terça-feira, 3 de outubro de 2023

Angola | OUTUBRO MARCOU VIRAGEM DECISIVA NA GUERRA -- Artur Queiroz

Diplomacia Angolana Forçou EUA às Negociações

Angola Resistiu às Agressões de Pretória e Exigiu ao Mundo o Fim do Apartheid 

Artur Queiroz*, Luanda

O mês de Outubro de 1987 foi fundamental para a vitória de Angola na guerra contra o regime racista da África do Sul, apoiado pelo estado terrorista mais perigoso do mundo e as potências do ocidente. Mas também foi crucial na frente diplomática. A diplomacia angolana conseguiu negociações bilaterais com os EUA e surpreendeu Washington com uma exigência: A maior potência mundial tem de colaborar com a comunidade internacional para pôr fim ao regime de apartheid. Pretória perdia posições na frente militar e o regime racista ficou encurralado até capitular com os Acordos de Nova Iorque. 

O Presidente José Eduardo dos Santos conseguiu o pleno: A independência da Namíbia, a retirada das tropas invasoras do Sul e Sudeste de Angola e a democratização da África do Sul. Após intensa actividade diplomática, os angolanos ganharam em toda a linha. Nos campos de batalha, as tropas de Pretória iam de derrota em derrota até à Batalha do Cuito Cuanavale, que marcou o fim de um regime, que foi o mais grave crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade. No Triângulo do Tumpo, nasceu uma nova ordem democrática mundial. João Lourenço está a destruir esse património. 

O historiador sul-africano Helmoed-Roemer Heitman, no seu livro “Guerra em Angola” (fase final) revela pormenores fundamentais para hoje os angolanos compreenderem o que estava em jogo nas batalhas do Cuando Cubango, Huíla e Cunene. 

Em 5 de Outubro de 1987, há 36 anos, a artilharia e a aviação da África do Sul bombardearam as posições da 47ª Brigada das FAPLA a Sul do rio Lomba. Depois de longas horas de bombardeamentos, o alto comando angolano deu ordens para que as tropas abandonassem a base logística da UNITA, que tinham ocupado, e fossem para Norte do rio. 

O coronel Ferreira, das forças sul-africanas, de perseguido passou a perseguidor e fez tudo para impedir que a 47ª Brigada se juntasse a outas unidades das FAPLA que estavam na região. Não conseguiu. A falta de apoio logístico levou as tropas angolanas à retirada, abandonando material militar acabado de chegar à linha da frente. Mas houve poucas baixas humanas. As tropas angolanas estavam prontas para continuar a combater, nas suas novas posições.

Os sul-africanos acusam a UNITA deste fracasso. O coronel Tarzan (mais tarde foi assassinado por Jonas Savimbi) não fez a sua parte. O tenente-coronel Setti também falhou. E as tropas da 47ª Brigada das FAPLA ainda travaram violentos combates com os sul-africanos na confluência do rio Lomba com o Cuzizi.

Pretória tinha no terreno o 61º Batalhão Mecanizado equipado com 50 blindados “Ratel”, com canhões de 90 milímetros. As FAPLA ocuparam linhas favoráveis na zona das nascentes dos rios Hube, Chambinga, Cuito, Vimpulo e Mianei. Assim evitaram que o inimigo caísse sobre a 47ª Brigada, que estava sem abastecimentos.

OPERAÇÃO MODULER

No dia 6 de Outubro o alto comando das tropas invasoras ordenou ataques contra as FAPLA que estavam a Leste do rio Cuito. Começou neste momento a segunda fase da “Operação Moduler”. A primeira fase consistiu em travar a ofensiva sobre Mavinga. Agora o objectivo era provocar o maior número possível de baixas às tropas angolanas. 

No dia 7 de Outubro de há 36 anos, as FAPLA retiraram para posições mais favoráveis. A 59ª Brigada, a 47ª e o I Grupo Táctico avançaram para Norte até à nascente do rio Cuzizi. A 21ª Brigada avança rumo ao rio Cunzumbia. A 16ª Brigada tomou a mesma direcção. O II Grupo Táctico, inicialmente tomou a direcção Sudoeste com o objectivo de proteger a retirada das16ª e 21ª Brigadas. Assim foi evitado que as forças sul-africanas se interpusessem. 

Pretória apostava tudo na vitória militar. E no dia 9 de Outubro de 1987 o 61º Batalhão Mecanizado da África do Sul juntou-se ao 32º Batalhão para perseguir as 47ª,25ª e 59ª Brigadas das FAPLA. Mas o rápido desdobramento das forças levou os “karkamanos” a abortarem o ataque. Mais uma vitória das tropas angolanas.

No dia 10 de Outubro a 21ª Brigada tomou posições, oito quilómetros a Sul da nascente do rio Cunzumbia. A 16ª Brigada estacionou oito quilómetros a Leste. No dia seguinte, o II Grupo Táctico juntou-se a esta brigada. Estava montado o dispositivo para travar com êxito as tropas invasoras. Estes acontecimentos ocorreram há apenas 36 anos e fazem parte dos alicerces da construção da paz.

Angola | A Vingança ao Matabicho – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A vingança é própria dos fracos e tem uma vertente muito vincada (tipo Morro do Chingo) de cobardia. Vingadores são acima de tudo leprosos morais que se escondem sob a capa dos fortes para esmagar os indefesos. Se o vento vira de direcção, tornam-se ratos assustados e refugiam-se nas sargetas. Em Angola conhecemos bem essa fauna e as consequências das suas vinganças e outras baixezas. Não digo que havemos de voltar, mas tenho esperança que a decência, a honra, a dignidade, o orgulho de ser angolano, cedo ou tarde voltarão. 

O primeiro mandato de João Lourenço ficou marcado pelas exonerações implacáveis, sem prévio aviso, sem uma palavra, sem a urbanidade que supostamente existe entre gente civilizada. A mensagem foi muito clara: O Estado sou eu. O MPLA sou eu. Os funcionários do Estado são meus. Tenho o direito ilimitado de nomear, exonerar, eliminar. Não sei se este abuso de poder chegou ao direito de pernada. Mas pelo comportamento de algumas dirigentes partidárias e governamentais penso que sim, esse direito é exercido. Do socialismo passámos à economia de mercado e recuamos ao feudalismo. 

Em pleno regime capitalista João Lourenço anunciou o combate â corrupção. Se tivesse anunciado que Angola ia mudar-se para a Lua, seria mais credível. Os corruptos são a guarda avançada da economia de mercado. Esse engano de alma apenas serviu para perseguir familiares e pessoas próximas do Presidente José Eduardo dos Santos. Enriquecer-se ainda mais e enriquecer a sua turma. Na sua voracidade pelo dinheiro alheio também atingiu familiares e pessoas próximas de Agostinho Neto. Angola nasceu no dia em que ele tomou posse. Ricos só com o seu beneplácito. Obras só as dele. Foi neste quadro de baixeza moral e desprezo pelo povo em geral que decorreu o mandato de 2017 a 2022.   

O segundo mandato de João Lourenço começou sob o signo da vingança. Entrou a demolir todos os obstáculos. Até as contas da Fundação Dr. António Agostinho Neto foram congeladas. O que restava de independência do Poder Judicial foi amarfanhado, espezinhado, comprado à razão de dez por cento cada recuperação de activos em muitos casos roubo descarado de bens. Vingança dos Presidentes da República anteriores por terem um currículo de servidores públicos e um percurso de vida que ele nem que viva mil anos consegue. Vingança! 

No dia seguinte à sua tomada de posse votou as Forças Armadas ao mais apagado e vil esquecimento. Vingança. Ele acomodou-se habilidosamente no comissariado político (conversa não enche barriga nem derrota os karkamanos) e depois apanhou boleia do partido. Chegou ao topo pela mão de José Eduardo dos Santos que depois encafuou no porão de um avião para exibir o troféu da sua perfídia como forma de somar mais uns quantos votos. 

Angola | Abutres e Hienas de Estimação -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Na Floresta da Ilha existia um pequeno zoo que só podia ser visto por quem tinha cartão para entrar naquele espaço, pessoas e viaturas. Os guardas florestais tinham toda a gente debaixo de olho. Fogueiras  nem pensar. Lixo no chão dava expulsão. Os animais podiam ser apreciados mas era proibido dar-lhes comida. A população do pequeno jardim zoológico era pouco variada: Macacos, chipanzés, muitas aves de rapina com destaque para os abutres e um casal de hienas que se escondia dos olhares intrusos. 

A Mocidade Portuguesa fazia lá um acampamento todos os anos. O hábito acabou quando o Sousa Vales arranjou um pistolão e de madrugada entrámos na Floresta aos tiros para o ar. Saímos pela baía numa canoa. O canoeiro cobrou-nos cinco paus e uma garrafa de Vinul. O tiroteio deu uma maka mundial. Os jornais falavam em forças subversivas e o Reis Ventura disse mesmo que os inimigos da pátria portuguesa invadiram Luanda. Obriguei o meu amigo a jurar que se voltasse a embebedar-se não usava a pistola. 

Ernesto Lara Filho era regente agrícola, formado na escola de Coimbra. E foi funcionário da Secretaria Provincial de Agricultura e Florestas até ser expulso por razões políticas. Enquanto esteve no exílio foi locutor do programa Angola Combatente na Rádio Brazzaville. Quando a irmã, Alda Lara, faleceu ele regressou e foi preso. Expulso de tudo. Sabia por que razão existia a Floresta da Ilha. Em Angola, muito de vez em quando, surge um  El Niño” que provoca terríveis calemas. A última varreu mais de dois terços da Ilha do Cabo e a Fortaleza de Nossa Senhora da Flor da Rosa, maior que a de São Miguel.

A contra costa foi protegida por pedregulhos e a Baía pela Floresta da Ilha. As casuarinas amainam os ventos dominantes e travam a areia. Aquele espaço protegido e protector recebeu dezenas de refugiados da guerra que nos foi imposta pelo estado terrorista mais perigoso do mundo, entre 1961 e pelo menos 1998. Era no tempo dos abutres colonialistas, famintos, que debicavam em Angola até encher o papo. 

Os abutres que comiam até regurgitar eram os norte-americanos, ingleses, franceses, holandeses e belgas. Até 1961 mandava a Robert Hudson, a Casa Americana, a Hul Blyth, a Casa Holandesa (Zeud) e outros ninhos de abutres. Depois do início da Luta Amada de Libertação Nacional chegaram os abutres mais famintos: Cabinda Gulf (Chevron). Os colonialistas de Lisboa ofereciam o petróleo e os terroristas de Washington davam apoio político e diplomático às mortandades da Guerra Colonial. O festim continua.

Guerra: os EUA entre a derrota e o desatino

Um ano após ataque ao Nord Stream, a Otan perde coesão. Alemanha sente-se humilhada. Eslováquia e Polônia podem abandonar o conflito. Ucrânia está quase sem soldados. Mas Washington insiste: é seu “ensaio” para disputas contra a China

Rafael Poch, no CTXT | em Outras Palavras | Tradução: Rôney Rodrigues | # Publicado em português do Brasil

As guerras estão expostas a todo o tipo de reviravoltas, mas na sua fase atual a derrota militar da Ucrânia é cada vez mais evidente. Assim como a resposta dos patrocinadores ocidentais de Kiev: fornecer de mísseis de longo alcance, capazes de atingir a Crimeia e colocar cidades russas ao alcance.

Faz um ano desde o ataque que explodiu o gasoduto Nord Stream, no Báltico. Com a distância de um ano, o fato de os Estados Unidos terem atacado um interesse estratégico da Alemanha, seu principal aliado na Europa, continua parecendo um dos fatos centrais do conflito na Ucrânia. Aquele atentado teve um efeito devastador sobre aquela que é a liderança dos Estados Unidos na Europa Ocidental. Prejudicou gravemente a economia alemã e falou muito sobre a fragilidade da coesão interna da Otan; sobre até que ponto a organização militar liderada pelos EUA no continente comanda a União Europeia, o seu braço político subordinado. A omertá sobre esse fato por parte dos próprios afetados, especialmente dos humilhados políticos alemães, bem como a colaboração dos seus serviços secretos e dos seus meios de comunicação nas grosseiras e diversas cortinas de fumaça lançadas pela CIA, para disfarçar e enganar a simples realidade sobre o autoria de tudo isso, também contribui muito bem para traçar o panorama que temos diante de nós.

Esse panorama é determinado e dominado pelas eleições presidenciais do próximo ano nos Estados Unidos. Esse país é a única potência capaz de forçar a paz, mas todos os ingredientes e circunstâncias que rodearam essas eleições apontam antes para uma dinâmica de guerra; isto é, rumo à escalada do conflito aberto na Ucrânia e ao aprofundamento do conflito latente na Ásia Oriental. Vejamos.

No topo da pirâmide temos um presidente senil, Joe Biden, sobre quem a mídia teria feito uma grande farra se ele fosse um chefe de Estado russo ou chinês. Em caso de incapacidade, Biden tem ao seu lado uma vice-presidente, Kamala Harris, que se destaca pela sua incompetência. Na segunda linha, um trio de estagiários sem cérebro encarregados do dossiê ucraniano: o secretário de Estado Blinken, o conselheiro de Segurança Nacional Sullivan e o subsecretário de Estado Nuland. Este pessoal incompetentes está, por sua vez, envolvido na luta interna mais dura e espetacular no establishment de Washington desde a guerra civil, que inclui uma série de ações judiciais com o objetivos de colocar o candidato adversário na prisão. Ambos os lados criminalizaram-se mutuamente e estão firmemente convencidos de que se perderem as eleições serão julgados, portanto não podem perdê-las. Somada à possibilidade de recessão, esta pressão poderá transformar o cenário de guerra aberta com a Rússia no grande recurso de sobrevivência da administração Biden.

Mais lidas da semana