sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Angola |Sócio do Miala Investe nas Ossadas e no Galo – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

José Luís Mendonça escreveu um texto no jornal Público (onde havia de ser?) e diz que em Angola há “ameaças aos intelectuais livres”. Eu sou um simples repórter (muito livre!) e às vezes escrevo uns textos agressivos. De madrugada recebo telefonemas ameaçadores. Uns energúmenos chamam-me branco de merda e dizem que vão cortar-me as mãos. Eu ameaço que lhes corto o inja e os matuba. Eles insultam-me e eu insulto-os. Eles ameaçam e eu ameaço. Não levo isso a sério. 

Nem acredito que alguém com responsabilidades ameace ou mande ameaçar intelectuais. Angola tem tão poucos que o melhor é tratá-los bem. José Luís Mendonça tanto quanto sei é muito bem tratado. Foi funcionário do Estado Angolano na embaixada junto da UNESCO em Paris. Foi convidado e aceitou o lugar de director do Jornal Angolano de Artes e Letras "Cultura” da Empresa Edições Novembro (pública). Já era um dos poucos intelectuais angolanos. E um grande poeta (para mim o melhor depois da Independência Nacional). Falámos muitas vezes, quase diariamente, e nunca me disse que andavam a ameaçá-lo. Se o tivesse feito eu fazia uma maka das antigas!

José Luís Mendonça escreve que “a reconciliação com a história merece um tratamento extra partidário e extra governo dos acontecimentos espoletados pela manifestação do dia 27 de Maio de 1977”. Quando era director do “Cultura” não escreveu nada sobre a “manifestação” do 27 de Maio de 1977. Pelo contrário. Um dia estávamos a conversar e disse-me isto: “Os fraccionistas no meu quartel já se comportavam como se estivessem no poder. Eram insuportáveis”. A “manifestação” chegou ao quartel das FAPLA onde o autor prestava serviço militar, tinha 22 anos.

A “manifestação” do José Luís Mendonça meteu um tanque de guerra rebentando o portão principal da cadeia de São Paulo. Os manifestantes tomaram de assalto o quartel da IX Brigada, a maior unidade militar de África. Fizeram desse quartel o centro de detenção de altas figuras das forças armadas. Ocuparam à força, matando guardas, a Rádio Nacional de Angola. Aos microfones anunciaram, promoveram e propagandearam os êxitos militares do golpe. Decapitaram (assassinaram comandantes!) o Estado-Maior General das FAPLA, num momento em que Angola enfrentava uma guerra sangrenta contra os invasores racistas sul-africanos. 

Os manifestantes montaram postos de controlo e barreiras nas principais ruas de Luanda. Todos para o palácio! Quem se recusava morria logo ali. Mas esses não eram angolanos e muito menos intelectuais livres. Os manifestantes torturaram e mataram no quintal do Kiferro o comandante Eurico e o ministro das Finanças Saidy Mingas. Despejaram os cadáveres dos comandantes das FAPLA assassinados na lixeira de Luanda. Manifestantes pacíficos!

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