domingo, 20 de julho de 2014

Portugal: APENAS CRETINICE?



Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião

1 Na quarta-feira passada fiquei a saber que os reformados e aposentados não podem exercer qualquer tipo de funções públicas. E não, não se está a falar apenas de cargos executivos ou similares. Um homem, com quarenta anos de experiência na área dos serviços florestais, não pode integrar uma comissão estatal para estudar os problemas do setor; uma mulher, que toda a vida tenha trabalhado no Serviço Nacional de Saúde, não pode transmitir os seus conhecimentos a quem está agora encarregue de uma qualquer pasta da atividade; um gestor público aposentado está proibido de dar uma conferência numa universidade pública; um ex-quadro de um banco ligado ao Estado não pode ter um programa de patinagem artística na RTP.

Não, nada tem que ver com os problemas financeiros que o Estado português tem: os aposentados ou reformados não podem, pura e simplesmente, exercer qualquer tipo de funções em organismos ligados a entidades públicas, sejam pagas ou pro bono. Muito excecionalmente, e se forem autorizados pelo ministro das Finanças, podem fazê-lo e, mesmo assim, as pessoas ficam desde logo impedidas de receber a reforma. Ou seja, para trabalharem de borla, têm de prescindir da sua reforma...

Não, não há qualquer tipo de engano. Como, provavelmente, o caro leitor, eu também não fazia ideia desta profunda infelicidade e fui para ela alertado por Bagão Félix, no seu espaço de opinião na SIC Notícias - cuja opinião subscrevo e aplaudo. A aberração consta da Lei 11/2014 de 6 de março - diz muito sobre os nossos media e a oposição ela ter passado despercebida.

O anterior diploma, sobre o mesmo assunto, já proibia a remuneração por trabalho, o que já de si era uma infâmia. Um cidadão trabalharia meses a fio, ou semanas, ou o tempo que fosse, a preparar um qualquer documento ou estudo e nada receberia. É assim uma espécie de comunismo 3.0: o trabalho para o Estado tem de ser gratuito, os indivíduos não interessam, o coletivo é tudo. Em frente, demos de barato que a crise justifica tudo, até termos idiotas funcionais ou patetas deslumbrados a fazer leis.

Afinal a questão - ficámos desde dia 6 de março esclarecidos, sabendo que até de borla os reformados e aposentados não podem trabalhar para nada que cheire sequer a Estado - nada tem que ver com os já referidos atuais problemas financeiros do Estado português. Temos assim duas opções: ou achamos que os representantes dos cidadãos, que fizeram e aprovaram esta lei, e o Presidente da República que a promulgou, tiveram um momento de pura cretinice ou pensamos que há aqui um pensamento.

A segunda hipótese, que com boa vontade apelido de pensamento, partirá do princípio de que um reformado ou aposentado é um peso morto para a comunidade. Nenhuma da sua experiência, do seu trabalho de décadas em prol do bem comum (esse estranhíssimo conceito para quem nos governa) pode ser aproveitado pelas mais diversas organizações ligadas ao Estado, que deve ser até criado um cordão de sanidade entre esses inúteis e a coisa pública. Talvez isto venha no seguimento de uma mentalidade, para aí promovida por uns miúdos que conhecem o mundo através de umas badanas de livros e que nunca saíram do conforto de uma escola qualquer, que afirma que foram os mais velhos, esses bandalhos que agora nos roubam o dinheiro em forma de reformas e pensões, a pôr em causa os seus empregos e os seus direitos. Talvez haja um plano pra suprimir uma geração inteira, uns velhos que têm o descaramento de pedir o que lhes é de direito. Talvez haja quem pense que uma comunidade pode subsistir e prosperar sem a desejável transmissão de experiências, dos ensinamentos das vitórias e das derrotas. Que bela comunidade querem construir, ou melhor, será que percebem sequer a ideia de comunidade?

Prefiro a cretinice. Prefiro pensar que, de facto, houve apenas um momento da mais absoluta cretinice que incluiu os governantes proponentes da lei, os deputados que aprovaram este absurdo, e o Presidente da República que a promulgou.

2 A lei acima referida pode, através de um olhar radiosamente otimista, ser considerada apenas um disparate. Já a marcação, em segredo, de um exame aos professores para dali a cinco dias, com o objetivo de evitar qualquer tipo de reação da classe e pondo em causa as vidas das pessoas, é um ato evidentemente nojento, indigno de um governo e desrespeitador dos mais básicos direitos.

Em qualquer democracia minimamente madura, um ministro que se atrevesse a fazer uma coisa destas era imediatamente posto fora do Governo, mas, de facto, já se ultrapassaram todos os limites.

'Os EUA não têm moral', diz Cuba sobre acusação de tráfico de seres humanos



Salim Lamrani, Paris – Opera Mundi, opinião

Washington afirmou que na ilha há prostituição infantil e turismo sexual. No entanto, conforme assinalou o UNICEF, o país é exemplo na proteção da infância

Em seu relatório de 2014 sobre o tráfico de seres humanos no mundo, o Departamento do Estado inclui novamente Cuba em sua lista, situando-a na pior categoria (3). Segundo Washington, “adultos e crianças são vítimas de tráfico sexual e de trabalhos forçados” na ilha. “A prostituição infantil e o turismo sexual são uma realidade em Cuba e houve alegações de trabalhos forçados durante as missões no exterior que o governo cubano realizou”. 1

Entretanto, Washington reconhece a falta de credibilidade de suas informações:

Alguns cubanos que participam dessas missões de trabalho declararam que sua presença era voluntária e que o trabalho estava sendo bem remunerado em comparação a outros empregos em Cuba. Outros afirmaram que as autoridades cubanas os obrigaram a participar das missões, confiscando seus passaportes e limitando sua movimentação. Alguns profissionais da saúde que participavam dessas missões puderam se beneficiar de vistos estadunidenses e de algumas facilidades migratórias para viajar aos Estados Unidos com seus passaportes, o que indica que pelo menos alguns profissionais da saúde conservam seus passaportes. Os relatórios sobre coação imposta pelas autoridades cubanas não parecem refletir uma política governamental uniforme. Convêm ressaltar que carecemos de informação a respeito. 2

O relatório se refere, entre outros ao Cuban Medical Professional Parole Program (Programa de Liberdade para os Profissionais Médicos Cubanos, em tradução livre) (CMPP). De fato, desde 2006 Washington elaborou uma política destinada a tirar da ilha seu capital humano, facilitando a emigração de seus médicos para os EUA. Este programa prioriza particularmente os 30 mil médicos cubanos e outros funcionários de saúde que trabalham em cerca de 60 países do Terceiro Mundo, no marco de uma vasta campanha humanitária destinada a curar os despossuídos do planeta. 3

Assim, apesar da falta de informação confiável, o relatório de 2014 conclui que “o governo de Cuba não cumpre os padrões mínimos para eliminar o tráfico de seres humanos e não realiza os esforços necessários para isso”. 4

O ponto de vista da UNICEF

A acusação mais grave é relativa à prostituição infantil. Entretanto, a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) não compartilha desse ponto de vista e, pelo contrário, saúda os avanços de Cuba na proteção da infância. 5 Segundo o organismo da ONU, “Cuba é um exemplo na proteção da infância”.  Segundo Juan José Ortiz, representante da UNICEF em Havana, “a desnutrição severa não existe em Cuba porque há vontade política” de eliminá-la. “Aqui não há criança nas ruas. Em Cuba as crianças ainda são prioridade e por isso não sofrem as carências de milhões de crianças na América Latina, trabalhando, explorados ou em redes de prostituição”. 6

Ortiz compartilha sua experiência a esse respeito:

Há milhões de crianças exploradas diariamente, que nunca irão a escola; milhões de meninos e meninas que nem sequer têm identidade, que não existem já que não foram registrados. 7

Cuba, há mais de 50 anos, tem sido um modelo de defesa e de promoção dos direitos da infância. As políticas públicas a favor da infância têm sido prioridade há muitos anos. Assim, conseguiu-se algo verdadeiramente inédito no mundo em desenvolvimento.

Entre as centenas de milhares de crianças que sofrem gravíssimas violações de seus direitos, que chegam inclusive a morrer diariamente de causas absolutamente evitáveis, nenhuma é cubana. É a demonstração clara de que é possível, sim, que os Estados priorizem a atenção à infância e o seu desenvolvimento.

[…] Cuba demonstra que, apesar da crise internacional, apesar da gravidade do impacto do bloqueio [sanções econômicas] sobre o desenvolvimento da infância, apesar desse agravante, uma vez que é o único país a tê-lo, pode garantir plenamente os direitos da infância e conseguir níveis de desenvolvimento humano cada vez maiores. Cuba é um exemplo para o mundo de como é possível trabalhar para garantir os direitos da infância e seu pleno desenvolvimento. O povo cubano disfruta de um tesouro do qual às vezes não se dá conta. Os meninos, as meninas e os adolescentes são privilegiados em comparação ao mundo. 8

20.000 meninos e meninas vão morrer no mundo hoje e a imensa maioria dessas mortes poderia ser evitada. É criminoso deixar que as crianças morram se temos recursos para salvá-las. Se a questão da infância fosse uma prioridade mundial, os problemas dos quais elas são vítimas estariam resolvidos há muito tempo, como é o caso de Cuba.

Cuba sempre foi um exemplo no setor de desenvolvimento social, com nível de igualdade semelhante à dos países mais desenvolvidos […].

O trabalho realizado em Cuba com os menores delinquentes (outra grande questão e desafio para a América Latina e o Caribe) é exemplar. Aqui, não há prisões para crianças. O sistema defende a reabilitação dos jovens extraviados […]. Da mesma maneira, todas as crianças descapacitadas são atendidas, e isso dentro da própria casa se o menino não pode se mover. É um avanço excepcional […]. É o único país que eu conheço onde se pode celebrar o Dia da Criança dançando […]. 9

O representante da UNICEF ressalta também o seguinte: “Por causa do meu trabalho, dediquei meu tempo a sepultar crianças em todos os países. Entretanto, em Cuba, dedico meu tempo a brincar com eles”. Ele não exita em classificar a ilha como “paraíso da infância na América Latina”. 10 O UNICEF lembra que Cuba é o único país da América Latina e do Terceiro Mundo que erradicou a desnutrição infantil. 11

Resposta de Havana

Em Havana, as autoridades condenaram a nova inclusão de Cuba, presente na lista negra desde 2003, no grupo de países envolvidos no tráfico de seres humanos e qualificaram o relatório de “manipulador e unilateral ”: 12

O Departamento de Estado decidiu, outra vez, incluir Cuba na pior das categorias de seu relatório anual sobre os países que “não cumprem completamente os padrões mínimos para a eliminação do tráfico de pessoas e não fazem esforços significativos para esse fim”, fazendo caso omisso do reconhecimento e prestígio alcançados por nosso país por seu desempenho destacado na proteção da infância, da juventude e da mulher.

Cuba não solicitou a avaliação dos EUA nem necessita das recomendações de um dos países com maiores problemas no tráfico de meninos, meninas e mulheres no mundo. Os EUA não têm moral para qualificar Cuba, nem para nos sugerir “planos” de nenhuma índole, quando se estima que o número de cidadãos norte-americanos traficados dentro desse país está próximo a 200 mil, onde a exploração sexual, e onde mais de 300 mil crianças, do milhão que abandonam seus lares, estão sujeitas a alguma forma de exploração […].

A inclusão nessa lista, por motivações totalmente políticas, como é também a designação de Cuba como Estado patrocinador do terrorismo internacional, é dirigida a justificar a política de bloqueio […], que afeta severamente a nossa infância, juventude, nossas mulheres e todo o nosso povo. 13

Washington reconhece o caráter frágil de seu relatório e o UNICEF desmente as acusações contra Cuba. Além disso, o envolvimento dos EUA no tráfico de seres humanos e na exploração legal de crianças a partir dos 12 anos prejudica sua autoridade moral e dá um golpe severo em sua credibilidade.

1. State Department, "Trafficking in Persons Report 2014", junho de 2014. http://www.state.gov/j/tip/rls/tiprpt/2014/index.htm (site consultado em 27 de junho de 2014), p. 148.
2. Ibid., p. 148-149.
3. United States Department of State, “Cuban Medical Professional Parole Program”, 26 de junho de 2009. http://www.state.gov/p/wha/rls/fs/2009/115414.htm (site consultado dia 2 de julho de 2014).
4. State Department, "Trafficking in Persons Report 2014", junho de 2014, op. cit., p. 149.
5. José A. De la Osa, "Cuba es ejemplo en la protección a la infancia", Granma, 12 de abril de 2008.
6. Fernando Ravsberg, "UNICEF: Cuba sin desnutrición infantil", BBC, 26 de janeiro de 2010.
7. Radio Havane Cuba, "L’UNICEF signale que Cuba est un exemple en matière des droits de l’homme", 1de junho de 2012.
8. Cubainformación, "Entrevista a representante de UNICEF en Cuba", 4 de junho de 2012. http://www.cubainformacion.tv/index.php?option=com_content&task=view&id=43657&Itemid=86 (site consultado dia 2 de janeiro de 2013.
9. Lisandra Fariña Acosta, "Ce pays est un laboratoire de développement social", Granma, 7 de junho de 2012. http://www.granma.cu/frances/cuba-f/7jun-Ce%20pays.html (site consultado dia 2 de janeiro de 2013).
10. Marcos Alfonso, "Cuba: ejemplo de la protección de la infancia, reconoce UNICEF", AIN, 18 de julho de 2010.
11. UNICEF, Progreso para la infancia. Un balance sobre la nutrición, 2011.
12. Agence France Presse, "Cuba califica de ‘manipulador y unilateral’ informe de EEUU", 21 de junho de 2014.
13. Josefina Vidal Ferreiro, "Declaración de la Directora General de Estados Unidos del Ministerio de Relaciones Exteriores de Cuba", República de Cuba, 21 de junho de 2014.

* Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, Salim Lamrani é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, com prólogo de Eduardo Galeano.

Contato: lamranisalim@yahoo.fr ; Salim.Lamrani@univ-reunion.fr

Página no Facebook: https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel


VOO MH-17: UM “ATENTADO” SUSPEITO DEMAIS




Tentativa de culpar Rússia sem evidências sugere o pior: isolados e em declínio, EUA tentariam manter supremacia por meio de provocação e guerra permanentes

Paul Craig Roberts – Outras Palavras - Tradução: Vila Vudu

Sobre o tema: AULA DE (ANTI-) JORNALISMO: ASSIM O “NEW YORK TIMES” MANIPULA - Veja, passo a passo, como jornal engana seus leitores, para levá-los a acreditar numa mentira: a de que o mundo apoia a versão da Casa Branca sobre a derrubada do avião malaio. Por Antonio Martins
– 
As sanções unilaterais impostas pelos EUA e anunciadas por Obama em 16/7, bloqueando o acesso a financiamentos bancários de empresas russas de armas e energia, comprovam a impotência de Washington. O resto do mundo, incluindo duas das maiores associações comerciais dos EUA, já deram as costas ao presidente.

A Câmara de Comércio dos EUA e a Associação Nacional de Fabricantes [orig. National Association of Manufacturers] fizeram publicar anúncios e emitiram opiniões nas páginas do New York Times, Wall Street Journal e Washington Post protestando contra as sanções inventadas pelos EUA. A Associação Nacional de Fabricantes disse que “estamos desapontados com os EUA, por ampliarem sanções unilaterais de modo que muito prejudica a posição comercial norte-americana no mundo.” A Agência Bloomberg noticia que “reunidos em Bruxelas, líderes da União Europeia recusaram-se a acompanhar as medidas impostas pelos EUA.”[3]

Na tentativa de isolar a Rússia, o insano habitante da Casa Branca isolou Washington.

As sanções não terão efeito sobre empresas russas. As empresas russas podem obter mais financiamentos do que carecem, de bancos chineses, franceses e alemães.

Os três traços que definem a cidade de Washington – arrogância, soberba e corrupção –, também emburrecem a capital norte-americana e a fazem incapaz de aprender. Gente arrogante, tomada de soberba, nunca aprende. Quando encontram resistência, respondem com propinas, ameaças e coerção. A diplomacia exige capacidade razoável para aprender com os erros — os próprios e os dos outros; mas já há anos Washington esqueceu a diplomacia. Washington só conhece a força bruta.

Consequentemente, os EUA, com as sanções, só são capazes de solapar o próprio poder e a própria influência. As sanções só têm estimulado os países a se afastarem do sistema de pagamentos em dólares, que é o fundamento do poder norte-americano.

Christian Noyer, presidente do Banco da França e membro do Conselho de Administração do Banco Central Europeu, disse que as sanções de Washington estão afastando as empresas e os países do sistema de pagamentos em dólares. A soma gigantesca de dinheiro que os EUA assaltaram, sob a forma de “multa” aplicada ao banco francês BNP Paribas, por manter transações com países que os EUA “desaprovam”, mostra bem claramente os graves riscos que ameaçam todos os que ainda insistam em negociar em dólares, quando os EUA ditam as regras que bem entendam.

O ataque dos EUA contra o banco francês serviu para que muitos recordassem as numerosas sanções passadas e se pusessem em alerta contra sanções futuras, como as que ameaçam o banco Commerzbank da Alemanha. Já é inevitável um movimento para diversificar as moedas usadas no comércio internacional. Como Noyer destacou, o comércio entre a Europa e a China não precisa do dólar e pode ser integralmente pago em euros ou renminbi.

O fato de os EUA imporem regras só deles a todas as transações denominadas em dólares, em todo o mundo, está acelerando o movimento de países que se afastam do sistema de pagamento na moeda norte-americana. Alguns países já criaram acordos bilaterais com seus parceiros comerciais, para que os pagamentos se façam nas respectivas moedas próprias.

Os países BRICS já estão estabelecendo novos métodos de pagamento, independentes do dólar, e estão criando seu próprio fundo monetário, para financiar seus negócios.

O valor do dólar dos EUA como moeda de troca depende de seu papel no sistema internacional de pagamentos. Se esse papel vai desaparecendo, também começa a sumir a demanda por dólar e o valor de troca do dólar. A inflação entrará na economia dos EUA via preços de importações, e os norte-americanos, já tão pressionados, verão cair ainda mais os seus padrões de vida.

No século 21, a cada dia menos gente confia nos EUA. As mentiras de Washington, como “armas de destruição em massa” no Iraque (que nunca existiram); “armas químicas usadas por Assad” (que jamais as usou); e “armas atômicas do Irã” (que absolutamente não existem) já são tratadas como absolutas mentiras por outros governos. São mentiras e mais mentiras, que os EUA usam para destruir países e ameaçar outros países com destruição, para manter o mundo em eterno sobressalto.

Washington nada tem a oferecer ao mundo, que consiga acalmar o sobressalto e a aflição que os EUA distribuem pelo planeta. Ser nação amiga de Washington implica aceitar todas as suas chantagens. E muitos já começam a concluir que a amizade de não compensa o preço altíssimo que custa.

O escândalo da espionagem universal pela Agência de Segurança Nacional dos EUA contra o mundo, e a recusa dos EUA a se desculparem e desistirem da prática reiterada daqueles atos aprofundaram ainda mais a desconfiança, que já se vê hoje até entre os próprios aliados dos EUA. Pesquisas, em todo o planeta, mostram que outros países veem os EUA como a maior ameaça à paz.

Nem o próprio povo norte-americano confia no governo dos EUA. Pesquisas mostram que ampla maioria de norte-americanos entendem que os políticos, a imprensa empresarial prostituída [orig. presstitute media] e grupos de interesses privados, como Wall Street e o complexo militar/de segurança, violentam todo o sistema para servir seus próprios interesses, às custas do povo dos EUA.

O império de Washington está começando a rachar, circunstância que provoca ação desesperada. Hoje, (17/7, 5ª-feira), ouvi notícias na National Public Radio sobre um avião de passageiros malaio que caiu em território da Ucrânia. A notícia era  verdadeira. Mas foi apresentada em tom de fazer crer que teria havido alguma espécie de complô urdido pela Rússia e “separatistas” ucranianos. Na BBC, mais e mais opiniões enviesadas, cada vez mais enviesadas. Até que matéria sobre as “mídias sociais” “noticiava” que o avião teria sido derrubado por um sistema russo de armas antiaéreas.

Nenhum dos “especialistas” ouvidos sequer se preocupava com o que os “separatistas” teriam a ganhar com derrubar um avião de passageiros. Nada disso. Elas já haviam decidido que a Rússia “é culpada”, o que “evidentemente” “obriga(ria)” a União Europeia a apoiar sanções ainda mais duras contra a Moscou A BBC acompanhava o script dos EUA e “noticiava” o que Washington queria ver nas manchetes!

A operação tem, isso sim, todos os indícios de ter sido concebida em Washington. Todos os promotores oficiais de guerras rapidamente apareceram em todos os canais de televisão e em todas as manchetes. O vice-presidente dos EUA Joe Biden declarou que “a aeronave foi explodida em voo”. Que “não foi acidente”. Ora! Por que alguém teria tanta certeza, antes de qualquer confirmação oficial? Visivelmente, Biden não procurava culpar o governo ucraniano. Claro que quem abateu a aeronave em “pleno voo” foi… a Rússia! É o modo como Washington opera: grita “culpado!” tantas e tantas vezes, até que já ninguém se lembre de exigir provas.

O senador John McCain pôs-se imediatamente a “declarar” que havia cidadãos norte-americanos no avião, o que bastava para ele “exigir” ações punitivas contra a Rússia (tudo isso antes de alguém conhecer a lista de passageiros do avião e as causas da queda).

As “investigações” estão sendo feitas pelo regime de Kiev, fantoche de Washington. Acho que já se poderia escrever a conclusão hoje, sem investigar coisa alguma.

É alta a probabilidade de que apareçam provas fabricadas, como as provas fabricadas que o secretário de Estado Colin Powell dos EUA apresentou à ONU, para “provar” a existência das inexistentes “armas de destruição em massa” iraquianas. Washington safa-se há tanto tempo, com tantas mentiras, golpes, encenações e crimes, que já se convenceu de que se safará sempre.

No momento em que escrevo, não há ainda informação confiável sobre o avião, mas a velha pergunta dos romanos vale sempre: cui bono? Quem se beneficia?

Os “separatistas” nada têm a ganhar com derrubar um avião de passageiros, mas Washington, sim, tinha “bom” motivo: culpar a Rússia. E bem poderia ter também um segundo motivo. Dentre os muitos rumores, há um rumor que diz que o avião presidencial do presidente Vladimir Putin voava rota semelhante à do avião malaio, com diferença de 37 minutos entre um e outro avião. Esse rumor disparou especulações de que Washington teria decidido livrar-se de Putin, mas errou o alvo: tomou o avião malaio pelo jato presidencial russo. O site Russia Today (RT) noticia que os dois aviões teriam aparência semelhante.

Antes de começarem a “explicar” que Washington seria sofisticada demais para ‘errar’ de avião, lembro que quando os EUA derrubaram avião iraniano no espaço aéreo do Irã, a Marinha dos EUA “explicou” que “pensara” que os 290 civis assassinados naquele atentado estivessem num jato iraniano, um F-14 Tomcat, jato de combate fabricado pelos EUA, e muito usado também pela Marinha dos EUA. Ora! Se a Marinha norte-americana não consegue distinguir nem entre um jato de combate que usa todos os dias, e um avião de passageiros iraniano… é claro que os EUA podem se atrapalhar e confundir dois aviões de passageiros que, como diz RT são, sim, até que “parecidos”.

Durante toda a matéria da BBC, publicada para inventar a culpa da Rússia, nenhum “especialista” lembrou-se do avião iraniano de passageiros que os EUA “abateram em pleno voo”. Ninguém “exigiu” sanções contra os EUA.

Seja qual for o desfecho do incidente com o avião malaio, os fatos indicam um perigo na política soft de Putin contra a intervenção armada e violentíssima dos EUA na Ucrânia. A decisão de Putin, de responder com diplomacia, não com recursos militares, às provocações de Washington na Ucrânia, deu vantagem inicial ao governante russo – como se comprova na reação da UE e de associações de empresários norte-americanos contra as sanções de Obama. Contudo, ao não impor fim imediato, por meios militares, ao conflito que Washington patrocina e comanda na Ucrânia, Putin deixou a porta aberta para os crimes e complôs que Washington está maquinando — e que são especialidade dos EUA.

Se Putin tivesse aceitado o pedido dos antigos territórios russos do leste e sul da Ucrânia, para se reincorporarem à Rússia, o imbróglio ucraniano teria acabado já há meses; e a Rússia não estaria exposta a tantos riscos.

Putin não colheu o benefício de ter-se recusado a enviar soldados para os antigos territórios russos: a posição oficial” de Washington é que há soldados russos operando na Ucrânia. Quando os fatos não ajudam a “confirmar” o que mais interessa à agenda de Washington, “dá-se um jeitinho” nos fatos.

A imprensa empresarial norte-americana culpa Putin; já decidiram que o presidente russo é autor de toda a violência na Ucrânia. É coisa inventada na cabeça de Washington, mas “virou fato” nos jornais e televisões: é o que basta como justificativa para qualquer sanção.

Dado que não há prática ou ato, por sujos que sejam, que Washington não abrace, Putin e a Rússia estão expostos a alto risco de se tornarem vítima de atentados graves ou dos golpes mais abjetos.

A Rússia parece hipnotizada pelo Ocidente, sob forte motivação para ser incluída como parte. Esse anseio por ser aceita trabalha a favor da agenda e dos golpes de Washington.

A Rússia não precisa do Ocidente; a Europa, sim, precisa da Rússia. Opção interessante para a Rússia é cuidar de seus interesses e esperar que a Europa a procure, interessada.

O governo russo não deve esquecer que a atitude de Washington em relação à Rússia é modelada pela “Doutrina Wolfowitz”, que diz:

“Nosso primeiro objetivo é impedir a re-emergência de um novo rival, seja no território da ex-União Soviética ou em qualquer ponto, que represente ameaça da ordem que exerceu, antes, a União Soviética. Essa é a consideração dominante que subjaz à nova estratégia regional de defesa, e exige que trabalhemos para impedir que qualquer potência se imponha, numa região cujos recursos, sob controle consolidado, bastarão para gerar poder global.”

Brasil: Ativistas conseguem Habeas Corpus e policiais agressores são presos




A Polícia Militar do Rio de Janeiro determinou a prisão administrativa de quatro policiais suspeitos de agressão e roubo durante o ato do último domingo (13), na Tijuca, zona norte da cidade do Rio. Os quatro são soldados e ficarão presos no Batalhão de Policiamento de Grandes Eventos, por ordem do comandante da unidade.

Os inquéritos policiais-militares foram abertos depois que vídeos e fotos divulgados na imprensa e mídias sociais flagraram soldados agredindo jornalistas e manifestantes. Um soldado é suspeito de agredir o cinegrafista canadense Jason O’Hara, que teve equipamentos danificados e confiscados por policiais após ter sido chutado no rosto por um soldado quando estava sentado no chão. O segundo soldado detido é suspeito de ter roubado uma câmera do jornalista.

Um terceiro agente é suspeito de agredir o repórter fotográfico do Portal Terra Mauro Pimentel. As fotos do jornalista mostram o momento em que o suspeito agrediu Pimentel com um cassetete. O quarto policial preso é acusado de chutar duas vezes uma jovem manifestante. Ele chegou a ser contido por colegas depois da agressão. Segundo o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, 15 jornalistas que faziam a cobertura do protesto foram agredidos por policiais com armas não letais usadas pelos agentes.

Ainda com relação ao protesto de domingo, na terça-feira (15)  a Justiça do Rio de Janeiro concedeu o  habeas corpus a 13 dos 19 ativistas presos “preventivamente” na véspera do protesto marcado para o horário da realização da final da Copa do Mundo. As prisões foram embasadas no risco desses manifestantes planejarem manifestações de violência.

Informações dos Advogados Ativistas confirmam o nome ou apelido de 12 dos ativistas liberados: Rebeca Martins, Bruno de Souza, Emerson Fonseca, Pedro Maia, Felipe Frieb, Felipe Proença, Rafael Caruso, Gerusa, Moa, Gabriel Marinho, Eloisa Samy e Joseane.

No final da tarde da última terça-feira (15) diversos manifestantes protestaram em frente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pedindo a liberdade imediata dos ativistas, para quem as prisões são políticas e absolutamente arbitrárias. Após a concessão do habeas corpus, os manifestantes comemoraram a decisão. (pulsar/rba)

Pulsar Brasil


A COPA DO POVO SEM POVO



Alberto Castro - Afropress

Finalmente viu-se negros nas arquibancadas da Copa, para alem de torcedores dos times africanos. Foi na apoteose da festa quando apareceram nas imagens da TV para o mundo no papel seguranças fazendo um cordel de proteção aos artistas da bola que subiam as escadarias do templo da glória para receber os troféus. Imagem apenas comparável ao carnaval de Salvador onde negros com corda tratam penosamente de proteger a diversão da elite branca.

No país de maioria negra (pretos e mulatos), fica o consolo de ver um negro, Jerome Boateng, no mais alto pódium da festa do futebol, paradoxalmente em representação da Alemanha, detalhe que certamente só em seus piores pesadelos Hitler imaginaria.

Mesmo com uma agenda política, parabéns a venezuelana TeleSur que fez, na minha opinião, com o programa De Zurda apresentado pelo astro Diego Maradona e pelo conceituado jornalista Victor Hugo Morales, a melhor cobertura da Copa fora dos gramados, apresentando a verdadeira cara do Brasil com reportagens em favelas, centros e em periferias de várias cidades brasileiras destacando os múltiplos aspectos da rica cultura popular e fazendo uma crítica a ausência de faces do povo-povo brasileiro nos estádios.

Nesse sentido uma nota tambem para as grandes cadeias de TV como a CNN, BBC, ITV etc, que tambem fizeram reportagens semelhantes embora com menor tempo de antena. Todas coincidem que foi o melhor ambiente dos mundiais dentro e, principalmente, fora dos relvados pela alegria e hospitalidade do povo brasileiro. Foi a grande Copa do Povo sem povo nos estádios.

Nota zero para a elite branca brasileira, ou parte dela, que demonstrou toda a sua falta de educação com vaias das mais ordinárias a sua presidente, coisa nunca vista em edições anteriores realizadas noutros países que tambem contestaram os gastos com as suas Copas.

Uma elite branca que sofre por não ser do primeiro mundo, que sofre quando confrontada a assumir a sua própria identidade latino-americana, uma elite complexada que julga que ser moderno significa ser do primeiro mundo. Uma elite que quer os efeitos da modernização mais do que a própria modernização no quadro de um desenvolvimento próprio. 


A ESTEPE (2)



Rui Peralta, Luanda (conclusão) – Ler A ESTEPE (1)

V - Muitas das empresas que conhecemos hoje e uma grande parte dos grupos económicos mais influentes do mercado global tiveram origem nos mercados ilegais que predominaram em 1945, actuando num cenário dantesco de escombros, fome e miséria. Muitas das empresas industriais italianas, a maioria das fortunas japonesas feitas no sector imobiliário e aplicadas posteriormente nas indústrias e finanças e grande parte dos negócios que impulsionaram a actual robustez da Alemanha, iniciaram-se de forma predatória. Foi no mercado ilegal e nas redes de distribuição do mercado informal que - á maneira das hienas - os empresários da época acumularam o capital que os conduziu às "nobres virtudes éticas".

Algumas das principais empresas metalúrgicas e de maquinaria, italianas (que preenchiam a paisagem da Emilia-Romagna) foram equipadas com máquinas, ferramentas e equipamentos diversos pilhados aos comboios da Wehrmacht abandonados nos carris, quando do avanço dos aliados em 1943. No Japão alguns dos grandes "samurais" da indústria eram senhores do jogo, proxenetas, fornecedores de cigarros, de carne enlatada e vestuário, desviados dos armazéns militares norte-americanos. Na Alemanha do após II Guerra os bordéis, os clubes nocturnos e o proxenetismo foram o prelúdio de muitas carreiras empresariais nos sectores químicos, farmacêuticos e construção. Outros preferiram as bebidas alcoólicas, alimentos e vestuário (tudo desviado dos armazéns militares norte-americanos e ingleses), aplicando depois os seus lucros na compra de locais bombardeados, aguardando, tranquilos, pela rápida valorização da propriedade. Por toda a Europa em escombros, acabada a guerra, as matilhas adquiriram ruinas e restos da guerra, para venderem fragmentos metálicos á metalurgia, ou tecido às fábricas de vestuário. Foi desta forma que os resíduos da guerra tornaram-se os primeiros produtos da paz.

No espaço soviético, nos finais da década de 80 e durante a década de 90, ocorreram situações similares ás da Europa Ocidental e do Japão pós-guerra. É necessário, no entanto, recordar que a economia soviética caracterizava-se por produção em grande escala (directamente proporcional ao enorme desperdício). Em 1989 produzia cerca de 6 kW per capita (quase o dobro da Itália, no mesmo ano), 557 kg, per capita, de aço (contra 382 kg dos USA), 119 kg, per capita, de fertilizante mineral (contra 12 kg do Japão) 488 kg, per capita, de cimento, contra 469 kg da França, 1,9 tractores agrícolas por mil pessoas (contra 1,3 da RFA) e nem a sua produção de carne, nesse ano (70 kg per capita) era tão baixa (32 kg no Japão, 63 kg em Itália, 96 kg na RFA e 120 kg nos USA.

Quanto ao desperdício...basta referir o pesadelo que representava para o consumidor soviético adquirir manteiga, ou as conexões que teria de estabelecer para comprar um par de sapatos com um mínimo de qualidade. A politica de defesa consumia 30% do PIB da URSS e muitos economistas fazem um grande alarido desse facto esquecendo-se, no entanto de referir que a diferença entre a produção de elementos básicos e o fornecimento de produtos acabados, prontos para consumo e realmente utilizados pelo consumidor soviético é muito superior a 30%. Ora, o que acontecia, então, a este excedente?

A explicação reside na ineficácia e na incapacidade da economia soviética em explorar ao máximo os seus recursos. Matérias-primas de qualidade entravam na industria ligeira para gerarem produtos acabados de muito baixa qualidade. Mas também a industria pesada sofria do mesmo mal. O ferro, o aço e o cimento utilizados na construção, eram desperdiçados porque o ritmo lento da construção (5 anos era a média para edifícios de habitação) fazia com que o cimento secasse nos sacos e o ferro enferrujasse antes de ser usado. Na agricultura dezenas de milhar de tractores eram anualmente substituídos por falta de manutenção. Toneladas de ferragens apodreciam nos celeiros e o mau uso dos fertilizantes e dos pesticidas aumentavam os índices de desperdício e reduziam a produção. Seria, pois, inevitável um processo de restruturação económica, com o objectivo de "limar as arestas". Mas o problema não era o desgaste das arestas...O desgaste maior - e mais perigoso - era o das elites.

VI - Para lá de todas as esperanças suscitadas no movimento operário (que a impulsionou e a tornou possível), a revolução russa de Outubro de 1917 revelou-se um sofisticado mecanismo de renovação das elites. Em Fevereiro do mesmo ano a burguesia russa tentou a sua sorte mas os tempos eram demasiado conturbados para o projecto liberal democrático. Em Outubro (Novembro) a Rússia retoma a sua posição intercontinental, aproveitando a força do movimento operário, adoptando o marxismo como discurso ideológico, encetando o modernizador projecto que efectivou a revolução industrial nas suas fronteiras.

A ausência de mecanismos democráticos torna violentos os rejuvenescimentos das elites. A democracia liberal era demasiado frágil e não teve tempo para implementar os seus mecanismos institucionais, limitando-se a um czarismo constitucional. Os mecanismos burgueses sustentados pela democracia politica não estavam suficientemente implantados na sociedade russa. O proletariado, ao nível das suas estruturas de classe praticava os procedimentos democráticos e constituía ilhas de democracia (os sovietes, por exemplo) mas sem força suficiente para implementar o seu projecto democrático de sociedade, em ruptura com a solução liberal, assumindo (porque para essa posição foi empurrado pela repressão) um posição insurreta. 

Os bolcheviques, nascidos no seio da social-democracia russa (e nela morrendo 80 anos depois) eram uma elite intelectual e administrativa que optaram por uma posição de proximidade ao movimento operário, infiltrando os sovietes e adoptando o discurso marxista-revolucionário, para melhor se demarcarem das posições reformistas dos sociais-democratas russos. Com a chegada ao poder, os bolcheviques - por serem uma elite intelectual e administrativa - minaram facilmente as instituições criadas na revolução e o aparelho de estado, acolhendo no seu seio os funcionários administrativos do aparelho czarista, que para manterem as suas funções e empregos trocaram rapidamente as imagens e símbolos do czar pelos retratos de Lenine e substituíram nos seus gabinetes a águia bicéfala pela foice e martelo com fundo vermelho. Dominado o aparelho do Estado e utilizando a guerra civil para submeter os sovietes, a nova elite abriu o caminho para o seu domínio.

Em 1939 os burocratas bolcheviques constituíam uma massa de 15 milhões de habitantes, socialmente distintos, usufruindo de privilégios inacessíveis á maioria da população - absorvida e desbaratada pelo esforço de trabalho da campanha stakhanovista - e que tragavam 40% da produção. O plano económico foi um assunto exclusivo da burocracia e os investimentos, realizados á conta do erário público, feitos em função dos interesses da camada dirigente. A burocracia estabeleceu uma rede interna de interesses comuns entre as diversas camadas e funções (funcionários, técnicos, policias, militares, jornalistas, académicos, intelectuais, dirigentes sindicais, ou seja, o Partido) que estava acima de qualquer crítica e responsabilidade. Os erros e os desvios em relação às metas estabelecidas pelos planos económicos eram atribuídos aos trabalhadores e não aos planificadores (quando a burocracia criticava ou atribuía responsabilidades a um dos seus era porque havia conflitos internos que terminavam com a vitoria de uma das facões e a expulsão da derrotada.

As "purgas" eram um mecanismo de renovação das elites e o partido um grande aviário para a reprodução das diversas camadas da elite). Os tubarões sindicais, convertidos em funcionários) colocados entre os trabalhadores, tinham como função obter informações sobre o descontentamento laboral e impedir greves (neste contexto não existiam grandes divergências entre a burocracia sindical soviética e a norte-americana). A força de trabalho foi convertida em trabalho forçado e os proletários russos, de facto, não morreram da "doença" capitalista, mas sim da "cura" socialista. Desprovido de tudo (até dos seus direitos, tão formais que eram virtuais, o que se coadunava com o formalismo socialista que servia de camuflagem ética á elite burocrática) o proletariado soviético via como a posse do Estado conferia á burocracia a posse dos bens móveis e imóveis "socializados".

Quanto á "revolução internacional", uma premissa fundamental da mitologia bolchevique (e de todas as concepções proletárias não reformistas, marxistas revolucionárias ou anarquistas) foi colocada na gaveta (em virtude da sua não realização). Estaline arrumou de vez a questão, russificando o assunto com a tese oficial do "socialismo num só país" (este fenómeno ocorreu na China, Indochina, Cuba e outros e prende-se com a necessidade das elites - sejam administrativas ou de mercado - apenas poderem implementar-se e desenvolver-se no espaço nacional. Surgem com uma componente cosmopolita e evoluem depois para o espaço ultranacionalista e identitário, em virtude de afirmarem o seu domínio no mercado nacional. Poderão depois voltar a um discurso global, se tiverem, caso dos BRICS, as ferramentas necessárias para actuar no mercado mundo, em circunstancias competitivas com os centros globalizados).

Foi esta elite que esgotou a sua capacidade de rejuvenescimento e de reprodução, recorrendo ao mercado (decorrente dos escombros) para injectar sangue novo.

VII - A Federação Russa nasce deste cruzamento, gerando um compromisso entre as agressivas elites de mercado e as renovadas (e reproduzidas) elites administrativas. É a continuidade do processo iniciado com a formação do Estado russo, afirmando-se, desde então, como centro da Eurásia. As tentativas para transformarem a Rússia numa periferia da Europa goram-se perante a imensidão de culturas e esbatem-se num modelo de Estado que poucas alterações sofreu. O capitalismo liberal representaria a periferização da Rússia. 
A opção pelo capitalismo de estado -de facto não é uma opção, mas sim o único modelo que consegue entrecruzar-se com as elites administrativas formadas sob a égide de Bizâncio e que prevaleceram até á actualidade, através do lento processo de rejuvenescimento que as caracteriza - permitiu levar por diante a revolução industrial e o enorme esforço modernizador que se esgotou no modelo soviético. A economia russa que em 1985 caracterizava-se por um papel interventivo total das autoridades estatais centrais, regionais e/ou locais na indústria e serviços e quase total na agricultura, apresentou em 1998 uma substancial redução do papel do estado nos serviços e na agricultura, mantendo o estado o seu papel na indústria, papel que actualmente ainda é considerável, embora nos serviços e agricultura seja muito reduzida. A banca privada e a pública partilham o mercado e existem algumas restrições á actividade bancária e bolsista. Não existe planificação centralizada da economia e tem um reduzido grau de regulamentação e licenciamento.

As relações com os dois blocos orientais (China e India) são boas e partilham uma opção estratégica que pela primeira vez move a Ásia e a Eurásia para além dos seus espaços continentais, envolvendo-se na América do Sul e em África através dos BRICS, com o Brasil e a África do Sul. Óbvio que as contradições com a China (e não apenas devido ás contradições nas respectivas periferias) poderão acentuar-se com o desenrolar das dinâmicas de desenvolvimento (é bom não esquecer que nos anos 60 e 70 estas divergências acentuaram-se).

De momento a concertação de interesses aponta para um reforço da coligação e para um eventual alargamento. Os recentes acontecimentos da Ucrânia e a forma hábil como a Federação Russa lida com o assunto (oposto á inabilidade europeia, excepto a Alemanha que tem a sua agenda bem definida a Leste) demonstra as intenções russas em enquadrar o espaço euroasiático de forma privilegiada na economia-mundo. O "ocidente livre" terá de rever o seu posicionamento em relação á Eurásia. É tempo de a Europa considerar a Rússia como um parceiro estratégico que tem duas grandes vantagens: 1) não está do outro lado do Atlântico; 2) existem, entre russos e europeus, cruzamentos históricos que prendem-se com a formação das respectivas identidades.

Ou será que a Ocidente a identidade centra-se em torno de si próprio, sendo todos os outros o "Outro", ou melhor, o oposto á sua mistificação? Ou estaremos na presença de um “espelho meu” que diz ao Ocidente que, afinal, ele não é tão belo assim…

Fontes
Aslund, A. How Russia became a market economy Brookings Institution, Washington, 1995.
Groh, D. La Rússia e l'autocoscienza d'Europa Einaudi, Turim, 1980.
Yanov A. The origins of autocracy University of California Press, Berkeley, 1980
Irwin, D. Against the tide: an intellectual History of free trade Princeton University Press, Princeton, 1996
Amin, S. Les defis de la mondialisation P.U.F., Paris, 1996
Rizzi, B. A burocratização do mundo Antígona, Lisboa, 1989
Luttwak, E. Turbo capitalism Ocean, London, 1998
Luttwak, E. Strategy: the logic of war and peace Harvard University Press, Harvard, 1987
Heritage Foundation / Wall Street Journal - Index of economic freedom - 1985/2013

Queda nas receitas do petróleo e saída de Xanana põem Timor-Leste em risco - Instituto




Díli, 18 jul (Lusa) - A estabilidade política em Timor-Leste pode ficar ameaçada pelo previsível declínio nas receitas do petróleo e se o atual primeiro-ministro, Xanana Gusmão, deixar o poder no final do ano, avisa o Instituto de Análise Política dos Conflitos.

De acordo com este instituto, com sede em Jacarta, na Indonésia, uma das raízes da estabilidade política que se vive em Timor-Leste resulta da canalização das verbas do petróleo para pagar aos deslocados para voltarem para casa, comprar os desertores do Exército que fomentaram a violência em 2006, financiar as pensões para os veteranos da luta pela indendência e garantir contratos de construção aos potenciais opositores políticos.

"Entre os observadores há uma tese geralmente aceite que diz que comprar a paz não é uma maneira aconselhável de criar estabilidade num país, e isso é verdade, principalmente em termos de sustentabilidade", defende o vice-presidente do instituto (IPAC, na sigla em inglês), em declarações citadas no IRIN, um site gerido pelo departamento das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários.

Cillian Nolan acrescenta, no entanto, que "de alguma forma isto resultou bem, não só porque conseguiu-se manter a paz, mas também porque isto mostrou uma forte independência face à influência estrangeira, porque realmente era dinheiro timorense a ir para as mãos de timorenses".

Depois da independência, em 2002, o país passou por vários conflitos internos em 2006 devido a dissidências dentro do Exército, que deixaram 150 mil pessoas desalojadas, o que resultou numa internvenção militar internacional, mas desde então tem havido um período de relativa estabilidade política.

De acordo com uma análise do Banco Mundial, as raízes da violência de 2006 assentaram no "falhanço em corresponder às altas expetativas pós-independência, particularmente para os veteranos da luta pela independência, altas taxas de pobreza e uma favoritismo percecionado na atribuição de cargos".

Para o Grupo Internacional de Crise (ICG, na sigla em inglês), são três os pilares da estabilidade no pequeno país habitado por 1,1 milhões de habitantes: "a autoridade do primeiro-ministro, as reformas no setor da segurança, e o fluxo de receitas petrolíferas do Mar de Timor".

Dois dos alicerces que sustentam a estabilidade política estão, no entanto, em risco, a começar pelo petróleo, cujas receitas vão começar a diminuir: "Timor-Leste tem cerca de sete anos até que a riqueza petrolífera desapareça", vaticina o investigador Charles Scheiner, do instituto de análise política timorense Lao Hamutuk.

Este instituto calcula que 90% das receitas estatais de Timor-Leste resultam do petróleo e gás. O Fundo Petrolífero detém cerca de 16 mil milhões de dólares, mas em 2025 estará vazio.

Por outro lado, a saída de Xanana, segundo os mesmos investigadores, criará o problema de como lidar com a previsível agitação social e política sem a liderança única do histórico resistente timorense.

MBA // PJA - Lusa

CPLP: Presidência de Timor-Leste é desafio que deve ser aproveitado com realismo - Horta




O antigo Presidente de Timor-Leste José Ramos-Horta disse ontem à agência Lusa que a presidência timorense da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) constitui um grande desafio que deve ser aproveitado com realismo.

"É um grande desafio para o nosso governo, mas para Timor-Leste satisfazer as expetativas desta presidência é preferível nós sermos modestos e não pensarmos que vamos ser diferentes. Moçambique e todos os outros fizeram boas presidenciais no que cabe à CPLP e ao seu mandato", afirmou José Ramos-Horta.

Segundo o Prémio Nobel da Paz, a grande novidade é que Timor-Leste é o único país da CPLP no sudeste asiático e deve promover um diálogo de troca de experiências e parcerias mais ativas entre a organização de língua portuguesa e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).

"Creio que é possível fazer algo e esse algo deve-se ao facto de Timor-Leste ser o único país da CPLP na Ásia, no sudeste asiático. Deve capitalizar, aproveitar, mas com realismo porque cada país da CPLP tem as suas relações e interesses bilaterais e toda uma estratégica de captação de capital privado, investimento direto nos seus respetivos países e não precisa da presidência de Timor-Leste para o fazer", afirmou José Ramos-Horta.

Para o antigo Presidente timorense, Timor-Leste pode criar um fórum para que os empresários e os governantes dos vários país se encontrem.

Um dos grandes objetivos da futura presidência timorense é dar uma dinâmica mais económica à CPLP para haver mais investimento privados entre os Estados-membros da organização, enquanto serve de ponte para entrada daqueles investidores no mercado do sudeste asiático.

No âmbito daquele objetivo o governo timorense vai realizar um fórum sobre "Globalização Económica e Oportunidades de Investimento: a CPLP e a Região Ásia-Pacífico", que vai decorrer no dia 24.

Timor-Leste assume pela primeira vez a presidência da CPLP durante a cimeira de chefes de Estado e de Governo dedicada ao tema "CPLP e a Globalização", que se vai realizar no dia 23 em Díli, e que deverá ficar marcada pela entrada da Guiné Equatorial e pelo regresso da Guiné-Bissau, após suspensão decretada na sequência do golpe de Estado de 2012.

Lusa, em Sapo TL

CPLP: Namíbia, Geórgia,Turquia e talvez Japão podem entrar como observadores associados




Lisboa, 20 jul (Lusa) -- Namíbia, Geórgia e Turquia poderão entrar como observadores associados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) na cimeira em Díli, na quarta-feira, um retrato da globalização de que a organização não se pode excluir, defende o secretário executivo.

Os chefes de Estado e de Governo reunidos na X cimeira poderão ainda analisar o pedido do Japão para obter o mesmo estatuto, depois de este país ter também formalizado a proposta.

A Guiné Equatorial e a ilha Maurícia foram os primeiros países a receber este estatuto, em 2006, e mais tarde foi a vez do Senegal.

Indonésia, Marrocos, Suazilândia, Austrália, Luxemburgo, Ucrânia e Turquia são exemplos de outros países que também já manifestaram interesse em juntar-se nesta categoria à organização lusófona.

Sobre as propostas que serão analisadas na cimeira da próxima quarta-feira, o secretário executivo da CPLP, Murade Murargy, considerou que o interesse no bloco lusófono é positivo, até para a promoção da língua portuguesa, e destacou que a organização não pode "fechar as portas" sob pena de ficar "ignorada e marginalizada", mas ressalvou que a análise dos pedidos "tem de ser criteriosa".

"Não vamos abrir por abrir, vamos discutir, nós temos os nossos princípios, os nossos valores culturais, históricos que nos unem e não vamos diluir esses valores, queremos até preservá-los e reforçá-los", disse, em entrevista à Lusa.

"Há um grande movimento e nós não podemos tapar esse movimento com as mãos. É a globalização. Um dia vamos ter uma aldeia global em que o conhecimento vai fluir com maior facilidade. É esta movimentação global da qual não podemos ficar fora, senão somos excluídos", destacou Murargy.

Neste "mundo globalizado", os países aproximam-se através de intercâmbios culturais, científicos, comerciais e económicos.

"Os países procuram sempre afinidades, espaços onde podem exercer esta aproximação ou parcerias", referiu o secretário executivo da CPLP.

Sobre os potenciais novos observadores associados, Murade Murargy apontou a relação que a Namíbia tem com Angola e Moçambique, enquanto a Geórgia, "apesar de estar um pouco fora, está na Europa", tal como Portugal, e poderão desenvolver-se "relações culturais, em relação à língua, e também comerciais".

Por outro lado, a Turquia "está a desenvolver relações muito fortes com Angola e Moçambique, em África", e associando à CPLP "terá muito mais espaço para dialogar e haver uma fluidez dos interesses dos dois lados".

Por fim, o Japão, cuja candidatura está em análise e também poderá ser considerada em Díli, tem um "grande intercâmbio" com o Brasil, disse Murargy, que lembrou também a presença económica e empresarial deste país em Moçambique, Angola e Portugal.

A globalização é precisamente o tema escolhido para a cimeira de Díli, durante a qual Timor-Leste assumirá a presidência da CPLP, sucedendo a Moçambique.

JH/VM // PJA - Lusa

Macau: DAR VISTOS A QUEM NÃO TEM DENTES



LEOCARDO – Hoje Macau - em Bairro do Oriente, opinião

Um grupo de residentes de Macau abriu recentemente na rede social Facebook um grupo onde manifesta a sua insatisfação pelo serviço de táxis no território, e convida quem tem tiver uma história relacionada com abusos cometidos por parte dos taxistas a partilhá-la. Alguns destes episódios relatados pelos utentes deste serviço são de deixar a boca aberta de espanto, e chegam a assumir contornos de filme de terror, tal é a prepotência e a ganância dos motoristas. A maior parte prende-se com indiferença perante mulheres grávidas, idosos, cidadãos diminuídos fisicamente ou quaisquer outros que não compense apanhar, pois não lhes vão pagar além do que é exigido por lei pela corrida, e preferem procurar quem lhes faça ganhar de uma assentada o turno de trabalho. A Direcção dos Serviços de Assuntos de Tráfego diz-se impotente para resolver o problema, e por mais fiscalização que se faça, os taxistas prevaricadores persistem na conduta, pois mesmo no caso de serem autuados, continua a ser “lucrativo” infringir a lei. Quando se pesa isto na balança e se chega à conclusão que vale mais a pena ser desonesto do que honesto, então estamos mesmo muito mal.

Tentando identificar a origem do problema, é comum ouvir dos residentes que a culpa é dos turistas da China continental, que mal chegados a Macau não se importam de pagar um montante à revelia do taxímetro, o único método efectivamente legal para determinar o preço da corrida. Em alguns casos não se importam de pagar 400 ou 500 patacas por um percurso que ficaria por menos de cem em circunstâncias normais, daí que os taxistas prefiram este tipo de clientes, pois em duas em três viagens fazem tanto como transportando 20 passageiros durante todo o tempo do turno. E não só no que diz respeito aos táxis os turistas do continente servem de desculpa; é por culpa deles que se torna quase impossível andar na rua, especialmente durante os fins-de-semana e feriados, são eles que esgotam das farmácias e supermercados o estoque de leite em pó das crianças, conhecido por “baby formula”, é por culpa sua que aumenta a criminalidade e disparam os preços dos bens de consumo. Puxando o fio à meada encontramos a principal causa de todo este chinfrim: a política dos vistos individuais, que a China implementou para as RAE de Macau e Hong Kong, e que permite que mais turistas da República Popular venham visitar os seus “compatriotas” deste lado, e com mais frequência.

Esta política dos vistos teve o seu início mais ou menos na altura em que o Executivo da RAEM decidiu liberalizar o sector do jogo, o que levou à entrada no mercado das concessionárias de Las Vegas – e em boa hora, pois com o aumento da oferta turística, era fundamental que se abrissem as portas à entrada de um grande número de visitantes. Esse número tem vindo a aumentar nos últimos anos, e tornou-se praticamente incomportável. Se em Hong Kong, com uma área muito maior, os residentes se queixam do excesso de turistas do continente, em Macau a situação é ainda mais grave, pois a juntar à exiguidade do território há ainda a escassez de recursos, que não dão resposta a um influxo de turistas desta dimensão. Mas se na RAEHK, praça financeira por excelência com capacidade para ser auto-suficiente, com ou sem vistos, em Macau é impensável dispensar esta modalidade, e todos ficam com os dedos cruzados para que a China não feche a “torneira”. No início as coisas até corriam de feição, pois o dinheiro ia entrando a magotes, mas se as pessoas acharam graça à novidade, cedo se aperceberam que pouco ou nada beneficiavam com isso – antes pelo contrário: com os que chegam para gastar dinheiro nas compras e nos casinos vêm também os vigaristas, carteiristas, assaltantes, prostitutas e outros amigos do alheio.

Entendo que exista um certo preconceito com os turistas do continente, sobretudo por razões culturais, mas não posso de todo concordar com esta culpabilização sem nexo. Se os táxis estão como estão, a culpa é sobretudo dos taxistas, que se comportam como maus profissionais. O que seria se no âmbito das minhas funções eu estivesse no serviço de atendimento ao público, e escolhesse quem queria atender? Os turistas vêm tratar da sua vida, talvez estejam habituados a este sistema, e com toda a certeza não têm em mente prejudicar os residentes de Macau. Falta leite em pó? Não chega? Manda-se vir mais, e do que estão à espera? Fossem fichas de casino, e já as tinham mandado vir “para ontem”. Prostitutas? Estas não obrigam ninguém a nada, e quanto a vigaristas, larápios, agiotas e afins, isso é da competência das autoridades policiais, e que eu saiba os que chegam de fora não estão a cobro de nenhum tipo de imunidade, e se forem apanhados têm que responder pelos seus crimes, como os de cá: a lei é igual para todos.

A política dos vistos individuais foi pensada no sentido de que todos beneficiassem dela: o Governo de Macau, que assim enche os cofres do erário público, a população, que deveria usufruir desses montantes, e os turistas, que assim ficam com mais liberdade de movimentos. Estes últimos fazem a sua parte, vindo até Macau, e a população recebo-os – que remédio – mas o que ganha com isso? Os tais cheques do “plano de comparticipação pecuniária” vão dando para pagar umas contas, mas começa a ser mais que evidente que não compensam que se sacrifique a sua qualidade de vida. Para o terceiro vértice deste triângulo, é até conveniente que se empurrem as responsabilidades para os turistas do continente, que são uma massa colectiva e anónima que ainda por cima nem tem acesso ao Facebook. Enquanto isto estes vão arrecadando as suas receitas, de acordo com o plano estabelecido, e pouco se importam que Macau seja actualmente o território da região Ásia-Pacífico onde é mais difícil apanhar um táxi. E para que se haviam de preocupar, se eles nem precisam de andar de táxi, ou a pé pelas vias congestionadas da cidade. Sim, essa é uma mentira em que fica mais fácil acreditar. Pelo menos desabafam.

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