia. E sem margem de manobra! Ao mínimo desvio
soam as sirenes e as luzes vermelhas da condenação, revelada geralmente através
da proscrição, da exclusão dos financiamentos para a investigação, a
qualificação e promoção laboral, etc...
Óbvio que existem e existirão
resistências. A Universidade, porque centro de conhecimento, é sempre (embora
cada vez mais em ocasiões contadas) espaço para o encontro com o diferente (e
essa é a sua principal riqueza), para a discussão, para o conflito, o oposto e
os complementos. E esta vertente da resistência surge naturalmente, de forma
insuspeita, quebrando a docilidade da submissão e a burocratização do saber.
Quanto ao estudante, escravo estoico,
crê-se cada vez mais livre, quanto mais o aprisionam as cadeias da autoridade
(tal como o trabalhador que crê-se mais livre, quanto mais o aprisionam as
cadeias do trabalho). Adquire facilmente os tiques e as ilusões da instituição
que frequenta, a Universidade e pensa que tornou-se mais “social” porque mais “autónomo”,
não conseguindo vislumbrar que afinal representa directamente os dois sistemas
mais poderosos da autoridade social: a família (considerada o núcleo da
sociedade) e o Estado (a coluna vertebral da sociedade e o bastão que parte as
vértebras da subversão). Transformado em ser submisso, o estudante participa
nos valores e mistificações do discurso ético dominante, tornando-se apto a
entrar no mercado como activo.
As ilusões impostas aos estudantes
(transformados em empregados) convertem-se em ideologia interiorizada e inicia
a sua caminhada, alegre e contente porque é um futuro pequeno quadro, que
poderá ascender e tornar-se numa grande moldura que ornamenta o quarto das
empregadas…
II
– Abril, socialismo, democracia e capitalismo
Abril começou com os militares, dá o
passo vitorioso com o povo nas ruas, abre as cadeias, imprime a liberdade de
expressão, a pluralidade, os direitos e liberdades e aos poucos assume uma
postura socialista. Era uma postura vaga, indefinida, mesmo disforme se
considerarmos que todos os partidos políticos, inclusive os da direita falavam em socialismo. Mas o
socialismo de Abril teve a sua demonstração de força nas ocupações de terras e
de casas, nas greves operárias, nas grandes manifestações de rua, no sistema
nacional de saúde, na democratização do ensino, na igualdade do género, no
combate ao analfabetismo e em tantos outros combates travados nas mais diversas
frentes que Abril abriu (o socialismo até chegou a marcar posição na
Constituição).
Claro que depois o tempo varreu as
concretizações, os ensejos, a tomada de consciência e a Primavera, após um
Verão escaldante, deu lugar a um Outono insipido e a um Inverno rigoroso, que
se prolonga até hoje. Para trás ficou o vago projecto socialista, umas vezes
utópico, outras construido no ardor da luta de classes e foi metido na gaveta.
Permaneceu a democracia política, mas as realizações da democracia na economia
foram rotuladas de “projecto totalitário” e “coisa do PREC”. Com o socialismo
engavetado, Portugal o ultimo Imperio Colonial do Império do Capital, caminhou
aos altos e baixos nos sinuosos percursos de Abril (não os do 25 mas do 26, que
os do 24 já não cabiam nos novos planos).
Apesar de tudo, em termos de direitos
políticos, liberdade de expressão, de opinião e de informação, os Portugueses
estão em melhores condições que os cidadãos norte-americanos por exemplo. Pelo
menos têm representações políticas parlamentares que giram em torno de
projectos socialistas, coisa que nos USA pode ser considerado perigoso e que
torna-se motivo para escutas e violação da privacidade. Até porque a direita
norte-americana (que é toda a representação republicana e democrata) é uma
força política única. Os dois partidos principais do espectro político
norte-americano são de direita e para a grande maioria do eleitorado a direita
é o espectro político da nação. Nesse sentido o pluralismo político da
sociedade portuguesa é de muito maior amplitude (mesmo em relação á maioria dos
seus parceiros europeus da U.E.) e essa é, também, uma consequência do
socialismo, ou seja, da cultura socialista que cresceu com Abril e que
permaneceu nos arquétipos da cultura politica e social portuguesa do pós-25.
Em Abril de 1974, a sociedade
portuguesa metamorfoseou-se, em todas as suas estruturas e em todos os níveis
da vida social. As pessoas aperceberam-se que podiam ter o controlo das suas
vidas, definirem o futuro e descobriram que em conjunto poderiam controlar os
recursos que tornam a liberdade possível (o que não veio a acontecer porque a
vida económica não se democratizou). O socialismo representava todo este
movimento, não era uma cátedra ideológica, mas era algo que podia ser sentido,
vivido no dia-a-dia.
No lado oposto (mas também ligado a
Abril) residia o Capitalismo. Capitalismo e democracia não são incompatíveis.
Aliás o capitalismo não é incompatível com nada. O capitalismo é como um
organismo parasitário, que penetra e desenvolve-se em qualquer meio, porque tem
uma quase infinita capacidade de adaptação. Entra manso, convive nos mercados,
alimenta-se neles e deles, depois, já crescido, domina-os. Dos mercados
dominados ao domínio da esfera política é um passo, até porque o capitalismo
pretende a anulação da esfera politica, mal esta deixe de ser útil para afirmar
o seu domínio. O capitalismo apenas pode ser mantido na esfera económica e por
isso reduz a esta esfera toda a vida humana. O resto é deixado para o Além.
O
problema da relação capitalismo versus democracia é que, no momento em que a
democracia deixa de servir para o alimentar, o capitalismo necessita de
condicioná-la á esfera politica. Mas como a esfera politica, devido às relações
criadas pelo capitalismo (que nasceram no mercado e dele se alimentaram ao
ponto de insufla-lo e extrapolarem as relações de mercado a toda a relação
social) é secundarizada e a esfera económica é a única no mundo unidimensional
por ele criado, a democracia torna-se incompatível com o capitalismo,
exactamente porque este impede a democratização da vida económica. Ou seja, a
democracia é uma enorme pastilha elástica, que depois de devidamente mascada é
deitada fora porque já não é doce.
Quarenta anos depois da queda da
ditadura conservadora fascistoide e do colonialismo, o capitalismo (que para se
desenvolver em Portugal necessitava da democratização da vida politica, para
melhor aperfeiçoar o mecanismo de rejuvenescimento das elites) necessita de uma
nova forma de totalitarismo, construído sobre os escombros de Abril. A situação
que Portugal vive actualmente é esse momento de transição, da democracia
politica (formal e burguesa) para uma forma totalitária, ainda indefinida, mas
que encontra na austeridade os seus contornos e nos cortes aos direitos,
liberdade e garantias (as grandes conquistas de Abril) o seu casulo.
III
– Abril e o modelo híbrido
Os USA são o melhor exemplo de uma
democracia engolida pelo capitalismo e o melhor modelo de regime hibrido que
caminha a passos largos para uma forma de totalitarismo (apesar das fortes
instituições democráticas que ainda persistem). Com o maior fosso entre ricos e
pobres desde 1928, os USA não deixaram no entanto de ter crescimento económico
nos últimos quatro anos e os lucros das grandes corporações norte-americanas
não deixaram de crescer e em muitos casos atingindo os níveis mais elevados
desde a crise de 1928. Os “bónus” na Wall Street são os mais altos desde o “crash”
de 2008, mas para a grande maioria dos norte-americanos a recuperação não se
faz sentir nas suas vidas.
Uma das características do regime
hibrido que se desenha nos USA é o papel histórico crucial da elite financeira
na política interna e externa. O relacionamento entre a burguesia financeira e
a Casa Branca influenciou acontecimentos-chave na economia norte-americana,
como a criação da Federal Reserve, a resposta á Grande Depressão e a fundação
do FMI e do Banco Mundial. Durante grande parte do século XX banqueiros e
presidentes norte-americanos criaram e geriram um sistema financeiro
exponencialmente expansivo, assente em longas curvas de estabilidade e altos
picos de instabilidade em períodos curtos. Mas o crescimento da Wall Street
saiu fora do controlo de Washington, a especulação em grande escala levou á
crise de 2008 e desde aí a velha parceria Washington/Wall Street é cenário de
uma feroz luta interna.
Em 1929 emergem a JP Morgan (J.P.
Morgan foi o mais poderoso banqueiro norte-americano e o mais poderoso elo de
ligação entre o mundo financeiro e politico e o responsável pela constelação de
relações entre estes dois sectores das elites norte-americanas, se atendermos
ás suas relações com Teddy Roosevelt, iniciadas em 1907 e que eram muito
similares ás existentes actualmente entre Jamie Dimon e Obama. J.P.Morgan
morreu em 1914), na época liderada por Tom Lamont, o National City Bank
(actualmente na Citigroup) liderado por Charles Mitchell, o Chase Bank (agora
parte da Chase-JP Morgan) presidido por Al Wiggin e mais alguns bancos em
situação difícil, sem terem o peso destas instituições financeiras, mas
sobreviventes. Alguns anos depois, vindos de outras avenidas, surgem a Goldman
Sachs e o Bank of America, provindos das relações com F.D. Roosevelt.
Esta história de relacionamentos entre
famílias e clãs (por isso no capitalismo a família é o núcleo da sociedade,
desempenhando papeis que vão além da socialização do individuo enquanto
criança) tem um ponto alto em 1907, quando Teddy Roosevelt, o homem forte da
burguesia industrial norte-americana e que nunca teve investimentos no sector
financeiro, acredita que a única esperança de salvação do país é J.P.Morgan e o
seu banco. Reúne no Hotel Manhattan, durante longas horas, um punhado de
banqueiros, sob a direcção de J.P.Morgan, sem o presidente da Republica ou o
secretário de estado do Tesouro. Desta reunião nasceu a solução para a grande
catástrofe e as suas decisões foram de imediato aplicadas pela Casa Branca.
Desta forma foram salvos os interesses da grande banca e dos seus principais
clientes, estabelecendo-se desde essa altura uma santa aliança entre a
burguesia financeira e a burguesia industrial nos USA, que prevalece até hoje,
mesmo quando existem situações de aparente ruptura entre ambos os sectores.
Aprisionados a este acordo ficaram a burguesia comercial e a burguesia agrária,
sob elas recaindo as grandes falências da época, para além dos sectores da
pequena e média industria.
Um pouco mais tarde nasceu a Federal
Reserve, instituição proposta na reunião de Manhattan e que contou com a
colaboração de alguns senadores, como Nelson Aldrich, presidente do Comité do
Senado para as Finanças Públicas. Aldrich, em 1910, reuniu um grupo de
banqueiros (os mesmos do Hotel Manhattan, 3 anos antes) na Ilha de Jeckyll,
durante a administração Taft. A reunião prolongou-se por 10 dias e aí nasceu a
Federal Reserve. O presidente Taft já não chegou a ver a implementação desta
decisão, que foi efectuada pelo presidente Woodrow Wilson, em 1913. Wilson, do
Partido Democrático, contava com muitos amigos no sector financeiro, todos eles
presentes na reunião de Manhattan, em 1907 e na da Ilha de Jeckyll em 1910.
Estes laços permaneceram durante o New Deal, entre a burguesia financeira e o
presidente F.D. Roosevelt, embora Wall Street não morresse de amores pelas
políticas do New Deal. A grande ligação foi efectuada através de Winthrop
Aldrich (filho de Nelson Aldrich) um dos fundadores da Federal Reserve (Fed),
um velho amigo de F.D. Roosevelt e da família, que foi colega de escola do
presidente.
Actualmente os laços perduram, embora
de forma muito mais perigosa e não se resumem a salvar negócios, famílias e
amigos, com os quais se fazem mais negócios, cruzam-se famílias e fazem-se mais
amigos. Hoje a relação é mais perigosa, porque os grandes seis bancos
norte-americanos representam 85% dos depósitos de toda a banca comercial, 84%
dos activos da banca comercial, controlam 96% dos derivativos (instrumentos
financeiros cujo pagamento são definidos em termos dos preços de outros
activos) de todas as instituições financeiras norte-americanas e 45% dos
derivativos mundiais. Estes seis bancos têm tanto poder como toda a legislação
em torno do capital (muito dela aprisionada ao poder destes seis bancos e
legislada em função do seus interesses).
Este cartel entra em força na
administração Reagan, permanece com Bush I, adquire laços com os democratas
através de Clinton, toma posições-chave com Bush II e reforça-se com Obama.
Durante a década de 70 houve uma revisão estratégica, iniciada com Nixon e
revelada com o término do standard ouro, medida que permitiu á banca
norte-americana utilizar os petrodólares obtidos no Médio Oriente e reciclá-los
na América Latina, operando a nível internacional numa agenda diferente da
administração e fora das conexões presidenciais.
È
neste período que acontece o 25 de Abril de 1974, período recheado de
alterações conseguidas também na Grécia, ensaiadas em Espanha, profundas
alterações no continente africano através das descolonizações das ex-colónias
portuguesas no continente e do golpe militar na Etiópia e o realinhamento
asiático, atribuindo-se um novo papel á China, o fim da guerra na Indochina, as
tentativas de modernização da Indonésia (na qual a ocupação de Timor foi uma etapa),
Filipinas, Tailândia, Malásia e Coreia do Sul, para além de um novo papel de
expansão de investimentos japoneses que terminariam no entanto em estagnação
financeira do país.
IV
– Abril e o Imperialismo
Os USA acompanharam de perto o
desenvolvimento dos acontecimentos em Portugal. Este acompanhamento implicava,
necessariamente, intervenção, diplomacia, ameaças veladas, campanhas de
propaganda e de contrainformação, espionagem e infiltração. São muitos os
rastos deixados pela ansiedade e pela preocupação do imperialismo em relação ao
“período quente”, o PREC, período que transformou a idílica Primavera em Verão
abrasador.
Desde
as simpatias por Spínola, a criação de partidos (os do “arco da maioria
silenciosa” – desaparecidos apos o 28 de Setembro - e os do actual “arco da
responsabilidade”), as infiltrações nos movimentos esquerdistas (maoistas,
trotskistas e outros), o ELP e o MDLP, as campanhas de destruição das sedes do
PCP, a aposta em figuras da “esquerda militar” mais moderadas, os Meninos de
Deus e outras organizações religiosas, Carlucci, a Confederação dos
Agricultores (CAP) as confederações patronais, as infiltrações no movimento
sindical, enfim todo a habitual panóplia de meios, recursos e jogadas com que
os USA “acompanha” os “aliados”, principalmente os que são da NATO.
Uma
das notícias mais alarmantes, na imprensa portuguesa da época, foi a de que em
Portugal já estavam cubanos em prontidão (parece terem-se esquecido os jornalistas
e os informadores que sempre houvera cubanos em Portugal, os cubanos de Cuba,
no Alentejo, com certeza muito diferentes dos cubanos que estavam em Angola,
mas, para os alarmistas anticomunistas, cubanos são cubanos). Este episódio
anedótico é revelador da guerra de contrainformação que Portugal sofreu durante
o PREC, o Período Revolucionário Em Curso, um período de intensa luta de
classes no plano interno.
A estrutura de envolvimento da CIA era
diferente da actual e menos complexa, o que a levava a acções mais tipificadas,
experimentadas e ensaiadas na América Latina e na Ásia. A CIA não tinha os
meios tecnológicos actuais (inexistentes na época) que permitem a montagem de
campanhas globais de propaganda e de contrainformação, embora tivesse ao seu
dispor os principais jornais privados, que faziam com bom agrado o seu papel e
a sua função agenciada, temendo a “ameaça comunista e totalitária” representada
pelo PREC. As operações dos USA não tinham a complexidade de meios e ao mesmo a
simplicidade de objectivos que têm actualmente, como por exemplo, um recente
artigo publicado na Associeted Press descreve detalhadamente como a USAID criou
um falso Twitter, o Zun Zuneo, financiado por diversas instituições financeiras
e que é uma plataforma de tratamento e manipulação de informação e de conteúdos
políticos destinados a Cuba, com o intuito de ser uma rede de comunicação que
esteja na linha da frente de uma eventual Primavera Cubana.
Segundo um documento da USAID o
objectivo do ZunZuneo é “"renegotiate the balance of power between the
state and society" (sic). Esta operação foi iniciada em 2011, quando
surgiram uma serie de mensagens sobre a liberdade de imprensa em Cuba e deu os
primeiros passos em céu aberto nos finais de 2012. Recentemente o Secretário da
Casa Branca para a Comunicação Social, Jay Carney, defendeu o Twitter cubano da
USAID, desmentindo que se tratava de um programa camuflado e encoberto e
garantindo que os fundos do Congresso fornecidos á USAID para este programa
eram para proporcionar aos cubanos uma maior informação e fortalecer a
sociedade civil e que o programa estava em consonância com a Lei.
Este programa da USAID é nitidamente
uma acção formativa de agitadores e propagandistas, no sentido de provocar
acções de desestabilização, aproveitando as mudanças introduzidas no país pelo
governo cubano. È um programa que utiliza diversas contas bancárias secretas
(provavelmente para escapar ao bloqueio bancário imposto a Cuba pelos USA,
complementar ás restantes medidas de bloqueio), utiliza diversas companhias e
plataformas multinacionais em diversos países (Nicarágua, Espanha, Irlanda, UK)
e o suporte de um gabinete da USAID, o Office of Transtion Iniciative (OTI) que
complementa serviços da CIA relacionados com a infiltração nas iniciativas de
alteração e de remodelação das políticas governamentais cubanas (o que implica
já uma rede de infiltrados em diversas estruturas do Estado cubano e do PCC). A
USAID beneficia de 20 milhões de USD, anualmente cedidos pelo Congresso
norte-americano para efectuar programas e operações em Cuba. Com as recentes
aberturas proporcionadas pela actual política cubana, os USA esperam poder
financiar escolas e institutos e participar em programas sociais e
humanitários, para além da criação de redes de estudantes universitários
cubanos.
V
– Abril Hoje
Claro
que em Abril de 1974 não existiam estruturas destas. Eram estruturas mais
simplificadas, mas que foram eficazes o suficiente, ao travar uma eventual
socialização mais radical de Abril. Aos poucos os cravos vermelhos foram
murchando e hoje os cravos são todos encarnados (como o Benfica), só sendo
vermelhos durante as comemorações do Vinte Cinco barra Quatro.
Hoje
Portugal está no núcleo duro da U.E. (a Eurolândia, ou zona Euro) vive na e da
austeridade, é um fundamental elemento secundário da NATO e tem um imenso fosso
entre ricos e pobres, para além de uma população envelhecida e de sofrer um
processo de desertificação do interior. O desemprego é elevado e crónico, os
níveis de produtividade são baixos e a economia portuguesa sofre de uma
mal-estar permanente, o que não impede as exportações de aumentarem, de a banca
ser uma actividade de grandes lucros e dos ricos de enriquecerem (obviamente
com o empobrecimento das classes médias e com a acentuada exclusão social dos
mais pobres).
Quarenta
anos depois Portugal comemora um Abril liberal, uma “abrilada” caótica feita de
incompetência, desgoverno, roubo e corrupção. Os heróis de Abril (o maior deles
foi o Povo) daquele núcleo central, os chamados capitães - os capitães de Abril
não são hoje mais do que capitães da areia, que levam reprimendas da Presidente
da Assembleia da Republica – e o resto (MFA, cravos vermelhos, descolonização,
democratização, desenvolvimento etc.) são marcas registadas do processo histórico,
prontos a residirem em duas linhas de um qualquer manual escolar de História de
Portugal, com 500 páginas de colonização e três ou quatro linhas sobre Abril.
Quanto
ao resto… Educação, Saúde, Habitação… já não são!
Luanda,
25 de Abril de 2014
Fontes
Fernández;
Sevilla; Urban De la nueva miseria: la universidad en crisis y la nueva
rebelión estudiantil Akal, Madrid, 2013.
Del
Rey, Angélique La tyrannie de l'évaluation La Découverte , Paris, 2013
Various
Imagine: Living in a Socialist USA. Goldin, New York, 2014
Prins,
Nomi All the Presidents’ Bankers: The Hidden Alliances that Drive American
Power Free Press, Washington, 2014