sábado, 23 de setembro de 2023

Receção a Zelensky em Washington pode ser amostra da tempestade que está para vir

Stephen Collinson | CNN | opinião

As garantias de Biden de manter Zelensky "pelo tempo que for necessário" podem não ser tão firmes quanto parecem. Sem fim à vista para a maior guerra na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, o destino da Ucrânia parece cada vez mais alinhado com o próprio destino político do presidente dos Estados Unidos

A adoração ao herói envolto em bandeiras azuis e douradas na última viagem do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a Washington, que suscitou comparações com Winston Churchill em tempo de guerra contra o nazismo, era uma memória distante na quinta-feira.

Nove meses depois, Zelensky estava de volta e ele e os seus anfitriões aprenderam algumas lições chocantes um sobre o outro, numa altura em que o caminho para a vitória final na guerra contra a Rússia parece cada vez mais distante.

Zelensky teve uma antevisão abrupta de como o possível regresso de Donald Trump ao poder após as eleições de 2024 e de como o atual domínio do ex-presidente sobre a ingovernável Câmara dos Representantes, liderada pelos republicanos, poderia romper a multimilionária tábua de salvação de que depende a sobrevivência da Ucrânia. E longe de aprovar um novo pedido da administração de 24 mil milhões de dólares para sustentar o esforço de guerra da Ucrânia, a caótica Câmara voltou a falhar, na quinta-feira, em financiar a defesa dos Estados Unidos, uma vez que uma nova tentativa de aprovar um projeto de lei de dotações militares naufragou perante a oposição da extrema-direita.

Por seu lado, os americanos vislumbraram o impacto de uma guerra brutal num líder que reuniu uma resistência impressionante a uma invasão russa, mas que também carrega o fardo de meses de morte e sacrifício impostos ao seu povo. Por vezes, o ator cómico transformado em herói de guerra parecia exausto e pouco sorridente. Numa entrevista à CNN, confessou a tensão pessoal da sua vida furtiva como principal alvo da Rússia.

E, em aparições públicas, a paciência de Zelensky por vezes esmorecia - especialmente quando repreendia as Nações Unidas por não protegerem os seus membros da agressão. Numa capital americana que sofreu uma mudança ideológica desde a sua última visita, pouco antes do Natal de 2022, agora é preciso mais do que citar o presidente Franklin Roosevelt e fazer alusões ao 11 de Setembro, para conquistar os legisladores.

Há também a questão de saber se os esforços incansáveis de Zelensky para obrigar o mundo a agir podem estar a atingir um ponto de retorno decrescente. O combativo presidente também pode pensar assim, a julgar pelas suas múltiplas e pungentes expressões de gratidão pela ajuda anterior, numa altura em que as sondagens mostram que cada vez mais americanos estão cépticos em relação à ajuda à Ucrânia. Talvez tenha de desenvolver novas competências políticas para se adaptar a uma fase viciosa da política americana, em que a Ucrânia está a ser arrastada para uma saga de destituição pela segunda vez e é uma questão central nas eleições gerais.

A viagem de Zelensky aos Estados Unidos - cuja democracia, apesar de abalada, continua a ser um baluarte dos sistemas políticos livres em todo o mundo - foi uma imagem espelhada de outra viagem feita pelo presidente russo Vladimir Putin na semana passada para reabastecer o seu próprio arsenal num encontro com o tirano norte-coreano Kim Jong-un no Extremo Oriente da Rússia.

O capitalismo é a maior ameaça à saúde pública, alertam investigadores e ativistas

Durante a abertura da 19ª conferência da Associação Internacional de Políticas de Saúde da Europa, académicos e activistas alertaram que o capitalismo continua a ser a maior ameaça à saúde humana e planetária

Peoples Dispatch | # Traduzido em português do Brasil

De 21 a 24 de setembro, Salónica acolhe a 19ª conferência da Associação Internacional de Políticas de Saúde Europeia (IAHPE), no que um dos organizadores, Alexis Benos, definiu como um “momento infelizmente oportuno”. Enquanto a Grécia enfrenta os efeitos das inundações devastadoras e das reformas da legislação laboral anti-trabalhadores, é altura de abordar a principal causa de crises semelhantes que se espalham pela Europa: o capitalismo, disse Benos.

A conferência IAHPE tem uma importância especial para académicos e activistas na Europa, pois é um espaço raro onde a teoria anticapitalista encontra exemplos práticos de lutas sociais contra as políticas de austeridade e a mercantilização da saúde. Estas tendências mudaram profundamente o panorama da saúde na região, à medida que o acesso aos cuidados de saúde continua a cair, as condições de trabalho no sector estão em declínio e os espaços de discussão sobre a saúde são ocupados pelo sector empresarial.

Ao contrário da maioria das conferências dedicadas à saúde, o evento da IAHPE foi organizado sem depender de doadores empresariais. “Organizar uma conferência sobre os efeitos do capitalismo nos cuidados de saúde, com a participação de académicos, sindicatos e movimentos populares, e fazer tudo isso fora da esfera do mercado, é um verdadeiro feito”, disse Elias Kondilis, membro do comitê de organização. Não teria sido possível sem a dedicação de dezenas de voluntários que prepararam a conferência durante mais de um ano.

Portugal | A EMIGRAÇÃO DOS JOVENS E AS POLÍTICAS RESPONSÁVEIS

Vicente Ferreira | Ladrões de Bicicletas | em Setenta e Quatro

Portugal é um dos países da União Europeia com maior número de precários, quase metade dos jovens empregados. No ano passado, 56% dos trabalhadores recebiam um salário inferior a 1000 euros e, entre os jovens, a percentagem era de 65%. Não surpreende que Portugal seja o país da UE onde os jovens saem mais tarde de casa dos pais.

Mais de metade dos jovens a trabalhar em Portugal admite emigrar, de acordo com uma sondagem recente da Aximage. Entre os mais de oitocentos jovens entre os 18 e os 34 anos que responderam ao inquérito, a instabilidade financeira e os problemas no acesso à habitação são os principais motivos de preocupação apontados.

No Expresso, o economista Pedro Martins escreveu um artigo de opinião em que lamenta os “níveis de emigração elevados” e argumenta que “trabalhar em vários dos outros países europeus significa, em geral, não só dobrar ou triplicar o salário de Portugal, mas também ter acesso a contratos de trabalho mais estáveis, cargas fiscais mais baixas, melhores serviços públicos, menos incertezas sobre pensões e habitação a preços mais acessíveis.”

O diagnóstico é maioritariamente acertado: embora não seja verdade que a carga fiscal seja maior em Portugal do que noutros destinos (na verdade, o IRS pago por um salário médio em Portugal é bastante inferior à média europeia), vários dos fatores listados são relevantes. O que Pedro Martins omite são os responsáveis políticos pelas condições que a economia portuguesa oferece hoje aos jovens.

Martins foi secretário de Estado do Emprego no governo de PSD e CDS liderado por Passos Coelho. As reformas da Troika aprovadas nesse período, que incluíam a flexibilização dos despedimentos e a facilitação do recurso a contratos precários, foram vendidas como a receita para tornar a economia mais competitiva. O resultado foi muito diferente: não só o desempenho da economia não melhorou, acentuando-se a aposta em setores de baixa produtividade como o turismo, como Portugal se tornou um dos países da União Europeia onde o recurso a contratos a termo é maior, sobretudo entre os jovens. Apesar das alterações legislativas aprovadas desde o período da Troika, Portugal continua a ser um dos países da UE com maior peso dos precários, que abrangem quase metade dos jovens empregados.

A precariedade teve um efeito de compressão dos salários, reconhecido por um estudo da Comissão Europeia que concluiu que existe um diferencial salarial entre contratos precários e permanentes e que este é maior nos países com maior percentagem de precários, como Portugal. Mais: o trabalho de investigação de três economistas do FMI aponta para a existência de uma relação entre a desregulação laboral e a redução da wage share – a fração do rendimento produzido numa economia que é recebida pelo fator trabalho, ou, por outras palavras, a fatia do bolo que cabe aos trabalhadores. No ano passado, 56% dos trabalhadores em Portugal recebiam um salário inferior a €1000 e, entre os jovens, a percentagem era de 65%.

Num contexto em que os custos com a habitação dispararam – o resultado da estratégia de liberalização do mercado e de incentivo ao investimento estrangeiro aplicada pelos sucessivos governos neste período – não surpreende que Portugal seja o país da UE onde os jovens saem mais tarde de casa dos pais e que 31% dos millennials (nascidos entre 1982 e 1994) e 44% dos gen Z (nascidos entre 1995 e 2004) acumulem dois empregos para conseguir pagar as contas. Embora não se refira a nenhum destes problemas, o artigo de Pedro Martins termina com um apelo para “melhorar as políticas públicas”. É capaz de não ser má ideia.

Portugal | Precariedade das ideias

Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Perante a fragilidade dos projetos progressistas alternativos, o neoliberalismo dominante difunde, nos campos político, económico, social e cultural, conceitos que representam, somente, ideias precárias com ciclos de vida muito curtos, sempre vendidas como apolíticas. Os partidos que seguem essa via, e também os governos que para aí resvalam, utilizam-nas, amiúde, como bengala no jogo da ocultação dos seus reais propósitos.

A panaceia das “reformas estruturais” como via única para o desenvolvimento ou a produção de “empreendedores” como solução para a criação de emprego alimentaram discurso político e económico “moderno” e cursos de “excelência” em universidades, mas estão a caminho do caixote do lixo. O que vai acontecer com o conceito “talento”, utilizado sem sentido quando se procuram capacidades comuns para o “mercado de trabalho”? E, com o conceito “colaborador”, que não tem enquadramento jurídico e visa reforçar o poder unilateral da entidade empregadora, eliminando quadros legais de direitos/deveres que estruturam relações de trabalho equilibradas?

Serão postos a nu os seus objetivos manipuladores de aprisionamento dos cidadãos, em particular dos jovens, mas enquanto a relação de forças não se alterar, estes conceitos vão-se impregnando na sociedade. Na passada quarta-feira, na RDP, no programa “Consulta pública”, foi abordado o futuro dos jovens e o que há a fazer para não terem de emigrar. Na divulgação do programa, teve enfoque o mote “condições para reter talento”.

O jornalista que conduziu o programa é qualificado e, no painel de convidados, havia pessoas com reconhecidos conhecimentos na matéria. Partilho, todavia, duas questões que me surgiram: i) o fundamental das respostas para os jovens não emigrarem não se situa em medidas “inovadoras” para reter “talento”, mas sim em políticas públicas e privadas que criem mais e melhor emprego, na resolução da escassez de habitação e na melhoria de mobilidades, o que convocaria presença de especialistas outros; ii) em democracia são, em primeiro lugar, os partidos políticos (no Governo ou na oposição) que devemos responsabilizar pela construção de propostas, logo, colocar no debate apenas o representante da “academia política apartidária” terá sido um absurdo.

Maioria dos portugueses teme falta de água e alimentos no futuro -- sondagem

Nove em cada dez inquiridos pela Aximage afirma que as alterações climáticas são uma realidade comprovada e consideram que a crise climática é uma das maiores ameaças do século XXI.

Nove em cada dez portugueses não têm dúvidas de que a crise climática é uma realidade e uma das maiores ameaças do século XXI. A maioria acredita, também, que haverá escassez de água e de alimentos num futuro próximo. Estas são algumas das conclusões de uma sondagem feita pela Aximage para o JN, DN e TSF sobre as alterações climáticas.

O tema esteve em destaque na Cimeira da Ambição Climática, que decorreu esta semana em Nova Iorque. António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas, considerou ser possível acelerar a “transição justa para uma economia global verde”. 

Já o presidente da República revelou que Portugal vai “antecipar em quatro anos”, para 2026, o objetivo de atingir 80% de fontes renováveis na produção de eletricidade. Em 2030, avançou também Marcelo Rebelo de Sousa, o país deverá atingir os 100%.

Para os portugueses, este é um tema que merece atenção. Pelo menos é isso que demonstram os dados do inquérito feito pela Aximage. De acordo com a sondagem, que tem por base 804 entrevistas, 90% dos portugueses afirmam que as alterações climáticas são uma realidade comprovada. A opinião é transversal às diferentes regiões do país, faixas etárias, género e classes sociais. 

Em contrapartida, cerca de 8% manifestam dúvidas e consideram que as alterações climáticas são uma realidade por comprovar. Esta posição tem uma maior expressão na faixa etária entre os 18 e os 34 anos (12%) e entre os inquiridos que votaram no Chega nas últimas eleições legislativas (20%).

Questionados sobre o facto de a crise climática ser uma das maiores ameaças do século XXI, a maioria dos inquiridos concorda com a afirmação. Trata-se de 90% dos portugueses contra apenas 3% que discordam desta premissa. Já 7% não concordam nem discordam.

Portugal – A Madeira Prepara-se para as Eleições Regionais de Amanhã

“O voto útil do povo das zonas altas é na CDU”

A afirmação é de Edgar Silva, cabeça de lista às eleições da Madeira, que considera a CDU como a única força «ligada a cada uma das conquistas de direitos do povo das zonas altas».

Segundo Edgar Silva, «ao contrário de outros que nunca o povo os viu, sempre que foi preciso, as populações contaram com a presença da CDU», sempre que surgiram problemas, sempre que «foi necessário dinamizar as reivindicações, sempre que a luta foi realizada». Afirmações feitas durante uma acção nas zonas altas, onde a CDU também já tinha realizado a abertura oficial da sua campanha eleitoral.

«O voto é útil na medida em que o é para quem o dá», sublinhou o candidato, considerando que o voto do povo das zonas altas, para lhes ser «verdadeiramente útil, é na CDU». Caso contrário, deixará de haver na Assembleia Legislativa «quem dê voz à reclamação por Justiça Social e o clamor do povo não terá voz».

Na hora de decidir o voto, o importante, sublinha Edgar Silva, é perguntar de onde é que conheces os candidatos, quando é que os viste no teu bairro e onde estiveram quando foi preciso defender os direitos das populações.

Recorde-se que termina esta sexta-feira a campanha eleitoral na Madeira, realizando-se no domingo o acto eleitoral que vai eleger os 47 deputados da Assembleia Legislativa madeirense. Actualmente, há uma maioria parlamentar de 24 deputados que sustenta o Governo regional, 21 do PSD e 3 do CDS, enquanto o PS tem 19 eleitos, a JPP 3 e a CDU 1.

AbrilAbril

Imagem: Acção de rua da Coligação Democrática Unitária (CDU), com a participação do seu cabeça de lista, Edgar Silva, durante a campanha para as eleições legislativas da Madeira, que se realizam a 24 de Setembro. São Martinho, Funchal, 21 de Setembro de 2023.CréditosHomem de Gouveia / LUSA

Neoliberalismo, doença psíquica?

Byung-Chul Han. McLuhan. Marx. Deleuze… A partir destes autores, Bifo Berardi analisa sistema em mutação, que captura tempo e desejo, tornando-os matemática. O porvir exigirá respirar para reaver a dimensão poética da vida

Franco Berardi, em entrevista a Ruben H. Rios, no Perfil | em Outras Palavras | Tradução: Rôney Rodrigues | # Publicado em português do Brasil

Franco “Bifo” Berardi (1949) pode muito bem ser caracterizado, embora em certa medida, como um filósofo, escritor e crítico cultural de esquerda. Durante a década de 1970, mais precisamente até 1977, ele foi membro ativo da autonomia operária italiana, movimento marxista libertário do qual também participou, entre outros, Antonio Negri. Nesses anos de militância, Berardi fundou revistas, criou rádios alternativas e canais de TV comunitários, até ser preso. Após a repressão ao movimento autonomista, que levou à prisão de vários dos militantes (incluindo Negri, acusado de participar no assassinato do deputado democrata-cristão Aldo Moro), instalou-se em Paris, onde relacionou com Félix Guattari e Michel Foucault. Durante a década de 80 morou em Nova York e São Francisco. Na década de 90 regressou a Itália e, em 2002, criou a TV Orfeo, a primeira televisão comunitária italiana.

Formado em estética, atualmente professor de História Social dos Meios de Comunicação Social na Academia de Belas Artes de Brera (Milão), Berardi tem realizado a sua extensa produção teórica com uma colaboração permanente em meios alternativos, pelo menos desde que fundou a revista autonomista A/Traverso. Desde então, desenvolveu intenso pensamento crítico e estudou as transformações sociais e subjetivas causadas pelo desenvolvimento do capitalismo, particularmente sobre os efeitos dos meios de comunicação de massa no imaginário social. À sua maneira, na realidade, Berardi não deixou de ser um filósofo-militante (ou um filósofo-militante) desde a revolta dos anos 70.

Meio século contra o trabalho, seu último livro publicado pela Tinta Limón, é uma compilação de textos que abrangem de 1970 a 2022. O mínimo que se pode dizer é que refletem de certa forma, naquele pouco mais de meio século que passou, as mutações e reviravoltas da modernidade tardia e do seu próprio pensamento. Como você definiria, em perspectiva, essa “certa forma” em termos filosófico-políticos?

Não é uma pergunta fácil de responder, porque me coloca na condição de procurar uma fórmula, uma palavra, qualquer frase, que possa definir uma constante (ou algumas constantes) na minha própria trajetória. Posso tentar embaralhar algumas chaves conceituais que serviram de guia, por exemplo, a palavra “transversalidade”, ou seja, um método de criação de mapas de subjetividade, que desliza continuamente da política para o inconsciente, para a estética. Em segundo lugar, a palavra “ironia”, que sempre me pareceu um antídoto ao dogmatismo e também uma linha de fuga existencial e política. Ao contrário do que afirma Shakespeare, a certa altura da minha vida ocorreu-me pensar que a maturidade é uma manifestação do infantilismo conformista. Passar da adolescência à velhice extrema pareceu-me, em certa medida, um método mais interessante do que o amadurecimento, ou seja, conformar-se à regra dominante, ao realismo que nos impede de imaginar.

As ideias de Félix Guattari influenciaram sua concepção de sujeito, ou melhor, de produção de subjetividade, o que não é a mesma coisa. No entanto, Guattari não conheceu a formidável desdobramento das tecnologias digitais hoje em dia.

Ele não conheceu, mas imaginou, segundo o método: “cartographier des contrades à venir” [mapeando os contrastes por vir]. O conceito de rizoma, central tanto no pensamento de Guattari quanto no de Deleuze, é uma descrição antecipada da rede telemática. Creio que deveríamos ler Guattari como um criador de conceitos que servem para antecipar o mundo futuro. Os conceitos que ele desenvolveu foram mais cartografias do processo do que projetos de libertação.

ÁFRICA

Seyran Caferli, Azerbeijão | Cartoon Movement

África | A Aliança dos Estados do Sahel

Zoe Alexandra e Vijay Prashad cobrem os acontecimentos anti-franceses no Sahel.

Zoe Alexandra e Vijay Prashad | Peoples Dispatch | em Consortium News | # Traduzido em português do Brasil

Em Bamako, no Mali, no dia 16 de Setembro, os governos do Burkina Faso, do Mali e do Níger criaram a Aliança dos Estados do Sahel (AES). No X, plataforma de mídia social anteriormente conhecida como Twitter, o Coronel Assimi Goïta, chefe do governo de transição do Mali, escreveu que a Carta Liptako-Gourma, que criou a AES, estabeleceria “uma arquitetura de defesa coletiva e assistência mútua para o benefício de nossas populações.”

A fome por tal cooperação regional remonta ao período em que a França terminou o seu domínio colonial. Entre 1958 e 1963, o Gana e a Guiné fizeram parte da União dos Estados Africanos, que deveria ter sido a semente de uma unidade pan-africana mais ampla. O Mali também foi membro entre 1961 e 1963.

Mas, mais recentemente, estes três países – e outros na região do Sahel, como o Níger – têm lutado com problemas comuns, tais como a investida descendente das forças islâmicas radicais desencadeada pela guerra da OTAN contra a Líbia em 2011.

[Relacionado:  Chris Hedges: R2P causou o pesadelo da Líbia ]

A raiva contra os franceses tem sido tão intensa que provocou pelo menos sete golpes de Estado em África (dois no Burkina Faso, dois no Mali, um na Guiné, um no Níger e um no Gabão) e desencadeou manifestações em massa desde a Argélia até ao Congo. e mais recentemente no Benim .

[Relacionado:  Pepe Escobar: Não há trégua para a França à medida que a 'Nova África' surge ]

A profundidade da frustração com a França é tal que as suas tropas foram expulsas do Sahel, o Mali despromoveu o francês do seu estatuto de língua oficial e o embaixador da França no Níger (Sylvain Itté) foi efectivamente mantido “refém” – como disse o presidente francês Emmanuel Macron – por pessoas profundamente perturbadas com o comportamento francês na região.

África | Migrações resultantes do imperialismo - Presidente da RCA

O Presidente da República Centro-Africana (RCA), Faustin Touadéra, defendeu hoje, num discurso na ONU, que o afluxo de migrantes africanos para a Europa é o resultado da “pilhagem” e do “imperialismo colonial” em África.

O Presidente da República Centro-Africana (RCA), Faustin Archange Touadéra, entende que "esta crise migratória crescente é uma das consequências da pilhagem dos recursos naturais dos países empobrecidos pela escravatura, pela colonização e pelo imperialismo ocidental, do terrorismo e dos conflitos navios internos, muitas vezes abertos num contexto de objetivos hegemônicos e de esforços geopolíticos e geoestratégicos entre as grandes potências mundiais".

O discurso de Touadéra desta quinta-feira (21.09) na ONU surge depois de serem conhecidos os últimos números sobre as migrações de africanos para a Europa, que se dirigem especialmente para a ilha italiana de Lampedusa, a menos de 150 quilómetros da costa da Tunísia .

“O mundo inteiro acompanhou com profunda consternação a chegada em massa, nos últimos dias, de milhares de migrantes africanos à ilha de Lampedusa, em Itália”, notou o chefe de Estado.

Envolver africanos na busca de soluções

Entre segunda e quarta-feira da semana passada, cerca de 8.500 pessoas - mais do que toda a população de Lampedusa - chegaram a bordo de 199 embarcações, de acordo com a agência das Nações Unidas para as migrações. 

No discurso citado pela agência France-Presse (AFP), o Presidente Touadéra elogiou “a solidariedade e os esforços feitos pelos países de acolhimento” e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados para acolher estes migrantes.

Denunciando "os traficantes sem lei e os vendedores de ilusões", o Presidente da RCA apelou à ONU para que envolva os países africanos "na procura de soluções globais para as crises migratórias e os desafios existenciais que os jovens do continente enfrentam".

Deutsche Welle | AFP | Lusa

Angola | O Voo Rasante do Racismo – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O colonialismo impôs aos angolanos o analfabetismo durante séculos. A abolição da escravatura nesse aspecto pouco mudou. Em 1961, no início da luta armada de libertação nacional, o Estatuto do Indigenato foi abolido e milhares de angolanos negros tiveram acesso ao ensino. Mas o analfabetismo continuou. Em 1963, os Estudos Gerais Universitários abriram em Luanda, Huambo e Lubango. Até 11 de Novembro de 1975, pouco mais de uma década depois, algumas dezenas de angolanos negros tinham cursos superiores. Mas o analfabetismo continuou em doses maciças. 

Os ocupantes mesmo que fossem analfabetos estavam no top da escala social. Mal atravessavam a linha do Equador ganhavam logo o estatuto de patrão mesmo que fossem apenas capatazes. Os negros, mesmo que fossem licenciados eram discriminados socialmente. Vítimas de racismo. 

Durante o ano de 1975 Lisboa e Washington organizaram pontes aéreas que esvaziaram Angola de funcionários, públicos, operários especializados, técnicos, quadros superiores. Escolas sem professores, hospitais sem médicos e outros técnicos de saúde, serviços essenciais paralisados. Nas pontes aéreas partiram de Luanda e do Huambo milhares de portugueses e angolanos que punham a máquina económica e os serviços a funcionar. O analfabetismo regressou em força. Pior do que nunca.

Neste quadro trágico, os angolanos mestiços e brancos que ficaram depois da Independência Nacional, ajudaram a salvar Angola da paralisação total. Os guerrilheiros que fizeram a luta armada, reforçados com jovens que prestaram serviço militar obrigatório, sobretudo os que fizeram cursos de oficiais e sargentos, mais os “Comandos” conseguiram vencer a Guerra pela Soberania Nacional e Integridade Territorial. Entre esses Heróis Nacionais estavam mestiços e brancos, por razões óbvias. Eram os que tinham habilitações para frequentar os cursos de oficiais e sargentos milicianos no tempo colonial. Os negros estavam em minoria. 

A DTA (hoje TAAG) tinha angolanas e angolanos ao seu serviço. Foram os primeiros comandantes de aeronaves da Angola Independente. Formaram as primeiras tripulações. Como consequência das políticas coloniais, mestiços e brancos estavam em maioria. O esforço de guerra agravou o problema do analfabetismo. E a qualidade de ensino caiu. De tal maneira que hoje temos muitos papéis de licenciaturas, mestrados e doutoramentos, Mas poucos licenciados, mestres e doutores. 

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