segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Portugal: OS NOSSOS BANQUEIROS SÃO DE CONFIANÇA?




Nicolau Santos – Expresso, opinião em Blogues

O título é provocatório, mas tem a ver com o facto de ter sido dito e redito que a banca portuguesa não só está sólida como nada tem a ver com o que se passa noutros países, onde os escândalos se sucedem com regularidade.

Quanto à solidez, estamos conversados. Três bancos portugueses recorreram já a ajudas estatais (BCP - 2000 milhões, BPI - 1500 milhões, Banif - 1100 milhões), sem as quais não conseguiriam cumprir os rácios exigidos pela EBA, Associação Bancária Europeia.

Quanto aos escândalos, façamos um esforço de memória. Em 2003, Tavares Moreira, presidente não executivo do CBI, é suspenso pelo Banco de Portugal de exercer funções em conselhos de administração de empresas financeiras sob a acusação de declarações falsas, manipulação e falsificação de contas (em 2006, o Ministério Público arquivou o processo).

João Rendeiro, ex-presidente do BPP, que em dezembro de 2008 pediu uma ajuda estatal de 750 milhões para salvar o banco, é acusado pela CMVM de criação de títulos fictícios, violação de deveres relativos à qualidade de informação prestada aos clientes, entre outras irregularidades graves e muito graves.

José Oliveira e Costa, ex-presidente do BPN, foi detido no final de 2008. Há dois anos que está a ser julgado por sete crimes, devido a ter criado uma contabilidade paralela num banco virtual. A fatura para os contribuintes ronda neste momento os 6000 milhões de euros.

Jorge Jardim Gonçalves, presidente do BCP, acaba de ser condenado a pagar uma coima de um milhão de euros pelo crime de manipulação de mercado, mediante a criação de offshores e falsificação de documentos. Com ele, foram condenados Filipe Pinhal, Christopher de Beck, António Rodrigues, Paulo Teixeira Pinto e Al+ipio Dias. Todos vão recorrer das sentenças.

O atual presidente do Banif, Jorge Tomé, é arguido num processo relativo à altura em que exerceu funções como administrador da Caixa Geral de Depósitos.

Mais recentemente o presidente do BESI, José Maria Ricciardi, e o administrador do BES, Amílcar Pires, foram constituídos arguidos na sequência de uma queixa da CMVM envolvendo a transação de ações da EDP e um alegado crime de abuso de informação privilegiada.

Finalmente, o presidente do BES, Ricardo Salgado, apressou-se a pagar os impostos devidos por dinheiro que tinha colocado no exterior sem ter sido declarado ao fisco.

Várias destas situações podem redundar em nada e alguns destes responsáveis estarem inocentes. Mas convenhamos que é preocupante o número de banqueiros portugueses que neste momento estão a contas com a justiça.

E a não ser que se considere que o Banco de Portugal e a CMVM estão contra a estabilidade do mercado, talvez seja melhor os banqueiros meterem a mão na consciência e reforçarem os seus códigos de comportamentos.

O bem mais precioso que um banco tem é a confiança dos seus clientes. Quando ela se perde, o banco está perdido. Mas a confiança nos bancos é a confiança naqueles que os dirigem. É bom que os banqueiros nacionais meditem nisso. 


Portugal: O GRANDE SALTO EM FRENTE




Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião

Com mais de ano e meio de atraso Passos Coelho apresentou o seu manifesto eleitoral. Está finalmente perante nós, mascarado de relatório do FMI, o que Vítor Gaspar, Passos Coelho e Relvas querem para o País - saberemos dentro em breve se devemos acrescentar Paulo Portas a esta lista. Eis a agenda escondida, o ir para além da troika, aquilo que a Santíssima Trindade sempre quis mas não apresentou aos portugueses receando não ganhar as eleições.

Esqueçamos a falta de vergonha e o desrespeito pelos cidadãos de se mandar para um jornal um documento que a ser implementado mudaria o País para sempre e depois mandar um mero secretário de Estado explicá-lo.

Também não vale a pena debater a ideia que se quis vender dizendo que são simples propostas de âmbito técnico e de se dizer que é um texto que busca consensos: é um documento puramente político e não pretende ser minimamente consensual. A prova disso é que nem os partidos da oposição, nem sindicatos, nem nenhum parceiro social foram tidos ou achados.

A verdade é que Passos Coelho contratou o FMI para lhe escrever o seu programa ideológico.

Como qualquer programa político é marcado ideologicamente, a opção ideológica naturalmente reflecte-se na maneira de fazer os diagnósticos, na forma de levantar as questões e essencialmente nas soluções propostas. Este relatório do FMI não deixa de ter inexactidões graves, erros flagrantes e enormes falsidades, mas sempre com o mesmo objectivo: defender opções políticas (até nisso se aproxima de um manifesto eleitoral). Mais, quando se pede um estudo deste tipo ao FMI sabe-se o que se vai obter. Digamos que a receita é conhecida e, para quem não saiba, não resultou em nenhum lado, da América Latina à Ásia. Pedir ao FMI um estudo sobre a reforma do Estado é perguntar a um muçulmano se prefere cordeiro ou porco. Já sabemos a resposta.

O documento põe em causa, por completo, o caminho seguido em Portugal após a revolução; pretende acabar com o Estado social, que tem sido consensual em Portugal, concorde-se ou não com a forma como está desenhado ou tem funcionado. Não se chega a meio de uma legislatura e se diz que se tem de despedir 50 000 professores, outros tantos militares, polícias e outros milhares largos de funcionários públicos. Também não é o momento para anunciar que se vai roubar 20% do dinheiro que as pessoas emprestaram ao Estado para que lhes fosse devolvido quando fossem velhas. São propostas legítimas, mas o mandato eleitoral não é um cheque em branco. O que está em causa não é propriamente privatizar 49% ou 51% da RTP ou aumentar mais ou menos os impostos: é uma mudança radical na forma de estruturar a comunidade, não pode ser feita sem um mandato claro do povo. Não se podem fazer estas mudanças absolutamente radicais sem eleições e em muitos casos mudando a própria Constituição. Ainda é preciso ouvir o povo para dar o grande salto em frente.

Há aqui ainda, entre muitos outros, um par de problemas. O parceiro de coligação, o CDS? Em que estado fica depois deste episódio, sabendo-se que não concorda com o verdadeiro plano do Governo, apesar de lhe pertencer? Portas e Cavaco estão cada vez mais parecidos nas ideias e nos actos: não se pode esperar nada deles. Não querem, até ver, contar.

O segundo e mais importante tem que ver com o PSD. Revê-se o partido neste programa? É que tudo o que tem sido a actuação deste Governo, sobretudo este programa Governo/FMI, é contra toda a sua história, toda a sua tradição governativa, toda a sua raiz ideológica. Pois, é muito provável que antes mesmo de haver eleições para sufragar o dito plano fossem necessárias eleições no PSD. Os sinais são claros. De Carreiras a Capucho, passando por Mota Amaral e pelo descontentamento visível das bases do partido. Não deixa de ser muito interessante, aliás, comparar este documento do FMI com o Relatório da Plataforma para o Crescimento Sustentável presidida pelo primeiro vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva. Não é preciso ler muitas páginas de ambos os documentos para percebermos o quão absolutamente distintas são as visões expostas. É muito difícil perceber como é que o Passos Coelho versão 2012/13 e Moreira da Silva são do mesmo partido.

Este Governo não é bem um Governo, é um terrível acidente. Talvez o pequeníssimo empurrão que falta para que caia não seja dado pelo Presidente da República ou pelo CDS mas pelo Partido Social--Democrata. Veremos se ainda sobra alguma força e carácter ao partido que teve um papel decisivo na construção da nossa democracia.

Portugal: TRIBUNAL PEDE ESCLARECIMENTOS A MINISTRO DA ECONOMIA




Diário de Notícias - Lusa, texto publicado por Sofia Fonseca

NOVAS CONTRAPARTIDAS DOS SUBMARINOS

O Tribunal que julga o caso "submarinos/contrapartidas" solicitou ao ministro da Economia para que, no "mais curto prazo possível", preste "esclarecimentos" sobre o novo contrato de contrapartidas celebrado pelo Estado português e um consórcio alemão.

O tribunal deferiu, assim, um pedido do procurador Vítor Pinto, que, além de opor-se à extinção do procedimento criminal por efeito do novo contrato de contrapartidas, pediu esclarecimentos ao ministro Álvaro Santos Pereira sobre o novo acordo firmado com a German Submarine Consortium (GSC), que incluiu o projeto "Hotel Alfamar" no Algarve.

Ao opor-se ao pedido da defesa de seis arguidos para que o tribunal arquive o caso em virtude do acordo de substituição de contrapartidas, assinado a 01 de Outubro de 2012 entre o Ministério da Economia e a GSC, Vítor Pinto considera "descabido" que a defesa invoque a "reparação integral dos prejuízos causados" ao Estado português.

Noutro ponto do documento, a que a Lusa teve acesso, o procurador sustenta que a extinção do procedimento criminal contra os arguidos, na parte relativa ao crime de burla, "sempre pressuporia a concordância do ofendido Estado", o que não se verificou.

Vítor Pinto diz também não subscrever a tese da defesa sobre a "existência de um concurso aparente entre o crime de burla e o crime de falsificação (crime de meio)", pelo que se opõe ao arquivamento do processo, que está a ser julgado.

Não obstante, e para "dissipar eventuais dúvidas que possam subsistir sobre a matéria", o procurador pede ao tribunal para que solicite ao Gabinete do Ministro da Economia que preste alguns esclarecimentos sobre o novo contrato.

O Ministério Público pretende saber se os projetos de contrapartidas não considerados cumpridos pelo Estado e que se alude numa das alíneas do novo acordo inclui, ou não, algum projeto de contrapartidas em que seja beneficiário o setor automóvel (através da ACECIA).

Vitor Pinto quer ainda saber junto do ministro da Economia se entre os projetos de contrapartidas de que era beneficiário o setor automóvel (através da ACECIA) algum foi considerado substituído pela prestação de contrapartida do projeto "Hotel Alfamar", no Algarve.
A ACECIA é o agrupamento complementar de empresas do ramo automóvel que representava as firmas portuguesas do setor beneficiárias do primeiro contrato de contrapartidas resultante da compra por Portugal de dois submarinos alemães.

O processo das contrapartidas pela compra por Portugal de dois submarinos ao consórcio alemão GCS (que inclui a Man Ferrostaal) envolve 10 arguidos (três alemães e sete portugueses), que estão acusados de burla qualificada e falsificação de documentos, num processo que terá lesado o Estado português em mais de 30 milhões de euros.

O Estado português contratualizou com o consórcio a compra de dois submarinos em 2004, por mil milhões de euros, quando Durão Barroso era primeiro-ministro e Paulo Portas era ministro da Defesa Nacional.

Estudo conclui que o aumento do horário de trabalho não tem efeitos na produtividade




RAQUEL MARTINS com Lusa – Público – foto Raquel Esperança

O Governo tem vindo a defender um aumento dos horários na Administração Pública com o objectivo de aumentar a produtividade e reduzir o trabalho extraordinário, mas um estudo distribuído nesta segunda-feira pelo executivo às três estruturas sindicais da Função Pública diz que trabalhar mais horas não é sinónimo de mais qualidade e eficiência.

O documento, que faz uma análise da média de horas trabalhadas na União Europeia (EU), conclui que “não existe uma relação consistente entre o número de horas trabalhadas e a produtividade”.

Olhando para o emprego total, a média de horas trabalhadas em Portugal é de 39,1, às quais corresponde uma produtividade de 65,4%, pouco mais de metade da produtividade da Alemanha, cuja média é de 35,6 horas por semana.

“O número de horas trabalhadas é apenas uma variável em todo o processo produtivo”, refere o estudo elaborado pela Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) e “apenas a articulação saudável entre as variáveis de produção (qualificações, horas trabalhadas, motivação, identificação pessoal com os objectivos organizacionais, adequação das Tecnologias de Informação e Comunicação aos conteúdos e postos de trabalho, etc….) e os modelos de organização do trabalho existentes poderá determinar melhorias na produtividade”.

No caso da função pública, o estudo conclui que Portugal é, a par da França, o país onde o horário semanal é mais curto e não vai além das 35 horas, mas quando se fala de férias e feriados, Portugal já não está nos lugares cimeiros dos que gozam mais dias de descanso. Na Bulgária, por exemplo, os trabalhadores podem ter até 50 dias de férias e na Bulgária, Eslováquia e Letónia gozam de 15 feriados. Em Portugal as férias podem chegar aos 31 dias e em média os funcionários públicos gozam sete feriados.

A DGAEP faz referência a estudos feitos nos últimos 20 anos e que revelam que “à medida que se avança no número de horas trabalhadas durante o dia, a produtividade vai-se tornando gradualmente mais baixa".

A sexta avaliação do memorando feita pelo Fundo Monetário Internacional propõe que o Governo aumento o horário de trabalho no Estado. Tal como o PÚBLICO já noticiou, em cima da mesa poderá estar a convergência com as 40 horas praticadas no privado ou com as 37,5 horas praticadas na UE.

Portugal: MÁRIO SOARES TEVE ALTA AO FIM DE NOVE DIAS




Público - Lusa

Ex-Presidente da República terá sofrido uma infecção cerebral na sequência de uma forte gripe.

O ex-Presidente da República Mário Soares teve alta nesta segunda-feira ao fim da tarde, depois de ter estado internado no Hospital da Luz durante nove dias.

“Dada a evolução clínica favorável e como o dr. Mário Soares passou bem o fim-de-semana, foi-lhe dada hoje alta médica ao final da tarde”, referiu fonte da direcção clínica do hospital citada pela Lusa.

Mário Soares fora internado no sábado, dia 12, alegadamente a pedido da família devido a complicações respiratórias decorrentes de uma recaída de uma gripe, segundo disse ao PÚBLICO, na altura, a sua assessora.

Devido à idade – o ex-chefe do Estado já tem 88 anos –, Soares permaneceu em observação vários dias, tendo feito sucessivos exames médicos. Todos os dias recebia a visita da família, que se recusou a fazer comentários sobre a evolução do estado de saúde do co-fundador do PS. Aliás, o semanárioExpresso noticiou mesmo que a família impusera reservas na divulgação de informações, pedindo que apenas fosse referido que o patriarca sentira uma “indisposição”.

Devido ao adiamento da alta, foram sendo adiantadas várias razões para o prolongamento do seu internamento. No sábado passado, o Expresso noticiava que o antigo Presidente fora afectado por uma infecção aguda no cérebro (encefalite) que terá sido provocado pela forte gripe de que sofrera recentemente. Soares só saiu dos cuidados intensivos na quinta-feira, dia 17. A notícia não foi desmentida.

O seu estado de saúde chegou a ser considerado “preocupante”, porque quando deu entrada no Hospital da Luz, adianta o semanário, Soares mostrava-se confuso. A equipa médica receou que se tratasse de uma manifestação leve de um acidente vascular cerebral (AVC) ou um acidente isquémico transitório (AIT).

Portugal: HÁ 4,5 MILHÕES DE POBRES




Henrique Monteiro – Expresso, opinião em Blogues

Eugénio Rosa é um economista ligado à CGTP que há anos presta um serviço público. Analisa números e envia as suas análises para uma vasta lista de pessoas. As suas conclusões pessoais estão implícitas, e são discutíveis à luz das preferências políticas, mas os seus números têm-se revelado exatos e são fornecidos com contas devidamente feitas.

O último relatório deste economista prova que em Portugal 4 488 926 (quase quatro milhões e meio) de portugueses que estariam na situação de pobreza se não fossem as transferências sociais, incluindo as pensões. Os números são do INE e mostram uma realidade alarmante: quase metade do país a afundar-se. Recorde-se que o limiar de pobreza em Portugal é de 5040 euros anuais, ou seja 420 euros a 12 meses (ou, como Eugénio Rosa prefere apresentar, 360 a 14 meses).

Ainda de acordo com o INE, esta situação, que se reporta a 2011, mantém-se mais ou menos estável desde 2007. Nesse ano a percentagem de portugueses que seriam pobres sem qualquer transferência social era de 41,5%, em 2009 era de 43,4 e em 2011 de 42,5. Após as transferências, ainda assim, o número de portugueses pobres (menos de 5040 euros anuais) oscila entre os 18 e os 19 por cento (ou seja, de 1,7 a 1,8 milhões, números redondos).

Tal como Eugénio Rosa parecem-me imprescindíveis estes apoios e impossível cortá-los mais, como parece pretender o FMI ou o Governo.

Mas, e aqui afasto-me do economista, agradecendo-lhe o seu trabalho, para mim, o que estes números mostram à saciedade é que a pobreza não se combate com subsidiação, mas com criação de riqueza. Mais ou menos subsídios (a situação de 2007 para 2011 alterou-se substancialmente) não correspondem a variações sensíveis nos níveis de pobreza. O esforço tem de ser colocado do lado da criação de riqueza. E este é um ponto que muita gente de esquerda parece não entender. Porque a criação de riqueza não deve ser feita através do investimento público, como continuam a defender, apesar dos últimos 20 anos provaram o contrário, mas de investimento privado em bens transacionáveis, ou seja, vendáveis - e não autoestradas, pontes e linhas de TGV. Mas esta é outra discussão, que ficará para outro dia. 

RAMONET DESENHA CENÁRIOS POLÍTICOS DE 2013




China e EUA disputarão Ásia. Europa seguirá em crise. Obama pode encerrar bloqueio de Cuba. Israel tentará bombardear Irã

Ignacio Ramonet – Outras Palavras - Tradução: Antonio Martins

Depois de termos sobrevivido ao anunciado fim do mundo, resta-nos agora tratar de prever nosso futuro imediato. Com raciocínios prudentes, porém mais cartesianos; baseando-nos nos princípios da geopolítica, uma disciplina que permite compreender o jogo geral das potências e avaliar os principais riscos e perigos. Para antecipar, como nos tabuleiros de xadrez, os movimentos de cada adversário potencial.

Se contemplarmos, nestes início de ano, um mapa do planeta, imediatamente observaremos vários pontos com luzes vermelhas acesas. Quatro deles apresentam altos níveis de perigo: Europa, América Latina, Oriente Médio e Ásia.

Na União Europeia (UE), 2013 será o pior ano desde que começou a crise. A “austeridade” como crença única e os ataques ao Estado de bem-estar social continuarão, porque assim exige a Alemanha que, pela primeira vez na História, domina a Europa e a dirige com mão de ferro. Berlim não aceitará nenhuma mudança até as eleições do próximo 22 de setembro, em que a chanceler Angela Merkel poderia obter um terceiro mandato.

Na Espanha, as tensões políticas aumentarão na medida em que a Generalitat de Catalunya comece a tornar precisos os termos da consulta aos cidadãos sobre o futuro desta comunidade autônoma. Processo que os nacionalistas bascos seguirão com o maior interesse. A situação da economia, já péssima, dependerá do que ocorrer… na Itália, nas próximas eleições (em 24 de fevereiro). E das reações dos mercados, diante ou de uma eventual vitória dos amigos do conservador Mario Monti (que conta com o apoio de Berlim e do Vaticano), ou do candidato de centro-esquerda, Pier Luigi Bersani, melhor colocado nas pesquisas.

Também dependerá das condições (sem dúvida brutais) que Bruxelas exigirá, para o resgate que o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, acabará pedindo. Sem falar dos protestos, que continuam espalhando-se como rastro de gasolina – e acabarão por se encontrar com algum fósforo aceso… Podem ocorrer explosões em qualquer uma das sociedades do sul europeu (Grécia, Portugal, Itália, Espanha), exasperadas pelos cortes sociais permanentes. A UE não sairá do túnel em 2013, e tudo pode piorar se, além disso, os mercados decidirem voltar-se (como os neoliberais os incitam a fazer) (1) contra a França, do moderadíssimo socialista François Hollande.

Na América Latina, 2013 também estará cheio de desafios. Em primeiro lugar, na Venezuela, que desde 1999 desempenha um papel importante nas mudanças progressistas em toda a região. A recaída imprevista do presidente Hugo Chávez – reeleito em 7 de outubro último – cria incertezas. Embora o dirigente esteja se restabelecendo de sua nova operação contra o câncer, não se podem descartar novas eleições presidenciais em fevereiro. Designado por Chávez, o candidato da revolução bolivariana seria o atual vice-presidente Nicolás Maduro, um líder muito sólido, com qualidades humanas e políticas para se impor.

Também haverá eleições, dia 17 de fevereiro, no Equador. Quase ninguém duvida da reeleição do presidente Rafael Correa, outro dirigente latino-americano fundamental. Honduras (onde, em junho de 2009, um golpe derrubou Manuel Zelaya) viverá importante pleito. O atual presidente, Porfirio Lobo, não pode disputar um segundo mandato consecutivo. E o Tribunal Eleitoral Supremo autorizou a inscrição do partido Liberdade e Refundação (Libre), que, liderado por Zelaya, apresenta como candidata sua esposa, Xiomara Castro. Já no Chile, que terá eleições presidenciais em 17 de novembro, a impopularidade atual do presidente conservador Sebastián Piñera oferece possibilidades de vitória à socialista Michelle Bachelet.

A atenção internacional também se voltará para Cuba. Por duas razões. Continuam em Havana as conversações entre o governo colombiano e as FARC, para tentar acabar com o último conflito armada na América Latina. E esperam-se decisões de Washington. Nas eleições do último 6 de novembro, Barack Obama venceu na Flórida: obteve 75% do voto hispânico e – muito importante – 53% do voto cubano. São resultados que dão ao presidente, em seu último mandato, ampla margem de manobra para avançar rumo ao fim do bloqueio econômico e comercial da ilha.

Onde nada parece avançar é, mais uma vez, o Oriente Médio. Ali encontra-se o atual foco de perturbações no mundo. As revoltas da “primavera árabe” conseguiram derrotar vários ditadores locais: Bem Alí, da Tunísia; Mubarak, do Egito; Gadafi, na Líbia; Saleh, no Yêmen. Mas as eleições livres permitiram que partidos islâmicos com tendências reacionárias (os Irmãos Muçulmanos) conquistassem o poder. Agora querem, como se vê no Egito, conservá-lo a todo custo. Para consternação da população laica, que, por ter sido a primeira a se sublevar, nega-se a aceitar esta nova forma de autoritarismo. Um cenário idêntico está armado na Tunísia.

Depois de terem acompanhado com interesse as explosões de liberdade na primavera de 2011 nesta região, as sociedades europeias estão de novo desinteressando-se do que nela ocorre. Talvez por ser muito complicado. Um exemplo: a inextricável guerra civil na Síria. Ali, o que está claro é que as grandes potências ocidentais (Estados Unidos, Reino Unido e França), aliadas à Arábia Saudita, Qatar e Turquia, decidiram apoiar (com dinheiro, armas e instrutores) a insurgência islâmica sunita. Esta continua ganhando terreno, em distintas frentes. Quanto tempo resistirá o governo de Bashar El Assad? Sua sorte parece lançada. A Rússia e a China, seus aliados diplomáticos, não darão sinal verde na ONU para um ataque da OTAN, como na Líbia, em 2011. Mas tanto Moscou quanto Beijing consideram que a situação do regime de Damasco é militarmente irreversível, e começaram a negociar com Washington uma saída que preserve seus interesses.

Diante do “eixo xiita” (Hezbolá libanês, Síria e Irã), os Estados Unidos constituíram, na região, um amplo “eixo sunita” (desde a Turquia e Arábia Saudita até o Marrocos, passando pelo Cairo, Trípoli e Túnis). Objetivo: derrubar Bashar El Assad e despojar Teerã de seu grande aliado regional – antes da próxima primavera. Por que? Porque em 14 de junho haverá, no Irã, eleições presidenciais (2). Nelas, Mahmud Ahmadinejad, atual mandatário, não pode concorrer, já que a Constituição não permite exercer mais de dois mandatos. Ou seja, durante o próximo semestre, o Irã estará imerso em ácidas disputas eleitorais, entre os partidários de uma linha dura diante de Washington e os que defendem a via da negociação.

Diante desta situação iraniana de certo desgoverno, Israel estará em ordem de marcha para um eventual ataque contra as instalações nucleares de Teerã (3). No Estado judeu, as eleições gerais de 22 de janeiro produzirão provavelmente a vitória da coalizão ultraconservadora que reforçará o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, partidário de bombardear o Irã o quanto antes.

Este ataque não pode ser executado sem a participação militar dos Estados Unidos. Washington irá aceitá-lo? É pouco provável. Barack Obama, que toma passoe em 21 de janeiro, sente-se mais seguro depois da reeleição. Sabe que a imensa maioria da opinião pública estadunidense (4) não deseja mais guerras. O front do Afeganistão segue aberto. O da Síria, também. Outro pode abrir-se no norte do Mali. O novo secretário de Estado, John Kerry, terá a delicada missão de acalmar o aliado israelense.

Enquanto isso, Obama olha para a Ásia, zona prioritária desde que Washington decidiu a reorientação estratégica de sua política externa. Os Estados Unidos tratam de frear, ali, a expansão da China. Cercam-na de bases militares e apoiam-se em seus parceiros tradicionais: Japão, Coreia do Sul e Taiwan. É significativo que a primeira viagem de Barack Obama, depois de sua reeleição, tenha sido para a Birmânia, Camboja e Tailândia. São três membros da Associação de Nações do Sudeste Aiático (Asean), uma organização que reúne aliados de Washington na região e cuja maioria dos membros tem problemas de limites marítimos com Beijing.

A China designará Xi Jinping presidente, em março próximo. Seus mares converteram-se nas zonas de maior potencial de conflito armado da área Ásia-Pacífico. As tensões de Beijing com Tóquio, a respeito da soberania das ilhas Senkaku (Diaoyú, para os chineses), podem agravar-se depois da vitória eleitoral, em 15 de dezembro último, do Partido Liberal-Democrata (PLD), cujo líder e novo primeiro-ministro, Shinzo Abe, é um “falcão” nacionalista, conhecido por suas críticas à China. Também a disputa com o Vietnã, sobre a propriedade das ilhas Spratley, está subindo perigosamente de tom. Sobretudo, depois que as autoridades vietnamitas colocaram oficialmente o arquipélago sob sua soberania, em junho passado.

A China está modernizando a todo vapor sua marinha de guerra. Em 25 de setembro último, lançou seu primeiro porta-aviões, o Liaoning, com intenção de intimidar seus vizinhos. Beijing suporta cada vez menos a presença militar dos Estados Unidos na Ásia. Entre os dois gigantes, está se instalando uma perigosa “desconfiança estratégica” (5) que, sem dúvidas, marcará a política internacional do século XXI.

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(1) Ler o dossiê “France and the euro. The time-bomb at the heart of  Europe”, The Economist, Londres, 17 de noviembre de 2012.
(2) No Irã, o presidente não é o chefe de Estado. Este papel é exercido pelo Guia Supremo, com mandato perpétuo, função exercida atualmente por Ali Khamenei.
(3) Ler, em Outras Palavras, “Ignacio Ramonet vê o xadrez das ameaças ao Irã”.
(4) The New York Times, Nova York, 12 de noviembre de 2012.
(5) Ler, de Wang Jisi y Kenneth G. Lieberthal, “Adressing U.S.-China Strategic Distrust”, Broo­kings Institution, 30 de marzo de 2012.

COMEÇA JULGAMENTO RÁPIDO DE ACUSADOS DE ESTUPRO NA ÍNDIA




Deutsche Welle

Promotoria diz que exames de DNA comprovam envolvimento de todos os acusados no crime. Defesa acusa polícia de fabricar indícios e reagir a "fúria popular".

Começou nesta segunda-feira (21/01) o julgamento dos cinco acusados de estuprar e matar uma estudante na Índia, em dezembro do ano passado. O processo está sendo realizado em um tribunal rápido, específico para crimes contra a mulher, em Nova Déli. Um menor de 17 anos, que também teria participado do crime, será julgado separadamente.

De acordo com a promotoria, exames de DNA feitos a partir de amostras de sangue colhidas nas roupas de todos os acusados são suficientes para uma condenação. Rajiv Mohan, promotor Sênior, disse que vai pedir pena de morte para os réus.

A vítima, uma estudante de fisioterapia de 23 anos, voltava do cinema com o namorado quando foi estuprada dentro de um ônibus. Ela morreu em um hospital de Cingapura, 13 dias após o crime.

O caso chocou o país e provocou protestos. A presidente do majoritário Partido do Congresso da Índia, Sonia Gandhi, disse em discurso neste domingo (20/01) que "não se pode tolerar mentalidades sociais tão vergonhosas que levam a atrocidades indescritíveis contra mulheres e crianças. Toda mulher no país tem o direito fundamental de se sentir segura".

Dois dos quatro advogados de defesa alegam que os réus adultos foram torturados na prisão para confessarem. Eles argumentam também que a polícia só começou a investigação depois de manifestações populares e que as provas de DNA foram "fabricadas".

A mãe da jovem morta disse a um jornal indiano que só ficará satisfeita quando os acusados forem punidos. "Pelo que fizeram a ela, eles merecem morrer."

MC/dpa/afp/rtr - Revisão: Francis França

Vitória apertada em eleição regional dá novo ânimo à oposição na Alemanha





Após ganharem votação na Baixa Saxônia, social-democratas e verdes recuperam esperança na campanha pela chancelaria federal. Com resultado, oposição conquista maioria na câmara alta do Parlamento alemão.

Ninguém na Alemanha se recorda de um resultado eleitoral tão apertado como este. Até tarde da noite deste domingo (20/01), ainda não estava claro se a coalizão entre União Democrata Cristã (CDU) e Partido Liberal (FDP) permaneceria no governo da Baixa Saxônia ou seria substituída por uma coligação entre o Partido Social Democrata (SPD) e Partido Verde. A corrida cabeça por cabeça no estado do norte do país foi um prelúdio excitante para o ano de eleição parlamentar, em que a chanceler federal Angela Merkel (CDU) busca seu terceiro mandato.

Pelo resultado final, a CDU obteve 36% dos votos e 54 assentos na assembleia; o SPD, 32,6% dos votos e 49 assentos; o Partido Verde, 13,7% dos votos e 20 assentos; e o FDP, 9,9% dos votos e 14 assentos. Embora tenha conquistado a maioria dos votos, a CDU perdeu pela coalisão. Considerando o número de cadeiras parlamentares, a coligação SPD e Partido Verde obteve 69, enquanto a coligação CDU e FDP ficou com 68.

Para o rival social-democrata de Merkel, Peer Steinbrück, a eleição na Baixa Saxônia proporcionou uma lufada de ânimo em sua meta de substituir a chanceler. Os social-democratas ganharam votos, ainda que modestamente. "Isso significa que uma mudança de governo e de poder é possível este ano, também com vistas às perspectivas para setembro", disse Steinbrück. Ele admitiu que sua série de gafes não ajudou seu partido durante a campanha eleitoral na Baixa Saxônia. Ultimamente, houve especulações sobre uma troca de candidatos a chanceler federal. Agora, os social-democratas serão poupados desse debate desgastante.

Oposição com maioria no Bundesrat

A oposição conseguiu, com a tomada do governo da Baixa Saxônia, conquistar também a maioria no Bundesrat, a câmara alta do Parlamento alemão. Nesta maioria, estão incluídos os Estados governados pela coligação entre social-democratas e Verdes e Brandemburgo, onde o SPD governa coligado com o partido A Esquerda.

As esperanças do candidato Steinbrück para as eleições em setembro recaem sobretudo sobre seus possíveis aliados, os verdes, que continuam em boa fase e conseguiram, com cerca de 14% dos votos, seu melhor resultado até hoje na Baixa Saxônia.

A chanceler federal, Angela Merkel, já contava com uma derrota do seu candidato, David McAllister, na Baixa Saxônia. Semanas antes da eleição, muitas pesquisas previram uma vitória segura de SPD e Partido Verde, baseadas sobretudo na fraqueza dos liberais do FDP, que, conforme as sondagens, não conseguiria alcançar os 5% necessários para continuar no legislativo local.

Os partidários dos democrata-cristãos tentaram salvar a coalizão de governo com uma estratégia arriscada. Milhares de eleitores da CDU votaram diretamente nos respectivos candidatos do partido em seu primeiro voto, mas deram o chamado segundo voto, dedicado à legenda, aos liberais. Em pesquisas de opinião, 80% dos eleitores do FDP reconheceram que, na verdade, o seu partido preferido é a CDU.

Enquanto o secretário-geral da CDU, Hermann Grohe, justificou esse comportamento como uma legítima divisão de votos, o líder do SPD, Sigmar Gabriel, zombou, afirmando que o FDP só se sustenta "através de transfusão de sangue".

Votos "emprestados"

O FDP conseguiu surpreender com votos "emprestados", obtendo quase 10%. O resultado não foi suficiente para salvar o governo local, mas savou a cabeça do líder nacional do FDP, Philipp Rösler, atual ministro da Economia, para quem um resultado ruim em seu estado natal poderia custar o cargo. Rösler afirmou que aquele era um "grande dia para os liberais". Mesmo assim, não Rösler e sim o veterano ex-ministro da Economia Rainer Brüderle será o candidato dos liberais para a eleição parlamentar. Muitos acreditam que ele seja o nome mais indicado para liderar o partido na campanha eleitoral.

A CDU perdeu votos com os muitos "segundos votos" dados ao liberais, não conseguindo chegar à marca dos 40%. Aparentemente, o partido esperava ser capaz de compensar essa perda, pelo menos em parte, com a ajuda do sistema eleitoral alemão, que dá assentos adicionais para partidos que elegem muitos candidatos diretos, através dos primeiros votos, algo que não ocorreu. Por isso, é questionável que os eleitores da CDU arrisquem fazer tal divisão tática de votos também na eleição parlamentar nacional, quando os liberais podem novamente estar ameaçados de não conseguir os 5% necessários para continuarem representados no Parlamento.

Piratas têm futuro incerto

O partido A Esquerda, que na última eleição geral, em 2009, comemorou um resultado sensacional, com 12%, manteve na Baixa Saxônia sua atual tendência de queda na preferência do eleitorado. Depois de Renânia do Norte-Vestfália e Schleswig-Holstein, o partido novamente terá que deixar o legislativo de um estado no oeste alemão. A legenda, formada em 2005 por iniciativa de Oskar Lafontaine, unindo forças de esquerda de leste e oeste do país, corre o risco de perder sua posição duramente conquistada nos estados da antiga Alemanha Ocidental. A Esquerda só está representada agora no legislativo de quatro estados ocidentais alemães. No entanto, analistas esperam que o partido consiga permanecer no Parlamento alemão, baseado na força que ainda tem nos estados a leste da federação.

O Partido Pirata, queridinho da mídia e que causou sensação ainda no final do ano passado, teve seu pior resultado até agora em uma eleição estadual e não conseguiu alcançar a marca dos 5% necessários para fazer parte da assembleia estadual. O partido tem provocado manchetes negativas ultimamente, com suas discussões internas. No âmbito nacional, eles estão na marca dos 3%, segundo as últimas sondagens. Seu futuro parece incerto.

Autor: Bernd Gräßle (md) - Revisão: Francis França

FRANÇA-ALEMANHA: CINQUENTA VELAS SEM GRANDE CHAMA




LE MONDE, Paris – Presseurop – imagem Dieter Hanitzsch

A França e a Alemanha comemoram o aniversário do Tratado do Eliseu em que viria a assentar o entendimento entre os dois países, num momento em que a relação entre ambos está em crise. Os franceses fazem má cara ao sucesso económico dos alemães, que não se privam de sublinhar as fraquezas dos seus vizinhos. Apesar de tudo, é preciso que a dupla continue a entender-se.


Recebemos tardiamente os parabéns pelo 31 de dezembro. Não os do Presidente da República, mas os de Angela Merkel. Foi como que uma visão. A chanceler foi majestosa. Angela Merkel conseguiu um exercício perfeito. Os anais registaram as previsões pessimistas da chanceler: "A crise está longe de ter sido superada."

Não foi isso que nós vimos. Vimos a chanceler reinar sobre uma Alemanha tranquilizada, a nove meses das eleições gerais [previstas para 22 de setembro de 2013]. Estava radiosa, vestida de cetim cinzento, olhando do alto da sua chancelaria o edifício do Reichstag, incarnação da democracia parlamentar alemã. Um tom grave e um sorriso muito ligeiro. Alguns acusam esta doutorada em Física, filha de um pastor [luterano] criada na Alemanha de Leste, de preferir as ciências duras às ciências humanas, de não ter consciência histórica, quando se coloca a questão europeia.

Angela Merkel esforça-se arduamente por se inscrever na tradição dos pais da República Federal. Assim, ao congratular-se pelo aniversário, recuou 50 anos: citou Walter Bruch, inventor do sistema de televisão a cores PAL, que rivalizou com o nosso sistema Secam [cor sequencial com memória] nacional; recordou Kennedy, proclamando "Ich bin ein Berliner" [Eu sou um berlinense] diante do Muro de Berlim; prestou homenagem a Charles de Gaulle e Konrad Adenauer, que selaram a reconciliação franco-alemã.

Suor e lágrimas

Antes de disputar o terceiro mandato, Angela Merkel quer firmar para si mesma uma estatura digna dos seus grandes antecessores. Num encontro em novembro de 2012, antes da entrega do Prémio Nobel da Paz atribuído à União Europeia, o "Presidente normal" François Hollande explicou, de mau humor, que iam receber um prémio que era merecido pelos heróis do passado, Schuman, Monnet, Adenauer. "Mas nós também devemos ser heróis", replicou Angela Merkel, que, no entanto, geriu muito mal a crise do euro, no seu início, recusando-se a afastar a hipótese de falência de países-membros da união monetária.

Um bom herói deve sofrer e Angela Merkel exige sempre suor e lágrimas. Nas suas palavras de felicitações, não referiu os esforços dos gregos e de outros povos da Europa postos à prova pela crise do euro. Mas, antes de pedir "a bênção de Deus" para os seus compatriotas, citou o filósofo grego Demócrito (470-370 antes de Cristo): "A coragem é o começo da ação e a felicidade é o seu fim."

No entanto, para quem ouvir a sua chanceler, os alemães estão perto da felicidade. Enquanto a França se dilacera, ontem com Nicolas Sarkozy, hoje entre os partidários dos 75% e os que cometem fraudes fiscais, entre defensores do casamento de homossexuais e os opositores católicos, a chanceler incarna uma nação unida. Neste 31 de dezembro, Angela Merkel contou uma história. Contou como os colegas da sua equipa de futebol tinham convencido um miúdo de Heidelberg a não abandonar a escola: na Alemanha, o sucesso individual é coletivo. E que sucesso! O desemprego tem a taxa mais baixa de depois da reunificação: foi reduzido a metade sob o mandato de Angela Merkel e o país ainda criou 416 mil empregos em 2012. Nunca tantos alemães tiveram emprego.

No mesmo dia, François Hollande tentava convencer os seus compatriotas de que o desemprego, que aumentou ao longo de dezanove meses seguidos, iria finalmente recuar no fim do ano. Mas é preciso merecer a felicidade de Angela Merkel. Para a manter, é preciso perseverar no esforço. Sem esperar a epifania, que assinala o reinício da vida política alemã, o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, anunciou novas medidas de poupança.

Hollande terá de fingir

Dura parceria para François Hollande, que esperava não passar demasiado tempo na companhia de Angela Merkel. Angela Merkel é mais popular do que nunca, amada por sete alemães em cada dez. Portanto, François Hollande vai ter de fingir que aprecia a companhia da chanceler. Os ministérios dos Negócios Estrangeiros francês e alemão estão a preparar um magnífico "baile dos hipócritas" em Berlim, em 21 e 22 de janeiro, para assinalar o cinquentenário do Tratado do Eliseu. As populações terão direito aos refrãos do costume: conselho de ministros franco-alemão, discursos de Angela Merkel e François Hollande, no Reichstag. O culminar das festividades será um concerto na Filarmónica de Berlim. E é tudo.

A repercussão mediática do acontecimento vai revelar um desejo de franco-alemão, mas os dois dirigentes não previram nenhuma iniciativa política importante. Pelo contrário, nas duas margens do Reno, reina a impaciência: os alemães desprezam os franceses que retrocedem economicamente, os franceses clamam energicamente contra o desejo de poder germânico. Os alemães são acusados de querer matar a Peugeot, de não reconhecerem a superioridade da França na indústria espacial e na meteorologia, etc. Angela Merkel é majestosa, a Alemanha um rebento imperialista, e a França está na senda preocupante da germanofobia.

Traduzido por Fernanda Barão

VISTO DA ALEMANHA

Disputar para se poder avançar

“As disputas geram amizades” [em alemão, Streiten macht Freunde]: a verdadeira força da relação entre Berlim e Paris resulta precisamente das eternas controvérsias entre os dois países, considera Die Welt am Sonntag.

Obviamente que, constata a edição de domingo de Die Welt, é muito o que opõe franceses e alemães. Os primeiros veem a sua relação de “casal” como a relação de Marianne, beleza de seios nus e sedenta de liberdade, e de Bismarck, de bigode farfalhudo e um virtuoso do poder. Os segundos preferem a metáfora técnica do “motor franco-alemão”. Mas isto acaba por ser uma vantagem:

A unidade, por si só, não garante o avanço da Europa. [...] Foi eterna a disputa entre Adenauer e De Gaulle sobre a relação com a América e sobre a autonomia da Europa; entre Helmut Kohl e Mitterrand, sobre a reunificação e sobre o euro. Sempre houve tensões em todos os sentidos mas, no fim, havia um compromisso que fazia avançar a Europa.

É neste espírito, sublinha Welt am Sonntag, que o tratado do Eliseu quis que os cidadãos pudessem aprender a língua do outro e estabelecer contactos permanentes a todos os níveis.

Assim se criou uma rede única na Europa onde ninguém deve renunciar à sua identidade. E assim se explica também por que motivo a França e a Alemanha conservam hoje o papel de líderes da Europa. Não formam uma associação bilateral exclusiva. Continuam a disputar, de uma forma exemplar, os grandes conflitos da União — integrando também os outros.

Brasil - Pesquisa confirma: PSDB é visto como partido associado a ricos e em queda




Correio do Brasil com RBA, de São Paulo

Pesquisa do Ibope divulgada neste domingo confirma a tendência percebida nas urnas pelo PSDB, de se transformar em um partido associado aos mais ricos e em queda no total das preferências do eleitorado. Segundo a sondagem publicada no diário conservador paulistano O Estado de S. Paulo, os tucanos são apontados como a sigla preferida de 23% dos entrevistados com renda familiar superior a dez salários mínimos.

Neste estrato, o PT foi de 23% em 1995 a 35% em 2001, caindo a 13% em outubro do ano passado, mês em que foi realizado o levantamento. No geral, porém, os petistas se mantêm bem à frente dos adversários, e os tucanos demonstram queda acentuada em todas as regiões. 24% dizem ter como sigla o Partido dos Trabalhadores, contra 6% do PMDB, em recuo desde a redemocratização, em 1985, e 5% do PSDB. Por região, o PT é indicado como partido preferido de 27% dos nordestinos, e tem 26% entre os moradores do Sudeste, 22% no Sul e 11% no Norte e no Centro-oeste.

Quando se leva em conta os dados econômicos, a pesquisa Ibope simplesmente confirma a tendência flagrada pelo cientista político André Singer, professor da Universidade de São Paulo (USP). Singer vem demonstrando que após a chegada ao Palácio do Planalto o PT passou a conquistar a simpatia entre os estratos mais baixos de renda, ao passo que o caso do “mensalão”, em 2005, significou um afastamento das classes mais altas. 

No final do ano passado, 56% dos brasileiros diziam não nutrir preferência por nenhuma sigla. Na primeira pesquisa, feita 24 anos antes, 61% dos entrevistados indicavam predileção por algum partido. No geral, todos apresentaram queda. O PT caiu nove pontos desde 2010, segundo o Ibope, quando 33% afirmaram preferência pela legenda do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O PSDB, porém, foi o que apresentou a queda mais dramática nas preferências. De 1995 a 2012, foi de 14% para 7% no Sudeste, tradicional reduto de políticos tucanos alçados ao plano nacional, especialmente São Paulo e Minas Gerais. Ainda assim, estes estados parecem continuar concentrando a base mais importante para a sigla de Fernando Henrique Cardoso, já que os patamares de preferência baixam a 5% no Norte e no Centro-oeste, 4% no Nordeste e 3% no Sul.

ESTRANGEIROS TÊM US$ 60 BILHÕES EM TERRAS NO BRASIL




Leandro Mazzinii, de Brasília – Correio do Brasil

Em relatório do Banco Central sobre investimentos no país, nas mãos da presidente Dilma, informa que estrangeiros já compraram US$ 60 bilhões em terras no Brasil. A maioria deles é de empresários da China e Oriente Médio. 

As propriedades adquiridas concentram-se nas regiões Centro-Oeste e Norte. A Agência Brasileira de Inteligência tem informes de que agora os chineses, para driblar eventual desconfiança sobre seus interesses, têm usado argentinos como "laranjas".

ÉTICA E POLÍTICA: A LUTA POLÍTICA CONCRETA NO BRASIL DE HOJE




Um dos debates morais, de influência direta na política, que se trava aqui no Brasil no momento, está aberto pelo moralismo udenista, tanto promovido pela extrema esquerda anti-Lula, como pelo conglomerado demo-tucano. Trata-se da questão relacionada com a política de alianças, ou seja, a demonização do PT pela sua“abertura” na política de alianças. O artigo é de Tarso Genro.

Tarso Genro (*) – Carta Maior

Creio que é hora de um debate no interior da esquerda pensante, que remonta ao amanhecer das ideias socialistas emergentes depois das primeiras revoluções do século XX, tanto no campo socialista propriamente dito, como na experiência socialdemocrata moderna. É um debate sobre as complexas relações e interações entre ética, moral e política.

Muitos fatos e textos teóricos poderiam servir de referência para este diálogo, mas lembro dois pontos de partida interessantes, que podem ajudar algo nesta polêmica: um é a posição de Robespierre perante os dissensos da Convenção, identificando a revolução com a nação, de uma parte, e, de outra, combinando a ideia de que aqueles que se opunham a ele (que encarnava a revolução), eram traidores da nação e deveriam ser eliminados.

Outro ponto de partida é um texto de Lukács, cujo título é “O bolchevismo como problema moral”, publicado em 1918, pouco antes de aderir ao partido comunista húngaro, no qual ele indaga se é possível, por meios desumanos - através de formas e meios “injustos”- chegar à justiça e à virtude. Em última análise significa o seguinte: é possível fazer o“bem”, através do“mal”, já que os bolcheviques fuzilaram inclusive os filhos do Czar, ainda crianças, para não permanecer qualquer dúvida a respeito das suas intenções de poder permanente.

Tanto a tática política de Robespierre -para manter e consolidar sua ditadura republicana- como a pergunta feita pelo grande filósofo húngaro pouco antes de aderir ao marxismo, encerravam posições pré-constituídas na esfera da socialidade. Principalmente na esfera da política e da cultura, com objetivos determinados para incidir sobre as lutas reais que ocorriam nos respectivos períodos históricos. 

Seus objetivos encarnavam convicções altruístas sobre o que seria o bem do país e o melhor para os destinatários do projeto nacional, no âmbito de uma revolução justa contra a velha ordem (Robespierre) e pela necessidade de acabar, na Europa Oriental, com os restos da ordem já varrida pela revolução na França, através de regimes socialistas inspirados na revolução russa (Lukács).

Robespierre estava dotado da convicção que havia uma identidade total entre “revolução” e “nação” e que o mero descaso ou omissão -em relação às questões candentes da nação- já era traição. E os traidores deveriam ser eliminados. Lukács fazia um ajuste de contas inconsciente, provavelmente, com o seu mestre Georg Simmel, para submeter-se -na ação política- ao comando da revolução russa sobre as demais revoluções socialistas. (O seu artigo manifestava ressalvas antecipadas, na transição para o marxismo forjado na cultura soviética, que permaneceriam até a sua morte em 1971).

Ambos, Robespierre e Lukács, não tinham dúvidas a respeito da fundamentação ética das suas definições e a partir desta fundamentação (tendo a sua própria socialidade como “fundamento inalienável da vida ética”), promoveram definições políticas para implementá-las e assumiram “partido”. Robespierre, ao mesmo tempo estimulando e apoiado pelos que viam na guilhotina, de forma generalizada, o método para solucionar as controvérsias políticas sobre a nação. Lukács, acordando com Stalin -por longo tempo- a sua sobrevivência e o seu direito de escrever como herege e de lutar contra o nazismo.

O espaço que está situado entre os fundamentos éticos da decisão, historicamente adequada (lutar contra o atraso e a opressão) e os objetivos altruístas a serem alcançados - fundar a nação e a república (Robespierre), e instituir uma sociedade justa (Lukács)- é o lugar das mediações políticas e morais. Nele, ética e política se integram e se repelem: a moralidade, que expressa as regras sociais, os costumes, as normas jurídicas, que interpretam o patrimônio ético de uma sociedade -patrimônio este supostamente universal- nem sempre são coerentes com este patrimônio. 

A ação política para buscar um determinado fim altruísta -ou pelo menos tido como altruísta pelos sujeitos em confronto- pode enfrentar determinados obstáculos morais e legais, para alcançar aqueles fins. Desta forma, “fins” e “meios” podem ser confrontados e os valores neles contidos se repelirem. Por exemplo, comprar votos numa eleição ou comprar votos de parlamentares, para permitir uma reeleição, é ofender um “valor”, contido em normas jurídicas, sujeitando o ofensor a uma sanção (“pena”). Naqueles casos concretos os atos também ofendem um sentimento moral dominante na sociedade: ofendem a moral, tornam-se atos imorais. 

A diferença é que, se a violação legal é flagrada e torna-se punível, e se sanção (a “pena”) é decorrente de um julgamento segundo leis legítimas, o processo judicial promove o encontro da política e da moral com o Direito. Mas, se o objetivo do comprador de votos é atingido e ele se elege sem responder judicialmente (ou a reeleição é “comprada” com sucesso), sem qualquer sanção judicial, tudo passa a ser decidido no terreno puro da luta política. 

Ao fim e ao cabo é no plano da política, que vai se dar a disputa para que aquelas ações ilegais bem sucedidas sejam, ou não, absorvidas pela moral dominante. A disputa política, de corte moralista, também é importante quando as ações penais, que versam sobre ilegalidades na produção de políticas públicas, tornam-se, elas mesmas, conflitos políticos, para promover a aniquilação de uma das partes em confronto, como ocorreu com a ação penal 470.

No caso da compra de votos para a reeleição do Presidente Fernando Henrique - independentemente de qual tenha sido a posição pessoal do Presidente-após uma rápida sequência de notícias pela imprensa, o fato sequer tornou-se processo judicial. Esta mudança de pauta interessava ao conglomerado político que lhe dava sustentação (que tinha a mídia majoritariamente a seu favor), o que sequer permitiu que a “compra” se tornasse um problema de natureza moral na sociedade: ela foi plenamente absorvida, em termos jurídicos, políticos e morais, porque isso favorecia o“status quo” neoliberal, que até melhorava a vida de uma parte da sociedade, pela redução da inflação.

Através de outro exemplo, que é mera hipótese, pode-se demonstrar claramente a existência de uma “interdependência dialética entre fins e meios”, que, frequentemente, aparece na confluência entre política e moral, em diversas circunstâncias. O Estado, num determinado sinistro (um incêndio de um grande hospital, por exemplo) “militariza” uma parte do serviço público que está em greve, cuja volta ao trabalho é fundamental para salvar a vida de centenas de pessoas. Muitas vidas são salvas e aquele ato de força do Estado dá bons resultados.

A supressão da liberdade das pessoas, com um fim altruísta -a defesa da vida das pessoas ameaçadas pelo incêndio- tem respaldo em fundamentos éticos universais (“faz para o outro aquilo que gostarias que fizessem para ti, nas mesmas circunstâncias”) e, ao mesmo tempo, é ato respaldado pela moral dominante, em qualquer sociedade medianamente civilizada. Os milhares de voluntários, movidos por sentimentos de amor ao próximo, que aparecem em momentos dramáticos de uma cidade ou de um país, comprovam esta aprovação, que promove por um meio não democrático e “ilegal”, uma política legítima de defesa da vida e da dignidade humana. 

O mesmo Lukács, no seu “Ontologia do ser social”, ao polemizar com o Weber do dilema “ética da convicção-ética da responsabilidade”, dizia que era impossível dissociar o “momento da exteriorização” (por exemplo, “executar” uma ação política baseada num princípio ético com finalidade altruísta), do “momento da objetivação” (a configuração daquele ato social como “resultado” para os outros). A partir desta configuração é que as mediações –as “formas” que adquirem aquela exteriorização da vontade ética para alcançar o objetivo-podem ser avaliadas com maior segurança. Depois de concretizadas, as mediações podem ser incompatíveis com os seus objetivos altruístas, voltando-se contra seus próprios fins. 

Tanto a guilhotina francesa como o assassinato das crianças do Czar, na revolução russa, foram ações políticas, que não só aniquilaram os fins altruístas daqueles períodos das revoluções francesa e russa, mas também se configuraram como repetição dos atos de barbárie que expandiram o colonialismo e o capitalismo no mundo, que precisamente pretendiam ser superados, tanto pelo iluminismo democrático, como pelo denominado socialismo proletário. 

Um dos debates morais, de influência direta na política, que se trava aqui no Brasil no momento, está aberto pelo moralismo udenista, tanto promovido pela extrema esquerda anti-Lula, como pelo conglomerado demo-tucano. Trata-se da questão relacionada com a política de alianças, ou seja, a demonização do PT pela sua “abertura” na política de alianças. O ataque centra-se, principalmente, na consideração que o PT relaciona-se -para sermos delicados- com grupos e pessoas que tem métodos não republicanos de participação na gestão do Estado. Eu penso que temos, sim, problemas sérios na composição das alianças, quanto à frequente ausência de parâmetros programáticos para realizá-las, mas os argumentos moralistas da extrema esquerda são frutos de mero oportunismo político, pois compete ao partido hegemônico, nas alianças, impor seus critérios morais para tratar do interesse público nas coalizões de governo.

Quanto à direita conservadora nem é preciso responder. Mas, em relação à extrema esquerda devemos lembrá-los que métodos não republicanos de fazer política podem estar presentes em todas as alianças, tanto de governos, como pontuais e conjunturais, feitas nos parlamentos locais, regionais e nacionais. Ela mesma, a extrema esquerda, faz estas alianças com o conservadorismo neoliberal, com a mídia hegemônica, com as bases de direita das corporações mais privilegiadas do serviço público, para atacar e tentar desestabilizar os governos progressistas e de esquerda no país. Inclusive promovendo uma aliança clara, tanto com a mídia tradicional como com a direita neoliberal, na aventura de golpismo político promovida contra o primeiro governo Lula.

Um exemplo desta interdependência dialética entre fins e meios - ação política com finalidades estratégicas-foi o comportamento da extrema esquerda, composta pelos seus pequenos partidos em aliança com o antigo PFL e com alguns intelectuais corregedores do marxismo, no episódio de implementação do Prouni, que hoje já levou milhões de jovens filhos de trabalhadores para as Universidades privadas do país. Seu elitismo esquerdista decidiu que era necessário bloquear o Prouni, ou seja, bloquear a entrada, na Universidade, de milhões de jovens pobres, porque, catalogando o Prouni como um projeto “neoliberal”do MEC de Lula, isso facilitaria a desmoralização de um governo com respaldo nas classes trabalhadoras, que assim viriam para o leito da sua liderança iluminada. 

O objetivo escolhido como altruísta -a igualdade pela revolução socialista no horizonte- fornecia fundamentos éticos para promoverem uma política irracional de ataques a um dos programas mais revolucionários, em termos democráticos, do governo do Presidente Lula. Programa este que estava sob ataque da mídia hegemônica, que estava sendo severamente bloqueado pela direta neoliberal e pelas universidades empresariais privadas do país. Nesta ação desesperada, não hesitaram em promover ações típicas das SA nazistas, como ocorreu na Câmara de Vereadores de São Paulo, inclusive tentando impedir que ocorressem debates públicos sobre o Programa. 

Porque assim o fizeram e fazem? Porque entendem que os seus fins éticos altruístas (a revolução socialista) lhes dá superioridade moral para estabelecerem relações com seus inimigos de classe, através de “exteriorizações” (ações políticas), que se “materializariam” no tecido social, como capital político “revolucionário”, que acumulariam ao longo da História, para levar os trabalhadores ao poder. É fácil desmontar este projeto. Quem instrumentaliza quem, na maioria destes episódios? A extrema esquerda promove-se, com a ajuda da direita neoliberal, ou a direita neoliberal atiça o “povo” contra o PT, ajudado pela chamada extrema esquerda? 

As duas coisas acontecem, de fato, mas o fim altruísta não fica mais próximo. Ele não pode ser conquistado com uma aliança na qual ninguém hegemoniza ninguém, mas trata-se, apenas, de uma relação determinada por mera contingência oportunista, de ambas as partes, para atacar quem governa, com erros e acertos -mais acertos do que erros- e está mudando o Brasil para melhor. A extrema esquerda não lida com a possibilidade, nem neste período histórico, de um bloco social dirigente que inclua pelo menos parte dos setores médios superiores e setores empresariais. E a direita neoliberal apenas aproveita o udenismo de contingência eleitoral da extrema esquerda para “purificar-se” eleitoralmente, no leito da autenticidade de quem, aparentemente, não quer governar dentro da ordem. 

Assim como é impossível julgar uma ação exclusivamente pelos seus “efeitos” imediatos na prática social (o resultado empírico e datado daquela ação), seja ela uma ação política defensiva, seja ela uma ação ofensiva em termos de poder, também é impossível aceitar que os “resultados” da ação sejam sempre legitimados porque os seus “fins últimos” derivaram supostamente uma ética universal. Os problemas que estão aí colocados pela engenharia genética dos humanos e pela bioética, são suficientemente enigmáticos para nos propor certa prudência filosófica.
 
A estratégia de uma esquerda que propõe a questão democrática como uma questão não subsidiária, mas integrante de um projeto socialista inovador de longo curso, não pode nem balizar-se pelos udenismos moralistas de ocasião e rejeitar alianças que sejam programáticas, nem podem desdenhar da moralidade política –esta, inscrita na Constituição e nas leis legítimas- que estabelece os limites normativos para a dependência recíproca entre fins e meios, visando alcançar determina dos objetivos. 

A reforma política, o financiamento público das campanhas, a democratização efetiva da circulação da opinião pelos meios de comunicação, a participação da cidadania - especialmente das classes populares- na produção e na implementação das políticas públicas são, hoje, elementos essenciais da revolução democrática no país. Estas grandes transições sempre promoveram comoções sociais e políticas, que sempre oferecem oportunidades de retrocesso ou avanço. Isso mais tarde ou mais cedo vai ocorrer no Brasil, que já está sofrendo uma grande mutação na sua estrutura de classes e consequentemente preparando novas lideranças políticas para o futuro. Daí, será uma nova Constituinte, desta feita originária? Esta é uma boa ideia.

(*) Governador do Rio Grande do Sul

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