sábado, 29 de março de 2014

Portugal: OS VELHOS



Tiago Mota Saraiva – Jornal i, opinião

Por pudor metodicamente construído fomos deixando de os tratar assim. Nem mesmo o carinhoso "meu velho", tantas vezes usado entre família, escapou a estes tempos de domínio de palavras adoçantes como Sénior ou ardilosas como Terceira Idade.

Mas não nos deixemos enganar. Esse pudor na utilização do vocábulo choca com o destino que se lhes proporciona. Da eterna ameaça de mais um corte na pensão. Do risco de não ser prioritário nas filas de espera dos serviços de urgência de um hospital. Do medo de perder a casa arrendada ou de não conseguir pagar o IMI da casa própria. Dos tempos de intempérie passados à porta do centro de saúde à espera de uma miserável consulta ou receita. Do fim da comparticipação nos remédios, da estação de correios a que estavam habituados, da junta de freguesia em que eram conhecidos. Do horror pela vida incerta dos filhos e dos netos que ficaram ou da saudade e do medo de não voltar a ver os que partiram. Tudo a troika lhes vai levando.

Dos velhos espera-se que se ajeitem a um canto pouco visível da sociedade, em casa - se esta não for aprazível para um qualquer negócio - ou num condensador de velhos, que conspurca o belo vocábulo "lar", tantas vezes gerido por excretores que só se preocupam em manter a contagem de cabeças brancas para receber o cheque mensal como instituição de caridade. Deles não se procura a experiência ou o saber como em sociedades mais evoluídas, mas pretende-se cortar qualquer veleidade de capacidade reivindicativa e que permaneçam ligados à máquina dos programas da televisão - autênticas operações de lobotomia em que, entre saltos e gritos, aparecem os camilos lourenços da nossa praça, em modo gingão, a papaguear as certezas do regime.

Aos velhos, está-se a roubar-lhes a vida antes de morrerem.

Escreve ao sábado

Portugal: Sete pedidos de fiscalização sucessiva ocupam juízes do Constitucional




O Tribunal Constitucional tem em apreciação sete pedidos de fiscalização sucessiva com origem nos deputados à Assembleia da República e no Provedor de Justiça, incidindo em leis que comportam novos cortes ou aumento de contribuições.

O Orçamento do Estado para 2014, o orçamento retificativo, a lei do setor empresarial do Estado e uma alteração ao Rendimento Social de Inserção que restringiu o acesso àquele subsídio são os diplomas mais importantes em análise no Tribunal Constitucional.

Os pedidos de fiscalização entregues pelo PS, a 9 de janeiro, e pelo PCP, BE e PEV, a 17 do mesmo mês, incidem sobre as mesmas normas do OE para 2014: redução dos vencimentos dos trabalhadores do setor público acima dos 675 euros (artigo 33º), taxas sobre os subsídios de doença e desemprego (artigo 115º), redução dos complementos de pensão no setor empresarial do Estado (artigo 75º) e recálculo das pensões de sobrevivência (artigo 117º).

Neste processo de fiscalização sucessiva foi incorporado o requerimento entregue no dia 6 de fevereiro pelo Provedor de Justiça, José de Faria Costa, para apreciação da constitucionalidade de parte das normas dos artigos 33º e 117º, relativos às remunerações no setor empresarial do Estado e às pensões de sobrevivência.

José de Faria Costa defendeu que foi um "erro manifesto" do legislador consagrar cortes nas remunerações dos trabalhadores das empresas de capitais maioritariamente públicos permitindo ao mesmo tempo que o resultado da poupança não reverta para os cofres do Estado e seja distribuída pelos acionistas.

"Vale por dizer: a supressão parcial da remuneração destes trabalhadores não satisfaz integralmente fins públicos de alívio da despesa pública mas igualmente permite considerar verificadas vantagens diretas e quantificáveis para entidades privadas", argumentou o Provedor de Justiça.

A lei não estipula um prazo para o TC se pronunciar sobre os processos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade das normas jurídicas, sendo certo que o presidente do TC, Joaquim de Sousa Ribeiro, atribuiu prioridade ao processo de apreciação do Orçamento do Estado para 2014.

O acórdão relativo à fiscalização de 10 normas do Orçamento do Estado para 2013 foi proferido a 5 de abril. Também por iniciativa do Provedor de Justiça, os juízes conselheiros têm em apreciação algumas normas do decreto-lei 133/2012, que alterou as regras de acesso e prestação do Rendimento Social de Inserção.

A norma contestada por José de Faria Costa impõe que os cidadãos nacionais tenham que residir pelo menos há um ano em Portugal para poder requerer o Rendimento Social de Inserção.

José de Faria Costa considera que esta condição configura um tratamento discriminatório entre cidadãos portugueses residentes e sublinha que "situações ocorrerão" em que cidadãos acabados de regressar ao país possam não ter condições mínimas para iniciar "a partir do nada" uma nova vida no seu país de origem.

Ainda em janeiro, um grupo de deputados do PCP, BE e PEV entregou um novo pedido de fiscalização sucessiva, reclamando a inconstitucionalidade de dois artigos do decreto-lei 133/2013 por violação do princípio da "tutela da confiança e segurança jurídica", do direito de "contratação e negociação coletiva" e do princípio da proporcionalidade.

Em causa estão novas reduções "de caráter temporário" dos valores de complementos de pensão, subsídios de refeição, ajudas de custo e subsídios de deslocação dos trabalhadores das empresas do Estado como o Metro, Carris ou CTT.

Os pedidos mais recentes foram entregues quinta-feira no Tribunal Constitucional pelo PS e pelo PCP/BE e PEV, incidindo sobre normas do orçamento retificativo.

O PS solicitou a fiscalização da constitucionalidade do aumento das contribuições para subsistemas de saúde, ADSE, SAD e ADM, e do alargamento da base de incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), que aqueles deputados estimam abranger mais 100 mil pessoas.

O requerimento do PS incide apenas na nova versão da CES que os socialistas alegam violar os princípios da proteção da confiança e da proporcionalidade. 

Lusa, em Dinheiro Vivo

Portugal: SEM PERDÃO



Nuno Saraiva – Diário de Notícias, opinião

Esta semana, como noutras destes mais de mil dias de governação, o Governo saiu ao caminho dos mais velhos e meteu-lhes medo. Quinta-feira as manchetes, que citavam "fonte oficial", gritavam que a ministra das Finanças já tinha cortes definitivos para as pensões, que até aqui eram provisórios.

Ao final da manhã, a minha avó Luísa, reformada de 95 anos e de quem já aqui falei, ligou-me aflita depois de dividir o pânico com as amigas do centro de dia. "Filho, que mais é que estes bandidos me querem tirar?", perguntou-me com a voz trémula de quem não consegue parar de fazer novas contas à vida. É a água e a luz, o gás e a comida, os remédios e a ração para os pássaros companheiros das tardes de fim de semana, a renda da casa e mais as outras despesas imprevistas próprias de quem chega a esta idade. Desde então, foram duas noites, como muitas outras destes mais de mil dias de governação, sem pregar olho.

Pouco me importa se não há ainda decisão, se foi erro, calhandrice ou incompetência. Não me interessa se é ruído ou especulação. Não quero saber se Passos Coelho sabia ou se Poiares Maduro foi ignorado. Sei que isto, como tantas outras coisas nestes mais de mil dias de governação, não se faz.

A verdade é que, em matéria de choque e pavor, o Governo tem o cadastro cheio. Fez soar o alarme com a chamada TSU dos idosos. Causou o pânico com a pretensão de cortar a eito, em função da idade, as pensões dos funcionários públicos, pretendendo que os nonagenários sofressem um esbulho de 10% na reforma. Lançou o terror com o primeiro anúncio de corte nas pensões de viuvez. E tudo com a mesma tática ou estratégia: deixar escapar à bruta uma má notícia para testar reações a ver se pega. E depois, mais adiante, vir compungido anunciar que nunca foi bem assim, que houve manipulação da informação, que o Governo é socialmente sensível e que, por isso, protege os mais frágeis de entre os mais fracos.

Isto não é jogo limpo. Isto é terrorismo social.

Por mais proclamações inflamadas que façam, Pedro e Paulo escrevem epístolas cada vez mais vazias de social-democracia ou de democracia cristã. A matriz doutrinária destas duas correntes é humanista e socialmente preocupada. E determina que com a vida das pessoas não se brinca, muito menos tratando-se de idosos.

Aos mais velhos devemos respeito porque sim. Solidariedade porque sim. Apoio porque sim. Assistência porque sim. Não por caridade, apenas porque sim. E essa dívida, em parte ou no todo, não pode ser reestruturada nem perdoada.

O que o lamentável episódio desta semana revela é que o programa de empobrecimento ainda não está concluído, por mais que o Presidente da República reabilite a tese - foi o que ontem fez quando apelou a que "se for necessário reduzir o rendimento disponível de alguém no futuro, tem que ser àqueles que têm elevados rendimentos e que, até este momento, não foram seriamente prejudicados no seu bem-estar" - de que há limites para os sacrifícios que se podem pedir ao comum dos cidadãos.

E o que também ficou demonstrado é que existe, de facto, uma nova agenda de cortes que a maioria queria escondida. Mas apenas até às próximas eleições europeias.

Não sei, até porque não acredito nessas coisas, se o Governo vai parar ao inferno. Tenho no entanto a certeza que o purgatório a que os velhos estão a ser sujeitos, porque desumano e desleal, não tem perdão.

Foto: Miguel Baltazar, Negócios

Portugal: MANIFESTO 74 PROMOVE PETIÇÃO À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA



Reestruturação da dívida

O movimento Manifesto 74, que reúne personalidades de todos os quadrantes da sociedade portuguesa, anunciou que está a realizar uma petição para levar a reestruturação da dívida ao plenário da Assembleia da República.

A petição, que terá de atingir um mínimo de quatro mil assinaturas para ser discutida no hemiciclo, pretende que os deputados aprovem "uma resolução, recomendando ao Governo o desenvolvimento de um processo preparatório tendente à reestruturação honrada e responsável da dívida", como se salienta na página oficial do Manifesto 74.

"O abaixamento significativo da taxa média de juro do 'stock' da dívida, a extensão de maturidades da dívida para 40 ou mais anos e a reestruturação, pelo menos, de dívida acima dos 60 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), tendo na base a dívida oficial" são as condições preconizadas pelos signatários da petição.

A iniciativa do Manifesto 74 visa ainda que a Assembleia da República desencadeie "um processo parlamentar de audição pública de personalidades relevantes" sobre a reestruturação da dívida de Portugal, contraída no âmbito do programa de reajustamento.
O constitucionalista Jorge Miranda, um dos subscritores da petição à Assembleia da República sobre a reestruturação da dívida de Portugal, realçou hoje a necessidade de aprofundar o debate na sociedade, porque, salientou, "o problema vai-se agravando".

Jorge Miranda disse que "o sentido essencial da petição" é o de "tornar patente perante a Assembleia da República, perante o órgão representativo dos cidadãos, o órgão por excelência do mundo democrático, toda a problemática que está à volta da dívida e a necessidade de reponderar o problema, o que não tem sido feito até agora".

No entender do constitucionalista, "à medida que o tempo vai passando e que os juros da dívida vão sendo pagos, não nos conseguimos libertar da dívida e o problema vai-se agravando".

Além de Jorge Miranda, também assinaram a petição Alfredo José de Sousa (ex-provedor da Justiça), Lídia Jorge (escritora), Pinto Ramalho (ex-chefe do Estado Maior do Exército), Melo Gomes (ex-chefe do Estado Maior da Armada), Januário Torgal (ex-bispo das Forças Armadas), Seixas da Costa (ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus), Eugénio da Fonseca (presidente da Cáritas Portuguesa), Pacheco Pereira (professor universitário) e Ana Gomes (eurodeputada), entre outros.

O Manifesto 74, intitulado "Reestruturar a dívida insustentável e promover o crescimento, recusando a austeridade", foi igualmente subscrito por 74 economistas estrangeiros.

Dois dos subscritores, Sevinate Pinto e Vítor Martins, consultores do Presidente da República, foram exonerados por Cavaco Silva. 


RACIALISMOS COMO RACISMO (i)



Inocência Mata* - AfroPress

Começo por lembrar um livro do britânico Paul Gilroy, Against Race: Imagining Political Culture beyond the Color Line [ii] (2000), um livro provocativo em que ele, para mostrar a perversidade da identidade com base na cor da pele, renuncia, irônicamente, à raça. A questão que se põe é: renunciando à raça, liquida-se o racismo?

Lembro esse livro por causa de uma interessante matéria num diário português [iii] – Portugal onde era (e ainda é em muitos espaços, mesmo na academia) “tradição” combater o racismo não falando dele, tradição, aliás, durante muito tempo “seguida” por Brasil (quem não se lembra do discurso oficial de que no Brasil não há racismo?).

Ora, a matéria parece ter chamado, há poucos dias, a atenção de muita gente, entre ela uns tantos ex-alunos meus – e este facto deixa-me contente (porque revela que, de certo modo, despertaram para a problemática e já não se portam como um “colour blind”, isto é, começaram a ver a realidade para além do idealismo das palavras): pois como dizia, para além de um e-mail que um amigo, que vive em Londres mas sempre atento ao que se passa em Portugal, me enviou, recebi a mesma matéria de três ex-alunos de um seminário de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa denominado Multiculturalismo e Dinâmicas Interculturais, em que passamos em revista sociedades em que a multiculturalidade, nem sempre vista de forma positiva, tem sido gerida de modos muitos diferentes.

Sendo o Brasil um caso impositivo (pela sua proximidade e pela sua forte presença no nosso horizonte histórico), obviamente que o caso brasileiro é muitas vezes citado nas nossas sessões.

O título da matéria jornalística é “Quem quer ser negro no Brasil” e faz-se de histórias de vida, cada uma mais interessante do que a outra. Mas para mim a mais sensível é a primeira, uma história de vida de uma jovem cuja vida, ainda curta (ela tem 32 anos), dinamiza uma história de uma intensa densidade paradigmática da condição do negro no Brasil.

A história está bem contada pelas jornalistas, a matéria é de uma inteligência tão sensível que comove: é a história de Ariana, de Salvador, a “caçula” de 12 irmãos, negra e favelada, que foi a primeira a ir para a universidade. E se tornou médica. Foi esta primeira história que me obrigou a ler de uma “assentada” o artigo…

Antes de prosseguir quero contar uma experiência: quando comecei a visitar o Brasil, o que faço hoje com muita frequência para meu gáudio (porque gosto muito de ir ao Brasil, de trabalhar no Brasil e de interagir com colegas brasileiros, alguns grandes amigos, dos melhores que tenho), incomodava-me a forma como os meus colegas e amigos me apresentavam, quer para familiares quer para amigos seus que não fossem nossos colegas: “Olhe, esta é a Inocência, ela é africana, professora na Universidade de Lisboa, professora de literatura, ela tem doutoramento em isto e aquilo, escreveu isto e aquilo”. Como aquilo me incomodava!

É que eu, quando apresento alguém, um amigo a outro amigo ou não, não me lembro de desfiar as habilitações literárias desse amigo: digo de onde é e, dependendo do contexto, o que faz. De resto, é um amigo. Até que um dia lhes disse que me sentia incomodada com a forma como eles me apresentavam. E um deles me respondeu: “Vou ser honesto com você, Inocência. A gente está protegendo você. É que dizendo que você é africana [o que sou] valoriza logo você e ainda mais se você é professora universitária. É que aqui a gente diz que não, mas as pessoas são muito preconceituosas (diga-se de passagem que este colega foi, ainda nos anos 90 do século XX, dos poucos que já pensavam assim pois o normal, entre a maior parte dos meus colegas, mesmo os não brancos, era o discurso de que no Brasil a discriminação é social – e não racial).

Bem, ser confundida com empregada doméstica não é coisa estranha para mim no Brasil (nem para a médica cubana de quem uma jornalista, Micheline Borges , disse ter “cara de empregada doméstica” e não de médica [iv]! -, pois como dizia, basta(va) entrar sozinha num prédio, normalmente de um colega meu que felizmente tem um nível de vida acima da maioria…

Fecho parênteses sobre a minha aprendizagem como professora universitária negra no Brasil para voltar ao artigo cuja introdução (lead, na linguagem jornalística) é este:

Uma médica que nos hospitais é confundida com empregada de limpeza e cresceu a ouvir “negro não presta”. Um magistrado que foi o primeiro negro num tribunal superior do país em Brasília. Um doutorado a quem pedem para arrumar o carro. Uma festa popular, Iemanjá, onde o Brasil misturado parece o país da democracia racial. Breve geografia do racismo à brasileira e a pergunta: pode o Brasil eleger um Presidente negro em breve?

Lembram-se da polémica do Obama se ele fosse africano? Lembram-se por que a polémica incomodou tanta gente, eu incluída? Uma das razões foi precisamente não se ter comparado um continente, a África – em que existem vários Obamas, deve lembrar-se – com um outro, a Europa, em que não há Obama nenhum e que deveria haver, senão Obamas, pelos menos mais políticos com visibilidade, mais deputados, mais  ministros… Para já não falar de juízes, como Joaquim Barbosa, o primeiro negro a presidir ao Supremo Tribunal Federal.

Quando é que numa sociedade em que as relações são racializadas não há racismo?

Na foto: Inocência Mata

*É Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa na área de LAC - Literatura Artes e Culturas

[i] Crónica lida aos microfones da RDP-África no dia 27 de Março de 2014, Adaptada.
[ii] Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2000.
[iii] Jornal Público, (Lisboa), 23 de Março de 2014.
[iv] Um colega e amigo meu brasileiro, negro, disse-me que realmente o Brasil estava mudar. Por dois motivos: primeiro, “Minha amiga, primeiro você deve ver que ela disse o que geralmente aquela elite preconceituosa (e não apenas) diz – portanto, o pecado dela foi ter dito o que muita gente pensa; mas o Brasil está a mudar porque há 10 anos não haveria essa indignação toda. Seria: Ah, ela não devia ter dito, mas não é preciso esse sururu todo, ela não disse por mal”. E não é que eu própria já ouvi condescendências dessas a propósito de afirmações semelhantes?! Mas eu só gostava de saber como é cara de médico…

- Gentileza: Alberto Castro

Brasil: SE PENSAR PEQUENO, O GOVERNO ESCORREGA NA GOELA CONSERVADORA




Para quem acha que capitalismo é apenas um sistema econômico, não uma relação de poder, o Brasil desta 5ª feira incentiva a revisão de conceitos.

Saul Leblon – Carta Maior, editorial

A marcha dos acontecimentos nas  últimas  48 horas (27/3):

- o Supremo aposentou  o domínio do fato e ressuscitou  o império da lei  para julgar o mensalão tucano;

- os que tentaram fatiar e vender a Petrobrás em 1997, agora  reivindicam uma CPI para defendê-la; 

- a Standar & Poor’s rebaixa a nota do país em desacordo com a política fiscal enquanto o capital estrangeiro não para de comprar títulos do Brasil ;

- o Ibope  anuncia que a  aprovação ao governo  despenca , no mesmo dia em que o IBGE  divulga  o menor nível de desemprego no desde 2002  e a maior renda real  dos trabalhadores   em 12 anos.

Como entender a  feijoada de  paradoxos?

Olhando o calendário.

Estamos a sete meses  das eleições presidenciais  de 2014; as pesquisas mostram Dilma na liderança, com chances  de vencer no 1º turno.

 Os resultados  da economia  desmentem  a  guerra santa das expectativas.

Por enquanto.

Mas  o martelete conservador opera diuturnamente.

A dar um crédito – generoso - ao passado do Ibope, a trepidação ininterrupta já teria provocado   uma trinca nas expectativas, suficiente para ressuscitar aquilo que o ciclo Lula tinha extirpado do imaginário brasileiro: o medo do futuro.

A associação entre o medo e o  futuro  forma um redemoinho  capaz de cegar a visão do presente e sepultar a disposição da sociedade para enfrentar os interditos ao passo seguinte do  seu desenvolvimento.

A manada  de bisão acantonada nas redações  dedica-se a isso com afinco: afia os cascos no chão e recobre o horizonte brasileiro de uma espessa  poeira cinza asfixiante. O chão treme.

É imperioso  ligar o aspirador de pó à passagem do tropel noticioso. A mesa do café da manhã fica  imprestável  quando  dividida com a edição do dia.

A culpa pelas más notícias nunca é do carteiro. OK. Exceto se ele exorbita  e troca a entrega da correspondência  pela ordem de despejo.

O  pisoteio  dos cascos isentos  faz mais ou menos isso ao reduzir  a partículas ínfimas  qualquer  saliência que desafie  a pauta do Brasil aos cacos.

Nenhum vestígio positivo do  passado e do  presente  mas,  sobretudo, os  brotos do  futuro, sobrevivem à passagem diária do tropel.

Repita-se:  isso,  há sete meses do pleito que pode dar um quarto mandato à coalizão  centrista comandada pelo PT.

Há quem ache merecido.

Até sorria ao ouvir o barulho do  Brasil esmigalhando sob as patas do tropel.

As alianças ‘escolhidas’  pelo PT, afinal, sem falar no próprio,  submeteram a sociedade  a uma camisa de força conservadora, diz Eduardo Campos, de braço dado com os Bornhausen, de conhecidos pendores mudancistas...

Há quem vá além e prefira  a parceria com autênticos partisans  de um novo amanhecer.

Combatentes  da cepa de um Jarbas Vasconcelos, por exemplo;  ou  da estirpe  de Agripino, le rouge, companheiros de caminho dos que levaram  ao Procurador Geral,  Rodrigo Janot, um pedido de investigação contra a Presidenta Dilma Rousseff pelo caso Pasadena.

A manada ganhou esta semana outro reforço  de notórios compromissos com o país.

A agencia  Standart  & Poor’s, cuja credibilidade é conhecida, mostrou a que veio  ao rebaixar  a nota do país para  pendurá-lo um degrau acima do patamar  a que estão relegadas alguns Estados falidos.

E não ficou nisso: ‘Os sinais enviados pelo governo ainda não são claros’, advertiu a agência no idioma da chantagem  imperial. ‘Podemos promover ainda um novo corte na nota’, reforçou a senhora Lisa Schineller, analista da agencia, em teleconferência  à mídia embevecida.

Em seguida foi direto ao  centro da sua meta  que é para ninguém ter dúvida do que é o principal na vida de uma nação:  ‘(a punição) é um reflexo da política fiscal (a economia para pagar os juros dos rentistas),’cuja credibilidade se enfraqueceu de forma sis-te-máti-ca’, escandiu a executiva  da ‘S& P’.Orgasmos intelectuais na plateia.

Nesse bacanal da isenção com a equidistância a ninguém ocorreu, naturalmente, perguntar-lhe se a mesma corrosão da credibilidade teria atingido a agência de risco pelo desempenho pregresso.

 Em agosto de 2008 a  ‘S&P’ atribuiu ao banco Lehman Brothers  um esférico triple A: a nota máxima do ‘rating’ de credibilidade, da qual  ela afastou  o Brasil um pouco mais agora.Trinta dias depois o banco implodia  acionando a espoleta da maior crise do capitalismo desde 1929.

Há um outro recuerdo  ilustrativo do combustível que move a engrenagem por trás da fala assertiva da senhora Schineller.

A  ‘S&P’ foi responsável por rebaixar a nota do Brasil em julho de 2002.

As pesquisas do Datafolha mostravam então o candidato Lula na liderança das intenções de voto, com 38% das preferências dos eleitores, seguido de Ciro Gomes.

Só depois  vinha o delfim da eterna derrota conservadora: José Serra.

O risco da argentinização  sob um governo petista era o mote do jogral conservador, ao qual a S&P adicionou seu grave de tenor.

Como corolário da impoluta trajetória ética e técnica recorde-se que o governo norte-americano encontrou um erro de cálculo de ‘apenas’ US$ 2 trilhões nas contas que orientaram a mesma  Standard & Poor’s  a rebaixar o rating do país em 2012.

Essa a folha corrida. Cuja representação era aguardada  com ansiedade pela manada  e seus  candidatos amigáveis à sucessão.

A bala de prata não negou fogo.

Mas o day after da apoteose foi  talvez o maior fiasco já enfrentado  pelo jornalismo isento  que se vestiu de gala com  manchetes garrafais à espera de uma  3ª feira negra que não veio.

O  dólar caiu ao menor nível em quatro meses; o capital estrangeiro continuou  a desembarcar  - uma parte, ressalve-se, apenas para desfrutar dos juros altos--  mas US$ 9,2 bi em investimento efetivos aportaram no 1º bimestre.

A  Bolsa atingiu a maior pontuação desde setembro de 2013 (e continuou subindo, após a divulgação do Ibope desfavorável ao governo)

As ações da Petrobras se mantiveram em  espiral ascendente - e assim seguiram também após o Ibope.

Para finalizar, o Tesouro anunciou uma arrecadação recorde em fevereiro  –em frontal desacordo com o veredito da ‘inconsistência fiscal’  alegada pela ‘S&P’ para cortar o ‘rating’ do país.

O que aconteceu no day after - e no day after do day after - na verdade, só reafimou aquilo que os indicadores tem mostrado neste início de ano, à revelia das manchetes alarmistas.

O Brasil tem problemas; sérios alguns  (leia ‘Quem vai mover as turbinas do Brasil?’).

Mas está longe de ser a terra arrasada produzida pelos cascos que esmagam e amesquinham tudo o que se opõe à pauta da economia que vai afundar –  'se não for hoje, de amanhã não passa'.

Nesta 2ª feira, por exemplo, o insuspeito jornal Valor reuniu 18 indicadores atualizados para medir a temperatura da economia  neste início de ano.

Treze dos dezoito  apontavam um desempenho positivo.

São eles:  renda, emprego, atividade industrial, vendas do varejo, vendas de serviços, venda de aços planos, crédito, inadimplência, nível de atividade do BC, vendas de automóveis, fluxo de veículos pedagiados e  vendas de papel para embalagem.

Dos cinco indicadores negativos, apenas um  se referia  a  atividade produtiva de fato: produção de automóveis (influenciada pela antecipação de vendas do final de 2013 e o fim da isenção do IPI)

Os demais  dizem respeito à formação das expectativas, diretamente contaminadas pela guerra eleitoral manipulada pela mídia  – intenção de consumo, confiança da indústria, confiança do consumidor, indicador antecedente da FGV.

Em resumo,  os mercados,  ao contrário do jornalismo colegial, sabem que as candidaturas conservadoras não emplacam.

Enquanto cuidam de faturar, usam as redações  isentas, a exemplo dos serviços pagos, da  ‘Standard & Poor’s  e do Ibope,  para chantagear o final do governo Dilma.

Mas não só chantagear.

Também para engessar a presidenta-candidata no palanque de outubro .

E, no limite,  desossar sua eventual reeleição, circunscrevendo-a  num círculo de ferro de mercadismo  e mediocridade.

A transição de ciclo econômico vivida pelo Brasil apimenta esse embate.

Mas não é a sua determinação maior.

A determinação  dominante é o mutirão do dinheiro graúdo para engessar o governo em curso-- e, sobretudo a sua continudiade, a partir de 2015--  e impedir que ele seja de fato o portador  do  desejo mudancista do eleitorado  brasileiro, majoritariamente associado à condução do processo pela própria Presidenta-candidata.

O cerco está visível a olho nu.

Trata-se de espremer Dilma e tanger o  PT , obrigando-os a pensar pequeno.

Pensar um futuro governo menor que o país.

Uma campanha presidencial  menor que as possibilidades e urgências da Nação.

Com um programa de governo  - e uma estratégia eleitoral -  menor que a ponte necessária entre a prostração democrática que favorece a chantagem em curso, e a repactuação da  sociedade com o desenvolvimento, feita  de prazos e metas críveis  para a construção da cidadania plena.

Se pensar pequeno, o governo que finda, e o seu novo mandato,  corre o risco de  caber na goela conservadora.

Que não  hesitará em mastiga-lo  até o último farelo.

GOVERNO BRASILEIRO DIVULGA MUDANÇAS EM MAIS DOIS MINISTÉRIOS




A presidente brasileira, Dilma Rousseff, anunciou hoje a troca dos titulares de duas secretarias com status de ministérios, a de Relações Institucionais e a de Direitos Humanos, aumentando para 15 as mudanças em seu primeiro escalão.

A ministra-chefe da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, deixa o governo para concorrer às eleições de outubro, e será substituída pela atual ministra-chefe das Relações Institucionais, Ideli Salvatti.

Para a pasta de Salvatti foi convocado Ricardo Berzoini, deputado federal e ex-ministro da Previdência e do Trabalho e Emprego, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. As Secretaria das Relações Institucionais é responsável pelo entendimento entre o governo e os partidos aliados, que atualmente estão com as relações estremecidas.

A posse dos novos ministros será na próxima terça-feira. Rousseff agradeceu, em nota, "a dedicação, competência e lealdade de Maria do Rosário ao longo de seu governo".

Desde outubro de 2013, a presidente brasileira já modificou os ministros da Integração Nacional, dos Portos, da Casa Civil, da Educação, da Saúde, da Comunicação Social, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, das Cidades, do Turismo, da Pesca, da Ciência e Tecnologia, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Diário de Notícias (Madeira)

QUAL O PAPEL DA OPOSIÇÃO EM ANGOLA?




Políticos, académicos e membros da sociedade civil reuniram-se em Benguela para debater o tema. Abel Chivukuvuku, da CASA-CE, diz que a oposição deve mostrar claramente como "será diferente dos que já estão a governar".

Antes de tecer duras críticas ao regime do Presidente angolano José Eduardo dos Santos, no poder há quase 35 anos, o presidente da Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE), Abel Chivukuvuku, enumerou as linhas mestras que a oposição deve debater para a alternância no poder.

"Temos que abrir o Parlamento para a Comunicação Social. Este ano, as sessões do Parlamento têm de ser transmitidas em direto para que o povo saiba o que [os deputados] estão a fazer", disse esta quinta-feira (27.03.) o líder da terceira força política parlamentar no país, durante o debate organizado pela organização não-governamental Omunga.

"Temos que analisar bem a Comissão Nacional de Eleições (CNE). Como está, dá para confiar? Ou é melhor haver uma CNE mesmo independente? Temos que forçar o regime no poder a cumprir a Constituição da República de Angola e realizar as eleições autárquicas nunca realizadas, antes das eleições gerais de 2017", afirmou Chivukuvuku. "A alternativa tem que saber explicar ao cidadão em que será diferente dos que já estão a governar."

Nem vontade, nem programa

Apesar dessa vontade de alternância ao regime do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Abel Chivukuvuku comentou que muitos dos partidos da oposição angolana não têm vontade, nem programa para governar o país. Chivukuvuku foi mais longe nas críticas ao afirmar, por exemplo, que o Bloco Democrático (BD) é um partido sem visão para governar, "nem faz esforço para isso". Já o Partido de Renovação Social (PRS) teria um pendor nítidamente regionalista.

"Neste momento, o PRS é um partido de representação de uma realidade sociológica. Na sua agenda não está governar, nem faz parte dos seus planos tentar governar", disse o político. "O seu programa é defender o leste, defender as províncias das Lundas e o Moxico. E não fazem sequer um esforço de expandir. Quando discursam, o que dizem é 'queremos federalismo para o leste ficar autónomo'."

Oposição "mais atuante"

O ativista cívico, Lucas Pedro Bias, que participou no debate da Omunga, considera que a oposição angolana deixa muito a desejar.

"A oposição tem sido muito infeliz porque não tem conseguido alcançar as expetativas do próprio cidadão", referiu. "Acho que tem de trabalhar muito, ser mais atuante e, se calhar, olhar mais para o interesse nacional, do que meramente para os seus interesses institucionais. E é isso que temos de começar a discutir, que os partidos políticos têm tido um orçamento anual em função da sua representatividade na Assembleia Nacional. E devem ser mais atuantes."

Deutsche Welle - Autoria Nelson Sul D'Angola (Benguela) - Edição Guilherme Correia da Silva / António Cascais

Angola: FRENTE CLANDESTINA DE LUTA



Adalberto Ceita – Jornal de Angola

O processo dos 50 assinala hoje, sábado, 55 anos de existência. Hoje apenas dez estão vivos, numa lista de que fazem parte Amadeu Amorim, José Diogo Ventura, Carlos Alberto Van-Dúnem, Luís Rafael, Noé Saúde, Armando Ferreira, José Manuel Lisboa, António Matos Veloso, Miguel de Oliveira Fernandes e Manuel dos Santos Júnior “Capicua”.

Resultado de uma vasta onda de detenções efectuadas pela PIDE, entre 29 de Março e 24 de Agosto de 1959, o “Processo dos 50” foi a designação encontrada pelo povo de Luanda para o julgamento dos presos políticos acusados de conspiração contra o regime colonial português. 

Foi a 29 de Março de 1959 que a prisão em massa de nacionalistas angolanos por parte da PIDE dava início ao processo judicial que ficou registado na História como “Processo dos 50”.

Amadeu Amorim, um dos sobreviventes, recorda que o regime colonial se serviu da prisão, um dia antes, do jovem José Manuel Lisboa, no aeroporto de Luanda, quando embarcava para Leopoldville (Kinshasa) levando consigo um importante documento, que lhe foi entregue por alguém ligado ao Exército para a Liberdade de Angola (ELA).

Apesar da idade avançada, os acontecimentos nunca saíram da memória de Amadeu Amorim. Conta que foi num sábado que a PIDE decidiu iniciar as prisões em massa dos nacionalistas, dado que Luanda estava a ser inundada de panfletos que apelavam à insurreição contra o regime colonial. 

“Foi uma operação de prisões em massa de nacionalistas que na clandestinidade contestavam o regime colonialista em Angola”, afirma. 

Diogo Ventura, 85 anos, está entre os sobreviventes. Explica que o documento descoberto pela PIDE a José Manuel Lisboa se destinava a marcar presença de Angola na conferência pan-africana, em Accra, capital do Ghana e realça que o objectivo passava por saudar os seus participantes, e afirmar-lhes que Angola também estava a lutar pela sua libertação, reafirmar que o continente devia contar com os angolanos, esperando dos países já independentes a sua solidariedade.

Embora de forma clandestina, Amadeu Amorim insiste que era necessário trabalhar na mobilização popular e salienta que as prisões incidiram sobre elementos de três grupos clandestinos: “estamos a falar do Exército de Libertação de Angola (ELA), o Movimento para a Independência (MIA) e o Movimento de Libertação Nacional de Angola-Partido Comunista de Angola (MLNA-PCA)”. 

Amadeu Amorim esclarece que foi a partir dessas detenções e o conjunto dos três processos políticos que surgiu o nome “Processo dos 50”. Embora existam divergências sobre o número real de integrantes, porque muitos morreram nas cadeias, Diogo Ventura não disfarça a tristeza pela morte dos companheiros de luta. Neste momento, apenas dez estão vivos dos quais sete a residir em Angola e três em Portugal.

“A designação Processo dos 50 surgiu depois de Joaquim Pinto de Andrade ter enviado para o seu irmão que vivia no exterior, Mário Pinto de Andrade, um folheto, denunciando a prisão de 50 nacionalistas”, disse. A denúncia internacional e o facto de ter sido um número elevado de pessoas presas ao mesmo tempo, deu a conhecer ao mundo a situação política que se vivia em Angola.

Julgamento e revoltas

A prisão de elementos dos diversos grupos envolvidos na luta de libertação nacional em Angola deu origem ao maior julgamento político da época. Realizado em três fases, e com início em 1960, os réus contaram com a defesa de advogados como Diógenes Boavida, e António Águas Cruz. 

O julgamento no então Tribunal Militar Territorial de Angola teve também a presença da advogada Maria do Carmo Medina.

“Essa mulher foi extraordinária no papel de advogada dos presos políticos. Embora tivesse sido perseguida e ameaçada pela PIDE resistiu e por mim merecia uma estátua pelo contributo à nossa libertação”, considera Amadeu Amorim. 

“Os momentos de terror, prisões, interrogatórios e torturas não demoveram os angolanos. Pelo contrário, criaram um sentimento maior de revolta”, disse.

E justifica a sua afirmação com o levantamento de Catete, em Dezembro de 1959, o da Baixa de Cassanje, em Janeiro de 61, o 4 de Fevereiro e o 15 de Março do mesmo ano. Ao mesmo tempo aconteceu a fuga de Portugal de dezenas de estudantes angolanos. 

“O movimento reivindicativo cresceu. Era um país inteiro com consciência revolucionária e quando chegou a fase da luta armada os combatentes avançaram”, disse Amadeu Amorim.

Campo de morte

Se existe inferno na terra, para Diogo Ventura ele revelou-se no campo de concentração do Tarrafal, local onde “foi sentida a saga assassina do colonialismo português”. Condenado a quatro anos de prisão e perda dos direitos políticos por 15 anos, acabou por permanecer sete anos preso.

“Os prisioneiros estavam desprovidos de todos os direitos e a tortura era física e psicológica. Não se podia assobiar, cantar, ou apreciar a luz do dia. Apesar das péssimas condições de higiene, da alimentação deficiente e dos trabalhos forçados o médico aparecia apenas uma vez por semana e o posto de saúde não tinha medicamentos”, lembra.

Inicialmente condenado a 18 meses de prisão e perda dos direitos políticos por cinco anos, Amadeu Amorim ficou sete anos preso no Tarrafal. Lamenta o isolamento imposto e o sofrimento dos familiares dos condenados do regime colonial.

“Apesar de em períodos prolongados permitirem a entrada de correspondência, as cartas eram manipuladas com o propósito de nos destruírem psicologicamente”, disse.

Amadeu Amorim destaca a resistência e o inconformismo do poeta António Cardoso e de Manuel dos Santos “Capicua”, diante das autoridades coloniais. 

A rebeldia de ambos provocou-lhes inúmeros problemas. António Cardoso foi o preso político que mais tempo permaneceu no Tarrafal, enquanto Manuel dos Santos “Capicua” perdeu a noção da realidade. Reside em Lisboa, mas tem graves problemas mentais em consequência dos maus tratos que lhe foram infligidos.

“Peço ao nosso Governo que o traga para Angola, porque o homem está perdido e doente em Portugal, dependente da ajuda de amigos e pessoas de boa-fé”, lamentou.

Reconhecimento e valorização

Composta por integrantes e seus descendentes, a Fundação Angolana de Solidariedade Social e Desenvolvimento (Fundanga) tudo tem feito para manter viva a chama do “Processo dos 50”. 

Pascoal da Costa, um dos descendentes, admite que a instituição já sente maior reconhecimento e sensibilidade por parte das autoridades e da sociedade.

“Nos últimos tempos o reconhecimento tem crescido, mas ainda enfrentamos muitas dificuldades para levar avante os nossos desafios. por isso, apelamos à sociedade em geral no sentido de não abandonar este grupo de homens que soube dar o melhor de si em defesa do país”, reclama.

Pascoal da Costa refere que existem filiados em idade avançada, que precisam de apoios e de sentir que valeu a pena combater o colonialismo. Revela que, dentro da Fundanga foi criado um órgão para perpetuar os feitos dos sentenciados no “Processo dos 50”. 

José Diogo agradece a Deus por lhe prolongar a vida e testemunhar a liberdade e as conquistas que o país tem vindo a alcançar e recorda que a independência foi arrancada com suor, sangue e lágrimas.

O presidente da fundação alinha no mesmo pensamento. Amadeu Amorim fala de pouca valorização da luta clandestina e do sacrifício consentido em relação à luta armada e reclama uma sede condigna para a fundação.

“Precisamos ganhar consciência de que a luta armada é uma sequência dos acontecimentos da luta clandestina”, concluiu.



"Obiang não tem interesse" que se fale português diz ativista da Guiné Equatorial




O ativista e opositor político da Guiné Equatorial Juan Tomás Avila afirmou hoje em Lisboa que não existem estruturas de ensino do português por decisão do Presidente Teodore Obiang, que "não tem nenhum interesse" em que a população fale outras línguas.

"Na Guiné Equatorial não se vai falar português. Possivelmente há alguém que saiba português, pelos estudos que tem, mas os guineenses não vão falar português porque nunca os ensinaram", disse, comentando as promessas de ensino do português feitas pelo Governo de Malabo e que sustentaram o parecer favorável dos chefes da diplomacia lusófona à entrada do país na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), juntamente com a moratória à pena de morte.

E isto "porque Obiang não vai pôr a infraestrutura" para que o povo aprenda o português, disse o ativista, recordando que esta decisão do país em aderir à lusofonia é semelhante ao que se passou com a francofonia, organização à qual o país aderiu no passado.

"O mesmo se passou com a língua francesa, que nós não falamos porque Obiang não tem nenhum interesse com nenhuma língua, nem com o saber", afirmou o ativista equato-guineense, que lamentou o desconhecimento que Portugal tem em relação ao seu país.

"Obiang não tem nenhum interesse que as crianças tenham acesso à educação", explicou o ativista, que disse desconhecer a presença de professores de português no país.

A Guiné Equatorial, que verá a sua candidatura à CPLP ser analisada na cimeira de julho, em Díli, é um dos maiores produtores de petróleo de África e é considerada um dos regimes mais fechados do mundo por organizações de direitos humanos.

Na sua intervenção, Juan Avila falou sobre vários casos de execuções extrajudiciais, responsabilizando o regime, e denunciou situações de tortura sobre opositores.

"Obiang é um ditador, está isolado e constantemente quer entrar em organismos onde pode exibir o seu poderio económico", salientou o ativista, que denunciou também as diferenças existentes num país que tem o maior rendimento per capita de África mas onde, na capital, Malabo, "não há água potável" e as "pessoas vivem em péssimas condições".

Por outro lado, a Guiné Equatorial "é o país menos visitado do mundo", com seis mil turistas por ano, porque "Obiang não quer lá visitas".

"A questão da pena de morte" é "apenas uma questão política" porque o regime "mata de outros modos", salientou.

Lusa, em RTP

Imprensa estrangeira “encomendada” quer desvirtuar o sucesso do Diálogo Nacional



São Tomé e Príncipe

No fecho da sessão desta sexta – feira do Diálogo Nacional, o Presidente da República Manuel Pinto da Costa, acusou pelo menos uma rádio estrangeira que emite para São Tomé e Príncipe, de optar por ataques contra o Diálogo Nacional, num serviço de encomenda segundo Pinto da Costa.

Pinto da Costa falou de imprensa estrangeira, e identificou perfeitamente o tipo de órgão de comunicação social, “Rádio”. Mas ao relatar os actos aparentemente frustrados da referida rádio estrangeira em pôr em causa os ganhos do Diálogo Nacional, em termos da riqueza dos debates que contam com envolvimento massivo dos são-tomenses, o Chefe de Estado são-tomense falou no plural, pelo que se subentende que trata-se de duas rádios estrangeiras que emitem para o território são-tomense. «Eu tenho ouvido alguma imprensa estrangeira-Rádio, quando falam do diálogo nacional e transmitem informações do Diálogo Nacional, só transmitem coisas soltas, que parecem ser ataques ao diálogo Nacional», declarou Pinto da Costa.

O Chefe de Estado endossou a acusação. «São imprensas que são encomendadas para isso, para ataques ao nosso Diálogo Nacional, que é aberto, nacional e internacional. Devemos estar orgulhosos disso», afirmação de Pinto da Costa que foi coberta com aplausos no Palácio dos Congressos.

O Chefe de Estado são-tomense falou de tais rádios estrangeiras, sem indicar o nome dos operacionais alegadamente encomendados, que prestam serviço em tais rádios, com o propósito até agora frustrado de desvalorizar o evento que está a ter grande impacto a nível nacional, em termos de Diálogo entre os são-tomenses.  «Nesse diálogo temos gentes de todos os partidos políticos sem excepção nenhuma, e eu creio que essas presenças poderão influenciar positivamente as ausências para que a nossa família seja cada vez mais completa», concluiu Pinto da Costa

Abel Veiga – Téla Nón (st)

Guiné-Bissau: «JOMAV» garante que o «período de sofrimento está no fim»




Bissau - O candidato Presidencial do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), José Mário Vaz «JOMAV», garantiu aos guineenses que o prolongado período de sofrimento está prestes a terminar na Guiné-Bissau.

«Para vos dizer que se mantenham mais um pouco porque o sofrimento está quase a terminar», referiu José Mário Vaz.

Falando esta quinta-feira, 27 de Março, em mais um comício popular na capital, em frente à sede da Câmara Municipal de Bissau, «JOMAV» disse que se for eleito a 13 de Abril vai ser um Chefe de Estado orientado por outras forças. 

«Não vou ser um Presidente da República a quem vai ser dada orientação, isso nunca vai acontecer», garantiu.

O candidato Presidencial disse ainda que, da mesma forma como dirigiu a Câmara Municipal de Bissau e o Ministério das Finanças, com ordem, rigor, disciplina e firmeza, «vamos manter a nossa posição não porque temos a força, mas porque temos a Constituição da República que define claramente os poderes do Presidente da República».

Ao nível da justiça, «JOMAV» disse que, com o seu mandato, os tribunais vão passar a ser responsáveis por dirimir conflitos, tal como acontece nos outros países do mundo. 

«No mundo civilizado são os tribunais os responsáveis por dirimir conflitos, mas quem quer entrar nesta senda que venha fazer política como nós», desafiou.

O antigo ministro das Finanças da Guiné-Bissau apelou à união entre os guineenses, para não comprometer a coesão e a unidade interna nacional, tendo prometido trabalhar para união de todos se for eleito Presidente da República.

«JOMAV» apelou ainda ao voto na sua candidatura e no partido que o apoia, sublinhando que a partir de 14 de Abril os guineenses vão passar a ser orgulhosos de serem guineenses.

Na manhã desta sexta-feira, 28 de Março, o candidato Presidencial esteve em visita a Bissau, tendo passado pelo Hospital Nacional Simão Mendes.

No período a tarde, a comitiva da campanha eleitoral do PAIGC desloca-se à região norte do país, nomeadamente Mansoa, Mansaba e Farim.

Bissau Digital - (c) PNN Portuguese News Network

PM de Cabo Verde pede “tratamento especial” da África Ocidental para país insular




O primeiro-ministro cabo-verdiano afirmou hoje esperar que a cimeira oeste-africana, que hoje começa na Costa do Marfim, possa contribuir "fortemente", com um "tratamento especial", para ajudar a debelar as vulnerabilidades subjacentes à insularidade do país.

Em declarações à Rádio de Cabo Verde (RCV), que acompanha em Yamoussoukro os trabalhos da 44.ª sessão ordinária da Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), José Maria Neves disse que, na intervenção que hoje fará, dará conta das especificidades do arquipélago e da forte aposta de Cabo Verde na integração regional.

"Espero um apoio mais forte de todas as instituições da CEDEAO para que Cabo Verde possa ter condições de integração plena nesse espaço", disse o primeiro-ministro cabo-verdiano, que hoje completa 54 anos e que está à frente dos sucessivos governos do país desde 2001.

"Estando nós longe, tendo nós muitas vulnerabilidades, sobretudo económicas e ambientais, teremos de contar com um forte contributo das instituições da CEDEAO para que Cabo Verde possa fazer face à sua vulnerabilidade e aos custos da periferia e da insularidade. A melhor prenda que poderia dar-nos é garantir-nos um forte apoio para que Cabo Verde tenha sucesso e possa fazer face aos desafios", afirmou.

Segundo José Maria Neves, na intervenção que fará na cimeira, cujos trabalhos se prolongam até sábado, vai precisamente falar sobre as "especificidades" de Cabo Verde, que tem uma "forte intenção" de se inserir competitivamente no espaço da CEDEAO, onde já conta com o apoio do Senegal e Costa do Marfim.

"Sendo o único país arquipélago da região, precisa de um tratamento especial no quadro da CEDEAO, um apoio mais forte, para garantir a plena integração no espaço regional, designadamente as ligações aéreas e marítimas e também a infraestruturação. Os grandes projetos de infraestruturação são para o continente e Cabo Verde fica um pouco de fora desses pacotes e investimentos nas infraestruturas", sublinhou.

A cimeira começa hoje com a análise do relatório da Comissão da CEDEAO, em que o enfoque está nas negociações do Acordo de Parceria Económica (APE) com a União Europeia (UE), já concluídas, mas que aguardam aprovação a nível político.

O APE visa reforçar as economias da África Ocidental, alargando a gama de bens produzidos e exportados e reforçando as trocas comerciais inter-regionais entre o Benim, Burquina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Togo e Mauritânia (que abandonou a CEDEAO há quase uma década).
Em Yamoussoukro, serão analisadas as primeiras conclusões para acelerar a assinatura do APE, bem como as situações político-militar no Mali e eleitoral na Guiné-Bissau, cujas eleições gerais - presidenciais e legislativas - estão marcadas para 13 de abril, bem como a eleição do novo presidente rotativo da organização sub-regional.

JSD // VM - Lusa

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