sábado, 27 de abril de 2013

DEMOCRACIA DE OCASIÃO




Elaine Tavares – Brasil de Fato, opinião

Várias denúncias foram formuladas sobre a vergonhosa compra de votos que ocorreu pelo país afora. Tem até vídeo comprovando a ação de um senador do Partido Colorado, que teve como punição apenas a suspensão por dois meses. Então, seria bom fazermos algumas análises sobre de que democracia estamos falando, pois como dizia Lênin, a democracia não existe em seu estado puro, ela sempre pede um adjetivo. Nesse caso do Paraguai, em que comprovadamente as ações ilegais de compra de votos e coerção aconteceram, qual o adjetivo que haveria de ter a democracia?

As eleições no Paraguai dispararam um alarme no quesito democracia. Imediatamente ao resultado, presidentes de diversos países da América Latina se manifestaram dando os "parabéns" ao presidente eleito. Cristina Kirchner, da Argentina, Pepe Mujica, do Uruguai e Juan Manoel Santos, da Colômbia. Com isso, ao que parece, já estão sinalizando que a Unasur, bem como o Mercosul, certamente restabelecerão o Paraguai que estava suspenso desde o golpe parlamentar do ano passado.  Conforme se pode ver divulgado em vários jornais, Cristina praticamente garantiu o retorno e Mujica declarou que "é muito importante que as eleições tenham ocorrido com normalidade e que o país tenha vivido a democracia na sua plenitude”. O embaixador Tovar da Silva Nunes, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil também declarou que as eleições foram uma demonstração inequívoca de civismo.

Ora, isso não é verdade de forma alguma. Várias denúncias foram formuladas sobre a vergonhosa compra de votos que ocorreu pelo país afora. Tem até vídeo comprovando a ação de um senador do Partido Colorado, que teve como punição apenas a suspensão por dois meses. Então, seria bom fazermos algumas análises sobre de que democracia estamos falando, pois como dizia Lênin, a democracia não existe em seu estado puro, ela sempre pede um adjetivo. Nesse caso do Paraguai, em que comprovadamente as ações ilegais de compra de votos e coerção aconteceram, qual o adjetivo que haveria de ter a democracia?

Ocorre que o Paraguai não é a primeira nação a passar por uma situação de golpe nos últimos anos na América Latina. A Venezuela foi golpeada em 2001, mas justamente a democracia participativa incentivada pelo presidente Chávez e pelo bolivarianismo, foi a que jogou as gentes na rua e exigiu a volta do presidente constitucional.

Depois, foi a vez de Honduras, que por haver se acercado da Venezuela recebeu o "castigo" do golpe militar. Mel Zelaya, ainda que saído das elites latifundiárias, defendia a soberania de Honduras e estava trabalhando para sair do atoleiro de nação sempre satélite dos Estados Unidos e das empresas multinacionais. Por esse "crime", pagou com a deposição pelas armas. Os países da órbita da América do Sul rechaçaram o golpe. O Brasil chegou a abrigar Zelaya na sua embaixada por muito tempo. Mas, foi só o país chamar eleições que todo mundo se aquietou. "Agora sim, voltou a democracia". Não importava que essas eleições tivessem acontecido sem a participação dos partidos de esquerda, ou que continuassem a ser assassinados os militantes sociais, sindicalistas, estudantes e jornalistas. As tais das eleições redimiam tudo.

A pergunta que fica então é essa: é de eleições que se trata a democracia? Se elas acontecerem, não importa como, está tudo bem?  Pois, ao que parece essa é a receita que temos visto os Estados Unidos apresentar para os países que não se alinham com suas políticas ou que tenham alguma riqueza que eles cobiçam. A democracia que esse país imperial tem exportado para o mundo é a das eleições. Não importa que seja num mundo em que todo o ethos cultural exija outra forma de organização, não importa que elas aconteçam sob ocupação militar, com assassinatos em massa. O que tem de haver é eleição. As formas como elas se dão, ou o contexto na qual acontecem tampouco importa. Botou voto na urna e já chamam de "festa cívica".

Na América Latina já está soando o alerta vermelho. Só não vê quem não quer. Seria bom que a Unasur pudesse fazer uma longa discussão sobre esse tema porque se agora foram Honduras e Paraguai, amanhã pode ser a Argentina, ou o Brasil. E o que todos farão? Chorarão durante o golpe e celebrarão a democracia assim que eleições sejam chamadas? Fecharão os olhos para as condições objetivas nas quais estarão se dando as eleições?

Democracia é muito mais do que eleição. É participação efetiva das gentes. É um sistema de governo em que o executivo manda obedecendo, sempre conectado com a maioria da população. É quando a maioria das gentes pode decidir sobre as coisas importantes que acontecem no país. Quando o poder popular é exercido de forma livre e sistemática e não apenas de quatro em quatro anos depositando um voto na urna, muitas vezes em condições de exceção ou subordinados ao poder financeiro.

Li várias opiniões nas redes sociais sobre o povo do Paraguai. Que gostam de seguir falsificados, que não têm cabeça por votar num multimilionário que vai depredar o país, que são burros e muitas outras coisas depreciativas. Mas, muito pouca gente sabe o que se passa no Paraguai desde que a Inglaterra, em 1864, incitou Brasil, Uruguai e Argentina a fazer uma guerra contra o país destruindo quase toda a sua população. Desde aí, desta vergonhosa invasão - que nem pode ser chamada de guerra, tamanha a desproporção das forças  - que o Paraguai vem servindo de chacota, como um lugar onde apenas existe contrabando e falsificação.

Ocorre que o Paraguai tem um povo forte, que resistiu aos mais bárbaros sistemas de extermínio, que luta por terra, por moradia, por saúde, educação. Tem uma juventude que lutou bravamente contra o golpe. Tem trabalhadores batalhando por direitos. Mas, ao mesmo tempo, são acometidos por governos despóticos, ditaduras militares, e gângsteres. Não é coisa fácil se mover nesse universo, daí que fica difícil fazer julgamentos sobre as escolhas que fazem nesse momento ritual de eleição. Os paraguaios que estão em luta sabem muito bem que a eleição, da forma como acontece, é só um momento ritual, que não define nada. Nela atuam as forças econômicas, os interesses multinacionais, os embaixadores obscuros de países ricos. E também há os que se movem com medo, que precisam proteger as famílias ou o pouco que conseguiram amealhar.

O Paraguai não pode ser motivo de chacotas por parte dos brasileiros. Esse país e tudo o que lá acontece também é nossa responsabilidade, porque como povo nós já fizemos parte de momentos duros e impactantes para as gentes irmãs. Da mesma forma, Honduras precisa estar na nossa agenda, porque lá, mesmo depois das tais "eleições livres" seguem sendo assassinados os seguidores de Zelaya, os sindicalistas, os jornalistas, os militantes sociais.

A democracia não é uma coisa mágica que faz sua retumbante aparição num domingo qualquer, em que as pessoas saem a votar. A democracia é batalha diária, disputa cotidiana, participação sistemática. Essa democracia é que precisa ser incensada, lembrada, amada, buscada. O demais, é rito. Perigoso rito.

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Portugal - 1.º DE MAIO: TRABALHO, LIBERDADE, DIGNIDADE




Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Marcos históricos na vida das nossas sociedades, como o 25 de Abril de 1974 ou o 1 de Maio, são vividos com a emoção que advém da memória dos grandes acontecimentos, ainda que não vividos, das conquistas de direitos e liberdades que sustentaram as nossas vidas enquanto trabalhadores, pessoas e cidadãos.

Em muitos portugueses e portuguesas hoje essa emoção tende a esbater-se perante a realidade vivida quotidianamente, perante os danos do austeritarismo que coloca mais de 20% dos trabalhadores portugueses no desemprego, que inferniza a vida no trabalho, na família e na sociedade, que condena à pobreza. A convivência com os nossos mais próximos amargura-nos a esperança de um futuro que faça jus às lutas do passado. Nuvens pesadas carregam a vida do nosso amigo, familiar ou vizinho; amanhã o que impede que seja a nossa?

Esta frustração e desânimo são inevitáveis perante as loucuras da avalanche de políticas ruinosas de um governo que traiu o povo e o país, perante a atuação do presidente da República que desgraçadamente sanciona essas políticas, perante instâncias europeias e internacionais que nos querem sugar até ao limite das nossas forças. Atiram-nos para um modo de viver que vorazmente abraça o imediato, o agora sem saída. Ora, dias como o 1.o de Maio, em que recordamos o que de melhor nos identifica como um povo, como projeto civilizacional, conferem fundo histórico à nossa existência.

Com Abril e Maio o que foi conseguido foi mais que a liberdade de expressão, de reunião, de organização sindical e política. Foi mais do que o direito a escolher livremente os governantes. Abril e Maio trouxeram muito mais. Trouxeram liberdade a sério: saúde, educação, habitação, dignidade no trabalho, cidadania, independência e soberania para os portugueses e para outros povos que a ditadura subjugava.

O Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública, a Segurança Social, a consagração legal da dignidade e da segurança no trabalho transformaram Portugal e fizeram-nos esquecer a dureza de um passado de carências extremas, de humilhações, de muros intransponíveis entre classes sociais, de pungentes despedidas de famílias a caminho da emigração forçada, ou de militares que partiam para uma guerra colonial sem sentido.

Jamais esquecerei a imensa alegria da minha mãe - mulher do campo quase analfabeta e absolutamente distante de qualquer intervenção política - após o 25 de Abril, perante a constatação de que os seus filhos mais novos já não iriam para a guerra colonial. Hoje é preciso relembrar a importância da paz e da soberania, pois a divisão dicotómica e a brutal austeridade seguidas na UE são geradoras de perigos iminentes.

As liberdades positivas e prenhes de dignidade humana, que o Estado social garante, estão em risco. A pretexto de emergências financeiras causadas pela atuação tirana da finança desregrada anunciam-se cortes. Cortes onde mais dói. Não nas adiposidades dos credores, das PPP, de empresas monopolistas e de consultores do Governo, precisamente nos direitos sociais fundamentais que dão conteúdo ao Estado social construído com Abril. Amputar o Estado social, reduzi-lo a mínimos, é reduzir brutalmente a liberdade que Abril trouxe.

Nestes dias é mais clara a necessidade de na memória sermos capazes de construir de novo, reinventar, ir além do passado. Para fazer futuro, e (re)conquistar liberdades e direitos é preciso ação. Estar na rua. Assumir compromissos de combate, de luta social e política capazes de derrubar o atual Governo e as políticas de austeridade de uma U.E. que se está a negar como projeto dos povos europeus, da paz e da solidariedade.

Como expressa a CGTP-IN no seu manifesto "Os trabalhadores, o povo e o país estão perante a mais vil e monstruosa operação de saque económico e de terrorismo social". É necessário uma grande participação dos trabalhadores nas manifestações sindicais do próximo dia 1 de Maio, que se realizam por todo o país.

Sobre cada um de nós recai a responsabilidade de recriar o futuro. O direito último de que não podemos jamais abdicar.

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Portugal – Bloco de Esquerda: CATARINA MARTINS ACUSA MINISTRO DAS FINANÇAS





BE diz que Gaspar fechou os olhos aos 'swap'

Diário De Notícias - Lusa

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins acusou hoje o ministro das Finanças de fechar os olhos relativamente aos contratos 'swap' celebrados por empresas públicas, adiantando que teve conhecimento do problema há dois anos e não fez nada.

"Em junho de 2011, um 'dossier' que falava dos problemas dos 'swaps' foi entregue no Ministério das Finanças, o que quer dizer que nestes dois anos de Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque [secretária de Estado do Tesouro] já conheciam precisamente o problema dos 'swaps'", disse a dirigente bloquista.

Catarina Martins, que falava durante uma sessão pública promovida pela candidatura de Nelson Peralta à Câmara de Aveiro, adiantou ainda que quando o ministro das Finanças teve conhecimento desta situação, o problema dos contratos 'swap' ia em 1.400 milhões de euros.

"Passados dois anos, o problema já vai em 3 mil milhões de euros", declarou a também deputada do BE, adiantando que Vítor Gaspar "é culpado por estes 1.700 milhões que se perderam enquanto ele estava com o 'dossier' na gaveta".

"Vejam o que é Vítor Gaspar, tão rápido a cortar nos salários e nas pensões e tão lento a olhar para o 'dossier' que lhe diz que está a perder 3 mil milhões de euros com os contratos ruinosos que estão a ser feitos nas empresas", sublinhou.

Catarina Martins acusou ainda a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, de também ter feito contratos 'swap', quando esteve em empresas públicas.

"Talvez não tenham tido um resultado tão ruinoso, ao que se soube até agora, mas na verdade fez o mesmo tipo de contratos", afirmou.

A coordenadora do BE considerou ainda "completamente incompreensível e inaceitável" o facto de as administrações de empresas públicas terem andado a assinar contratos de especulação financeira com a banca.

"Andaram a jogar no casino financeiro com aquilo que é de todos e com isso a degradarem o património que é de todos", sublinhou.

Catarina Martins adiantou ainda que os bloquistas exigiram que a auditoria feita aos contratos 'swap' fosse entregue com todos os documentos à Assembleia da República, o que ainda não foi feito.

Na passada sexta-feira o Governo anunciou ter chegado a acordo com alguns bancos relativamente aos contratos 'swap' que envolvem empresas públicas, que vai gerar poupanças de 170 milhões de euros em juros durante os próximos anos.

A secretária de Estado do Tesouro disse ainda que o Governo "está a apurar igualmente os diferentes níveis de responsabilidade individual ao nível da gestão das empresas em causa, independentemente das responsabilidades que venham a ser apuradas pelas entidades competentes".

A investigação solicitada pelo Governo aos instrumentos financeiros subscritos por várias empresas públicas detetou contratos altamente especulativos, que não se limitam a fazer a cobertura de risco, através da fixação da taxa de juro [os designados 'swaps'], mas que estão dependentes de variáveis complexas, como a variação cambial ou da cotação do petróleo.

Em causa estão cerca de três mil milhões de euros no perímetro das empresas públicas em responsabilidades potenciais por utilização destes instrumentos financeiros, que levaram à substituição dos secretários de Estado Paulo Braga Lino e Juvenal Silva Peneda por alegadamente terem autorizado a celebração destes contratos, enquanto dirigentes de empresas de transportes.

O PSD e CDS-PP já anunciaram a criação de uma comissão de inquérito aos contratos de cobertura de risco celebrados pelas empresas estatais, que podem vir a ser alvo de inquérito criminal por parte da Procuradoria-Geral da República.

As operações 'swap' em contratos de financiamento destinam-se a proteger as partes contratantes das oscilações das taxas de juro ao trocar uma taxa variável por uma taxa fixa. Estes contratos implicam sempre perdas para um dos contratantes, já que existe a obrigação de uma das partes pagar a diferença entre a taxa fixa e a variável.

Congresso PS: CAVACO E GOVERNO AO SERVIÇO DA “SUBMISSÃO E EMPOBRECIMENTO”





Zorrinho acusa Cavaco e Governo de empobrecer o país

Diário de Notícias - Lusa

O líder parlamentar do PS acusou hoje Cavaco Silva e a maioria de serem "um mesmo bloco ao serviço das políticas de submissão e empobrecimento" e defendeu que o partido deve liderar "um novo rumo" para o país.

O presidente da bancada socialista, Carlos Zorrinho, que discursava durante o XIX Congresso do PS, criticou novamente a intervenção do Presidente da República na sessão solene do 25 de Abril e acusou-o de ser juntamente com o PSD e o CDS "um mesmo bloco ao serviço das políticas de submissão e empobrecimento que são impostos".

"Se o Presidente da República dividiu em vez de unir, nós temos de dar o exemplo contrário, temos de unir em vez de dividir, esse exemplo deve emergir de dentro de nós, é isso que está a acontecer e a colocar tão nervosos os nossos adversários", sustentou.

Neste contexto, Zorrinho salientou que "os portugueses têm quem os defenda" e apontou o PS como "o reduto da esperança, da mudança, da ambição, da modernidade":

"Os portugueses sabem disso e esperam muito de nós, é porque sabem disso que os portugueses nos atribuem mais responsabilidade quando o país vive momentos de crise, que não criamos e somos sempre chamados a resolver", declarou.

Antes, o antigo secretário-geral da UGT João Proença defendeu que o país precisa urgentemente de "uma aposta no emprego, nas qualificações e na melhoria das condições de vida".

Proença considerou que deve ser feita uma "mutualização de parte da dívida portuguesa" e que o PS quer "mais tempo mas não quer mais dinheiro".

"O PS é o partido da democracia, da liberdade e da igualdade, do progresso económico e social, deve ser capaz de devolver a esperança aos portugueses, exige-se uma clara mudança de políticas porque estamos fartos desta austeridade, precisamos de crescimento e emprego, de políticas viradas para o investimento produtivo", vincou.

Por outro lado, o socialista Eduardo Cabrita considerou que o PS deve bater-se por "um consenso em torno da renegociação do memorando e um acordo de estabilização da economia pelo menos até ao final da década", ao nível fiscal mas também na política de rendimentos e preços.

"O PS deve ser a resposta e a voz dos que dizem basta, o PS tem de ser o partido que, como no passado, lidera o desafio das reformas", referiu, apontando como prioritárias as reformas da justiça, do sistema eleitoral ou da regionalização.

O deputado socialista advogou que o partido deve abrir-se à sociedade com "propostas como as primárias para a escolha do candidato a primeiro-ministro" e realizar "um profundo estudo".

Neste contexto, Cabrita deixou um apelo à pluralidade de opiniões no PS nesta "transformação da relação com a sociedade como mobilizador", afirmando que o partido tem de "ouvir tanto o Luís Amado como o Pedro Nuno Santos".

Costa diz que há mais Europa para além da troika e de Merkel

O presidente da Câmara de Lisboa considerou hoje que há mais Europa para além da "troika" e mais Alemanha para além de Merkel e defendeu a renegociação do memorando para evitar a morte do devedor.

Este segundo dia do XIX Congresso Nacional do PS foi aberto por uma intervenção do presidente do Parlamento Europeu e dirigente social-democrata germânico, Martin Schulz.

Um discurso que serviu depois ao dirigente socialista António Costa para tentar demonstrar a tese de que se impõe a renegociação do memorando da "troika" (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional) e que há uma alternativa para Portugal no contexto europeu.

"Ouvimos aqui hoje o nosso camarada Martin Schulz. Há mais Europa para além da 'troika', há mais Alemanha para além de Merkel", disse, recebendo palmas dos congressistas socialistas, numa alusão crítica à atuação da chanceler germânica Ângela Merkel.

No plano europeu, António Costa afirmou que "Portugal não pode capitular na defesa do interesse dos outros" e, pelo contrário, tem de bater-se pela imprescindível renegociação do memorando, alegando que nenhuma das metas propostas foi atingida.

A seguir, Costa argumentou que essa renegociação não só é necessária, como também é muito possível.

"Nenhum credor quer a morte do devedor. Qualquer credor quer que o devedor esteja de boa saúde e produza o rendimento suficiente para sobreviver e para ter o excedente necessário para pagar o que deve", advogou.

Num discurso de caráter programático, o presidente da Câmara de Lisboa defendeu a estabilização da economia, através da recuperação do setor da construção com um plano de reabilitação urbana e através da dinamização do mercado interno com medidas como o aumento do salário mínimo e a redução do IVA da restauração.

António Costa advertiu neste contexto que Portugal tem de negociar e aplicar de forma diferente o próximo programa de fundos comunitários.

Os fundos comunitários, de acordo com a sua conceção, têm de servir de base de investimento e para atacar os problemas estruturais que "minam" a competitividade da economia portuguesa.

Nesse sentido, propôs duas frentes territoriais: uma do litoral com capacidade competitiva no mercado transatlântico, e uma zona fronteiriça com vocação para o mercado ibérico.

"Nesse mercado ibérico, nós não somos interior mas sim centrais, porque estamos no centro do mercado da Península Ibérica. Não há nada mais inteligente do que mobilizarmos os fundos comunitários para um grande programa de empreendedorismo e de empregabilidade, sobretudo dirigida à geração mais qualificada em Portugal", advogou.

Outra ideia apresentada por António Costa relacionou-se com a celebração "de um grande acordo estratégico de concertação", capaz de resolver os impasses políticos (reforma do sistema político), estabilizar o quadro fiscal e assegurar a sustentabilidade do Estado social.

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SOCIALISTAS QUEREM QUE HOLLANDE ENFRENTE MERKEL





Em um documento de 21 páginas coordenado pelo deputado Jean-Christophe Camdabélis, vice-presidente do Partido Socialista Europeu (PSE), os socialistas denunciam o rombo atual da Europa sob a batuta da papisa do liberalismo do Velho Continente, Angela Merkel. O texto argumenta que “o projeto comunitário está ferido por uma aliança de circunstância entre os acentos thatcherianos do primeiro ministro britânico e a intransigência egoísta da chanceler Merkel. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris

Eduardo Febbro – Carta Maior

Paris - O Partido Socialista saiu de sua disciplina silenciosa para arremeter com uma veemência inédita contra a chanceler alemã Angela Merkel e estimular o presidente François Hollande a “enfrentar Merkel”. Em um documento de 21 páginas coordenado pelo deputado Jean-Christophe Camdabélis, vice-presidente do Partido Socialista Europeu (PSE), os socialistas denunciam o rombo atual da Europa sob a batuta da papisa do liberalismo do Velho Continente, Angela Merkel. O texto argumenta que “o projeto comunitário está ferido por uma aliança de circunstância entre os acentos thatcherianos do primeiro ministro britânico _ que só concebe a Europa como um menu e a baixo preço – e a intransigência egoísta da chanceler Merkel, que só pensa nos poupadores da Alemanha, na balança comercial de Berlim e em seu futuro eleitoral”.

O ataque frontal ocorre em pleno debate sobre a manutenção da linha de rigor adotada por François Hollande e imediatamente depois de uma intervenção pública muito dura do atual presidente da Assembleia Nacional, o socialista Claude Bartolone. Ele se pronunciou a favor de um “confronto” com a Alemanha para sair do círculo interminável do rigor. As baterias políticas da esquerda do PS foram acionadas no momento em que a França registrou o nível de desemprego mais alto da história, com 3.224.600 pessoas sem trabalho, um pico que superou a marca anterior de 1997. Toda a ala esquerda do PS vem levantando a voz há várias semanas contra a política de rigor e de controle orçamentário assumida por Hollande. “Se a seriedade orçamentária mata o crescimento então ela não é mais séria. É absurda e perigosa”, disse Arnaud Montebourg, atual ministro da Reativação Produtiva. 

A chamada “keine alternativa” começa a esgotar a paciência até dos aliados mais próximos de Hollande. No entanto. O chefe de Estado repete que “não mudará” de política econômica: rigor, rigor e austeridade, matizados com expressões de suave inspiração social democrata. Mas a realidade não se move. As palavras vão por um lado, e os fatos por outro: cada vez há mais desempregados, mais pobres e também mais ricos. “O presidente avança direto contra o muro sem buzinar”, disse o deputado ecologista Jean-Vincent Placé. A maioria socialista está entre dois navios que navegam em um oceano muito agitado. Uma parte centrista respalda o mandatário, a outra não cessa de reclamar outra política. A esquerda que chegou ao poder com tantas ilusões parece desesperançada, enjoada pelo golpe e pela amplitude não prevista da crise.

O argumento de François Hollande consiste em dizer que o controle dos déficits e a política de rigor que o acompanham permitirão que a dívida da França (94% do PIB) baixe. Isso, somado ao retorno hipotético do crescimento, deixará à esquerda uma margem importante para distribuir. Paguem primeiro, distribuiremos depois. Daniel Cohn-Bendit, o líder do movimento estudantil que estourou na França em maio de 1968, diz que esse argumento é incongruente e que a social democracia está “desamparada frente à amplitude da crise”. Segundo o ex-eurodeputado ecologista, “a globalização da crise econômica, financeira e ecológica põe em questão a ideia tradicional da repartição dos lucros e do crescimento”.

A crise, as políticas de rigor e as incontáveis promessas eleitorais jamais cumpridas por François Hollande acabaram por formar um nó sem fim. O horizonte está habitado por um discurso único e, como expressa muito bem Daniel Cohn Bendit, “a esquerda está desmoralizada”. Benoît Hamon, ministro da Economia Solidária e representante da ala de esquerda moderada do PS, alega que “não se pode viver sob essa capa de chumbo mantida pela direita alemã. O ritmo imposto à manutenção de uma consolidação orçamentária que nos confina à austeridade pode nos conduzir a um caminho sem saída”. Mas é assim que se está vivendo, em uma situação de total impotência. Nenhuma linha se move. Cecile Duflot, ministra da Habitação, assegura: “devemos provar que a política pode agir sobre a realidade”. Por enquanto atua sem melhorá-la. Ou só melhora na Alemanha.

A esquerda francesa terminou brigando mais consigo mesma do que com seus adversários da direita. Entre as alas esquerdas do PS, de onde são oriundos vários ministros, a Frente de Esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, que zomba do governo com uma ironia violenta, e a centro-direita que controla as funções essenciais do Executivo, a polifonia é discordante. E essa cacofonia é extensiva a outros atores políticos e econômicos. Há alguns dias, o presidente da Comissão Europeia, José Miguel Barroso, o guardião das políticas de redução de déficits, disse que “a austeridade havia chegado aos seus limites”. 

No início deste ano, Olivier Blanchard, o economista chefe do Fundo Monetário Internacional, reconheceu que tudo havia saído ao contrário do previsto: “nas economias desenvolvidas, a forte consolidação fiscal – redução de déficits – foi acompanhada de um crescimento mais débil do que o esperado”.

Os resultados são catastróficos, mas ninguém que está no poder se afasta dessa linha. Recém agora, depois de estar quase um ano no governo, o PS disparou sua primeira flecha: “enfrentar democraticamente a direita europeia” para combater politicamente a direita alemã. Em parte, em maio do ano passado, François Hollande havia sido eleito com essa ilusão. Mas Angela Merkel segue mandando no tabuleiro europeu.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

NOVO ESTUDO APONTA ERROS EM “BASE CIENTIFICA” DAS POLÍTICAS DE AUSTERIDADE





Argumento de que há uma relação perniciosa entre alta dívida pública e crescimento do PIB, encampado por políticos conservadores, começa a ser derrubado na academia. Economistas da Universidade de Massachusetts acabam de publicar estudo que invalida os achados estatísticos de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart (foto), os 'papas' daquela teoria.

Tomas Rotta - Marx21 - Carta Maior

O influente estudo de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart sobre a relação negativa entre dívida pública e crescimento, publicado originalmente em 2010 na American Economic Review e com a versão preliminar no NBER, acaba de ser desbancado por economistas da Universidade de Massachusetts em Amherst. 

O estudo de Rogoff e Reinhart foi base para o também livro best seller “This Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly”. O argumento dos autores é o de que há uma relação perniciosa entre alta dívida pública e crescimento do PIB, o que foi imediatamente encampado por políticos conservadores como justificativa científica para os programas de austeridade fiscal. 

Mas outro recente estudo de Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin acaba de invalidar os achados estatísticos de Rogoff e Reinhart ao mostrarem que estes cometerem “erros” básicos de metodologia, além de “erros” ao utilizarem funções no Excel. Pior ainda, o “erro” de Rogoff e Reinhart no Excel alterou por completo a principal conclusão do estudo de que países com relação dívida pública sobre PIB acima dos 90% sofrem, em média, crescimento negativo.

A história é a seguinte. Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, professores de Harvard, queriam avaliar a relação entre crescimento do PIB e dívida pública. Mas como ambos pesquisadores tem um viés ideológico evidentemente conservador, lhes interessava encontrar uma correlação negativa entre a razão dívida pública sobre PIB e a taxa de crescimento médio do PIB. E este foi o resultado que eles de fato encontraram ao analisarem vários países em várias décadas.

Rogoff e Reinhart separam os países em quatro subgrupos de acordo com a relação dívida pública sobre PIB: (1) abaixo de 30%; (2) entre 30% e 60%; (3) entre 60% e 90%; (4) acima de 90%. E perceberam que o crescimento médio do PIB era negativo (-0.1%) para os países no grupo com índice de dívida sobre PIB acima de 90%. Concluíram então que o acúmulo de dívida pública ocorre em detrimento do crescimento econômico. 

Rogoff e Reinhart não escreveram que há uma relação causal entre dívida e contração econômica. Limitaram-se a postular a correlação, sem implicar qualquer causalidade. Mas o faziam em entrevistas para jornais e para a televisão. Fora do mundo acadêmico, Rogoff e Reinhart afirmavam que de fato há uma relação causal entre dívida e retração do crescimento. 

Nada mais propício para os austeros de plantão que ansiavam por uma justificação científica e objetiva para a contração fiscal e redução da relação dívida-PIB. O achado foi utilizado diversas vezes no congresso dos EUA tanto por senadores como por deputados como prova cabal de que o governo deveria cortar gastos, em especial os gastos sociais.

Mas havia uma pedra no meio do caminho. O primeiro problema foi que vários outros economistas tentaram replicar os resultados de Rogoff e Reinhart, todos sem sucesso. Até que os autores tiveram que liberar seus dados e cálculos para dois economistas da Universidade de Massachusetts em Amherst, nomeadamente Michael Ash e Robert Pollin, os quais deixaram Thomas Herndon, colega de doutorado em economia, encarregado de checar os cômputos. 

Resulta que Herndon descobriu que Rogoff e Reinhart tinham cometido “erros” básicos ao utilizarem o Excel para calcular médias de crescimento do PIB, além de utilizarem pesos injustificáveis para as observações. No estudo original, Rogoff e Reinhart excluem arbitrariamente algumas observações cruciais e ainda dão o mesmo peso para observações de uma década e uma observação de um simples ano, o que acaba por viesar os resultados a favor da conclusão de que mais dívida se correlaciona com menor crescimento:

“We replicate Reinhart and Rogo ff (2010a and 2010b) and nd that coding errors, selective exclusion of available data, and unconventional weighting of summary statistics lead to serious errors that inaccurately represent the relationship between public debt and GDP growth among 20 advanced economies in the post-war period. Our finding is that when properly calculated, the average real GDP growth rate for countries carrying a public-debt-to-GDP ratio of over 90 percent is actually 2.2 percent, not -0.1 percent as published in Reinhart and Rogoff . That is, contrary to RR, average GDP growth at public debt/GDP ratios over 90 percent is not dramatically diff erent than when debt/GDP ratios are lower. We also show how the relationship between public debt and GDP growth varies signi ficantly by time period and country. Overall, the evidence we review contradicts Reinhart and Rogoff ’s claim to have identifi ed an important stylized fact, that public debt loads greater than 90 percent of GDP consistently reduce GDP growth.”

Rogoff e Reinhart, em bom português, usaram uma metodologia altamente duvidosa com exclusão seletiva de dados, manipulação injustificável dos pesos e, pior ainda, erro nos códigos das médias. Se corrigidos, os resultados apontam que países com relação dívida-PIB acima de 90% crescem em média 2.2% ao ano, e não -0.1%. 

O achado de Herndon, Ash e Pollin já ganhou repercussão internacional. Artigos no New York Times (aqui também), Businessweek, Financial Times, blog do Krugman (aqui, aqui, e aqui), Wall Street Journal, Bloomberg, Guardian etc. deram publicidade global para o fato de que as conclusões favorecendo a austeridade fiscal se assentavam sobre cálculos equivocados. Resulta que agora Rogoff e Reinhart já admitiram publicamente o “erro” (aqui também), mas não abrem mão do argumento de que a contração fiscal é necessária para obter maior crescimento. Bom, neste caso a ideologia da direita vence a realidade.

No final das contas, se utilizarmos os dados corretamente, haveria correlação entre dívida e crescimento? Em gráfico obtido por Herndon, Ash e Pollin, os autores utilizam todos os dados para todos os países e anos originalmente usados por Rogoff e Reinhart. Aparentemente há uma correlação negativa entre dívida pública e crescimento. Mas esta correlação é mera aparência, afinal a qualidade do ajuste (fitness) da regressão é muito baixa. Vejam como as observações se espalham ao redor da regressão, com R-quadrado = 0.04.

Uma questão central é o problema da causalidade. É o aumento da dívida que causa baixo crescimento, ou o baixo crescimento do PIB que causa aumento da dívida pública? O estudo original de Rogoff e Reinhart sugeria uma correlação, não causalidade. Mas o argumento foi tomado pelos políticos como uma evidência que maior endividamento causa menor crescimento. Mas não poderia haver causalidade reversa com baixo crescimento causando aumento da dívida pública? A teoria keynesiana nos fornece fortes razões teóricas para crer que a causalidade vai do baixo crescimento para o aumento da dívida pública.

Outro problema é o do significado da razão estoque sobre fluxo. Ao medir dívida pública sobre PIB estamos medindo o estoque total da dívida (em dólares) sobre o fluxo de valor agregado em um ano (em dólares por anos), o que nos deixa com um número puro por ano. Além disso, por que usar 1 ano como referência de tempo para a dívida pública? Por que não 10 anos? Não há nada especial em utilizar dívida por ano como um bom indicador de endividamento, pois muito desta dívida é de longo prazo.

“After all, debt (which is measured in currency units) and GDP (which is measured in currency units per unit of time) yields a ratio in units of pure time. There is nothing special about using a year as that unit. A year is the time that it takes for the earth to orbit the sun, which, except for seasonal industries like agriculture, has no particular economic significance.” – Robert Shiller

A retratação pública de Rogoff e Reinhart se resume ao argumento de que se a análise não reflete a realidade, pior para a realidade.

“Reinhart and Rogoff have admitted to a “coding error” in the spreadsheet that meant some countries were omitted from their calculations. But the economists denied they selectively omitted data or that they used a questionable methodology. [...] Reinhart and Rogoff, however, say their conclusion that there is a correlation between high debt and slow growth still holds. “It is sobering that such an error slipped into one of our papers despite our best efforts to be consistently careful,” they said in a joint statement. “We do not, however, believe this regrettable slip affects in any significant way the central message of the paper or that in our subsequent work.” - NYT

Ambos continuam a defender abertamente o ajuste recessivo via políticas de austeridade fiscal como solução para o baixo crescimento. Cabe então indagar sobre quem se beneficia com as políticas de austeridade.

Adendo:

Para aqueles que estiverem interessados em uma análise econométrica da relação entre crescimento e dívida pública, recomendo o excelente e curto artigo preparado por Arin Dube, também professor da UMass Amherst. Dube invalida a ideia de que mais dívida leva a menor crescimento, mostrando justamente o contrário: é o baixo crescimento do PIB que leva ao aumento do quociente dívida pública sobre PIB. O problema é o baixo crescimento, não a alta dívida.

A CORRIDA AO OURO DA FRELIMO




Verdade (mz) - clicar imagem para ampliar

O investimento em energia e infra-estruturas pode transformar o negligenciado norte e afectar a sucessão presidencial.

Anadarko e outras companhias petrolíferas prevêem que o gás descoberto em Cabo Delgado pode duplicar o produto interno bruto anual. Por enquanto, acredita-se que as vastas reservas de carvão se encontram na província do Niassa. O centro da gravidade de oportunidades económicas de Moçambique parecem se transladar para o norte. O governo está a atrair investidores estrangeiros para ajudarem na transformação desses recursos naturais em rendimentos públicos para o que era até agora um dos países mais pobres do mundo.

Os líderes da Frente de Libertação de Moçambique garantem os seus benefícios pessoais e podem usar os recursos para influenciar suas posições no seio da Frelimo. A figura mais importante no desenvolvimento do norte é o General Alberto Chipande, a quem a lenda da Frelimo acredita ter sido o protagonista do tiro que lançou a luta de libertação contra o colonialismo português em 1964. Um Ex-ministro da Defesa e natural de Cabo Delgado, ele representa a província no parlamento. Aos 73 anos de idade, ele é, certas vezes, visto como um dos dinossauros do partido mas o antecipado renascimento de norte tem revivido quer os seus negócios como os seus interesses políticos.

Embora todos líderes seniores da Frelimo tenham maiores interesses de negócio, os de Chipande são muito independentes dos do Presidente Armando Guebuza, mesmo assim ele tem sido seu próximo conselheiro político. Os aliados dos negócios do Chipande incluem generais naturais do norte e a Frelimo, bem como empresários que se pensa serem rivais de Guebuza. Uma proposta presidencial por Chipande no próximo ano não parece improvável como já aconteceu uma vez.

A estrela de Guebuza está em decadência já que o fim do seu último mandato no cargo aproxima-se. Ele está a tentar transferir alguns poderes presidências ao seu privilégiado, Alberto Vaquina, a quem o nomeou como Primeiro-ministro no ano passado na expectativa de continuar a manter influência. Um outro favorito de Guebuza, Jose Pacheco, foi visto como uma estrela ascendente e um possível sucessor mas a sua reputação foi manchada devido a sua reacção aos tumultos de comida em Setembro de 2010 e, recentemente, acusações de corrupção. Uma informação recente dada pela Agência de Investigação Ambiental (AIA) criticou o Ministro de Agricultura por ter relações muito próximas com uma empresa chinesa que tem estado ilegalmente a exportar madeira. A AIA estima que cerca de metade de negócio de madeira de Moçambique, que tem estado a crescer fortemente, é ilegal. O General Chipande também tem interesses nas madeiras.

Chipande e a presidência

O estado de Alberto Chipande como um herói incontestado do partido faz dele, uma atractiva perspectiva presidencial para elementos anti-Guebuza como Graça Machel, viúva do presidente Samora Machel, esposa do antigo Presidente Sul-africano Nelson Mandela e uma empresária de sucesso no seu próprio direito. Armando Guebuza tem mantido a fé dos “antigos combatentes” até agora por oferecer-lhes tachos e protecção, e até mesmo terras e concessões mineiras. Contudo os aliados do Chipande incluem antigos combatentes de Cabo Delgado que sentem que Guebuza não tem sido suficientemente generoso.

Um outro aliado próximo do Chipande que é hostil ao Guebuza é o empresário Fernando Amado Couto, alegado em ser o cérebro por detrás da aquisição de Nacala Porto pelo recém-formado “Portos do Norte” (PdN). Acredita-se que Chipande e o General Raimundo Domingos Pachinuapa são accionistas na PdN e a empresa pode estar a negociar a gestão de outro porto no norte.

Se Armando Guebuza quiser que as suas influências continuem, alguns perguntam, por que não a sua esposa, Maria da Luz Dai Guebuza, sucedê-lo? Presidente da Associação de Mulheres Moçambicanas, a Primeira-dama tem fortes referências da libertação e tem desempenhado outros papéis em comum com chefe do estado. Outros são cépticos: alguns notam que a família Guebuza teme que os eleitores podem punir qualquer ambição dinástica. Contudo, alguns líderes da Frelimo querem um rosto famoso para fazer face as próximas campanhas presidências.

As perspectivas presidênciais do Chipande são mistas. Embora popular no partido, ele é desconhecido na maioria dos eleitores jovens e é improvável para atraí-los, embora se pensa que não existem perspectivas de candidato de qualquer outro partido triunfar contra a máquina da Frelimo em 2014. Os eus aliados estão a trabalhar para fomentar seu apoio nas províncias nortenhas mas ele precisa ainda do auxílio do Guebuza para fazer uma completa proposta para a presidência. Acontece o que acontecer com ele politicamente, parece determinado em permanecer uma figura essencial na – e beneficiário de – crescimento económico do norte.

A rede Quionga

Um movimento chave dos negócios do General Alberto Joaquim Chipande foi a formação de Quionga Energia SA neste Janeiro. Estão também envolvidos o seu aliado de longa data General Raimundo Pachinuapa e a empresa Epsilon Investmentos SA do antigo Ministro das Finanças Abdul Magid Osman. Quionga pretende agir da mesma maneira como empresas privadas estabelecidas pelos líderes do governo angolano para colher benefícios de exploração petrolífera no mar sem ter que investir. Em Angola, as grandes empresas petrolíferas que ganham licenças de exploração são depois obrigadas pelo governo de José Eduardo dos Santos a “partilhar” uma pequena cota, geralmente de 10% a 15% para empresas como Quionga. Com fundadores poderosos mas sem experiência industrial, a Quionga é um modelo clássico designado para venda do modelo angolano, confirma uma fonte da Frelimo próxima dos generais.

Outros accionistas da Quionga incluem o General Henriques Lagos Lidimo, antigo chefe do Estado Maior, e Salésio Teodoro Nalyambipano, antigo Vice-ministro de Segurança e ex-embaixador em Angola. Também são accionistas o General Tomé Eduardo e o General Atanásio Salvador Mtumuke, ambos de etnia maconde. A amizade de Chipande e Pachinuapa remonta dos seus tempos como comandos da guerrilha durante a guerra e ambos são antigos governadores da Província Cabo Delgado e membros da Comissão Política, organismo da governação da Frelimo. A esposa de Pachinuapa, Maria, está no comité Central da Frelimo e está ligada à Graça Machel através da sua empresa Grupo Whatana investimento.

Os generais já têm muitos interesses de comerciais na província de Cabo Delgado, particularmente no sector da silvicultura e mineração. Chipande e Pachinuapa estão envolvidos na silvicultura através duma empresa chamada Newpalm Internacional, como é o caso do Lidimo e Mtumuke numa firma chamada Madeiras de Machaze. O parceiro chave do Chipande através da Newpalm é José Mateus Muaria Kathupa, irmão de Carvalho Muaria, actual Ministro do Turismo, e antigo Governador da Província de Sofala e um director da Petromoc. Pachinuapa, Lidimo e Nalyambipano têm interesses na concessão de rubi em Montepuez. Algumas fontes afirmam que Lidimo detém concessões de terras ricas em minerais na Província de Niassa e Chipande, cujo leque de interesses comerciais incluem a mineração, uniram-se na obtenção de terras em Palma. A Epilson é fundamental para a Quionga.

A Epsilon inicialmente concentrava-se em investimentos imobiliários. O seu proprietário, Osman, está na Administração da empresa portuguesa de petróleo e gás, a Galp. A Galp tem grande interesses em Moçambique, incluindo 10% da parcela 4 na bacia do Rovuma, controlada pela empresa Italiana ENI (Ente Nazionale Idrocarburi), que é uma das accionistas principais do Galp. A ligação de Magid Osman através da Galp devia por a Quionga na primeira posição para se beneficiar durante o processo da proposta.

Todos contratos, contudo, devem ser concedidos aos licitantes devidamente qualificados e o papel da Quinga será cuidadosamente seguido pelos defensores da transparência. Mesmo que a Quionga não obtenha percentagens das explorações offshore, permanece muito bem colocada para beneficiar dos contractos de fornecimento de infra-estruturas auxiliares que podem rondar os US$50 biliões na instalação da unidade de liquefacção de gás que a ENI está a construir com Anadarko em Palma. O projecto da Epsilon foi criado em 2007, por Magid Osman, depois do presidente Armando Guebuza o ter afastado do segundo maior banco comercial, BCI- Fomento. Guebuza forço-o a vender as suas acções e ceder a presidência ao seu escolhido Celso Correia. Outro accionista do BCI que juntou-se a Osman no Epsilon é o jurista e ex-membro da Assembleia da República pela bancada da Frelimo Abdul Carimo Mohamed Issa, parceiro de negócios de Osman e Machel. Segundo as nossas fontes Abdul Carimo estave envolvido na fundação da Quionga, na qual é também accionista.

A Quionga pode também pretender mediar a entrada de investidores Angolanos para o petróleo Moçambicano e indústria de gás. O Vice-presidente angolano Manuel Vicente, antigo chefe de Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola, tem feito viagens regulares a Moçambique para falar com empresas privadas sobre oportunidades de petróleo e gás. Acredita-se que ele já visitou o país duas vezes este ano.

Chipande está melhor colocado para fazer negócios com Luanda do que Guebuza, cujas relações com a liderança Angolana diz-se serem fracas. A Sonangol é um outro maior accionista da Galp e recentemente, a empresa Angolana tentou aumentar o seu controlo na Galp assim como assegurar a sua entrada nas indústrias em outros países, tal como no Brasil. Alguns observadores industriais consideram lógico que a Sonangol entre em Moçambique através da Galp e de Magid Osman.

PEQUENO TREMOR DE TERRA REGISTADO NO CENTRO DE MOÇAMBIQUE




Verdade (mz)

Um sismo de magnitude de 4,2 graus na escala de Richter foi registado no princípio da tarde desta Sexta-feira no distrito de Sussundenga, na província de Manica, no centro de Moçambique.

Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos o abalo foi registado às 13h58 a uma profundidade de 9,9 km e o epicentro foi localizado numa região situada a 100 km da cidade do Chimoio.

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia o epicentro foi no distrito de Sussundenga, a sul da província de Manica.

Uma testemunha residente em Gondola, a mais de 60 quilómetros do epicentro, relatou @Verdade que "foi um tremor que durou 10 a 20 segundos, mesas e camas abanaram, e até saíram do lugar".

Segundo a mesma testemunha, que falou com familiares, o sismo foi sentido também no Chimoio.

Outra testemunha, residente na cidade do Chimoio, e que se encontrava a almoçar no momento do sismo disse que "meramente os garfos e facas se mexerem com algum abano das mesas e cadeiras. Foi muito rápido. Pessoas por perto que estavam de pé a falar não sentiram nada".

Até ao momento não foi possível estabelecer contacto com fontes no distrito de Sussundenga para apurar a existência ou não de danos materiais ou de vítimas.

Moçambique é um país atravessado pela Grande Fenda Africana, ou simplesmente “Vale da Rift”, complexo de falhas tectónicas criado há cerca de 35 milhões de anos. Esta estrutura estende-se no sentido norte-sul por cerca de 5000 quilómetros, desde o norte da Síria até ao centro do país. No país, extende-se a partir do Lago Niassa, rio Chire, terminado na província da Zambézia.

Recorde-se que o mais forte sismo registado no nosso país aconteceu em Fevereiro de 2006, com uma magnitude de 7.5 graus na escala de Richter, com epicentro em Machaze, sul da província central de Manica.

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“25 DE ABRIL FOI DECISIVO” – afirma deputado angolano Manuel Pedro Pacavira




Jornal de Angola

Portugal celebrou o Dia da Liberdade. No dia 25 de Abril de 1974 uma acção militar, a “Revolução dos Cravos”, derrubou a ditadura fascista. Em Angola a efeméride assume um significado muito particular como defende em entrevista ao Jornal de Angola o deputado Manuel Pedro Pacavira.

Jornal de Angola: O que representa o 25 de Abril para Angola?

Manuel Pedro Pacavira: É antes de mais um acontecimento histórico de extraordinária importância internacional e também para Angola. Pelas repercussões, pela relevância e âmbito, mas também pelo que significou na mudança do regime, com o resgate da liberdade para o povo português e para os povos das colónias.

JA - O que mudou em Angola?

MPP - O 25de Abril de 1974 mudou o curso da história dos povos que estavam ainda na condição de colonizados. Foi uma interacção de factos e acontecimentos políticos que envolveram Portugal, como potência colonizadora, e os movimentos de libertação das colónias sob denominação portuguesa.

JA - Refere-se a que factos?

MPP - Os movimentos de libertação das colónias, em particular aqueles que se encontravam de armas na mão, na Guiné-Bissau, Moçambique e em Angola, envolvidos numa intensa guerra de guerrilha, de vida ou morte, do tudo ou nada, influíram muito positivamente para que os jovens oficiais militares portugueses fizessem o 25 de Abril.  Já estavam cansados e perceberam que a guerra não tinha objectivo nenhum. Então entenderam rebelar-se contra o poder colonial. Em contrapartida também esta revolta dos jovens portugueses no exército colonial, criou premissas para um novo contexto, na luta dos povos que desejavam ardentemente libertar-se.

JA - Onde estava quando se deu o 25 de Abril?

MPP - Estava preso em Cabo Verde, no campo de concentração do Tarrafal. Cheguei a Luanda no dia 4 de Maio, duas semanas depois. O director da cadeia veio dar-nos a notícia de que tinha ocorrido em Portugal um golpe de Estado. Mas não tinha orientação nenhuma. Os militantes do PAIGC foram para lá fazer uma manifestação e piquetes para nós sairmos da prisão. 

JA - Mesmo depois do golpe ouve resistência para serem libertados das cadeias?

MPP -  O Movimento das Forças Armadas ordenou a nossa libertação. Foi assim que saímos da prisão sem guias de marcha sem nada. Meteram-nos num avião da Força Aérea e aterrámos em Luanda. Viemos do aeroporto para a Casa de Reclusão, mas saímos no mesmo dia também sem documento algum.

JA - Como viu Luanda depois de longos anos preso?

MPP - Assim que chegámos fomos para a Casa de Reclusão, mas eles também não sabiam o que fazer. A PIDE estava em debandada, a administração colonial estava paralisada e quem estava a aguentar um bocadinho era a polícia. Os militares estavam com o Movimento das Forças Armadas, apoiavam a Revolução de Abril. A polícia é que estava a ser comandada por reaccionários que passaram à acção directa, matando os negros nos bairros. Mas como já tínhamos conseguido organizar-nos, conseguimos expulsá-los dos bairros.

JA -O 25 de Abril é o processo de descolonização em si?

MPP – O Movimento das Forças Armadas criou as premissas para a mudança do curso da História dos povos colonizados, mas de maneira nenhuma posso dizer que foi a causa. Porque a luta não parou aí. O 25de Abril não desaguou directamente na independência de Angola e de Moçambique. Claro que na altura a Guiné-Bissau já tinha outra condição, porque praticamente naquela altura já a guerra tinha terminado. Foi assunto resolvido pelo 

PAIGC. A situação da Guiné-Bissau não se comparava em nada com a de Moçambique, muito menos a de Angola.

JA - Porquê?

MPP – Spínola, o Presidente da República, não pensava libertar Angola. Era a jóia da coroa. E o triunfo do movimento revolucionário de 25 de Abril, apesar de ter criado as premissas, trouxe a lume várias perspectivas no seio dos oficiais do MFA sobre o destino a dar às colónias. A luta não parou precisamente no 25 de Abril por causa da existência dessa variedade de perspectivas no seio dos oficiais que se revoltaram.

JA - Que perspectivas eram essas no seio do MFA?

MPP - Dentro do movimento revolucionário de 25de Abril foram incorporados antigos oficiais superiores que pouco tempo antes constituíam o estado-maior do regime fascista. Explico-me: triunfou o movimento, mas o movimento não foi gerido somente por esses oficiais que se revoltaram, como Otelo Saraiva de Carvalho, Rosa Coutinho, Pezarath Correia e tantos outros. 

JA - Quem mais integrou o movimento?

MPP - O movimento incorporou muitos oficiais que representavam o regime em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. No caso concreto da Guiné-Bissau, o Spínola, e em Angola, o Silvino Silvério Marques, que era um dos ideólogos das novas ideias de colonização.

JA - Que ideias eram essas?

MPP - Havia três perspectivas. Uma delas era defendida por oficiais superiores que integravam o estado-maior do regime derrubado no 25 de Abril. Queriam perpetuar o colonialismo sob novas formas, como na antiga Rodésia de Ian Smith. Ou o apartheid da África do Sul. 

JA - Como actuaram esses oficiais do fascismo?

MPP - Era preciso encontrar uma solução e  foram ensaiando cenários, a começar pela jóia da coroa. Um dos cenários que eles ensaiaram foi provocar factos ou situações políticas em Angola que precipitassem uma declaração unilateral da independência que seria governada somente por brancos e colorida com alguns negros e mestiços fiéis ao regime fascista de Lisboa. Silvino Silvério Marques fazia parte dos oficiais superiores que integravam o regime colonial e defendiam a ideia da independência de Angola, ao estilo da África do Sul e da antiga Rodésia, hoje Zimbabwe. 

JA - Existiam outros cenários?

MPP - Havia uma outra corrente no seio do Movimento das Forças Armadas, aqueles que defendiam o federalismo, mas nunca explicavam nem o conteúdo, nem o programa. Havia sim um programa claro do Movimento das Forças Armadas, que era a descolonização total das colónias portuguesas.

JA - Em que consistia a corrente do federalismo?

MPP - Não havia nada de concreto. Era um projecto sem conteúdo, nem programa. Queriam construir a república federal portuguesa com Angola como estado federado. Esses elementos do MFA não pretendiam, de maneira nenhuma, deixar Angola. 

JA - Qual era a terceira perspectiva política?

MPP - Portugueses progressistas ensaiaram a ideia de uma confederação entre Portugal, Angola e Cabo Verde, que seria a Confederação das Repúblicas Luso-Socialistas. 

JA - Essas correntes no seio do MFA tiveram consequências em Angola?

MPP - Enquanto se vivia essa indecisão, as forças reaccionárias, que eram aqueles que detinham o poder em Angola, como não podiam aplicar o menu de Marcelo Caetano, através de Silvino Silvério Marques, passaram à acção. Quando Silvino Silvério Marques regressou a Angola, depois do 25 de Abril,  como representante do Movimento das Forças Armadas, não se sabia muito bem qual era a sua missão. Mas pelas suas acções tudo ficou bem claro para nós. 

JA - Que acções?

MPP – Silvino Silvério Marques alimentava as forças contra-revolucionárias, que começaram a matar os negros nos bairros. Nós internamente tivemos que passar à acção directa para nos defendermos.

JA - Isso corresponde a que período da História?

MPP - Foi entre Maio e Agosto de 1974, logo a seguir a 25 de Abril. 

JA- Onde estava nessa altura?

MPP - Estava aqui no país a coordenar as acções, credenciado pelo Presidente António Agostinho Neto. 

JA - Com quem contou para essas acções políticas?

MPP - Primeiro com o apoio do Presidente Neto. O camarada Lúcio Lara e a direcção em Brazzaville, que integrava o camarada José Eduardo, apoiavam a nossa luta interna. 

JA – E com que forças contava internamente?

MPP - Internamente contamos com o apoio de muitos militantes. Posso nomear Hermínio Escórcio, Virgílio Furtado, Brás da Silva, Aristides Van-Dúnem, Arminda Faria, Albina Assis, Zeza Cohen, e tantos outros, na sua imensa maioria do MPLA. Havia algumas pessoas que militavam na clandestinidade como é o caso do Dr. Diógenes Boavida, o grupo da Dra. Maria do Carmo Medina, o Movimento Democrático de Angola, que jogou um papel importante nesta guerra. Porque foi mesmo uma guerra, pois tivemos que pegar em armas. E ainda contamos com os camaradas comandantes do MPLA que tinham sido aprisionados pelas autoridades portuguesas e se puseram ao serviço da guerrilha urbana.

JA - É um período pouco comentado e conhecido?

MPP - Pouca gente não fala disso. Realmente é um período pouco falado, mesmo alguns camaradas do MPLA que estavam no exterior não sabem. Mas essas acções de resistência dos militantes do MPLA, tiveram o seu apogeu em Julho de 1974, creio que no dia 11.

JA - O que aconteceu nesse dia?

MPP - Militares angolanos no exército colonial fizeram uma marcha, mas fomos nós que organizamos, porque alguns deles eram parentes nossos. Foram fazer uma manifestação junto do comandante em chefe das forças armadas portuguesas, general Franco Pinheiro, na Fortaleza de São Miguel, para deporem as armas. Foi num dia útil, dia de trabalho, e saíram à rua acompanhados pela população. 

JA - Recorda-se de alguém que tenha marchado nesse dia?

MPP - Tínhamos o Américo de Carvalho, irmão do bispo Emílio de Carvalho, que era alferes e se distinguiu na mobilização e na marcha. O Eduardo Bravo, sargento, o meu primo-irmão, Manuel Pacavira Júnior, e também participaram muitos outros jovens, como o Fernando da Piedade Dias dos Santos, actual presidente da Assembleia Nacional. Foi uma marcha militar não apenas de negros. Estavam todas as raças. Existiam brancos portugueses progressistas na manifestaçãi. Foi um acontecimento de vulto, que paralisou a cidade. 

JA - Que impacto teve a marcha naquele período?

MPP - A acção do dia 11 de Julho teve como consequência positiva a elevação da consciência patriótica dos angolanos, que acreditavam na invencibilidade dos reaccionários e generalizou-se por todo o país, pois nesse mesmo dia da manifestação, no Huambo também foi realizada uma outra de desobediência da tropa em que eles arrearam a bandeira portuguesa e içaram a do MPLA. Nessa semana muita tropa começou a desertar, negros e brancos. Uns foram para a guerrilha, outros vieram pedir instruções para actuar. 

JA - Como reagiu o movimento do 25 de Abril?

MPP - O movimento de 25 de Abril foi obrigado a encontrar rapidamente uma solução para gerir o problema de Angola. Foi assim que enviaram para cá o almirante Rosa Coutinho.

JA - Qual era a corrente defendida por Rosa Coutinho?

MPP - Ele defendia que a solução para o problema angolano passava por uma independência genuína. Entendia que era urgente entregar o poder ao povo. E viu rapidamente que o único movimento que representava de facto o povo era o MPLA.

JA - O que o levou a ter essa percepção?

MPP - Os militantes do MPLA, em duas ou três ocasiões, desde Maio a Agosto, mostraram que a força revolucionária residia em nós. Antes de a direcção do movimento vir para aqui, em todos os sítios havia bandeiras do MPLA, camisolas da OMA, pioneiros da OPA a marchar. E eles viram que não havia hipótese. E nas províncias, naquela altura distritos, havia declarações pró MPLA e mensagens de apoio a Agostinho Neto. Enquanto decorria esta batalha, forças internacionais, no contexto da guerra-fria, criaram uma situação política para afastar Agostinho Neto do MPLA ou dividir o MPLA.

JA - Refere-se a que figuras políticas em concreto?

MPP - Era a reacção internacional, no âmbito da guerra-fria. Já não importam nomes. Mas também esta acção revolucionária cá dentro animou os nossos amigos socialistas a apoiarem o MPLA, agora sem reservas. 

JA - O que levou a essa mobilização popular?

MPP - Antes havia algumas hesitações, mas a partir dessas iniciativas internas, os amigos do MPLA da comunidade socialista ficaram animados e começaram a apoiar-nos. Por isso digo que o 25 de Abril de 1974 representa muito para Angola. 

JA - Como era visto o caso de Angola nas organizações da comunidade internacional?

MPP - A questão de Portugal, em particular a de Angola, estava todos os anos na agenda das Nações Unidas. Por exemplo, em 1960 constava na agenda como primeiro ponto da Assembleia-geral da ONU. E reparem que não foi na quarta comissão, que é a comissão de tutela. 

JA - Quem levou o caso de Angola às Nações Unidas?

MPP - Os países africanos e os países asiáticos independentes, naquela altura, apoiados pela antiga União Soviética, a China e demais países da comunidade socialista. Mas a máquina de propaganda do regime colonial português era tão forte que conseguia aqui internamente abafar tudo, incluindo as acções de guerrilha eram apagadas. Mas a pressão internacional era grande, e além disso a guerra em si estava a custar-lhes muito dinheiro. Por isso estavam à procura de soluções.

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