sábado, 7 de junho de 2014

Portugal: O COSTA NO CASTELO



Ana Sá Lopes – jornal i, editorial

Não deixa de espantar a onda de sebastianismo a crescer à volta de Costa

A sério, isto não aconteceu com ninguém. Não aconteceu com Durão Barroso (um desastre como líder da oposição), não aconteceu com Guterres ("a picareta"), não aconteceu com Sócrates (o homem do aparelho, excessivamente à direita e que dava entrevistas atulhadas de citações), não aconteceu com Cavaco (o "provinciano"que só falava de números e que era tão à direita que fez implodir o bloco central), não aconteceu com Soares, nem aconteceu com Jorge Sampaio, que não teve hipótese de lá chegar. Talvez tenha acontecido com Ramalho Eanes uma vez - e com o partido que inventou outra. Por outras palavras, tudo isto é muito esquisito.

Há pessoas que acreditam há muitos anos que António Costa dava um bom secretário-geral do PS. Por razões que nunca foram convenientemente esclarecidas, ele sempre recusou avançar. Deixou Sócrates fazê-lo em 2004 (fizeram um pacto em que só um deles avançaria), não quis em 2011 e deixou o caminho aberto a Seguro. Recuou novamente há um ano e meio numa comissão política "em nome da unidade do partido", sabe Deus porquê. Se o objectivo de tantas recusas, recuos, suspenses, volta atrás, palavras cuidadosamente medidas sobre a sua capacidade de ser secretário-geral e um livro - o "caminho aberto" para qualquer lado - era conseguir que no dia em que quebrasse o tabu tinha uma passadeira vermelha, então esse objectivo está conseguido. A liderança de Seguro foi em muitos aspectos desastrada - mas também decorreu no pior momento possível, e logo a seguir ao governo PS mais odiado pelos portugueses, o que tinha assinado o Memorando da troika.

Não deixa de espantar esta onda de sebastianismo a crescer à volta de António Costa, que junta gente muito muito à esquerda do PS com gente muito, mas muito à direita do PS, numa salada de frutas inesperada. Uns acreditam que Costa será o homem que fará a ponte à esquerda (com os exemplos de Roseta e Sá Fernandes em Lisboa). Outros que fará o bloco central com Rui Rio ou com alguém do PSD que não se chame Coelho. Outros ainda que "a abrangência" fará o PS conquistar num ápice a maioria absoluta. António Costa está a ser santificado na praça pública: o Messias está a chegar ao Largo do Rato.

Convinha que se discutisse política. Retirando a saudação à herança Sócrates e uma avaliação mais correcta das origens da crise, Costa não disse nada que ficasse no ouvido. Mas parece que a sedução chega.

Portugal - Sondagem: PS cai a pique e Costa é melhor para PM




Seguro vive um pesadelo: Costa é considerado melhor candidato a primeiro-ministro e o PS tem a maior queda da legislatura.

Martim Silva - Expresso

António José Seguro passou do paraíso para o inferno. Em poucos meses. É certo que classificar de paraíso a situação que o líder do PS vivia talvez seja algo ousado. Mas que o momento atual é de pesadelo, que não fiquem quaisquer dúvidas: depois de três anos sistematicamente a subir nas intenções de voto, que levaram os socialistas da casa dos 25 por cento até aos 38 por cento, permitindo-lhe sonhar com uma maioria absoluta nas legislativas, este mês Seguro vê o PS ter uma queda de cinco pontos percentuais. Dos 38 para os 33% nas intenções de voto dos portugueses, de acordo com os dados da sondagem da Eurosondagem para o Expresso e para a SIC relativos ao mês de junho.

Ferreira Leite quer saber onde param os milhões da almofada orçamental




Antiga ministra das Finanças defende que é fácil resolver o buraco orçamental deixado em aberto pela decisão do TC. Bastaria que Passos Coelho utilizasse as reservas de mais de 500 milhões de euros "que lá tem para tapar estas situações". Não levava mais de "dez minutos".

Joana Madeira Pereira - Expresso

Manuela Ferreira Leite, no seu espaço de comentário na TVI24, voltou quinta-feira a questionar o paradeiro da provisão orçamental de várias centenas de milhões de euros existente no Orçamento de Estado deste ano.

As declarações foram proferidas horas depois de a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, ter admitido que alguns trabalhadores do Estado só em julho deverão receber os salários com a reposição dos cortes - apesar de a decisão do Tribunal Constitucional (TC) de chumbar os cortes salariais na Função Pública determinar a sua reposição já neste mês de junho. "Haverá muitos serviços que não dispõem de fundos suficientes no imediato", garantiu a ministra, no final do Conselho de Ministros de quinta-feira, que aprovou matérias como a nova Contribuição de Sustentabilidade, o aumento do ICA e a subida da Taxa Social Única.

Ontem à noite, Manuela Ferreira Leite mostrou não se conformar com estas declarações. Nem com a dramatização que o Governo está a fazer à volta do "custo" dos chumbos do TC - e que levaram mesmo o primeiro-ministro Passos Coelho a desmarcar a viagem ao Mundial de futebol do Brasil, que arranca na próxima semana.

"O Orçamento para 2014 tinha uma reserva chamada de dotação provisional: 570 e tal milhões de euros. Onde está esse dinheiro? Para onde foi? Onde está a ser aplicado? Não é para ter uma reserva? A dotação provisional é isso mesmo. A ministra das Finanças dizia que os serviços não têm dinheiro, mas ela pode fazer um despacho e tem delegação de competências para fazer um reforço dos ministérios, o que pode acontecer em 10 minutos", afirmou.

Por isso, defendeu, " em vez de o primeiro-ministro não ir ao futebol, eu acho que ele devia dizer à ministra das Finanças que utilizasse as reservas que tem lá para tapar estas situações. Para onde é que ele foi? Não é para ter uma reserva? A dotação provisional é para isso mesmo", adiantou a ex-ministra das Finanças.

Não é a primeira vez que a antiga líder do PSD aborda este tema. E admite pedir esclarecimentos à Assembleia da República a propósito desta matéria. "Há um ponto em relação ao qual não consigo conformar-me, que é não saber qual o destino daquele dinheiro. Se não houver nenhum esclarecimento público sobre essa matéria, eu própria farei um requerimento à Assembleia da República a pedir aos deputados que me esclareçam sobre essa matéria, porque eles são obrigados a responder", declarou.

Folga orçamental de 911 milhões

Segundo a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que analisa a execução orçamental dos primeiros quatro meses do ano, o Estado tinha, no final do último mês de abril, uma folga orçamental de 911 milhões de euros: 533, milhões que constituem a chamada dotação provisional e 377,1 milhões que compõem a reserva orçamental dos serviços.

Foto: José Carlos Carvalho

Em vídeo, princesas sauditas presas pedem ajuda internacional



Opera Mundi, São Paulo

Duas princesas sauditas, filhas do rei Abdallah bin Abdul Aziz Al-Saud, pediram, em um vídeo postado no YouTube, ajuda internacional para livrá-las do cativeiro imposto a ambas desde 2001 por seu pai. Na gravação, Sahar e Jawaher Bint Abdalá al Saud dizem que desde março elas não têm alimentos frescos ou água mineral. “Estão nos deixando morrer de fome”, diz Jawaher. Apesar de terem acesso à internet e às redes sociais, afirmam que elas e duas irmãs vivem presas em vilas dentro do palácio real.

As irmãs de 42 e 38 anos pedem que “as organizações de direitos humanos, a ONU e a Cruz Vermelha” se pronunciem sobre o caso. “Não esperem que ocorra conosco algo irremediável”, disseram. Outras duas irmãs Maha, de 41, e Hala, de 39, filhas da segunda esposa do rei, Alanoud Alfayez, estariam presas em outro lugar.

“Parece que a ONU, a Cruz Vermelha e outras organizações de direitos humanos precisam que lembremos suas responsabilidades”, escreveram em um e-mail pedindo ajuda para a divulgação do vídeo, como informou o jornal El País. Elas defendem que essas instituições façam uma “declaração pública” sobre o caso em vez de dizer que estão “trabalhando nisso e que estão enviando cartas” ao governo saudita. “Têm que vir a esta casa para ver este crime e nos liberar imediatamente”, suplica Jawaher, que aparece nas imagens sem véu.

As princesas contataram, em março, a jornalista libanesa e colaboradora do Sunday Times, Hala Jaber, via Facebook, para expor o caso. A repercussão, no entanto, não foi a esperada por elas, apesar dos diversos pedidos feitos à imprensa internacional e às ações da mãe das princesas, Alanoud al Fayez, que semanalmente organiza ações diante da embaixada saudita em Londres, onde mora.

De acordo com a correspondente do El País em Dubai, Ángeles Espinosa, ela tentou visitar as irmãs, mas, dois dias depois da tentativa, os guardas cancelaram a saída vigiada que era permitida a elas a cada dois meses para que pudessem fazer compras em um supermercado próximo ao local.

Alanoud chegou a escrever para o Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, mas não obteve retorno porque, segundo disseram, a carta não estava assinada por ela, mas por seu advogado. Ela tornou a escrever, mas ainda não obteve resposta.

Entenda o caso

A mãe das princesas, em entrevista ao El País, disse que o castigo pode ter sido motivado pelo fato de que elas falavam com franqueza ao pai sobre os problemas que viam no país, o que desagradava seus meio-irmãos. Alanoud disse também que sua terceira filha descobriu, enquanto trabalhava como psicóloga no Hospital Militar, que “colocavam presos políticos na área de psiquiatria onde lhes aplicavam alucinógenos”.

A Arábia Saudita é um dos piores países com relação aos direitos das mulheres, sendo o único do mundo a proibir que elas dirijam carros. De acordo com a ONU, não existem leis que criminalizem a violência de gênero no país e um relatório produzido pelo Fórum Econômico Mundial de 2010 sobre igualdade de gênero classificou a Arábia Saudita no 129º lugar entrem os 134 países avaliados.

Desta forma, é comum que maridos ou pais prendam suas esposas ou filhas. De acordo com a lei local, o marido, o pai ou o irmão detêm o poder de decisão sobre as mulheres.

Alanoud se casou com Abdalá com 15 anos, quando ele ainda não era rei. Em 1984 eles se divorciaram e ela foi viver em Londres, deixando as filhas na Arábia Saudita. As garotas estudaram em colégios ocidentalizados e duas vezes por ano viajavam para passar as férias com a mãe. Mas, após uma viagem à Itália sem ela, passaram a ser cada vez mais reclusas no palácio e com problemas para manter o estilo de vida que tinham.

Outra hipótese é que sejam mantidas reféns como forma de punir a mãe, já que o rei queria que ela voltasse a viver na Arábia Saudita, o que não aconteceu.


JÁ VIVEMOS EM UM MUNDO MULTIPOLAR?




Os acordos entre a China e a Rússia, o fortalecimento dos Brics e os processos de integração na AL são elos do que pode chegar a ser um mundo multipolar.

Emir Sader – Carta Maior

A mais importante virada da história contemporânea foi propiciada pelo fim da guerra fria, momento em que um dos campos da era bipolar desapareceu, abrindo caminho para um mundo unipolar, sob a hegemonia imperial norteamericana.

De imediato os EUA passaram a se valer de sua inquestionável superioridade, buscando transferir os conflitos para o enfrentamento miliar. O ápice dessa política de militarização dos conflitos se deu no Afeganistão, no Iraque e na Líbia. Ainda que sob formas relativamente distintas, o desenlace dos conflitos se deu pela via militar – invasão, ocupação, bombardeio, derrubada dos governos.

Mesmo com desgastes, essa via se impunha até recentemente sem que aparecessem obstáculos para que a dominação norteamericana se impusesse. Até que o conflito com a Síria, que se encaminhava para um bombardeio do território desse país, teve uma virada inesperada, com uma proposta de acordo formulada pelo Ministro de Relações dos EUA e aceita pelos EUA.

Acontece que os desgastes anteriores começavam a desgastar a capacidade hegemônica dos EUA. Foi muito significativo que a primeira rejeição a participar do bombardeio viesse do maior aliado estratégico dos EUA – da Grã Bretanha -, com a negativa do Parlamento britânico a acompanha os EUA em uma nova aventura, como consequência direta dos desgastes da invasão do Iraque, em que o ex-primeiro ministro Tony Blair saiu desgastado, por ter jogado seu prestígio numa versão que se revelou falsa.

Obama teve que aceitar a oferta russa porque, além de tudo, não conseguiu apoio da opinião pública dos EUA, sem vontade de que o país se metesse em uma nova guerra, com consequências imprevisíveis, como tampouco dos militares, a quem a ideia de um “bombardeio cirúrgico” não tinha convencido. E, como relatou o próprio Obama, nem de sua família ele conseguiu apoio.

A passagem a um clima de acordo sobre a Síria se estendeu ao Irã – inclusive pelos vínculos diretos que tem os dois conflitos -, valendo-se também da eleição de um novo presidente no Irã. Em ambos os casos, mesmo com dificuldades, há avanços, projetando paralelamente a Russia como novo grande protagonista da negociação dos conflitos contemporâneos. Pela primeira vez, desde o fim da guerra fria, os EUA tiveram que limitar sua ação baseada na força, para aceitar termos políticos de acordos negociados entre governos.

O caso da Ucrânia, mesmo com características distintas, confirma essa nova tendência. Com o final da guerra e a desaparição do campo socialista, as potências ocidentais avançaram com grande codícia sobre os países até ali participantes desse campo, incorporando-os à União Europeia e inclusive à Otan.

A  Ucrânia é um caso especial, porque se localiza na fronteira da Rússia e porque a Crimeia tem um porto essencial para o país, em termos comerciais e militares.  A forma violenta com que as forças pro-União Europeia atuaram – decretando inclusive a proibição do idioma russo – enfraqueceu mais ainda sua capacidade

A realidade é que se desatou uma dinâmica centrifuga, em que as potências ocidentais denunciam a ação da Russia como força que estaria impulsionando o desmembramento da Ucrânia. Conforme aumenta a ira da imprensa ocidental, se veem confrontados com a impossibilidade de intervir, gerando-se uma situação a mais de limites da ação dos EUA.

Conforme as potências ocidentais se viam limitadas a medidas inoquas de punição à Russia, Putin se reunia com Xi Jinping, para acertar um grande acordo energético, assim como uma estratégia de desdolarização do comércio entre os dois países. Em todos os seus aspectos os acordos contribuem a configurar campos próprios de ação, em oposição ao boco dirigido pelos EUA. No próprio conflito ucraniano, enquanto os EUA contam com seus tradicionais aliados europeus – com distintos graus de coincidência – a Russia conta com os países do Brics.

Os acordos entre a China e a Rússia, o fortalecimento dos Brics e os processos de integração regional na América Latina são elos do que pode chegar a ser um mundo multipolar. Os próximos anos confirmarão ou não esta perspectiva.

Grécia: AQUI EUROPA TESTA REPRESSÃO AOS IMIGRANTES




União Europeia estimula governo a promover detenção indefinida de estrangeiros. Medida fere leis gregas, mas segue tendência xenófoba dos tecnocratas

Apostolis Fotiadis, na Envolverde/IPS – Outras Palavras

A evolução de uma política imigratória e de controle das fronteiras na Grécia, bem como sua dependência dos fundos da União Europeia (UE), promoveu nesse país uma agenda que foi decidida por cima das leis nacionais, se ajustou aos interesses do bloco europeu e não levou em conta o sofrimento humano.

Em fevereiro as autoridades gregas anunciaram que os imigrantes ilegais seriam detidos indefinidamente até sua repatriação. A medida, baseada em uma decisão do Conselho Jurídico do Estado, será aplicada inclusive quando a repatriação não for factível em alguns casos. Neste final de mês, um tribunal grego considerou que a decisão é contrária à legislação nacional e europeia e pediu sua revogação. As autoridades ainda não se pronunciaram a respeito.

Desde agosto de 2012, quando a polícia implantou uma política de repressão contra os imigrantes ilegais, conhecida como Operação Xenios Zeus, a detenção administrativa foi aplicada em grande escala, frequentemente pelo período máximo de 18 meses vigente na época. Agora, o Conselho Jurídico do Estado considera que a extensão desse prazo não é uma “detenção”, mas uma medida restritiva em benefício dos imigrantes que, se forem libertados, poderiam estar expostos a situações de perigo.

A detenção foi denunciada como ineficaz e desumana por diversas organizações não governamentais, tanto internacionais como gregas. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) qualificou a medida de “sinal atroz do duro tratamento que o país dá aos imigrantes”. Em um informe de abril sobre as condições de vida nos campos de detenção gregos, a MSF afirma que a “detenção sistemática e prolongada provoca consequências devastadoras sobre a saúde e a dignidade de migrantes e solicitantes de asilo na Grécia”.

Apesar das fortes críticas, as autoridades gregas não demonstram intenção de flexibilizar suas duras medidas. Pelo contrário, a tendência para adotar controles mais rígidos parece estar em linha com as diretrizes e os reordenamentos financeiros da Comissão Europeia, o órgão executivo da União Europeia.

Em setembro de 2012, um mês depois de a Grécia colocar em marcha o plano Xenios Zeus, foram modificadas as normas de aplicação do Fundo Europeu para o Retorno e entre as mudanças adotadas está a possibilidade de financiar projetos de infraestrutura, tais como renovação, restauração e construção de centros de detenção. Esse Fundo é a estrutura europeia que financia a maioria dos projetos de controle da imigração no continente.

Além disso, em 2013 a Comissão Europeia propôs aumentar em 20% a taxa de cofinanciamento da UE nos projetos relacionados com os controles imigratórios cobertos tanto por esse Fundo quanto pelo Fundo das Fronteiras Externas, que chegavam a 50% e 75%, respectivamente. A modificação não se traduziria em um aumento do financiamento da UE, mas permitiria aos Estados membros reduzir o cofinanciamento nacional obrigatório. No caso da Grécia, o valor seria reduzido dos atuais 25% para 5%. A proposta legislativa foi aprovada na primavera boreal de 2013.

A dependência que a política grega tem do apoio da Comissão Europeia é inquestionável, assegurou à IPS a pesquisadora Danai Angeli, do centro de Estudos Eliamep e diretora do Midas, um projeto de pesquisa sobre a rentabilidade das políticas de controle imigratório que terminará no final deste ano.

“A prática da detenção sistemática seria impossível sem o apoio dos fundos europeus”, afirmou Angeli. “Sem esses recursos, o foco na Grécia se deslocaria, possivelmente, para soluções alternativas que levariam muito mais em conta um enfoque de rentabilidade e a detenção nunca teria adquirido a condição de prioridade política”, acrescentou.

Apesar do evidente custo em sofrimento humano, a política de detenções em grande escala não é só a opção mais destacada na UE, mas pareceria coincidir com uma agenda de militarização e privatização dos controles fronteiriços e dos imigrantes ilegais, segundo Martin Lemberg, professor do Centro de Estudos Avançados em Migração, da Universidade de Copenhague.

“Apesar das declarações públicas que condenam a catástrofe humanitária nas fronteiras externas da UE, o bloco nunca deixou de apoiar novos projetos e controles mais rigorosos nas fronteiras do sudeste europeu”, apontou Lemberg à IPS. “Podemos ver essa dupla moral como uma forma para que a UE se transforme continuamente em um espaço político relevante em uma Europa onde os partidos contrários aos imigrantes ocupam uma parte cada vez maior dos parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu”, acrescentou.

Em dezembro de 2013, a Comissão Europeia anunciou a implantação do Eurosul, um projeto que permitirá a vigilância constante do Mar Mediterrâneo. Embora esse órgão o tenha apresentado como “um instrumento novo para salvar as vidas dos imigrantes”, organizações e legisladores europeus, entre eles a representante alemã do Partido Verde Europeu, Ska Keller, o criticaram por estar “a serviço da batalha contra a imigração ilegal”.

Também em dezembro de 2013, a UE propôs “fixar normas para a vigilância das fronteiras marítimas externas”, e dez dias depois a cúpula anual do Conselho Europeu decidiu as prioridades para melhorar a eficácia da política de defesa e a capacidade operacional do bloco.

“O Eurosul é um excelente exemplo do que podemos chamar de captura reguladora, ou seja, os processos de lobbye governança em múltiplos níveis, nos quais atuam empresas de segurança privada e militares”, criticou Lemberg. “Naturalmente, a própria Comissão Europeia, é capaz de transformar as políticas de controles fronteiriços dos Estados-nação individuais sem ter de lidar diretamente com seus parlamentos nacionais”, acrescentou.

Em abril, o Ministério de Assuntos Marítimos grego apresentou uma licitação para alugar os serviços de vigilância de suas fronteiras marítimas no Mar Egeu. O projeto prevê compensação de 73,8 mil euros por 60 horas de vigilância no período de dois meses, ou seja, média de 1,23 mil euros por hora, com 75% do custo coberto pelos fundos europeus e os 25% restantes pelo Estado grego.

Também estabelece a privatização dos serviços de segurança em três dos maiores centros de detenção do país, o que atraiu os principais atores do setor privado, como a G4S, a maior empresa de segurança privada do mundo, criticada pelo tratamento que dá aos detidos em seus três centros de asilo na Grã-Bretanha. A maior parte dos custos, calculado em cerca de 14 milhões de euros por ano, também será coberta pelos fundos europeus.

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Crise ucraniana é pretexto formal para expansão da OTAN para leste



Serguei Duz – Voz da Rússia

Tudo indica que Washington tenciona estrangular a Rússia com o nó da OTAN. A sua doutrina russófoba foi aceita por muitos dos que antes estiveram ligados ao povo russo por laços de amizade. Chegou a vez da Ucrânia.

A Aliança Atlântica usa todos os pretextos, frequentemente artificiais, para aproximar suas infraestruturas das fronteiras da Rússia. Tendo na prática provocado uma guerra civil na Ucrânia, os norte-americanos tencionam aproveitar o caos instalado para dar mais um passo firme. Usando as táticas da guerra informativa, os EUA criam nos territórios sob seu controle uma atmosfera de medo e ódio, na qual os argumentos da razão cedem à pressão dos falsos testemunhos, dos fatos inventados e das declarações provocatórias.

Com a crise da Ucrânia como pano de fundo, na sede da OTAN preferem não falar de um futuro alargamento. O secretário-geral da Aliança Anders Fogh Rasmussen apenas prometeu vagamente aprofundar a cooperação militar com Kiev e realizar exercícios conjuntos. A ambiguidade do secretário-geral é compreensível, pois Kiev se encontra em estado de disputa territorial com Moscou e o Tratado do Atlântico Norte recusa categoricamente a adesão de países com esse tipo de problemas.

Uma situação semelhante se vive na Geórgia. O conflito da Abkházia e da Ossétia do Sul reduz vertiginosamente sua hipótese de entrar para a Aliança. Mas é evidente que tanto a Geórgia, como a Ucrânia, são para a OTAN bocados bem apetecíveis, visto que são inclusão na esfera de influência do bloco criaria um poderosíssimo fator de pressão diplomática e militar sobre a Rússia.

Lá onde a OTAN se sente à vontade, a Aliança dinamiza sua atividade. Essa tendência não é de agora. Mas a crise ucraniana dinamizou o processo. Começam os exercícios da OTAN no mar Báltico, a base aérea norte-americana na Estônia está recebendo mais caças F-16 e a Lituânia está aumentando seu orçamento militar para cobrir o aumento de despesas com o aquartelamento de destacamentos suplementares de outros países da Aliança.

A OTAN reforça sua presença também no mar Negro. Durante o mês passado na Romênia tiveram lugar várias manobras conjuntas com os norte-americanos, uma série dos quais em polígonos perto da fronteira com a Ucrânia. O cruzador norte-americano Ticonderoga chegou ao porto romeno de Constanta. No início do ano, a OTAN transferiu oficialmente para esta cidade as funções do Centro de Trânsito do Pentágono do aeroporto de Manas, no Quirguistão.

Aliás, a população do Quirguistão se sentiu muito aliviada porque os estadunidenses deixaram de si uma má memória. Durante os treze anos de funcionamento da base aérea dos EUA em Manas, os habitantes locais enfrentaram casos de violência direta por parte dos militares estrangeiros.

É sintomático que os militares da OTAN recusam quase ostensivamente respeitar as leis dos países que visitam logo que pisam seu solo. O aumento do contingente militar da OTAN já trouxe novos problemas aos habitantes de Letônia. Aivars Lembergs, o prefeito da pacata vila portuária de Ventspils, referiu com tristeza que em dois dias os militares da OTAN provocaram tantos incidentes quantos não ocorrem durante o Dia da Cidade, quando Ventspils é visitada por dezenas de milhares de pessoas.

Todos esses truques são apenas uma pequena parte do panorama geral, mas eles permitem avaliar a situação no seu todo. É muito importante perceber que o frenesim europeu da OTAN não ameaça apenas a segurança da Rússia, mas a estabilidade internacional no seu todo. Dito de uma forma direta, Washington está brincando com o fogo e, além disso, envolve em seus jogos aqueles que, por diversas razões, não podem resistir a suas pressões.

Para satisfazer suas ambições políticas e geoestratégicas, é executada uma prática dirigida à desestabilização da situação política em países soberanos. Essa é uma estratégia muito perigosa que, mais tarde ou mais cedo, poderá provocar uma catástrofe mundial.

Foto: AP/Efrem Lukatsky

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